O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 27
Capítulo XXV - Perdoe-me padre, porque eu pequei.


Notas iniciais do capítulo

Oizinho : )
Esse capítulo foi um desafio, tentei me basear muito na série para a parte investigativa, mas não sei se entreguei o que era necessário. Aceito feedbacks :)

Oh gente, tem uma parte fofa que despedaçou meu coração, no final.

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de Hazel Laverne.

Abro os olhos e sinto o peso da manhã me acometendo. Ainda está escuro lá fora, posso ver pela janela o céu ainda incerto sobre receber os raios do dia, hesitante.

Respiro fundo, e me encolho devido ao frio. Os braços de Sam estão ao meu redor, e eu estou deitada em seu peito. Uma de suas mãos está segurando uma mecha do meu cabelo, e eu sorrio de maneira triste ao notar isso.

Algumas coisas nunca mudam. Sam sempre teve a mania de brincar com as mechas do meu cabelo entre os dedos, fazia isso até pegar no sono. Pelo visto, ele fez isso durante a noite e adormeceu com a mão semiaberta, o polegar e o indicador segurando a mecha. Sinto a sua pele na minha, ouço a sua respiração lenta e calma, e me desvencilho dele com cuidado, para não acordá-lo. Me sento na cama e abraço as minhas pernas, apoiando a minha cabeça em meus joelhos, o fitando. Os olhos estão fechados e ele dorme de maneira serena, os cabelos espalhados pelo rosto e pelo pescoço, seu peito sobe e desce devagar, e o meu coração se rui por dentro.

Não tenho forças para deixá-lo. Meus olhos se enchem de lágrimas, porque acordar ao lado dele é a minha noção de paraíso. Por que ele decidiu que não podemos ter isso? Por quê?!

Me lembro do que Dean me disse, ontem. Sobre suspeitar que há coisas em jogo que nós não sabemos, que Sam deve estar escondendo. Olho para a sua mão enfaixada, e me estremeço. O que está acontecendo com ele?

Dou um longo suspiro. Nada disso importa, porque quando Sam decide algo e fecha as portas dessa decisão, não há o que ser feito.

Viro o meu rosto, decidida a não olhar mais para ele. Pego o meu pijama que está espalhado pelo chão e me visto, na ponta dos pés.

Vou até a porta do quarto, e repouso a mão sobre a maçaneta gelada. Fico parada por um tempo, a minha respiração pesada e uma incapacidade física em ir embora por conta própria. Todo o meu corpo treme, e tudo o que eu senti, anos atrás sozinha naquele hospital, volta à tona.

Ao menos agora, pude dizer adeus.

Nunca consegui deixar de amá-lo porque o nosso fim não havia sido claro, apenas uma ausência, um borrão do meu passado. Agora, tenho a resposta. Tenho meu adeus.

Uma lágrima escorre pelo meu rosto, mas decido manter a minha decisão. Não há nada que o tempo não possa curar. Nada.

Não é? Preciso acreditar que sim.

Giro a maçaneta, sentindo o meu peito se quebrando. Reúno forças inimagináveis, e o deixo para trás.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Ao meu redor, está o bunker. Estou de pé, mas não estou sozinho. Diante de mim, posso ver Hazel, presa na parede com... comigo? Estou me vendo como se existissem dois de mim. Vejo ele torcendo a faca dentro dela, o sangue escorrendo dos seus lábios e lágrimas em seus olhos.

Ele olha para mim e sorri. Vou em sua direção, decidido a matá-lo, mas algo me impede. Quando pisco, a faca está em minhas mãos. Sou eu torcendo a faca dentro dela. O olhar em seus olhos é devastador, e eu grito.

Grito tão alto que a minha voz ecoa dentro do bunker como um raio.

E então, acordo.

Estou completamente suado, embora esteja nevando lá fora. Busco por Hazel automaticamente, tateando a cama.

Suspiro fundo e sinto minha garganta ardendo ao perceber que ela cumpriu sua promessa, afinal. Hazel se foi, e de agora em diante, as coisas entre nós dois serão tão frias quanto o gelo no topo das montanhas.

Meus olhos se enchem de lágrimas, e eu me sento na cama, transtornado. Coloco a cabeça em minhas mãos, sentindo um peso sufocante no peito.

—Sabe, ela finalmente vai se livrar de você. – A voz de Lúcifer se faz presente e eu me sobressalto, assustado. Ele caminha até a cama e se senta na ponta, me olhando com um sorriso sarcástico no rosto – Mas sabe quem não vai se livrar de mim? Hm? – Ele aponta para mim. Me enfureço, e decido ir em direção ao banheiro.

Deixo a água quente me envolver, o vapor me sufocar. Saio do banheiro e começo a me vestir, me preparando para o caso. Vamos ao necrotério hoje, e estamos correndo contra o tempo. Não posso deixar minhas alucinações me dominarem.

—Não perdeu só ela, não é? – Lúcifer diz, o olhar pensativo, enquanto abotoo minha camisa social branca. Começo a tremer de raiva e exaustão ao olhá-lo – Perdeu seu irmão também.

—Cale a boca. – Digo, entredentes, pensando em mil maneiras de matá-lo. Mas está teoricamente morto e isso complica tudo, afinal. O diabo dá de ombros e respira fundo, começando a assobiar uma melodia desconhecida para mim.

—Não vou, e você não vai conseguir me calar. E sem ela...você não consegue dormir, não é verdade, Sammy? – Lúcifer me rodeia lentamente, os olhos reluzindo brasas em sua íris, me encarando de cima abaixo como se me avaliasse – Quantos dias acha que uma pessoa consegue ficar sem dormir? Quantos dias acha que te restam até morrer de exaustão? Sammy, Sammy... você vai voltar para mim. Cedo ou tarde, receberei você de volta em meus braços.

—Já chega! – Grito, completamente atormentado. Vou em direção ao banheiro, a cabeça girando e o corpo trêmulo. Começo a vasculhar as gavetas, e encontro a faca que eu havia guardado na última gaveta do armário do banheiro. Uma gota fina de suor escorre pela minha têmpora, e me encaro no espelho.

O reflexo de um homem louco.

Sacudo a cabeça em negativa, tentando não fazer besteira. Olho para o batente da porta, e Lúcifer continua ali, agora apoiado, assobiando sem parar. Minha cabeça começa a doer, e eu tenho uma ideia. Vou parar de machucar a mão, para não preocupar ninguém.

Olho para Lúcifer com raiva, a minha respiração descompassada enquanto ergo as mangas da camisa em meus braços. Está frio, ninguém vai notar...vou usar apenas mangas compridas de agora em diante. Minha mão treme quando posiciono a faca no interior do meu braço, perto dos pulsos, mas não perto o suficiente para o machucado ficar amostra.

Hesito, o coração acelerado, pulsando como o ritmo frenético da luz de um farol solitário meio ao mar revolto.

—Que foi? Tem medo da dor? – O anjo caído me questiona, andando em minha direção. Ele inclina a cabeça levemente de lado, sem expressão alguma. Seus olhos são vazios— Faça, Sam. No fundo, você sabe que merece ser punido... – Ele me sussurra, e acena com a cabeça para o meu braço. O suor escorre pela minha testa, se misturando com as lágrimas, e eu fecho os olhos, uma careta de dor invadindo meu rosto assim que o objeto cortante entra em contato com a minha pele, e em seguida, rasga a minha carne. A dor é aguda e irritante, do tipo que arde impiedosamente. Reabro os olhos e vejo um rastro de sangue se formando, brotando da minha pele em carmim. Lúcifer segura o meu rosto, e me faz encarar o espelho enquanto disfiro o segundo corte, pouco abaixo do primeiro.

Dou um sobressalto para trás com o que vejo, deixando a faca cair no chão junto com meu sangue que começa a pingar em direção ao ladrilho, quente e viscoso em gotas generosas. Minhas costas estão contra a parede, e o meu coração dispara.

—Eu mereço ser punido? – Quem diz isso é o garoto de dez anos preso no reflexo do espelho. Seu braço está cortado exatamente como o meu. E quando eu me movo, ele se move. Sou eu.

O reflexo é a minha imagem de quando eu era criança.

—Não, você não! – Respondo, indo em direção a pia, apoiando os braços no espelho, tentando alcançá-lo, sem sucesso. Uma lágrima escorre do meu olho esquerdo, e o mesmo acontece com o reflexo diante de mim.

Fico me contemplando, assombrado comigo mesmo. Eu era tão pequeno, tão franzino, tão...diferente.

—Mas você está me punindo. Por que está fazendo isso? – Meu peito se contrai, e as minhas mãos começam a tremer de maneira incontrolável – Por quê?! – Ele grita com sua voz aguda, e quando pisca, seus olhos se tornam amarelos. Idênticos aos de Azazel.

Fecho os olhos momentaneamente, e perco a cabeça. Com apenas um golpe, quebro o espelho em mil pedacinhos, abrindo feridas ensanguentadas em minha mão. Respiro com dificuldade, parado por alguns instantes. Vasculho ao meu redor e estou, finalmente, sozinho. A dor funcionou.

A dor física sempre me traz de volta para a realidade.

Piso nos cacos de vidro, ouvindo o barulho que fazem ao se partirem ainda mais e ando até a minha mochila. Faço um curativo bem apertado em meus machucados, firmes o suficiente para que nenhum sangue escape. Limpo as lágrimas em meu rosto e visto meu blazer preto, e amarro a gravata de maneira automática.

Olho para os cacos de vidro e para o sangue espalhado pelo chão do banheiro, e sinto a ardência dos meus machucados me perfurando, como um lembrete constante da minha insanidade. Que bom que a livrei de mim. Ela não merece conviver com isso.

Ninguém merece. Ninguém além de mim mesmo.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Após um longo banho quente, visto a mesma roupa formal de ontem e finjo não estar despedaçada por dentro. Sou muito boa nisso, graças a anos de prática precisando fingir que tudo estava bem quando na verdade...não estava. Quando pequena, tinha câmeras apontadas para a minha cara todas as vezes que saía com meus pais em público. E quando os meus pais morreram, não foram raras as vezes que fui assediada pela mídia, até se cansarem de mim e moverem sua atenção para outra pobre criatura vítima da miséria midiática americana. Então, pode-se dizer que sou profissional em engolir minhas emoções.

Mesmo que estejam me devorando por dentro, como malditas canibais.

—Quer me contar como foi? – Jesse se encosta no batente da porta, me fitando com o olhar preocupado. Faço que não com a cabeça, enquanto arrumo o meu cabelo. Ele suspira, e enfia as mãos nos bolsos enquanto ajeita a postura – Hazel, eu consigo ver nos seus olhos que está devastada. O que houve?

Me viro para ele, após um longo suspiro.

—Eu vou ficar bem. Ele vai ficar bem. – Minha garganta arde ao mentir assim, mas mantenho a expressão séria – Nos resolvemos e vamos seguir com nossos caminhos. Me passa meu distintivo? – Aponto para a cômoda do quarto, e Jesse faz o que eu pedi, ainda contrariado.

—Ah, Lavie... – Ele sacode a cabeça em negativa e depois passa as mãos pelos cabelos pretos e desarrumados – Não acredito nisso, nem por um segundo.

—Mas eu preciso acreditar, ok? – Minha voz embarga ao dizer isso, mas pigarreio logo em seguida para mantê-la firme – Não quero falar disso, Jesse. Não consigo falar disso.

Ele me fita no fundo dos olhos, as sobrancelhas grossas em um vinco. Seu suspiro é longo, e ele assente.

—Tudo bem, Lavie. Tome seu tempo... – A porta se abre assim que Jesse diz isso, e Dean Winchester entra no quarto com um café fumegante em mãos e olheiras profundas no rosto. Tenho certeza de que ele não dormiu na noite passada. Dean anda até a minha direção e me entrega um pedaço de jornal. Franzo o cenho, confusa a princípio, mas então leio a matéria:

“O corpo do reverendo Oscar Windsworth é encontrado meio as montanhas de Salina, após doze horas de desaparecimento. Fiéis e membros da igreja fazem uma vigília na igreja local, rezando pela alma do amado líder religioso”

—Mais um, como pode ver. Esse Wendigo está fora de controle. Eu nunca vi um deles se comportar assim... – A voz de Dean é rouca, e ele beberica um pouco do líquido fumegante que tem em mãos, o olhar pensativo – Depois de verificarem os corpos, se certifiquem de dar uma passadinha na igreja, qualquer informação pode ser útil. Estou começando a me perguntar se as vítimas têm algum tipo de conexão, algo que explique o comportamento atípico desse Wendigo.

Assinto, com a cabeça fervendo. Leio e releio a matéria novamente, até que ergo os olhos para Jess e Dean:

—Não podemos perder tempo. Dean, vá comigo ao necrotério. Vamos verificar os corpos, nos certificar de que estamos lidando mesmo com um Wendigo. Esse padrão está muito, muito estranho... – Me viro para Jesse, já sabendo que irei desagradá-lo com o que irei propor – Jesse, você e Sam deviam ir até a igreja, ganhar tempo, tentem descobrir se as vítimas têm alguma correlação.

—Tá brincando, né? – Meu irmão diz, erguendo as sobrancelhas com uma expressão de desdém – Quer mesmo que eu e o grandão idiota trabalhemos juntos?

—Ela tem razão, pode nos fazer ganhar tempo. – Todos olhamos para porta, onde Sam está parado, vestindo um terno que o deixa simplesmente irresistível. Seus olhos verde-oceano escuros e tempestuosos me fitam, mas não consigo sustentar o seu olhar. Não sem corar, pelo menos. É difícil olhar para ele e não se lembrar de tudo o que fizemos ontem a noite – Precisamos ter certeza do que estamos enfrentando, antes de nos embrenharmos nas montanhas.

Dean olha para Sam, que ignora o irmão completamente. É como se Dean nem estivesse ali. Dói só de testemunhar essa frieza, quase como se fosse comigo. Só posso imaginar como Dean pode estar se sentindo, e isso parte o meu coração. Mas por mais que esteja com raiva de Sam, consigo ver os dois lados. Não deve ter sido fácil para ele descobrir tudo daquele jeito.

—E como é que vamos fazer os fiéis e os membros da igreja falarem conosco, espertão? – Jesse rebate, o olhar claramente irritado ao olhar para Sam. Os dois não se suportavam antes, agora então... só posso imaginar como a dinâmica dos dois será. Seria cômico se não fosse trágico – Essa gente é caipira e fechada, não vão abrir o bico para forasteiros.

—Nossa, que mente brilhante. Pensou nisso sozinho, Turner? – Sam desdenha, e Jesse rola os olhos com a provocação explícita disferida a ele – Sou caçador a anos, Jesse. Sei que não falariam com forasteiros, a não ser que fôssemos figuras importantes para a igreja. Por sorte, tenho os trajes perfeitos no porta-malas do Impala.

—Tem certeza de que quer que eu vá com ele? – Jesse se vira para mim, apontando para Sam como se ele fosse um inseto repugnante – Eu posso acabar jogando ele pelos ares com um estalar de dedos, sabe?

Rolo os olhos, impaciente.

—A vida de uma garota está em jogo, o que é muito mais importante do que...bom, todo esse nosso drama. – Aponto de mim para Sam, de Sam para Dean, e então de Jesse para Sam – Então precisamos ser profissionais. Chega de provocações, ok?

Olho incisivamente para Jesse, que dá um longo suspiro contrariado, mas assente. Viro o rosto para Sam, o censurando com os olhos. Ele acena com a cabeça, concordando, envergonhado.

—Ótimo. Vamos nos falando, no fim do dia decidimos o que fazer com base nas nossas conclusões. – Ajeito a arma no cós da calça, nervosa dos pés à cabeça – Não façam besteira. – Aponto para Sam e Jesse, o olhar firme. Ambos assentem, contrariados. Dean e eu nos entreolhamos, e me retiro do quarto para esperar Dean se arrumar.

Vai ser um longo dia.

XXX

 A igreja não fica longe do motel, então Dean e eu pegamos o Impala, o necrotério sendo mais afastado da cidade. Dean está dirigindo com o olhar sério preso na estrada, trajando um terno escuro que em nada combina com a sua personalidade descontraída.

—Pode parar nessa farmácia? – Aponto para uma farmácia que avisto na esquina da rua que estamos, e ele franze o cenho confuso.

—Está se sentindo mal? – Ele questiona.

—Dor de cabeça. – Minto. Ele assente e encosta o carro. Desço e compro a pílula o mais rápido que consigo, e a tomo de maneira discreta. A última coisa de que preciso é de uma gravidez acidental, no meio de todo esse caos.

XXX

O necrotério fica em um prédio antigo e pequeno, perto de algumas fábricas que cospem fumaça em direção aos céus como se fossem dragões feitos de concreto e sonhos desperdiçados. Dean e eu estamos aguardando na recepção, um relógio fazendo um barulho insuportável na parede tingida de bege enquanto esperamos.

—Vocês... se resolveram? – Dean me questiona com o olhar curioso, a voz cautelosa. Solto um longo suspiro.

—Nos despedimos, ontem. Foi só isso. A decisão dele se mantém. – Tento soar resolvida e madura, quando na verdade quero gritar e quebrar tudo. Dean me fita com seus olhos verde-esmeralda, com uma expressão séria – Está tudo bem.

Dean assimila a minha afirmação e dá um sorriso fraco, encarando o chão.

—Que foi? – Questiono a ele, o cenho franzido.

—Nada, é só que...eu sei bem o que “se despedir” significa, Laverne. – Dean me encara, e eu coro, desconcertada. – Não se preocupe, não quis te deixar desconfortável. É só que eu sei que você não é o tipo de garota que é o caso de uma noite só, então sei que está devastada, aí dentro – Ele aponta para o meu peito.

—Foi uma decisão mútua, Dean. Ambos somos adultos, e fui eu quem...- Minha voz morre, e minhas mãos começam a suar. Não sei por que sou tão tímida quando o assunto é sexo, apenas sempre fui assim – Enfim. Não precisa se preocupar.

—Ah, preciso sim. Sabe por quê? Sammy também não é o cara que é um caso de uma noite só. Basicamente, as duas pessoas com quem mais me importo no momento estão devastadas, uma com a outra... e eu não posso fazer nada. – Dean solta um longo suspiro, e percebo que o corte em seu lábio inferior causado pelo soco de Sam na noite anterior está muito vermelho. Os nós da sua mão esquerda também estão feridos, já que ele também socou o Sam, ontem. Dean não está nada bem.

Me retraio só por me lembrar do momento. Foi horrível ver os dois trocando socos, especialmente por ser eu o motivo da briga.

—Agentes Sandoval e Hetfield? – A moça da recepção retorna, seu salto alto fazendo um barulho alto no chão de linóleo. Ela ajeita os óculos em seu rosto e nos entrega alguns papéis – Vocês estão autorizados a ver os corpos. Por aqui... – Ela aponta para uma porta cinza, e Dean e eu nos entreolhamos antes de segui-la.

Nunca vi pessoas mortas antes, pessoalmente. Sinto um nervosismo me acometendo, mas não o deixo me dominar. Preciso me acostumar com essas coisas se quiser ser uma boa caçadora. Dean parece notar meu nervosismo, me disferindo um olhar de preocupação, mas eu o tranquilizo com o olhar.

—Sabe, não estão bonitos de se ver, os corpos... – Quem diz isso é o legista, um senhor de uns setenta anos bem baixinho, que anda para lá e para cá com seu jaleco três vezes maior que o seu corpo magro e corcunda. A mulher da recepção nos deixa a sós, e o legista nos encara, o bisturi em uma de suas mãos e a outra apoiada na cintura – Eu mesmo nunca tinha visto nada igual. E recebemos o corpo do reverendo hoje cedo, ainda estou fazendo a autópsia dele...pobre coitado.

Desço os olhos por sua roupa suja de sangue e vísceras, e sinto uma náusea intensa.

—Qual corpo podemos analisar primeiro? – Pergunto, com os olhos lacrimejando pelo cheiro de formol e ferro. O legista, que vejo se chamar Carl Anderson pelo seu crachá amarelado pelo tempo, nos conduz a uma gaveta dentre outras dezenas iguais a essa, todas pequenas e estreitas. Um arrepio percorre o meu copo assim que ele puxa a gaveta, revelando um homem nu e esverdeado, com diversas partes do corpo faltando. Meus olhos o percorrem, há diversas mordidas pelo seu corpo, o deformando em várias partes como barriga, pernas e pescoço. Os olhos estão leitosos e arregalados, e eu cambaleio para trás. Carl Anderson franze o cenho para mim, e Dean me olha preocupado.

—Algum problema, agente Sandoval? – O velhote me questiona, com o olhar analítico. Pigarreio e me recomponho, enfiando as mãos trêmulas dentro do blazer.

—Só nunca havia visto um corpo nesse estado. – Digo com a voz mais firme que consigo – Podemos ver os outros? – Olho para o legista de maneira profissional. O velho dá de ombros e nos conduz para a próxima gaveta.

Uma mulher de uns trinta e cinco anos, no mesmo estado do corpo anterior. Franzo o cenho ao analisar a barriga dela, que está costurada. Dean também parece intrigado pelo mesmo motivo, pois aponta para a região do abdômen da mulher e ergue os olhos para o legista.

—O que houve com ela? – A voz de Dean é fria e profissional. Carl Anderson dá um longo suspiro e seus olhos se tornam tristes.

—Estava grávida, essa sujeita. A família pediu para manter o corpo do feto dentro dela, então precisei...hm, costurá-la. É triste, não é? – Ele nos encara, e eu me contraio.

Como é que Sam e Dean fizeram isso por todos esses anos? Desde crianças? Como é que todos os caçadores passam por isso diariamente por anos e anos, sem ficarem loucos? Minha cabeça começa a rodopiar com toda essa escuridão e podridão, mas me mantenho firme por fora, controlando a minha respiração.

Não consigo não sentir dor por essas pessoas. Não são só corpos frios em uma mesa para mim.

—O próximo? – Dean pede, a voz solene, evitando olhar para a mulher morta diante de si. O outro corpo é de um cara de meia idade, tão devorado e despedaçado quanto os outros – Podemos dar uma olhada no reverendo? – Dean pede ao legista.

—Bom, não terminei a autópsia dele, como sabem. Mas, venham comigo...- O velhote nos conduz com os braços, para uma sala ao lado da que nos encontramos. Passamos por um portal separado apenas por cortinas de plástico transparente, e o cheiro de formol e outros produtos químicos que não consigo identificar se tornam mais fortes, e eu começo a tossir.

O corpo aberto e sangrento do reverendo Oscar Windsworth jaz em uma mesa metálica, sem vida alguma. Está com o peito e a barriga abertos por aparelhos metálicos, os olhos fechados, o corpo coberto por mordidas e marcado por pedaços faltando, o que deixa alguns de seus ossos e nervos expostos.

—Alguma relação entre as vítimas, Sr. Anderson? – Dean questiona, o olhar analítico. Eu tenho dificuldade de parar de encarar o defunto em minha frente.

—Não que eu saiba. – O médico dá de ombros, repousando o bisturi em uma mesinha articulada ao lado da mesa onde está o reverendo – Meu trabalho é identificar a causa das mortes, Agentes. E gosto de manter meu nariz apenas no que sou chamado.

—Certo. – Dean responde, enfiando as mãos nos ombros.

—O senhor determinou a causa da morte de todos esses corpos como ataque de ursos, não é? – Questiono, me lembrando do que a guarda florestal disse a Sam e a mim na noite anterior. O doutor ajeita os óculos e repousa ambas as mãos em sua cintura fina.

—Eu determinei como ataque animal desconhecido, Agente Sandoval. O povo da cidade que espalhou que foram ursos... – O velhote olha para o corpo do reverendo com um olhar intrigado, e então torna a nos olhar – Eu honestamente nunca havia visto um caso assim, com mordidas tão irregulares. Estão vendo isso aqui? – Ele aponta para uma mordida no braço do reverendo, onde um grande pedaço de carne está faltando. Dean e eu observamos o ferimento e nos entreolhamos em seguida – Pequeno demais para um urso, grande demais para um lobo. Não há leões da montanha na região, e mesmo se houvessem, as mordidas não bateriam com a espécie. Sou um homem cético, sabe? – Ele suspira, cansado – Mas casos assim... nos fazem pensar.

—Faz o senhor pensar em quê, Sr. Anderson? – Questiono com o olhar analítico, meu lado jornalista aparecendo sem querer.

O velhote me encara com os olhos enegrecidos.

—No tipo de criatura que vive nessas montanhas, Agente Sandoval. E que seja o que for... – Ele percorre os olhos pelo homem morto diante de si, de maneira sombria – Não é algo que tenhamos catalogado, isso eu garanto.

Dean e eu nos entreolhamos, pensativos.

—Obrigada pelo seu tempo, Sr. Anderson... – Digo, educadamente. O velhote acena com a cabeça.

—A disposição, Agentes.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Jesse fica mexendo na gola da sua roupa preta de reverendo com os dedos, sem parar. Está incomodado, certamente. Estou trajando a mesma roupa que ele, e de todos os disfarces que usei ao longo das caçadas, esse é o que mais incomoda. A gola alta e preta com um clérgima branco no meio, a roupa completamente preta e justa ao corpo. Não há nada pior do que isso, eu garanto. Estamos ambos com bíblias e terços da madeira nas mãos, indo em direção a igreja que fica no meio de vários carvalhos, como tudo na cidade montanhosa e afastada de Salina. Várias pessoas enlutadas chegam de todos os lugares, indo em direção a porta central.

—Pare de mexer nessa gola, as pessoas precisam achar que está acostumado. – Digo a ele, o repreendendo com o olhar.

—Ah, cala a boca Winchester. Essa gente está enlutada, provavelmente seus olhos estão tão embaçados por lágrimas que duvido que irão reparar nesse tipo de coisa. – Ele diz isso como uma criança mimada, ainda mexendo na maldita gola. Paro de andar, e o encaro irritado.

—Você é insensível assim mesmo ou é só fingimento? Essa gente está triste, Jesse. Perderam alguém. – O repreendo – E esse caso é importante, então pare de mexer nessa maldita gola!

—Ah, falou o Miss Empatia! – Ele usa ironia na voz e me olha com desprezo – Não é você que prometeu não brincar com os sentimentos da minha irmã? Acha que não sei o que fizeram ontem a noite? Ela deve estar péssima, Winchester, e a culpa é toda sua!

O ódio em seus olhos é evidente, e eu fico irritado até os ossos com as suas palavras. Respiro fundo e luto contra a vontade de agarrá-lo pelo colarinho e sacudi-lo no ar.

—Prometi e vou cumprir a minha promessa, Turner. O que El e eu fizemos ontem a noite diz respeito apenas a ela e a mim, e eu gostaria muito que você respeitasse isso. Pode ser? – Tento ser o mais civilizado possível, os punhos fechados. Jesse dá uma risadinha sarcástica, fazendo o meu sangue esquentar.

—Quer que eu respeite o fato de que quebrou o coração da minha irmã e a comeu na noite seguinte? – O tom que ele usa é carregado de raiva. Dou um passo a frente, ficando a milímetros do seu rosto bem mais baixo que o meu, e o encaro tão fundo que sinto que posso ver até mesmo a sua alma.

—Eu vou falar isso uma vez, e uma vez apenas. Então preste atenção em cada palavra, Turner. Esse termo que você usou? Não o use novamente. – Dou ênfase em minhas palavras, vendo tudo ficando vermelho pela raiva, mas me contenho – Sobre o que foi ou não feito em quatro paredes entre nós dois, não te interessa, mas já que quis tocar no assunto, saiba que foi de comum acordo entre dois adultos, que se respeitam e se amam. Eu e você não somos amigos, e nem precisamos ser, Jesse. Mas precisamos parar de nos tratar como inimigos quando o que queremos é a mesma coisa, que é o bem da Hazel. Não foi você que sumiu por anos, após apagar a memória dela, a deixando sozinha? – Digo isso sem a intenção de provocá-lo, mas vejo seu olhar se enegrecendo. Molho os lábios antes de continuar, minha postura firme e meu olhar afiado – Fez isso porque achou que estava a protegendo, não fez?

—Fiz. – Ele responde, entredentes.

—Então acho que pode parar de me julgar por estar fazendo a mesma coisa, Turner. Eu estou protegendo ela de ter uma vida miserável comigo, ou até morrer por minha culpa! – Respiro fundo e dou um passo para trás, com o coração aflito por me lembrar de tudo isso. Aperto o braço com os cortes com a mão direita, só para sentir a ardência dos machucados. Só para sentir algum tipo de alívio, mesmo que momentâneo, através da dor – E pare de agir como se não concordasse, Jesse. Você, mais do que ninguém, não me acha bom para ela, não foi isso o que você disse naquela noite? – O questiono, erguendo as sobrancelhas e cruzando os braços. Jesse me encara em silêncio por um tempo, e após um longo suspiro, assente.

—Achava isso, Winchester. Realmente achava, não vou negar. Mas depois que vi como ela ficava feliz só por vocês estarem no mesmo ambiente... – Sua voz morre por um momento, e ele sacode a cabeça em negativa – O olhar dela nunca brilhou daquele jeito antes, eu pelo ao menos nunca havia a visto feliz assim... – Ele dá de ombros, amargurado – De qualquer forma, se você acha que está a protegendo, então siga em frente com a sua maldita decisão. Eu me arrependi da minha, para ser honesto com você. – Seus olhos se enchem de lágrimas, mas ele as espanta rapidamente – E tenho que viver com isso. Apenas tenha certeza do que está fazendo, Sam. Porque não haverá volta.

Jesse me olha no fundo dos olhos de maneira sincera e séria, e eu assinto, pensativo.

Quero voltar atrás com a minha decisão a todo momento. Não há nada que me atormente mais do que ficar longe dela, especialmente agora que nos entregamos um para o outro com tanta honestidade como na noite passada, depois de todos esses anos. Sexo para mim... não é apenas sexo. Nunca foi. Dói muito, a todo momento, não tê-la comigo. Mas preciso ser forte.

Preciso mantê-la a salvo de Lúcifer. A vida dela é mais importante do que tudo.

—Vamos, temos perguntas a fazer. – Digo, acenando com a cabeça em direção a igreja. Jesse concorda com a cabeça, e ambos seguimos meio as pessoas para a porta central.

XXX

Sinto uma sensação de terror me invadindo assim que piso no interior da igreja. Sempre me senti seguro dentro de templos, sempre conversei com deus de peito aberto. Sempre busquei algum tipo de...resposta.

Mas desde que minhas lembranças voltaram...

Não conversei com ninguém sobre a minha crucificação. Na verdade, escondi essa lembrança lá no fundo da minha mente, para sobreviver. Mas a verdade é que se fico no silêncio por tempo o suficiente, me retraio ao me lembrar do barulho dos pregos entrando na minha carne, do frio que eu sentia, e de todos aqueles demônios em fila para se batizarem com o meu sangue.

Fui profanado e violado fisicamente por Crowley, e isso corre pela minha mente dia e noite. Eu não acho que eu vá me recuperar desse trauma, não acho mesmo.

—Você tá pálido, cara. – Jesse diz com o cenho franzido, me examinando com o olhar, me despertando das minhas lembranças – O que aconteceu?

Sacudo a cabeça de um lado para o outro e engulo em seco, enquanto aperto os meus machucados com força com a mão.

A dor é a minha âncora.

—Nada, está tudo bem. Tente conversar com algum fiel...- Começo a dizer, depois de pigarrear – Eu vou falar com aquele membro da igreja ali, está vendo? – Aponto com o indicador de maneira discreta para um homem velho, de cabelos brancos e pele negra, que está sentado perto do altar, reconfortando algumas pessoas. Jesse assente com a cabeça, e nos separamos.

Enquanto caminho em direção ao homem, sinto arrepios por toda a minha espinha, o barulho dos meus sapatos batendo no chão de mármore branco se torna ensurdecedor para mim, o burburinho das pessoas ao meu redor se tornando apenas um chiado, as estátuas de anjos se tornando turvas à medida que caminho.

XXX

—Será que posso dar uma palavrinha com o senhor? – Digo ao homem, que havia acabado de confortar uma mulher aos prantos. O homem me examina, e ajeita a camisa social, desconfiado – Eu era amigo do reverendo Oscar, senhor. E estou devastado com o que aconteceu. Não nos falávamos a anos, mas ele foi como um mentor para mim... – Tento parecer transtornado, e por coincidência estou mesmo, por outros motivos, o que vem a ser útil e convincente. O homem, que antes me disferiu um olhar analítico, me fita agora com um olhar de compaixão.

—Claro, reverendo...? – Ele semicerra os olhos, e eu pigarreio.

—Sagan, senhor. Isaac Sagan. – Estendo a mão para cumprimentá-lo, e ele aperta a minha mão com firmeza.

—Prazer em conhecê-lo, reverendo. Sou William Dolley, velho membro da igreja e da comunidade de Salina. O reverendo Oliver era um grande amigo... – O olhar do homem se torna triste, e ambos nos sentamos em um banco de madeira que fica bem em frente ao altar. Sinto o olhar da estátua da virgem maria me encarando, me julgando.

A palavra profano ecoa em minha mente sem parar.

—Eu fico me perguntando o que as autoridades locais farão a respeito desses ataques de ursos, sabe? – Digo isso em um tom indignado – Quantas pessoas mais precisam morrer para que os guardas florestais tomem as devidas atitudes? E a pobre garota que está desaparecida...

Faço um sinal da cruz, e repouso a mão na bíblia.

—É, é o que todos querem, uma solução. Sabe, todos que morreram eram membros exemplares da comunidade! – William Dolley afirma com a voz orgulhosa – E é uma questão de tempo para a garota ser encontrada também... – Seu tom se torna sombrio, e dessa vez, ele é quem faz o sinal da cruz – Sabe, a sujeitinha procurou refujo aqui na igreja, e o reverendo a acolheu de braços abertos! Mesmo ela sendo...- Ele faz uma careta, como se esperasse que eu completasse a frase para ele.

—Mesmo ela sendo...? – Questiono. Ele dá um longo suspiro.

—Árabe. Sabe como é, não é? – Suspiro, irritado com a mentalidade de cidade pequena, cansado demais para lidar com esse tipo de preconceito agora – Enfim, ele a acolheu. Até se confessou... – O homem aponta para o confessionário, a poucos metros de nós – Sumiu poucas horas depois disso. Por ironia ou não, é o único corpo que não foi encontrado. Talvez deus a tenha poupado, não é? Talvez esteja viva.

Disfiro a ele um sorriso falso, com a cabeça borbulhando. Todos se conheciam, todos eram membros da igreja...exceto por Dalilah. E no momento que pôs os pés nessa igreja, se tornou um alvo para esse Wendigo. Será que se trata mesmo de um Wendigo? Nada nessa história bate. Nada.

Temos algo muito maior em nossas mãos aqui, tenho certeza disso.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

É tardezinha quando estacionamos o Impala perto da igreja. A neve está fraca hoje, e o sol mais pálido do que nunca. As árvores parecem tão escuras quanto sombras em contraste com a pouca luz que se deita timidamente no horizonte, e os poucos carros que estavam estacionados ao redor da igreja acabaram de partir. Vejo Jesse vindo em nossa direção, e descemos do carro para encontrá-lo.

Dou risada no momento que coloco os olhos nele com mais atenção, e ele revira os olhos para mim, mexendo tanto na gola em seu pescoço que sinto que vai arrancar a peça de roupa a qualquer momento.

—Nem começa, Lavie! – Ele me repreende, apontando o dedo para mim – Sei que estou ridículo!

—Está fofinho, na verdade. – Digo rindo, e aperto a bochecha dele – Nem parece que é um serzinho demoníaco e transviado.

Há há!— Ele diz com ironia, os olhos semicerrados para mim – Eu quero ir embora, se me permitem. Lá no motel conversamos sobre as descobertas do dia, pode ser?

Jesse olha de Dean para mim, e ambos concordamos com a cabeça.

—Onde está o Sammy? – Dean pergunta, preocupado – Vocês conseguiram chegar ao fim do dia sem se matar? – Dean ergue as sobrancelhas, incrédulo.

—É, pois é. Difícil de acreditar, mas não fiquem muito felizes. Ainda estou considerando matá-lo e enterrá-lo bem no fundo dessa maldita igreja, por me forçar a usar isso! – Jesse acende um cigarro, irritado, indo em direção ao carro – O idiota está lá dentro, fazendo sabe-se lá o que.

Dean e eu nos entreolhamos e eu suspiro, olhando para o chão, as mãos enfiadas nos bolsos e uma incerteza no coração.

—Eu vou chamá-lo. – Digo, ciente de que Sam ignoraria Dean. Seus olhos verde-esmeralda me fitam, e ele aquiesce, ajeitando a gravata.

—Estaremos esperando por vocês.

XXX

A igreja é maior por dentro do que aparenta, cheia de fileiras de bancos de madeira maciça escura e vitrais lindos por todas as paredes. Sam Winchester está sentado ao lado do confessionário, folheando algo em suas mãos. Me aproximo dele, que nota a minha presença e assume um olhar terno em minha direção.

—Descobriram muita coisa? – Questiono, tentando sustentar seu olhar. Meu coração começa a socar o meu peito ao fitá-lo com mais atenção. Eu não sabia que ele podia ficar sexy vestido... assim. Ou melhor, não sabia que o acharia mais sexy ainda justamente por estar vestido assim. Que fetiche estranho é esse, de repente? Quero me beliscar por isso. Não sou uma pessoa religiosa, nem sei no que acredito, mas tenho certeza de que estou cometendo algum tipo de pecado aqui. Seus olhos verdes encontram os meus, com algumas mechas do seu cabelo castanho recaindo em seu rosto perfeitamente.

—Pode-se dizer que sim. Estava dando uma olhada em algumas fotos da congregação... enfim, longa história. Podemos conversar sobre isso no motel. – Ele diz, a voz levemente rouca e cansada. Assinto, ajeitando o meu cabelo que foi levemente bagunçado pelo vento.

—Certo... – Caminho pelo altar, o olhar curioso no simbolismo e na arquitetura do lugar. Resolvo me sentar do lado de dentro do confessionário, ao lado da janela de madeira com furinhos, ao qual Sam está sentado do outro lado.

Ele dá uma risada meio tristonha.

—Vai se confessar, é? – Ele questiona, em tom de brincadeira.

—Hm....me perdoe padre porque eu pequei? É assim? – Questiono. Ele ri mais um pouco.

—Não tenho certeza. Teoricamente sou um reverendo, mas quem se importa? – Ele diz, e eu assinto.

—Certo. Bom, então...perdoe-me padre porque eu pequei. – Digo, esperando sua resposta.

—Diga-me seus pecados... – A voz dele responde, quase como um sussurro. Pigarreio, o coração disparado e as mãos geladas.

—Por onde começo? – Questiono, mais para mim mesma do que para ele, os olhos percorrendo todas as velas acessas nas paredes, a pouca luz entrando pelos vitrais dando a tudo um aspecto gótico e solitário – Eu amo esse homem, padre. Só que eu também o odeio, porque ele toma todas as decisões erradas. Ele acha que está me protegendo de algum mal ou sei lá o que... – Minha voz embarga, mas me mantenho firme. Sam escuta, silenciosamente – E eu o acho um idiota por isso. E um covarde. E um hipócrita, e...

—Acho que deu para entender, você está com raiva dele. – Ele pigarreia, me interrompendo. Eu poderia xingá-lo a noite inteira— E onde está o seu pecado nisso?

—Meu pecado é que eu não consigo deixar de amá-lo, padre. Nem mesmo ele sendo todas essas coisas que eu falei. – Constato, suspirando fundo, com raiva de mim mesma – Acha que ele vai conseguir deixar de me amar? Vai acontecer, não vai? Cedo ou tarde, já que ele decidiu que não podemos ficar juntos. Eu preciso esquecê-lo, porque ele vai me esquecer também.

Ele fica em silêncio por um momento, absorvendo as minhas palavras, a sua respiração pesada.

—Não acho que ele vai deixar de te amar, aliás, nem acho que isso seja possível. Se quer saber, ele nem quer deixar de amar você. – Sua voz é sincera e pesarosa, taciturna. Sinto uma fisgada em meu coração, uma fagulha incandescente de dor e perda— E certamente não irá esquecê-la. Mas sobre você...acho que deve fazer o que achar certo, entende? Sem se preocupar em machucá-lo. Tenho certeza de que ele vai entender.

Franzo o cenho, com o coração doendo.

—Tem certeza de que ele vai entender o quê, padre? – Questiono, uma dor escalando a minha garganta.

—Ele vai entender você deixar de amá-lo. – Sua voz é tão dolorida que me corta por dentro. Ouço seus passos e o vejo em minha frente, os olhos entristecidos e sérios – Eu vou entender, El.

Quero estapeá-lo por me chamar assim, mas me sinto em contradição, porque ele cura uma parte de mim todas as vezes que me chama por esse apelido doce. O olho, completamente devastada, lágrimas presas nos olhos e palavras encarceradas no peito. Tudo em mim, dói. Tudo em mim, arde.

—É um idiota, Sam Winchester. Um grandíssimo idiota... – Falo, entredentes, magoada. O puxo para perto de mim, para dentro do confessionário, e bato com as mãos em seu peitoral, com raiva – Eu te odeio!

—Eu sei, El. Eu sei. – As lágrimas que eu tentei conter o dia todo me escapam, e ele as limpa ternamente com seus dedos.

O olho com fúria no olhar, tremendo por completo. Nossos olhos se cruzam, os seus cobertos por tristeza e culpa, os meus... tomados por confusão e ira. Sem raciocinar direito, puxo o seu rosto e fico na ponta dos pés, colando os nossos lábios.

A princípio, ele hesita, mas se rende rapidamente e se inclina sobre mim, as mãos firmes na minha cintura, seu corpo grande me prensando contra a parede do confessionário, seus lábios me beijando de maneira voraz e intensa. Nossa respiração pesada se mescla, e sinto o sabor das minhas lágrimas em nosso beijo. Todo o meu corpo treme em uma dança de amor e vulnerabilidade, ódio e compreensão.

Nunca senti tantas coisas simultaneamente. Sinto que vou entrar em combustão por isso.

Acaricio a sua nuca e o seu cabelo, enquanto ele aperta a minha cintura, depois passeando pelas minhas costas com suas mãos, acariciando-me. Sinto o sabor doce da sua língua na minha, e invisto meu quadril contra o seu, enquanto ofegamos nos lábios um do outro, com fome de mais.

Sam respira muito fundo, suas mãos segurando o meu rosto enquanto me beija, e enquanto passo as mãos em seu peitoral posso sentir seu coração se acelerando na ponta dos meus dedos. É bom saber que faço com seu coração o que ele faz com o meu.

Sem pensar em nada, começo a desabotoar a sua roupa preta de reverendo, com a mão trêmula e com o beijo se intensificando. O que é que eu estou pensando?! Sam morde meu lábio inferior, e eu começo a perder a cabeça.

Sinto que a situação vai sair de controle, mas então ouvimos Dean pigarreando, e nos afastamos um do outro em um sobressalto, sendo interrompidos. Nossos peitos sobem e descem com a respiração pesada, e ambos olhamos para fora do confessionário, onde Dean e Jesse estão parados, ambos com uma cara de incredulidade para nós dois.

—Oh, gente...precisamos ir, sabe? – Jesse diz, de queixo caído – Está escurecendo.

Dean está dividido entre o choque e a vontade de rir, mas vejo ele se conter. Com muito custo.

—Certo, claro. – Digo, ajeitando o cabelo bagunçado, uma expressão de constrangimento em meu rosto. Tenho certeza de que estou tingida de milhares de tons e subtons de vermelho – Já estávamos indo...

—É, nós vimos mesmo. – Jesse responde, nos julgando com o olhar – Estamos esperando do lado de fora, tá bom? Mas se vocês demorarem mais trinta segundos... – Ele aponta para nós dois, ainda de olhos arregalados – Eu volto com uma mangueira.

Dean e ele se retiram pela porta, e eu esfrego o rosto de vergonha. Olho para Sam, que também está corado e desconcertado, tentando abotoar a roupa direito, as mãos trêmulas.

—O que...deu na gente? – Ele questiona, me olhando confuso. Dou de ombros.

—Não sei. Não me controlo perto de você, e isso precisa mudar... – Digo, ainda desconcertada. Começo a andar, mas Sam segura a minha mão.

—Espera, eu...quero te perguntar uma coisa, Hazel. – Seus olhos fixam nos meus, cobertos de preocupação – Quero saber se você se arrepende, sobre...ontem.

Me contraio, porque queria me arrepender. Mas não consigo. Sorrio um sorriso fraco, e faço que não com a cabeça, acariciando a sua mão.

—Não. Nem de ontem a noite, nem de agora a pouco. – Digo, dando um longo suspiro – Infelizmente, nunca vou me arrepender de tocar em você, Sam.

Ele assente, tristemente.

—Eu também, Hazel. Saiba disso. Ontem...significou muito para mim, Hazel. Não quero que pense, nem por um minuto, que foi só sexo. Nunca é só sexo quando se trata da gente, ok? Foi uma das melhores noites da minha vida. E vou sentir falta disso para sempre. – Seus olhos se enchem de lágrimas que ele contém, e eu abaixo a cabeça, incapaz de sustentar seu olhar.

—Eu sei, Sam. Está tudo bem... – Sussurro, soltando a sua mão. Começamos a caminhar, lado a lado, rumo a saída da igreja. Paramos ao lado da porta, e eu o encaro – A propósito... eu tomei o remédio, como disse que faria. Achei que devia saber.

Ele assente, e coloca uma mecha do meu cabelo para trás.

—Me avise se precisar de alguma coisa, linda. De qualquer coisa, ok? – Ele me olha com preocupação, e eu me sinto ardendo por dentro. Como se garras rasgassem o meu tórax de fora a fora.

—Na verdade, tem uma coisa sim. Não me chame de linda, Sam. – O censuro com o olhar, e vejo que o machuquei. O machuco todas as vezes que peço para que não me chame pelos apelidos que ele me deu, e todas as vezes acho que isso vai me fazer sentir melhor. Não faz. Ele assente, e, em silêncio, deixamos a igreja para trás.


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Notas finais do capítulo

Aaaaaantes que me atirem a primeira pedra, dêem uma olhadinha nas fotos do Sam vestido de reverendo/padre. Tá bem? Então tá bem.
Esses dois vão me matar, estou avisando.

Obrigada a todos que estão comentando, vocês são luz nos meus dias mais sombrios. Comentem o que acharam ♥
XOXO



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