O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 16
Capítulo XIV - A Morte e o caleidoscópio de mil raios.


Notas iniciais do capítulo

Ó morte
Porque não me poupas só mais um ano?
Mas o que é isto que não consigo ver
Que está me envolvendo com mãos frias?
Quando Deus desaparecer e o Diabo tomar o poder
Quem terá piedade da tua alma? - Jen Titus.

Modéstia a parte, estou feliz em como estou tecendo a história. É como eu disse desde o começo: Quero muitas coisas para essa história, romance, terror, ação e acima de tudo e todas as coisas, explorar o universo criado por Eric Kripke de maneira tão genial. Eu amo esse universo, Hunters.

Está chegando o momento de eles se encontrarem...e o que acontecerá a partir disso, está nessas mãos que vos falam.

Até lá, fica a seguinte reflexão...

Nem riqueza, nem ruína, nem prata, nem ouro
Nada me satisfaz a não ser a tua alma... - Jen Titus.

É assim que se sente um escritor. Insaciado.

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de Dean Winchester.

Depois de vê-la chegar ao próprio limite daquele jeito, ouvindo os gritos do homem que ama, mesmo que ela relute contra esse fato, gritando coisas cruéis como aquelas, partindo ainda mais seu coração...decido que é a hora de partir.

Jesse Turner me olha preocupado, e se apoia no corrimão da escada:

—Você vai ir... falar com ela? – Seu olhar é especulativo, e parece incerto sobre o que fazer, como se ele quisesse ir falar com a irmã, mas soubesse que não seria a melhor opção. Faço que não com a cabeça.

—Ela precisa de espaço. Eu... eu vou procurar por respostas... – Jesse franze o cenho, confuso sobre minhas palavras. Não tenho vontade de explicar ou elaborar, apenas vou em direção ao meu quarto e começo a arrumar as coisas.

XXX

—Onde é que você pensa que está indo, idiota? – Esbarro com Bobby Singer no pórtico, onde está lendo um livro enorme e antigo. Suspiro e troco o peso de perna.

Tenho certeza de que não vou fazer sentido para ninguém.

—Atrás de respostas, Bobby. Sei que não temos ideia de onde começar, mas eu preciso fazer alguma coisa! – Tento não demonstrar a minha fragilidade, mas não consigo esconder nada do Bobby. Ele é uma das poucas pessoas que realmente consegue me ler com facilidade.

—Escuta aqui, filho...- Bobby se levanta de sua cadeira velha e vem até mim. Ele repousa a mão em meu ombro, e me fita com os olhos preocupados, rodeados por sinais do tempo – Sei que está perturbado com toda essa situação. Eu também estou... e estou pesquisando, estou revirando todos os meus livros! – Ele suspira e se apoia na parede, cruzando os braços. Parece tão cansado— Não é como se sair por aí com armas no porta-malas fosse a melhor opção, Dean.

—Eu não sei o que fazer, Bobby! A cada minuto que Sammy passa preso no inferno, enquanto o corpo dele faz e fala atrocidades por aí, a mando de Crowley...sinto que estamos mais longe de conseguir resgatá-lo! – Coço a cabeça e jogo minha mochila no chão, transtornado – Eu estou preocupado com ele, com a Laverne...

Minha voz morre. Tento não ser óbvio ao falar dela. Mas Bobby repousa o olhar sobre o meu, e retira o boné da cabeça, coçando a testa, preocupado:

—Dean, eu andei notando... o modo como você..., bom... sabe o que estou querendo dizer, não é? – Ele parece constrangido, Bobby não é a melhor pessoa do mundo para falar sobre sentimentos, embora esteja sempre carregado deles.

—Sei que é óbvio, Bobby. Sei mesmo... – Tento facilitar as coisas para ele, me apoiando na cerca de madeira velha em seu pórtico, olhando para o horizonte escuro do Kansas – E até sei como isso parece para quem vê de fora. Mas não foi uma escolha, e acredite em mim quando digo, não vai acontecer nada entre nós.

—Sei que não fez por mal, Dean. As vezes... nos apaixonamos pela pessoa errada, na hora errada, principalmente quando se está fragilizado emocionalmente como você está... – Ele se encosta ao meu lado, também olhando para a linha onde o céu se choca com a terra – Só estou preocupado, em como toda essa loucura está te afetando, Dean.

Absorvo suas palavras, dando um longo suspiro. Estou angustiado.

—Não precisa, Bobby. De verdade. Vou ficar bem... – Ele assente quando digo isso, e ficamos em silêncio por um momento. Meus olhos não focam em nada, e a minha cabeça está cheia demais. Mas então, quando me viro para Bobby, vejo que seus olhos se arregalam. Decido olhar para frente, confuso sobre o que é que ele está vendo.

E então os vejo. Castiel e um homem que não reconheço a princípio, mas, assim que chegam perto o suficiente, meu coração gela.

Trovões e raios dançam e cantam no céu escuro quando o anjo e o cavaleiro da morte se aproximam, com uma maleta em suas mãos. Bobby e eu nos entreolhamos assustados, e Jesse Turner se junta a nós apressadamente.

—Que barulho é esse?! – Sua voz é abafada pelos trovões, os olhos arregalados pelo som exageradamente estrondoso que nos circunda. Ninguém o responde, ele apenas olha em direção aos dois homens que vem ao nosso encontro.

XXX

Caminhamos em linha reta, os três, sem dizer uma só palavra. Essa caminhada parece durar uma eternidade embora tenham se passado apenas segundos, e então estamos parados os cinco, frente a frente.

Se o meu humor não estivesse quebrado por toda a loucura que tenho vivenciado, eu faria uma piadinha sobre isso parecer uma cena de filme do Clint Eastwood.

—Dean... – Cas pronuncia o meu nome de maneira suave, como ele sempre costuma fazer, o olhar azul recaindo sobre nós. Não consigo evitar um sorriso, por dois motivos principais. O primeiro, é saber que está bem. O segundo, é vê-lo novamente. Eu sempre sinto a falta de Castiel, como se a presença dele me acalmasse e sua ausência me deixasse inquieto – Me perdoem por ter desaparecido. Como podem ver... – Ele se vira para o cavaleiro do apocalipse, que nos encara sem piscar, os raios refletindo em seus olhos de ébano, frios e imponentes – Estive ocupado.

Embora esteja eufórico por finalmente estar falando com Cas, minha atenção se volta inteiramente para o cavaleiro da morte, que me encara com um aparente interesse em particular nesse exato momento.

—Olá, Dean Winchester. Acredito que apresentações não sejam necessárias... – Sua voz é serena e comedida, e mesmo assim, assombrosa. Ele se apoia em sua bengala preta e lustrosa, examinando a cada um de nós – Tenho certeza de que se lembra de mim.

—S-sim senhor. – Gaguejo, inevitavelmente. Me lembro de suas palavras como se fosse ontem...

“Sou tão velho quanto deus... talvez até mais. Nenhum de nós consegue mais lembrar. Vida... morte, ovo... galinha, tanto faz.  No final, eu vou ceifá-lo também”

Se a morte está aqui, Castiel realmente andou ocupado.

—Acredito que o que tenho em minha maleta seja do interesse de vocês... – O cavaleiro da morte ergue a maleta no ar, deixando seu anel prateado com a pedra branca amostra. Engulo em seco. Poderia ser...?

—I-isso é...? – Jesse gagueja, a voz incerta. O cavaleiro olha em seus olhos e inclina a cabeça levemente para a esquerda, curioso.

—Ora, você é uma alma interessante. Meus ceifeiros falharam em colhê-lo, mais de uma vez, diga-se de passagem. – Os olhos escuros e mais antigos que o tempo percorrem Jesse de cima a baixo, e então ele suspira – Ia perguntar se o que tenho em mãos é uma alma?

Bobby e eu nos entreolhamos, e sinto uma corrente fria me percorrendo por dentro. Não pode ser.

—Essa é a alma de Sammy? – Minha voz sai encharcada de esperança, o coração acelerado.

— Sim, Dean Winchester. E imagino que esteja curioso e queira fazer algumas perguntas... deixe-me adivinhar... – O homem esguio abaixa a maleta e ergue o queixo, ajeitando sua postura e me olhando de cima, mostrando sua superioridade – Como a consegui, em que estado ela está... é possível recolocá—la em Sam? E a pergunta mais importante de todas... por que é que estou dando importância a isso?

Um raio brilha em seu rosto espectral, e fico paralisado. A alma do meu irmão está nas mãos do cavaleiro da morte e eu não sei se isso é uma vitória ou... algo a temer.

—Talvez devêssemos entrar... – Castiel se apressa a dizer, cautelosamente – Seria mais seguro falar sobre isso lá dentro.

Todos assentimos, e nos viramos, os cinco andando lado a lado em direção a casa, quatro de nós completamente tensos. Cas e eu nos entreolhamos algumas vezes, sinto que ele sentiu tanto a minha falta quanto eu senti a sua. Tudo fica mais leve com ele por perto.

Como se eu pudesse dividir o fardo com ele.

Quando pisamos no pórtico, o cavaleiro coloca a mão ossuda sobre o próprio peito e fecha os olhos por um breve momento, como se tivesse sentido uma dor o atravessando ou coisa do tipo. Todos nos entreolhamos confusos e esperamos por um tempo. Ele reabre os olhos e suspira, devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo.

E ele de fato tem.

—Curioso... mais uma como você, Jesse? – Ele questiona, olhando em direção ao menino-demônio. Jesse fica confuso, como o restante de nós – A garota vai peregrinar pelo vale das sombras da morte, vai sim. Uma turista...

Ele mal termina a sua frase, e eu arregalo os olhos. Hazel.

Corro para dentro, e percebo a porta do porão escancarada. Meu coração fica paralisado por um momento, e sinto o mundo inteiro estremecendo abaixo dos meus pés. Não, não...não.

—Hazel! – Minha voz sai esganiçada, enquanto desço as escadas primeiro que todo mundo, quase tropeçando em mim mesmo. Quando me vejo de frente para a porta metálica do bunker, Bobby, Cas e o cavaleiro se posicionam atrás de mim. Ouço o barulho de um corpo se chocando violentamente contra a parede, e olho para Castiel com o olhar transtornado. O anjo ergue as mãos no ar, e fecha os olhos. Em questão de segundos, a porta de ferro gigantesca se escancara.

E o que vejo em minha frente faz tudo perder as cores.

XXX

Não! – O grito que escapa da minha garganta é gutural, como o de um animal ferido. Hazel Laverne escorrega lentamente pela parede do bunker, seu sangue escuro e espesso manchando a parede atrás de si, a boca aberta e o olhar horrorizado enquanto mais sangue sai dela como se fossem palavras escapando de sua boca. Uma faca está entranhada nela, bem no meio do estômago, pouco abaixo do coração. Seu corpo se estatela violentamente contra o chão, e os seus olhos se fecham.

Bobby me segura enquanto grito e me debato, e tudo fica embaçado com lágrimas quentes diante dos meus olhos.

Ela morreu. Crowley venceu. O corpo de Sam a matou bem debaixo dos nossos olhos.

Eu falhei. Eu falhei. Eu falhei. Eu falhei. Eu falhei. Eu falhei.

Consigo me desvencilhar de Bobby, e corro em direção a ela. Me ajoelho no chão, e a seguro em meus braços, sentindo o calor indo embora do seu corpo imóvel. O choro que irrompe do meu peito é do tipo que parece rasgar o meu ser de dentro para fora, e apoio os lábios na sua testa, trêmulo.

—Hazel?! Hazel! – Chamo pelo seu nome de maneira inútil. Ela não pode me ouvir.

Está morta. Eu a perdi.

Não consigo raciocinar demais. Enquanto a embalo em meus braços, Castiel prende o corpo desacordado de Sam na maca de ferro, amarrando-o para que não escape mais. Bobby está apoiado no batente da porta, com os olhos arregalados e sem saber o que fazer. Jesse olha para mim, e então para Hazel. Seu olhar é dolorido, ferido. Mas não está desesperado, não como eu, como se soubesse de algo que eu não sei, mas não consigo pensar muito sobre isso.

Acabou. Perdi tudo...

Mais uma vez.

Todos olham para o corpo da garota morta que seguro contra o peito, os braços estirados no chão e a faca cravada nela. Quando o cavaleiro da morte se aproxima e a fita por alguns instantes, parece estar se lembrando de algo.

—Ela me lembra alguém, com essa faca entranhada... – Ele fica pensativo por um momento, e coloca a mão no queixo por um segundo, enquanto tenta se lembrar. Seus olhos se acendem de repente – Ah, sim. Julieta Capuleto, 1968, ótimo filme.

Quero abrir a boca para xingá-lo, mandá-lo para o inferno por sua frieza, mas Jesse Turner se ajoelha ao meu lado, e coloca a mão sobre o meu ombro, com o olhar triste.

—Ela não pode morrer assim, Dean. Não está verdadeiramente morta. – Bobby, Castiel e eu nos entreolhamos sem entender ao que ele se refere. As lágrimas ainda em meu rosto, a ira irrompendo do meu peito. Ele é maluco?! Ela está morta. Não há pulso em suas veias, não há ar em seus pulmões. Eu estou sentindo a morte dela em meus braços nesse exato momento. Como ele pode dizer essas coisas?!

—Do que é que está falando, Turner?! – O transtorno em minha voz é evidente. Ele suspira, pesaroso, e se encolhe um pouco, como se sentisse frio.

—Nós não podemos morrer como...humanos. A menos que isso seja uma faca de matar demônios... – Ele aponta com os dedos compridos para a faca cravada no corpo da irmã – Não está verdadeiramente morta.

—Ele está correto, Dean Winchester... – O cavaleiro acrescenta, aparentemente curioso com a cena em sua frente – Infelizmente, os dois anticristos têm passe livre para serem turistas no vale das sombras. Jesse Turner já o visitou diversas vezes, com sua insolência mortal... – O cavaleiro olha para Jesse com censura, e o garoto abaixa a cabeça. Nem Cas, nem Bobby e nem eu, parecemos entender direito ao que estão se referindo.

—Hazel e eu só podemos ser mortos como demônios, Dean. Não podemos ter uma morte humana. Somos profanos, lembra? – O garoto tem uma dor explícita no rosto, como se soubesse pelo que a irmã está prestes a passar – Ela vai voltar, mas antes...

Sua voz morre. Bobby se aproxima de nós e o pega pelo colarinho, alterado.

—Antes o quê, rapaz?! Diga logo! – Ele sacode Turner um pouco, e vejo que está chorando. Bobby se importa com Hazel, embora não vá admitir.

—Antes de andar pelo vale das sombras por um dia inteiro! – Jesse responde, com os olhos assustados direcionados a Bobby – É a punição que um ser profano sofre por ter zombado da morte!

O horror nos olhos dele é evidente. Jesse é um cara geralmente frio e difícil de se ler, mas nesse exato momento, tudo isso cai por terra. Está se recordando de uma experiência terrível, posso ver isso em seu rosto. E pior ainda, agora é forçado a ver a irmã passar por isso... seja lá o que “isso” seja.

Um pouco de esperança se acende em meu peito, e eu a abraço mais forte. A dor da perda ainda está no meu peito, com dificuldade de acreditar que ela vai voltar.

—Zombado da morte?! – Castiel questiona, confuso e entristecido – Como ela pode ter zombado da morte se foi assassinada?!

O cavaleiro nos olha, em um misto de tédio e irritação.

—Quando um ser vivo ousa visitar o vale das sombras como turista, ele paga um preço, para mim, seja o motivo de esse ser vivo estar lá culpa dele ou não, isso não importa! – O cavaleiro nem pisca, e ajeita seu sobretudo negro, o alinhando cuidadosamente – É a regra da lei natural das coisas. Almas complexas como crianças hibridas não podem ser ceifadas normalmente, afinal, são abominações da natureza. O vale das sombras da morte é tão antigo quanto o tempo, mas não foi projetado para absorver esse tipo de alma.  Mas, entendam, um de meus ceifeiros teve o trabalho de ceifá-la só para perceber que seu trabalho foi em vão. E isso não é educado, não mesmo. Hazel vai passar um dia inteiro no vale das sombras, como uma humana faria antes de ser encaminhada para seu destino final. E então retornará, novinha em folha. Insolência... – Ele resmunga, ajeitando os cabelos negros – Isso só me dá ainda mais motivos para estar aqui.

—Como assim, Senhor? – Jesse se desvencilha de Bobby e encara o cavaleiro, com a cabeça um pouco baixa em demonstração de respeito e submissão.

—Digamos que o caos que está sendo perpetuado por Crowley já era motivo o suficiente para eu estar aqui. Agora que vejo o que Astaroth está causando, graças a suas duas crianças demônios... Bom, faz a minha visita ainda mais necessária.

O cavaleiro se apoia na parede do bunker, e seu olhar fica longínquo. Ninguém ousa falar nada, apenas o escutamos com atenção.

—Castiel me procurou, sem sucesso, por muito tempo. Mas eu estava sentindo um tremor vindo da terra, do tipo que não se pode ignorar... – Ele aperta a bengala, deixando os nós dos dedos esbranquiçados. Ele esfrega o polegar livre em seu anel, pensativo enquanto fala – Quando soube do que Crowley tinha feito, descobri algo maior. Algo quase tão grande quanto o próprio apocalipse, e deixei Castiel me encontrar.

—O que o senhor...descobriu? – Bobby Singer pergunta, com medo na voz. O cavaleiro ajeita a gravata, e continua a explicação, enquanto encara Hazel, que jaz em meus braços, completamente imóvel e fria.

—O rei das encruzilhadas não quer apenas ser o rei do inferno. Ele quer encontrar o purgatório, e assim, dominá-lo...

Bobby e eu nos entreolhamos, assustados.

—O purgatório é real?! – O meu coração se acelera. O cavaleiro me olha com desprezo, franzindo o nariz.

—Vocês humanos são tão ignorantes perante os mistérios da vida, que as vezes eu me questiono o motivo de ainda estarem aqui. – Ele balança a cabeça de um lado para o outro de maneira lenta, como se expressasse o seu descontentamento – Sim, o purgatório é real. E a sua localização é um segredo bem guardado por mim. É para lá que os monstros vão quando morrem. E acessar o purgatório, bem como se alimentar das almas que lá residem, seria o equivalente a...

—Se tornar deus...não é? – Castiel questiona ao Morte, os olhos assustados.

—Muito bem, anjo da quinta-feira. Como deus está desaparecido... – O cavaleiro dá de ombros, e respira fundo – O cargo pode ser substituído por alguém com poder o suficiente. Isso seria... catastrófico. E eu não sou adepto a mudanças. Alguém velho como eu, ora... não tenho paciência para novidades. Por esse motivo fui pessoalmente resgatar Sam Winchester... – Ele ergue no ar a maleta preta, o olhar interessado repousando sobre nós – Para me certificar de que Crowley perdesse sua arma mais poderosa. Essa criatura... – O cavaleiro aponta para o corpo de Sam, desacordado e preso a maca – Nunca vi nada igual. Não é humano e é uma aberração da natureza. Não... não vou permitir que continue assim! Vim pessoalmente devolver a alma para esse corpo, essa criatura não pode mais existir, e Sam Winchester precisa voltar ao seu lugar de origem, tornando-se mortal novamente. E tendo em vista o que fez com a garota... – O cavaleiro aponta para Hazel – Crowley quase conseguiu o que queria. Ainda pode conseguir, na verdade.

—Do que está falando? – Questiono, o cenho franzido e o coração desesperado, socando meu peito com violência.

—Ora, Crowley não é ingênuo. Ele suspeitava desde o princípio sobre a garota, só precisou confirmar a informação. O intuito nunca foi apenas matá-la, Dean. – O cavaleiro se ajoelha ao meu lado, olhando para Hazel com fascínio – O intuito sempre foi enviá-la para o vale das sombras, acredito eu.

—Crowley desapareceu! – Olho nos olhos negros do homem em minha frente, completamente confuso com tudo isso – Ele...

—E para onde acha que ele foi? – O homem de olhos de ébano me questiona, a cabeça levemente inclinada, como se me examinasse como um cientista observa uma bactéria – Esperá-la do outro lado, é claro. Crowley está, nesse exato momento, a esperando de braços abertos do outro lado. Se ele a encontrar, vai consumir uma das almas mais poderosas já criadas. E se o fizer... terá forças o suficiente para encontrar o purgatório.

—Então a traga de volta, droga! – Grito com o homem em minha frente, sem me importar com quem ele é. Ele me olha entediado, como se me achasse ainda mais patético por me dirigir a ele dessa forma.

—Eu o convidei a contemplar sua própria insignificância uma vez, Dean. Se lembra? – Ele chega mais perto de mim, o rosto a centímetros do meu. Engulo em seco – Ou precisa de um incentivo?

—N-não senhor. – Respondo, prendendo a respiração por um momento.

—Foi o que eu pensei. – Ele diz friamente, tornando a se afastar – A lei é a lei, e é sagrada. A garota deve passar um dia no vale das sombras, e isso não pode ser discutido. Embora eu não esteja querendo um novo ser no cargo de deus, não passarei por cima das leis que eu mesmo escrevi, éons e éons atrás. Mas aqui está a minha oferta...

O cavaleiro se levanta, e fica de pé ao lado do corpo desacordado de Sam, preso a maca. Ele acaricia a testa do meu irmão, com as sobrancelhas erguidas e o olhar pensativo.

—Eu não devolveria a alma do garoto gratuitamente, de todo modo. Ia oferecer a você uma chance de trabalhar um dia inteiro no meu lugar, Dean... – Ele aponta para mim, e depois passa a olhar para Hazel – Mas aqui está o que farei. Vou soltar a alma de Sam Winchester no vale das sombras da morte, para encontrá—la. Se os dois conseguirem voltar a tempo de escapar de Crowley, ele terá a alma restaurada em seu corpo. E juntos, todos vocês podem tentar combater Crowley e Astaroth. Do contrário... – Ele dá de ombros e suspira nos olhando, um por um – Teremos de nos acostumar com as mudanças.

—O senhor veio até aqui para impedir Crowley, porque sabe o tamanho da ameaça que ele traz para todos nós... – Minha voz transborda súplica, e o olho no fundo dos olhos. É como encarar um abismo. O problema, é que ele te encara de volta— E agora vai deixar os dois correrem o risco de...

O cavaleiro ergue a mão no ar, e eu me calo.

—Veja, isso foi antes da garota ter a faca cravada em seu corpo. – Ele apoia as mãos na maca, se reclinando para frente – Não posso quebrar minhas próprias regras. E mesmo que pudesse, não o faria. Não uma regra como essa. Estou dando a vocês mais chances e mais importância do que vocês sonham em merecer. – Seu tom é absoluto – E ainda há mais dois atos de misericórdia por minha parte.

—Quais? – O especulo, entre o fascínio e o medo. A presença dele é densa.

Meus olhos se arregalam quando o cavaleiro conjura um punhal em suas mãos, e em um piscar de olhos, o crava bem no peito de Sam.

Não! – Gritamos, Bobby e eu em uníssono. O corpo de Sam fica com as veias saltadas e negras, pulsantes. E então um líquido preto e viscoso escorre de sua boca e do ferimento feito pelo punhal, as veias lentamente voltando ao normal. O cavaleiro não se abala com a nossa reação, ao invés disso, ele estala os dedos no ar, fazendo o líquido viscoso evaporar. Estou com os olhos arregalados no momento em que ele retira o punhal do peito do meu irmão, e limpa o sangue da lâmina com um paninho branco que ele tira do bolso, de maneira cordial. Novamente, ele estala os dedos, e o ferimento parece se fechar, como um passe de mágica.

—Vocês não precisam se preocupar. Não o matei. Matei apenas a criatura. – Nos entreolhamos em um misto de confusão e alívio. O cavaleiro rola os olhos, como se estivesse sem paciência de nos explicar algo que para ele é óbvio – Quando Crowley ressuscitou o corpo sem a alma, ele fez um ritual profano, chamado “O despertar de judas”. É como uma maldição, ligando a criatura aos seus comandos. Esse corpo faria o que fosse necessário em devoção ao seu mestre. Eu acabo de cortar esse laço, essa maldição. A criatura está morta, e agora isso não passa de um corpo a espera de sua alma. Ele está livre.

O cavaleiro toca a testa de Sam com o indicador, e então torna a me encarar.

—Um muro foi construído, na mente de Sam. Uma alma despedaçada, fragmentada e torturada como a dele enlouqueceria até o mais forte dos homens. Com o muro que acabo de construir, ele conseguirá ficar são...por um tempo. Sem se lembrar da jaula, e sem ter acesso as lembranças do que o seu corpo fez aqui na terra, no comando de Crowley. Não durará para sempre, esse muro... – Ele suspira e dá de ombros – Mas isso não é problema meu.

—O que fazemos agora?! – Jesse Turner se apressa a dizer, andando em direção ao cavaleiro – Minha irmã e Sam Winchester devem resistir a 24 horas no vale das sombras, escapando de Crowley, e não fazem ideia disso! O que nós podemos fazer para ajudar?!

—Vocês, nada. Se algum de vocês ousar interferir, o acordo está desfeito. Quero você bem longe do meu vale, Jesse Turner... – O cavaleiro aponta o indicador no rosto de Jesse, que estremece por um momento – A próxima vez que você for ceifado, será para sempre. E eu mesmo terei o prazer de colher a sua alma, de uma vez por todas. – Ele ajeita a própria postura, e então caminha até o corpo de Hazel, que ainda está em meus braços, comigo de joelhos no chão. Ele estica as mãos, puxando as mangas para cima, e então retira a faca enorme de dentro dela. Mais sangue jorra para fora de seu corpo, e o cavaleiro faz uma expressão de nojo – Nunca me acostumo com o quão nojentos vocês animais são. Não há graça ou elegância na morte de vocês. É apenas... vermelha e repleta de podridão. Bom... – Ele se levanta, jogando a faca no chão – Boa sorte para vocês, enquanto aguardam. Eu tenho lugares para ir e coisas importantes para fazer. Rezem para os dois serem fortes e espertos o suficiente. Ou podem dar adeus ao mundo como vocês o conhecem...

O cavaleiro abre a mala, e uma luz enorme irradia dela, mas ao invés de refletir no ambiente como algo sólido, reflete como mil raios de um caleidoscópio, cheio de rachaduras. Ele estala os dedos, e a luz some, indo em direção ao vale das sombras.

XXX

Fazemos um curativo em Hazel e a depositamos na cama. Castiel fica no Bunker, junto a Bobby, guardando o corpo de Sam. Esperando.

Jesse Turner está com a cabeça apoiada em suas mãos, tenso, olhando para o corpo da irmã, ao meu lado. Eu seguro a mão gelada da garota, acariciando-a com o polegar.

Vamos, Hazel Laverne...

Resista.


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Notas finais do capítulo


Comentem se possível, as vezes escrever é um ofício muito, muito solitário.
XOXO



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