O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 3
Capítulo II - Quatro comprimidos.


Notas iniciais do capítulo

Oi Hunters, como estão?
Tenho algumas considerações, como sempre:
— Tópicos sensíveis e revelações traumáticas do passado da personagem serão abordados nesse capítulo. Prometo explorar a fundo a bomba que eu soltei aqui depois. Confiem em mim!
— Eu gostei desse cap, eu realmente gostei. Isso é raro e queria dividir o sentimento com vocês :)
— Criei um insta onde posto conteúdo/novidade sobre a fic. Willowoak_fanfic, segue lá :)
ALERTA DE GATILHO - Automedicação em excesso para conter a dor. Isso pode ser um assunto delicado para algumas pessoas.
Boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808152/chapter/3

                         Ponto de vista de Hazel Laverne.

                   

                Uma semana após o acidente da biblioteca.

 Não tive coragem de escrever sequer mais uma linha desde que voltei do hospital. Na verdade, quase rasguei o meu trabalho mais de três vezes, mas por algum motivo, não cheguei a fazê-lo de fato.

Algo me impede de desistir de contar minha verdade, mas isso soa doentio e masoquista quando paro para refletir. Porque esse foi o meu gatilho, no fim das contas. Só pode ter sido.

Eu não tinha nenhum tipo de visão há anos...os remédios, o tratamento e a internação pareceram encerrar toda a psicose causada pelo trauma. Os médicos não conseguiram dar explicação para eu ter saído viva, sem nenhum tipo de lesão, de um desabamento daquela magnitude. 

Mas eu não posso ficar pensando sobre isso, porque senão vou começar a procurar respostas...irracionais para tudo o que ocorreu. E sei muito bem onde vou parar com isso...

Anjos não existem. Demônios não existem. Coisas sobrenaturais não existem. Sam Winchester e eu erámos jovens problemáticos e criamos uma realidade fictícia para lidar com nossos traumas. 

Tomei os antipsicóticos em dobro só para ter certeza de que minha cabeça vai entrar nos trilhos. Nem sei se podia fazer isso, se é arriscado ou não. Mas fiz mesmo assim.

Enrolada em um cardigã creme e encolhida na minha cama, ouço a batida na porta do meu quarto e isso me trouxe de volta para a realidade.

—Pode entrar! – Respondo à batida, e então Margareth entra com uma bandeja prateada coberta por uma xícara de chá fumegante e algumas torradas, assim como um jarro cheio de hortênsias azuis. Ela sabe que são minhas preferidas.

—Oi, querida...- Sua voz doce é como um abraço. Margareth sempre fora gentil comigo. Ela se senta na cama e coloca uma mexa do meu cabelo desgrenhado para trás da orelha – Trouxe isso na esperança de que coma alguma coisa. Você perdeu alguns quilos! E você já é tão pequena e magrinha...coma, Hazel.

—Você fez meu chá favorito! – Eu sorrio, fitando seus olhos castanhos como azevinho – Mirtilo com leite. Obrigada, Marggie.

—Não adianta de nada me agradecer se não vai comer, menina teimosa! – Ela se apressa a dizer e ajeita seus cabelos loiros com fios prateados pela idade em um coque, bem no topo de sua cabeça – Vamos, não vou sair daqui até que coma!

Dou uma risadinha e ergo as mãos no ar, me rendendo.

—Tá bom, você me venceu! – Pego uma torrada e a mordisco – Contente? – Falo com a boca cheia. Ela sorri.

—Estarei, assim que terminar.

XXX

—Meu atestado termina amanhã à noite, Antonella. – Eu digo à minha avó enquanto ela trabalha cuidadosamente em algum documento em sua mesa de mogno negro, sua expressão visivelmente irritada por eu ter entrado em seu escritório sem bater. Ela odeia quando eu faço isso.

Então eu faço isso sempre que eu posso, é claro.

—As vezes eu me pergunto de onde você herdou modos tão grosseiros quanto entrar em um ambiente sem antes bater, Hazel. – Ela retira os óculos do rosto enquanto fala, me encarando com desgosto – E então me lembro de que você é filha de seu pai, e tudo faz sentido.

A palavra pai tem um gosto amargo para mim, e ela sabe disso. Mas eu não vou dar o gostinho de vitória para ela. Finjo indiferença.

—E sou sua neta, não se esqueça. Imagine quantas coisas espinhosas e sombrias não carrego em minhas veias, ein? – Ela rola os olhos verdes como bolas de esmeralda alvejadas e fez menção para que eu me sente na poltrona a sua frente. Eu o faço, de mal gosto.

— E então? O que você quer? – Ela suspira ao fim das palavras, demonstrando que lidar comigo a deixa exausta.

É recíproco, penso.

—Avisar que volto a estudar e a trabalhar amanhã. Só isso. – Dou de ombros e abraço as minhas pernas enquanto me encolho na poltrona, e começo a encarar a chuva castigando a janela que dá para o jardim.

Desde o acidente, a chuva tem me deixado nervosa.

—Você está usando pijamas há uma semana. E duvido que tenha penteado o cabelo. – Ela parece ignorar o que eu disse, o que já era esperado – Vá se arrumar. Não é porque está em casa que precisa se apresentar dessa maneira...

—Você ouviu o que eu disse? Volto para as atividades normais amanhã. Vim avisar, só isso. – Ameaço me levantar, mas ela ergue a mão no ar.

—Não terminei de falar. Sente-se. – Aperto os dentes na boca, tensa, mas faço o que ela pede – Ia deixar para depois, mas já que está aqui, temos assuntos a discutir.

—É? Quais? – Ergo a sobrancelha.

—Primeiramente, queria perguntar se você assistiu algum tipo de notícia sobre seus pais na última semana. E então? – Ela me encara, e eu desvio de seu olhar como se ele machucasse. Porque machuca.

—Não, você sabe que eu não assisto ou vejo qualquer coisa relacionada a eles ou ao acidente. – E era verdade, cada palavra. Era a única forma de manter a minha sanidade.

Ou o que havia restado dela.

—Bom, melhor assim. Mas há algo que você precisa saber...- Sua voz diminui o tom, e isso mantém minha atenção. Volto a encará-la, e ela umedece os lábios antes de continuar – A polícia está interessada no acidente da biblioteca. A mídia também.

—Me surpreenderia se não estivessem. – Retruco. Abutres, malditos abutres.

—Você não entendeu...verdadeiramente interessados, Hazel. A estrutura do campus estava em perfeito estado e mesmo uma tempestade não deveria ter causado aquele estrago...

—E o que eles acham, hm? Que eu fiz o teto desabar com o poder da mente? – Começo a ficar irritada. Estou farta dessa perseguição - Da última vez que chequei sou apenas maluca, não tenho superpoderes! – Uso ironia na voz, o que faz a minha avó revirar os olhos.

—Não sei o que se passa na mente dessas pessoas, Hazel. Mas o fato de você ter sobrevivido a um desabamento daquela magnitude os deixou com a pulga atrás da orelha. Seria fisicamente impossível sobreviver a toneladas de mármore e sabe-se lá mais o que...a polícia está fazendo uma pressão maior para entrar em contato com você, dessa vez. Claro, já acionei os advogados...- Antonella beberica um pouco de café antes de continuar. Eu odeio café, sinto enjoo só de sentir o cheiro – Só estou te contando isso porque está relacionado com outra coisa que tenho a dizer.

Me ajeito na poltrona, pois sei bem que nada de bom pode vir desse anúncio.

Nunca era nada de bom.

—Quero voltar para a Itália, Hazel. E quero que venha comigo, para que tenhamos paz de uma vez por todas.

Ficamos nos encarando por uns trinta segundos, e então deixo o meu queixo cair.

—Você não pode estar falando sério, Antonella. Não pode seriamente achar que eu largaria tudo o que construí aqui. Minha faculdade, meu estágio...

—Eu sabia que seu discurso viria antes que eu terminasse de falar. Mas você pode ser menos previsível e mais civilizada e me deixar concluir? – Sinto um amargo na ponta da língua. Meu sangue ferve, mas fico em silêncio.

Havia aprendido a prender as palavras em minha garganta, como prisioneiras, há muito tempo. E hábitos antigos são difíceis de perder.

—Você não está bem. Nunca se recuperou, mesmo quando teve alta. Sempre houve algo errado com sua sanidade, e eu não a culparia. A forma como foi criada...- Vejo um horror passar em seus olhos, mas logo tornam a ser frios – De qualquer forma, esse trabalho, essa faculdade...nada disso está dando certo. Talvez mudar de ares, talvez morar em sua verdadeira terra a faça bem...

—Como mudar para Itália poderia me concertar? Você acha que se eu for embora de Nova York, ou dos Estados Unidos, ou da porra do lugar que for, vou me curar de toda a merda que eu vi? Que eu vivi? – Minha voz sai agressiva, mas ainda assim, sai baixa. Minha voz é sempre mais baixa do que eu gostaria.

Tenho meus motivos para ser silenciosa.

—Eu não sei que outra opção eu tenho, Hazel! – Minha avó, por outro lado, tem sua voz exatamente onde quer. Eu a invejo um pouco por isso – Você acorda aos berros durante a noite! Você revive suas visões e psicoses, eu posso ver nos seus olhos! Eu não quero que você vá parar em um manicômio ou algo do tipo! Nosso nome...nosso nome não pode terminar assim. Sua mãe me arruinou, Hazel. Não nos arruíne também!

—Então isso é sobre você! — Dou uma risada em desgosto, e mordo o lábio inferior para tentar não explodir – Sobre seu nome e toda essa porra, certo?!

—É sobre nós e a nossa sobrevivência, Hazel! Você não é uma vítima sozinha aqui, nós somos! – Quero me levantar e ir embora, mas não faço isso. Aperto os braços da poltrona com força e me forço a não gritar - Só estou pensando em você e no seu futuro. Não há nada fértil para você aqui, Hazel.

Isso faz com que eu estremeça. Ela usar esse tom comigo, como se realmente se importasse comigo...faz com que eu perca a cabeça, e um filme de todas as coisas terríveis que ela fez comigo passam pela minha cabeça, desorganizando meus pensamentos.

—Claro, claro! Você é muito altruísta, sempre foi, não é, vovó? É isso o que você se diz a noite para se certificar que não vai para o inferno pelas coisas que você fez? – Começo a tremer de raiva. Estou cansada de anos de jogos mentais e manipulação. Aquela conversa era só a gota da água em um rio que havia transbordado a muito tempo.

—Chega! – Ela grita a bate na mesa, se erguendo – Eu não vou ficar ouvindo suas declarações ingratas!

—Declarações ingratas? É ingratidão dizer a verdade?! – Tento fingir que seu grito não me afeta. Tento fingir que não me tremo inteira ao ouvir barulhos altos e repentinos, ou gritos desferidos a mim.

Tento fingir que não estilhaço por dentro todas as vezes que alguém ergue a voz para mim.

—Qual verdade, Hazel, a sua? A sua versão? Eu fiz o que podia para te proteger de todas as escolhas erradas que você fez! Eu...

—Escolhas erradas?! Quando foi que eu escolhi ter nascido? Quando foi que eu escolhi viver da forma que vivi por tanto tempo sob os cuidados dos meus pais?! – As lágrimas ameaçaram minha retina, mas as contive. Não queria desmoronar.

—Não se escolhe essas coisas, não seja idiota! – Sua voz estridente torna a sair alta demais, e eu acabo me encolhendo involuntariamente – Você sabe muito bem de quais escolhas estou falando. Não se faça de burra!

Ela sabe que eu não falo sobre o que ela está tentando trazer à tona nessa conversa. Ela sabe que nunca ousei falar sobre isso com ninguém, nem mesmo com psicólogos e psiquiatras.

Ela sabe o porquê. E mesmo assim, me manipula com suas palavras.

—Não ouse falar sobre aquilo. Por favor. – Odeio o tom suplicante da minha voz. Odeio mostrar o quão frágil eu sou perante ao meu passado em Lawrence.

—Talvez eu deva. Talvez seja a única maneira de fazer você entender que eu sei o que é melhor para você! Talvez seja bom refrescar a sua memória de que se eu não a tivesse tirado de lá, você teria terminado como sua mãe nas mãos daquele garoto...

—Não. Você não tem o direito de falar sobre aquilo... – Suplico novamente, com os olhos fechados dessa vez. Mas isso não a impede de continuar.

—Você precisa ouvir a verdade! E a verdade é que aquele garoto seria sua ruína, Hazel. Quase foi, na verdade. Ele te deixou! E quem cuidou de você e das suas queimaduras e de todo o resto fui eu! Sempre fui eu, Hazel! – Tampo os ouvidos, mas isso não a impede de continuar. Sequer faz suas palavras sumirem – Eu preciso te lembrar de que ele nunca foi lhe ver, nenhuma vez no hospital?! E mesmo assim, você ficou sofrendo por ele...como sua mãe sofria pelo seu pai!

—Para, por favor! – Reabro os olhos, cada palavra dita por ela me ferindo como uma lâmina. E ela decide continuar a me ferir, apática.

—Eu preciso lhe lembrar que, quando descobrimos que você estava gr...

—Para! – Pela primeira vez, meu protesto sai em forma de grito. As lágrimas me invadem, mas isso só a faz erguer mais a voz, com ainda mais afinco.

—Quando descobrimos sua gravidez irresponsável, quando eu o contatei...ele nunca respondeu! Nunca! Você teria se tornado a sua mãe, Hazel. Mas eu te salvei. Eu fiz a decisão certa, a decisão que você não teve coragem de tomar. E novamente eu quero te tirar de uma situação ao qual você não pode se salvar sozinha. Você nunca pôde. Você é frágil demais!

—Cala a sua maldita boca! – Me levanto da poltrona, mas ela segura os meus braços com as mãos firmes, suas unhas quase rasgando a minha pele.

—Não erga a voz para mim! – Ela me chacoalha – Você sabe a verdade! Se eu não tivesse causado seu maldito aborto e te impedido de uma decisão estúpida, você estaria arruinada!

—Eu nasci arruinada nessa porra de família! – Grito com mais força, e tento me desvencilhar dela, em vão. Seus braços são firmes. Decido falar algo que queria dizer desde sempre, mas nunca havia tido coragem. As palavras saem quase como um sussurro – Eu não vou para a Itália ou para qualquer porra de lugar com você. Eu te odeio. Eu te odeio para caralho! Eu te odeio tanto que dói! – Tudo em mim arde, embora tivesse sido prazeroso finalmente tirar isso do meu peito.

A odiava por ter sido tão amarga, a odiava por não ter aparecido na minha vida quando eu era só uma criança inocente nas mãos de dois viciados, a odiava por ter permitido que eles vivessem da forma como viviam, com uma criança rodeada de todos os horrores possíveis, a odiava por ter aparecido só quando meus pais morreram e eu estava em coma no hospital...

E a odiava por não ter respeitado minha decisão em manter o bebê, e por ter escondido drogas abortivas na minha comida anos atrás, causando um aborto contra a minha vontade.

A odiava por ter me trancado no meu quarto por dias enquanto eu gritava e sofria o aborto indesejado, sozinha. Naquele quarto, como companhia eu tinha apenas o sangue que saía de mim, enquanto eu continuava clamando por ajuda, porque aquilo não havia sido minha escolha. Com ou sem Sam, eu queria levar aquilo a diante.

Mas não pude.

A odiava por tantos motivos que as vezes não me lembrava de como era viver sem ódio.

Depois de alguns segundos em silêncio, ela me solta. E então me dá um tapa, estralado e firme, bem no meu rosto.

Eu não grito. Fico com o rosto virado e coberto pelos cabelos por um tempo. E então ergo a minha mão tremula e passo os dedos na bochecha. Está quente, e onde sua unha havia raspado, um rastro fino de sangue se forma. As lágrimas cessam.

Cresci apanhando do meu pai. E Antonella sempre havia sido odiosa e manipuladora, mas nunca havia me batido. Até aquele momento.

Obrigada. — A palavra sai da minha boca a deixando confusa. A encaro, sem piscar, e com o peito finalmente vazio, digo – Obrigada por finalmente me dar o último motivo que eu precisava para poder ir embora sem sentir nenhum tipo de remorso.

Dou as costas para ela, decidida a ir embora. Não aturaria mais nada. Não deixaria que outra pessoa me mantivesse em uma gaiola de sofrimento para o resto da minha vida. Eu era agora uma mulher adulta, não uma criança ou uma adolescente.

Agora eu tinha escolha.

Ela corre até a porta, e a tranca. Eu paro de andar, e cerro os dentes enquanto a encaro.

—Saia da minha frente. – Ela faz que não com a cabeça. Raiva lhe consumindo a face.

—Você não está pensando direito. Você não faz ideia de tudo o que eu fiz para te manter segura! – Tento passar por ela, mas ela me empurra – Você não sabe o inferno que eu passei para te manter viva!

—Eu vou sair por essa porta de um jeito ou de outro. – Torno a falar, recobrando o meu equilíbrio após o empurrão – Facilite as coisas para nós duas, Antonella.

—Você não vai a lugar algum! – Pela primeira vez, vejo lágrimas ameaçando seus olhos – Eu não vou permitir. Eu sei o que é melhor para você. Só eu sei!

—Eu não quero pedir de novo, Antonella. Saia da minha frente! – Grito com o máximo de ar dos pulmões que eu consigo usar. Passei uma vida inteira com o meu pai me machucando e justificando isso com amor. Estou exausta desse tipo de relacionamento doentio.

Chegou a hora de dar as costas para essa vida. Chega de sofrimento, preciso me amar o suficiente para ir embora.

—Eu não vou deixar. Você não sabe o que está fazendo! Você não sabe da metade dos horrores do seu passado! Só eu posso te proteger de si mesma! – Meu sangue começa a ferver mais. Parece óleo borbulhando. Chamas queimando minhas veias de dentro para fora.

Não queria tocar nela, porque não queria machucá-la. Embora a odiasse até os ossos, sabia o que era ser agredida fisicamente. E me sentia incapaz de infligir isso em outra pessoa. Mas ela não me dava escolha.

Coloco minhas mãos cobertas por luvas em seus braços e a puxo, tirando-a do caminho. Destranco a porta e corro até o meu quarto, com ela correndo atrás de mim.

Me tranco no meu quarto a tempo de mantê-la do lado de fora, as lágrimas quentes rolando pelo meu rosto enquanto eu enfio o máximo de coisas que consigo em uma mala de braço que eu tinha há muito tempo, pois sempre fantasiei em ir embora. Agarro roupas, alguns livros, minha papelada do trabalho e a pasta azul que contém meu livro em progresso. Meu notebook, meu BlackBerry* e meu porta joias, que continha apenas um colar.

Um colar que eu tentava me livrar a anos, mas que nunca havia conseguido. Não imaginava ir a lugar algum sem ele, mesmo que isso não fizesse sentido. Mesmo que tivesse sido um presente de Sam, a quem eu odiava com todas as forças, depois de tudo.

Minha avó continua batendo à porta, e gritando. Mas eu não consigo traduzir suas palavras, porque minha cabeça está a mil. Escrevo a mão um bilhete, que deixo na minha cômoda:

Obrigada por tudo, Margareth. Tomara que a gente se encontre de novo em um futuro próximo. Não tenho uma lista extensa de pessoas a agradecer, mas você é uma das quais sou grata

Como fazia quando era mais nova e queria escapar, abro a janela enorme e saio pelo telhado até encontrar um ponto mais baixo. Pulo no chão, enquanto ouvia Antonella gritando a plenos pulmões ainda na porta do meu quarto. Sua histeria me ganharia alguns minutos preciosos, então corri o máximo que pude até chegar a um ponto dos muros onde eu conseguia escalar por uma árvore, que dava para o outro lado. Corro pela rua, meio a chuva enquanto disco o número de Charlie.

XXX

Estava morando temporariamente com Chars e Sara por três dias, e já me sentia relativamente melhor. Todas as minhas feridas ainda estavam abertas e inflamadas, mas eu conseguia empurrá-las cada vez mais para dentro de mim. Não podia lidar com isso agora.

Haviam outras coisas maiores acontecendo.

Voltar às aulas foi difícil. Não importava o quanto eu me esforçava para passar despercebida, as pessoas me olhavam e comentavam sobre o desmoronamento da biblioteca. Para tentar dar fim aos rumores idiotas, procurei a polícia eu mesma.

Depois de um depoimento de duas horas, eles me deixaram ir. Não havia nada que pudesse me incriminar, e eventualmente a mídia se esqueceria de toda essa porcaria. Sempre havia uma celebridade de verdade para eles atormentarem.

Voltar ao estágio havia sido maravilhoso. Estava ficando até tarde sem que o Sr. Hudson soubesse, fazia horas extras enviando papelada dos meus colegas até a exaustão me ganhar e então, eu finalmente ia embora.

—Você vai chegar tarde de novo? – A voz da Charlie se fez presente enquanto eu me arrumava para o trabalho. Ela estava estudando havia horas, para uma prova de tecnologia avançada. Eu tinha a plena certeza de que minha amiga Geek viraria uma super hacker um dia.

—Vou sim, mas não se preocupe. Eu tenho pegado a linha mais segura do metrô, juro. – Tento tranquilizá-la, em vão. Charlie me encara enquanto ela ajeita os óculos quadrados em seu rosto.

—Eu sei que você não está nada bem, mesmo que você não fale sobre isso em voz alta. – Sua voz soa cautelosa, como se tivesse medo de me ferir – E sei que trabalhar ajuda. Mas você já pensou que poderia te ajudar...não sei, ver alguém? Tem um médico que entrou em contato. Um tal de Dr. Hawthorne...disse que tinha interesse em vê-la, que soube do desabamento. Eu acho que você devia entrar em contato com ele, marcar uma consulta...

Hawthorne? Nunca ouvi falar dele. Mas deve ser um dos muitos psiquiatras do hospital do Campus. Você realmente acha que preciso voltar a me consultar, Chars? Juro que estou me sentindo bem. – Ergo as sobrancelhas. Ela fica corada, como se tivesse medo de me causar algum tipo de desconforto ao dizer sua verdadeira opinião – Não se preocupe, Chars. Sério. Eu estou bem.

—Não quer nem tentar ligar para ele e conversar? Ele deixou o número dele... - Ela tenta me entregar um papelzinho, mas eu recuso.

Ela abre a boca para protestar, mas eu dou um beijo no topo de sua cabeça e vou apressada até a porta, não lhe dando oportunidade para continuar o assunto.

—Te amo, vadia! – Falo, antes de sair - Não gaste mais nenhum minuto preocupada comigo!

—Também amo você, vadiazinha teimosa e compulsiva! – Ela me responde, antes de eu desaparecer no corredor.

XXX

São 02:00 AM, e estou caindo de exaustão, mas trabalhar compulsoriamente tem sido a única coisa capaz de me impedir de surtar. É a única coisa capaz de me manter longe de revisitar a noite do acidente em minha cabeça, como um loopingAs sombras de asas se enfrentando na parede de mármore, a convulsão me consumindo...o corpo da Sra.Galway...

Aperto as unhas com mais força. Cravo elas nas palmas das minhas mãos até arderem.

Pronto, assim consigo me concentrar.

—Que merda é essa?! – Dou um pulo na cadeira quando Sr.Hudson passa pela porta do escritório quase soltando fogo pelas ventas.

Ele descobriu. Merda.

—Que surpresa adorável Sr. Hudson...- Começo com um sarcasmo para esconder meu pânico. Coloco as mãos no colo, tentando secar o sangue no jeans – O senhor gostaria de se sentar? – Minha tentativa de suavizar a situação parece ter o efeito contrário.

—Você acha que essa merda de escritório e essa merda de jornal é uma várzea? Que pode fazer o que bem entender? Me responda! – Ele está visivelmente alterado, com seus óculos mal posicionados no rosto e os cabelos arrepiados. Ele claramente preferia estar na cama uma hora dessas.

—Não, senhor. – Respondo com a cabeça baixa. Ele não está com humor para brincadeiras.

—Eu quero nomes, e eu os quero agora! – Ele contorna a minha escrivaninha e vê o tanto de relatórios por mim preenchidos – Mas que porra é essa?! – Ele ergue alguns dos muitos papéis em mãos, o suor lhe escorrendo a testa – Você está fazendo o trabalho acumulado dos outros?

—Sim senhor..., mas eu que me ofe...

—Ah! Cale essa boca! Essa cena eu nunca achei que fosse ver! – Ele diz, passando a mão no próprio rosto, incrédulo, ele se senta na cadeira frente a minha mesa – Uma funcionária que faz hora extra escondida e ainda por cima faz a porra do trabalho dos outros!

—Eu só queria mais tempo, senhor. Sendo estagiária não tenho metade do tempo que gostaria, e minha carreira é tudo para mim. Foi uma troca justa. – Dou de ombros, com os olhos sérios – Sabia que se pedisse ao senhor, não me permitiria.

Ele abre a boca para falar algo, com o dedo apontado na minha cara, mas fecha a boca em seguida e dá um suspiro longo.

Um daqueles bem cansados.

—Às vezes eu queria que você fosse menos parecida comigo. – Seus olhos vão de ira para tristeza rapidamente, e suas mãos enrugadas e cheias de manchinhas se apoiam na mesa – Assim eu não perceberia o quanto sou maluco. Você é maluca, menina. Mas não é uma mentirosa, então ouça com atenção o que vou dizer...

Ele se ajeita na cadeira, e o ar parece até ficar mais frio pelo tom de sua voz:

—Essa é a última vez que você faz algo pelas minhas costas. Quer algo? Peça, porra! – Tento permanecer calma, mas estou quebrada por dentro. Adoro o Sr.Hudson de todo o coração, desapontá-lo era minha última intenção – Se eu disser não, é porque eu sei o que estou fazendo! Eu sou chefe dessa porcaria por um motivo, sabe? Garota insolente...só não corto seu estágio porque...

Sua voz morre de novo. Meu coração dispara.

Nunca imaginei que seria demitida do NY post, e só de pensar na ideia fico desesperada.

—Senhor, eu sinto muito, eu...

—Pare de ser idiota, Laverne. Não vou demitir você. Porque sei muito bem que você será uma das maiores do ramo em alguns anos, e porque por algum motivo idiota eu gosto muito de você. – Um sorriso foi se formando em meus lábios, mas ele percebeu e tornou a enfiar o dedo na minha cara – Mas isso não te dá carta branca para fazer merda, ouviu?

—Sim senhor. – Digo com seriedade. E então algo me ocorre – Sr. Hudson? Sei que não devia lhe perguntar isso, mas...como descobriu? – Ele revira os olhos.

—Aquela sua amiga ruivinha me ligou preocupada com essas suas palhaçadas. – Ah, Charlie. Filha da mãe— E que bom que ela fez isso. Não é seguro para ninguém ficar pegando metrô altas horas da madrugada. E tem mais! Ela e eu concordamos que você devia ver alguém, sabe? Acidentes como aquele não são fáceis de lidar. E com toda a porcaria que a mídia está dizendo...

—Não quero ver um psiquiatra, Sr. Hudson. Eu estou bem, de verdade. – Sr. Hudson infla as narinas e se levanta.

—Ah, querer. Querer! Vá para o diabo que a carregue com querer! E adivinha só!? Quer continuar no meu departamento? Então veja um médico. Ou então...está fora. – Ele me olha vitorioso, e eu bufo de raiva.

Não uma raiva genuína. A preocupação dos dois vem de um lugar de carinho, então apenas assinto, derrotada.

—Tudo bem, você e a Charlie venceram. Vou ao hospital amanhã, prometo. Vou procurar pelo tal de Doutor Hawthorne que entrou em contato. Contente? – Ele bate o pé no chão, impaciente.

—Contente eu estaria se você não me desse uma dor de cabeça no meio da noite. Eu estou ficando velho e gostaria de dormir ao menos uma noite inteira! - Ele continua o longo sermão e me acompanha até o dormitório de Charlie.

XXX

O consultório do Doutor Hawthorne é todo branco, como a maioria dos consultórios médicos.

Isso me deixa sufocada.

A recepcionista havia me encaminhado para o consultório para aguardá-lo. Fico esperando por trinta minutos, e acho isso extremamente irritante. Odeio atrasos médicos.

Mas tudo estava embaçado. Há dias a única maneira que encontro de me manter sã diante de toda a loucura que se tornou minha vida é tomar de dois a três comprimidos do meu antipsicótico de uma vez só. Isso não é nada recomendado, mas a letargia que isso me proporciona é o que ainda me mantém longe de fazer algo pior. Hoje, para lidar com o psiquiatra, tomei quatro.

Estou me tornando a minha mãe.

Afasto esse pensamento, embora esteja sentindo a pele formigar.

Finalmente, ele chega. Todo ofegante, como se tivesse corrido um pouco. Está vestido em um jaleco branco e com o cartão de identificação no peito, e um óculos grande no rosto. Rosto esse que está completamente embaçado pela minha visão. Será que quatro foi exagero?

—Desculpe o atraso, Srta. Laverne, mas um outro paciente teve um...probleminha – Ele vem até mim, e me levanto da poltrona para cumprimentá-lo. Está sol lá fora, e deviam estar fazendo no mínimo 26º graus, então ele estranha o fato de eu estar de luvas, sei disso pelo seu olhar.

Todos estranham. Mas eu não falaria com ele sobre isso.

Assim que olho em seus olhos, mesmo diante de toda a visão embaçada, sinto algo estranho. Os olhos grandes, verdes e sérios...

Eu já tinha visto aqueles olhos em algum lugar...

—Não se preocupe, Dr. Hawthorne. Imprevistos acontecem... – Torno a me sentar, e o vejo se ajeitando na cadeira a alguns metros de mim. Paro para observar o seu rosto com mais atenção enquanto ele mexe em uma papelada. Me agarro na poltrona porque sinto que vou deslizar e apagar a qualquer momento.

Acho que estou chapada, porque estrutura de seu rosto me faz corar. Eu não costumo reparar na aparência dos homens ao meu redor, mas ele é difícil de não se notar, ele me lembra alguém. Os cabelos loiro-escuros estão arrumados em um pequeno topete, e embora seja mais velho que eu, parece jovial e casual demais para um médico. Mas seus olhos me incomodam.

São assustadoramente familiares.

—Desculpe, já nos vimos antes? – Questiono, ainda fitando-o. Ele me encara e dá um sorriso que parece ter a intensão de ser simpático, mas não é genuíno.

—Estou sempre aqui no hospital, Srta. Laverne. Na sua ficha diz que se internou aqui há alguns anos, pode ter sido durante a minha residência. – Me encolho. Ele provavelmente tem razão, já que minhas lembranças dessa época são enevoadas pela medicação – Pode ser por isso.

—Ah, sim. Faz sentido. – Me ajeito na poltrona, não muito convencida. Ele suspira e deixa a caneta pronta em mãos:

—Fiquei contente em ver que sua amiga a convenceu a vir. Estava olhando a ficha de pacientes antigos e esbarrei na sua, e então vi o noticiário. Pensei que podia precisar de ajuda. – Seus olhos assumem um tom obscuro, compenetrado – Como foi sobreviver ao desabamento?

Fico claramente desconfortável com a rapidez com que ele me aborda, e ele parece notar. Tudo está girando...

—Desculpe, Srta. Laverne. Sei que deve ser um tópico sensível, mas não posso deixar de perguntar sobre isso, entende? – Não consigo estabelecer o contato visual com ele por muito tempo. Seus olhos realmente me incomodam. Me remetiam a algo que eu não conseguia identificar.

Ou a alguém.

—Normalmente são os psicólogos que ficam com a parte de “ouvir”, Doutor. Por isso o estranhamento. – Molho os lábios e prossigo – O psiquiatra geralmente dá uma olhada no diagnóstico e receita remédios. Achei que fossemos fazer isso hoje, nos certificar de que o que está escrito aí no meu diagnóstico está certo e ajeitar a medicação, se necessário.

Ele torna a olhar a papelada, e então me olha com um olhar semicerrado:

— “Estresse pós-traumático e psicose seguida de convulsões” – Ele lê em voz alta – E você tem tomado os remédios desde a internação?

Quase dou risada. Quase.

—Sim, todos os dias. Religiosamente. – Ele franze o cenho, e deixa a papelada em cima da mesa. Minha voz saiu arrastada demais. As paredes parecem turvas como ondas.

—E isso tem impedido as... psicoses? – Olho para baixo. Esse é um tópico complicado.

—Sim, os remédios cessaram esse problema completamente. – Minto. Ele ergue as sobrancelhas para mim.

—Então na noite do desabamento você não viu absolutamente nada? – Seu olhar é o de quem está desconfiado. Toda a sua abordagem parece mais com um interrogatório do que com uma consulta – Nenhum tipo de visão esquisita? Não sentiu cheiro de enxofre ou coisa parecida?

—Não senhor. Nenhuma...eu...- Mas ele me interrompe.

—E você foi a única sobrevivente. Você viu alguma foto? Do desabamento? – Faço que não com a cabeça. Ele retira uma foto de dentro do jaleco e me mostra.

Um arrepio me percorre. Ver os escombros daquele jeito, a destruição em mármore, as colunas completamente estilhaçadas no chão com força o suficiente para esmagar as estantes de mogno puro que tinham mais de cem anos de idade, mexe comigo.

Era impossível sair viva daquilo, e eu sabia disso. Mas tinha aceitado esse fato, porque se não o fizesse...

Então significaria que o que eu vi havia sido real.

—Dizem que foi um milagre. – Engulo em seco.

—É, é o que dizem mesmo. Até os médicos, que não costumam acreditar nesse tipo de coisa. – Seu tom é sério, investigativo – Acha que foi um milagre, em Lawrence? Escapar duas vezes da morte desse jeito...

A primeiro momento, estranho ele saber dessa informação. Mas então me lembro que ele tem toda a papelada sobre mim. Decido rebatê-lo, fingir que não estou me sentindo coagida:

Três. — O corrijo, agora o olhando com acidez. Não estou gostando nada do tom que ele está usando comigo – Escapei da morte três vezes. 

—Ah, é mesmo... – Ele parece se lembrar de um acontecimento, seus olhos transmitindo uma sensação esquisita – O acidente de carro. Mas tem uma coisa que você não sabe, Hazel Laverne. Nem o acidente de carro e nem você ter sobrevivido ao incêndio foram milagres. O Sammy que salvou sua vida, nas duas vezes. Então me diga, Laverne, quem te tirou dos escombros dessa vez? Algum demônio? – Ele se levanta, e eu faço o mesmo. Cambaleio por um momento, confusa com tudo o que saiu da boca dele.

Como ele conhecia Sam? Ninguém o chamava de Sammy, a não ser...

Dean? É você mesmo?! O que você quer? – Vou andando para trás, e acabo me encostando no canto da sala, contra a parede. Respiro com dificuldade, completamente confusa. O que Dean Winchester está fazendo aqui?! Como eu não o reconheci antes?! E por que está vindo para perto de mim como se fosse me machucar?!

Estou me sentindo tonta e letárgica. Não devia ter feito o que eu fiz...onde eu estava com a cabeça?

—Sou, sou eu sim. Que bom que finalmente se lembrou de mim, Laverne, já que eu ouvi dizer que você tem alguma coisa a ver com o que está acontecendo no inferno, e que tem ligação com um demônio que é jogo grande. E se isso for verdade, então eu vou arrancar as respostas de você. — Ele para em minha frente, com uma postura ameaçadora. Meu coração dispara e minhas mãos começam a suar - Algo me diz que você enganou o meu irmão direitinho, anos atrás...foi o seu chefe que mandou? Qual é o nome dele?!

Não podia ser real, tudo aquilo. Só podia ser mais uma visão perturbadora criada pela minha mente. Será que ter sido forçada a vir até aqui havia feito isso com a minha cabeça? Era a única explicação.

—Você não é real! – Sucumbo colocando as mãos nos ouvidos, tampando-os. Sem perceber, vou escorrendo pela parede até me sentar no chão, encolhida e tremendo. Os remédios estão me fazendo ver coisas, essa é a única explicação. Como Dean Winchester apareceria aqui em Nova York, me falando um monte de loucuras sobre demônios? Eu fiquei louca. Eu finalmente fiquei louca— Você não é real, demônios não são reais...

—O que...? – O homem em minha frente fica sem saber o que fazer com a minha reação. Ele parecia esperar outra coisa de mim...

Ponto de vista de Dean Winchester.

Eu achei que fosse conseguir manter a sutilidade. 

Achei que a interrogaria de maneira mais leve, até conseguir extrair informações sobre tudo. Mas quando me sentei em sua frente, me lembrei de tudo o que estava acontecendo naquele momento e perdi o tato.

Porque, se o que Meg dizia era real, então essa garota estava envolvida com o demônio que estava lutando contra Crowley. O que significava que ou ela era um peão muito importante, ou o centro da porra toda. Quando comecei a pensar no envolvimento dela com Sammy, quando pensei no incêndio...

Comecei a imaginar se tudo não havia sido calculado. Se ela não o havia manipulado. E ele realmente amou essa garota, ao ponto disso o destruir. Se ela sempre havia sido parte de tudo o que Meg havia dito, então eu ia fazê-la pagar por isso.

E foi então que fui agressivo com o interrogatório. Na verdade, queria arrancar a verdade dela como fosse, até que ela me levasse a respostas que me ajudassem a ter o meu irmão de volta. Que parasse com esse fingimento de doença mental ou o que quer que fosse. Ver ela mantendo toda essa narrativa enquanto o meu irmão passava pelo inferno me fez sentir muita, muita raiva. 

Ao longo dos anos vi diversos humanos estúpidos se envolverem e servirem demônios por motivos levianos. Tive a certeza de que ela era uma dessas pessoas, por um breve momento.

E então a garota desmoronou.

Isso não é real, não é real, não é real... — Ela fica repetindo, o olhar vidrado, lágrimas escorrendo pelo rosto e pingando no chão, enquanto ela se sacude para frente e para trás, as mãos na cabeça com todo o seu corpo tremendo.

—Ei! Garota, escuta...- Eu não sabia o que fazer. A reação dela não me parecia fingida, muito pelo contrário.

Nunca havia visto uma pessoa naquele estado.

Dean Winchester, você é um fracasso quando está de cabeça quente.

Não ia conseguir nada daquele jeito, não com ela surtando. E não demoraria muito para o tempo se esgotar, e sabe-se lá por quanto tempo o verdadeiro Doutor Hawthorne ficaria preso na dispensa onde eu o havia amarrado para assumir sua identidade. Eu precisava agir rápido.

Bastou um pensamento, um pedido e um endereço, e Castiel se materializou em minha frente.

—Cas! Desculpe te chamar assim... sei que está ocupado tentando localizar o Sammy, mas...- Minha voz morre, e eu aponto para a garota que parecia cada vez mais perto de convulsionar ou coisa pior. Cas parece ficar confuso, e então vai até a garota e toca em sua testa.

Pronto. Hazel Laverne cai em um sono profundo causado pelo anjo.

—Temos que conversar, Dean. – Seus olhos azuis me fitam, serenos e confusos.

—Alguma pista sobre o Sammy? Um rastro? – Ele faz que não, e eu assento, decepcionado.

—Eu sinto muito, Dean. Nada por enquanto. Mas tem algo que você precisa saber, sobre a garota. – Ele aponta para ela, e molha os lábios antes de continuar – Não é só o inferno que está atrás dela...o céu também está.

Franzo o cenho, confuso. O inferno metido nisso tudo já é ruim, mas o céu?

O céu é pior ainda.

Castiel vê minha confusão mental e se apressa a dizer, depois de um longo suspiro:

—O desabamento na biblioteca...Raphael e eu que causamos, em uma luta. – Arregalo os olhos, e ele ergue a mão para me impedir de falar – É uma ordem que apenas três anjos receberam, matá-la, Dean. Antes que Sam Winchester o faça. Eu não consegui informações suficientes e fui procurá-la, ver do que se tratava...- Ele a olha, desmaiada no chão. Seu olhar é carregado de pena – Esperava alguém que servia ao mau, ao demônio que Meg nos alertou. Mas ela é só uma garota, Dean. Só uma garota, que não faz ideia de nada disso.  E estava tão assustada...- Ele fecha os olhos, como se relembrasse a noite da luta – Foi tudo muito rápido. Raphael nos encontrou, acredito que havia me seguido. Ele assassinou a bibliotecária, e a única coisa que pude fazer durante a luta e o desabamento foi impedir que Hazel morresse. A cobri com minhas asas, mas precisava tirar Raphael dali. Tenho o mantido ocupado desde então, esse é o único motivo para que ele ainda não a ter matado. Mas os dias dela estão contados, se não agirmos. Não o procurei e falei sobre isso porque...você não toma as melhores decisões quando está sofrendo, Dean.

Olho a garota no chão. Agora, sóbrio das ideias, consigo enxergar. A garota é só uma vítima no meio disso tudo, como meu irmão.

A diferença é que meu irmão foi um caçador durante toda a sua vida e sabia muito bem o que estava enfrentando. A garota, aparentemente, tinha sido convencida de que tudo que havia visto era parte de sua loucura.

A garota não faz ideia do que está acontecendo, e eu acabo de traumatizá-la um pouquinho mais.

Fecho os olhos, arrependido por tê-la abordado da maneira que abordei. Mas eu não sabia! Merda, eu tinha certeza de que ela estava metida nisso tudo! Que estava fingindo ser doente para acobertar o demônio! Inferno, cheguei a pensar que podia ter manipulado Sammy, anos atrás...

Eu sou um grandessíssimo idiota. E a garota é verdadeiramente doente.

—Vamos, Cas. Me ajude a levá-la a um lugar seguro...Temos muito o que contar a ela...

Castiel assente, e ambos a encaramos no chão. Ele coloca a mão em meu ombro:

—Você não precisa se sentir culpado, Dean. Você só está tentando ser um bom irmão. E as vezes querer o bem de alguém que amamos, nos deixa cegos. – Sinto Cas me olhar, mas continuo olhando para a garota deitada no chão, até que a pego no colo – Agora temos que mantê-la viva, descobrir o que está acontecendo de verdade...é horrível, não é? Esse momento antes de revelar algo horroroso para alguém.

Assinto, silencioso. De fato, é. Durante todos os anos de caçada, a parte mais difícil era revelar que os monstros debaixo da cama eram reais para pessoas inocentes.

—É sim, Cas. Mas acho que é a melhor coisa que podemos fazer. Mentiram para a garota, merda, fizeram ela acreditar que estava louca! – Me lembro dos laudos que li sobre ela. Sobre os medicamentos que lhe foram prescritos...pensei que tudo fosse encenação na parte dela. Mas não era. A submeteram a isso – A verdade não pode ser a pior coisa que vai acontecer a ela.

—É, espero que não seja. Ela parece ter passado por muita coisa... – Suspiro e dou um sorriso irônico.

—Não passou pela metade, se o que está por vir é grande como Meg nos alertou. Bom...vamos?

Castiel assente e toca suavemente em nós dois, nos teletransportando para bem longe dali.

Hazel Laverne está em meus braços e seu destino pende, aparentemente, entre o céu e o inferno.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

EU SEI EU SEI EU SEEEEI.
Calma. Respira. Inala...exala. Pronto!
Eu pretendo explorar toda merda que aconteceu com a Hazel durante sua vida, mas tenho que ir aos poucos para não bombardear vocês, né? Vou trabalhar esse tópico direito, futuramente.
Finalmente Dean e Hazel se encontraram. Daqui para frente...é só para trás.
Brincadeirinha! (Mentira, não é não. Vocês vão sofrer)

Ah! Coloquei um * na palavra BlackBerry para explicar - É um modelo de celular famoso em 2004.

Obrigada por ter lido até aqui. Comente, não se esqueça!
Comentários são o que nos move.
PS: O lance das luvas dela vai se explicar, e eu acho importante mencionar que me inspirei em "Maldição da residência hill" para isso. Beijinhos!



Abraços, Hunters!
XOXO Willow ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Homem que Perdeu a Alma" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.