O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 14
Capítulo XII - Uma longa história.


Notas iniciais do capítulo

Eu. Estou. Exausta.
Gente, eu to trabalhando muito. Isso mata o tempo da gente de uma maneira exaustiva. Mas mesmo assim, cá estou eu! Dei meu jeito.

Boa leitura : )



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Ponto de vista de Hazel Laverne.

Me apoio no ombro de Dean, enquanto Jesse Turner caminha até o corpo inconsciente de Sam. Gemo de dor quando piso no chão, sentindo uma pontada lancinante no corte profundo em minha coxa. Os céus estão escuros e alvejados, e as nuvens parecem formar uma fortaleza timidamente quebrada por pequenos vislumbres do sol.

—Vou te pegar no colo. – Dean me fita com os olhos exaustos e preocupados. Faço que não com a cabeça.

—Você está tão mal quanto eu. – Dou mais um passo, sentindo o meu sangue escorrendo pela minha pele por entre os pontos, e apenas rezo para que não estourem. Ele abre a boca para argumentar, mas no mesmo minuto, se contrai repousando a mão sob sua costela enquanto faz uma careta de dor. Caminhamos em direção ao carro vermelho que nos espera.

—Esse Jesse tem um péssimo gosto para carangas...- Dean resmunga enquanto me coloca sentada no banco da frente do carro, a chave em suas mãos. Dou uma risada curta do seu comentário, mas a dor me percorre interrompendo qualquer resquício de leveza – Eu vou ajudar o Jesse a...trazê-lo.— Assinto, observando Dean adentrar no barracão novamente. O que antes era uma tempestade, se tornou uma garoa que parece estar cessando aos poucos. Pelo retrovisor, vejo Jesse e Dean trazendo o corpo desacordado de Sam, com dificuldade. Quando eles o colocam no porta-malas, abaixo os olhos e tento não pensar nisso.

Tento não pensar em nada.

—Para onde vamos? – Jesse pergunta, ao se sentar frente ao volante, girando a chave na ignição. Vejo o rosto de Dean pelo retrovisor, no banco de trás. Ele suspira e pensa por um momento.

—Kansas. – Sua voz é seca e exausta – O mais rápido possível.

XXX

Durante as primeiras horas de estrada, ninguém disse nada. O silêncio é uma forma dolorosa, porém eficaz para absorvermos as coisas que nos aconteceram. Fechei meus olhos no minuto em que saímos de lá, deixando New Orleans para trás.

Tudo o que me aconteceu nas últimas 48 horas fica rodando na minha cabeça como um eterno disco, se repetindo.

O corpo de Sam. A tortura. O medo. A perda. O beijo.

Jesse Turner é meu irmão.

De novo, e de novo...e de novo.

—Eu sei que precisa de um tempo...- A voz de Jesse me traz para a superfície, me fazendo abandonar a minha mente emaranhada. Dean parece estar dormindo no banco de trás. Olho para Jesse, por entre o pôr do sol escuro que invade as janelas. Ele me olha por um momento, mas volta sua atenção para a estrada rapidamente. O rosto do garoto que vi nas lembranças está maduro e mudou muito, mas mantém sua essência: Os cabelos pretos bagunçados, os olhos escuros como ébano, as sardinhas sob as bochechas. Tudo isso cortado por uma cicatriz aparentemente antiga que vai da sua sobrancelha ao seu queixo – Mas também sei que tem perguntas.

—Eu nem sei o que perguntar, Jesse. – Minha voz sai rouca, enquanto estou endireitando a minha postura. Todo o meu corpo dói— Eu tive uma tempestade de informações nos últimos dias, do tipo que me deixou dormente.

—Só posso imaginar como deve ser isso...- Ele responde, cruzando uma encruzilhada e indo em direção ao norte do estado de Louisiana. Umedeço os lábios e me encolho no meu casaco manchado de sangue, sentindo um frio que perpassa dos meus ossos a minha alma.

—Não sei se alguém pode imaginar, para ser sincera. – Respiro fundo, e fico ponderando sobre qual seria a pergunta mais importante de todas. Esfrego as mãos no jeans, nervosamente – Como assim você é meu...irmão?

Jesse sorri de lado, como se a ironia da coisa toda o divertisse de certo modo.

—Nosso pai aceitou Astaroth em seu corpo mais de uma vez, Hazel. – Ele começa a dizer de maneira séria, e sinto um arrepio me percorrendo ao ouvir o nome do demônio novamente. Jesse bate os dedos nervosamente no volante, como se o assunto o ferisse tanto quanto fere a mim – Uma vez com sua mãe, uma vez com a minha. Não acho que sua mãe soubesse, nem do pacto nem da... minha mãe. Ou de mim. Harvey se certificou disso. – Sua voz sai amarga. Fecho os olhos por um momento e absorvo essa informação.

—Sua mãe sabia? – Questiono. Ele assente.

—Não do pacto, claro. Mas sobre Harvey, sua mãe e você...sim. – Ele suspira e dá de ombros enquanto fazemos uma curva – Somos filhos do mesmo cara...e do mesmo demônio. – Ele faz uma careta tensa, constrangida – Somos filhos de uma trindade profana, Hazel.

—Trindade profana? – O olho de maneira confusa.

—Mãe humana, pai humano...e pai demônio. Um...um tipo de santa Trindade...só que ao contrário. – Aquiesço, suspirando em profunda tensão – Nos conhecemos aos cinco anos, em Los Angeles. Na família universal. E... o resto é história.

—Por quantos anos a gente... conviveu? – Ele parece parar para pensar por um momento. Jesse é uma daquelas pessoas jovens que parecem ter um milhão de anos. Não por sua aparência, mas por sua voz exausta que parece carregar milênios por entre os tons e as palavras.

— Até completarmos oito, então, por três anos. E então, George se enfraqueceu assim como a família universal e Astaroth, e você... foi embora. E o resto é complexo demais e confuso demais para explicar agora. – Seu olhar se torna sombrio, e tento não o encarar demais. É desconfortável manter contato visual com as pessoas.

Exceto com uma pessoa...que está desacordada no porta-malas.

—Para resumir, muita coisa aconteceu depois, e eu fugi e... - A voz de Jesse carrega uma ansiedade profunda, mas eu o interrompo.

Fugiu? Você literalmente sumiu da face da terra, Jesse! Acharam que estava morto...- Digo isso me lembrando da pesquisa que Bobby mostrou a Dean e a mim, semanas atrás – Fizeram até um funeral simbólico e tudo...

—Eu sei desaparecer como ninguém, Laverne. – Sua voz sai de uma maneira fria – O que eu escondo, é para ninguém achar.

Fico em silêncio por um momento, sentindo o peso das suas palavras. Franzo o cenho com os olhos semicerrados.

—É isso o que fez com as minhas lembranças?! – Minha voz é firme agora. Ele ergue as sobrancelhas e assente.

—Exatamente. – Continuamos por uma longa estrada cercada por vastos campos dos dois lados e algumas montanhas ao longe. O caminho parece não ter fim.

—Se importa de devolvê-las? – Demando. Jesse faz que não com a cabeça – Por que não?! São minhas, não são?!

Sinto uma onda de indignação me percorrer pela pele. Durante toda a minha vida, alguns anos da minha infância foram uma incógnita. Uma lacuna. Sempre temi o que podia ter me acontecido para apagar anos da minha mente daquela maneira, e agora que sei o motivo e o culpado, me sinto furiosa. Não importa o que tenha acontecido, nada dá a alguém o direito fazer algo assim.

E acima de tudo, sinto uma confusão tremenda. Sempre senti uma ausência estranha em minha vida. E acho que o responsável por essa ausência está bem na minha frente, agora. E eu não sei o que fazer com isso.

—Eu as tirei de você por um motivo, Lavie. – Um arrepio gelado percorre a minha espinha ao ouvi-lo me chamando por esse apelido. Jesse me encara com um olhar profundo – Coisas horríveis aconteceram durante o período em que estivemos juntos. George White te quebrou de verdade, Hazel. Não há nada no seu passado além de pesadelos, e pelo ao menos esses eu tive o prazer de livrar você.

—George White mencionou algo do tipo...algo que deu a entender que ele me machucou mais do que eu possa imaginar. – Sinto um gosto amargo na ponta da língua ao me lembrar disso. Quase posso ouvir sua voz metálica em minha mente, reverberando pelos cantos – Mas eu estou cansada de surpresas, Jesse. Cansada de sentir que todo mundo sabe algo sobre mim que eu não sei.

—Eu sei. – Ele responde, suspirando lentamente – Vamos fazer um acordo, pode ser? – Ele me olha especulativo.

—Depende. Que tipo de acordo? – Cruzamos a fronteira, e estamos agora no Arkansas. Adeus, Louisiana.

—Quando você se recuperar um pouco do que está acontecendo agora...- Ele usa as palavras com cautela, me olhando com cuidado – E você estiver melhor, eu prometo a você, te devolvo suas memórias.

Dou uma risada de ironia, levemente irritada.

—Isso é tão irônico... – Minha voz sai rouca, e eu volto a me encostar no vidro, me encolhendo – Minha vida está uma loucura, Jesse. Estou correndo contra o relógio.

—Eu sei, eu ouvi os boatos. Céu e inferno e um punhado de caçadores na sua cola, não é? – Estamos passando por uma cidadezinha interiorana e abandonada por deus, com casinhas de madeira desiguais e alvejadas pelo tempo. Uma névoa se estende pela paisagem deixando-a com um ar macabro e triste – Espere ao menos algum tempo, Hazel. Só um pouco...e eu prometo cumprir com a minha palavra.

Dou de ombros, derrotada por enquanto, cansada além do ponto para ao menos cogitar discutir.

—Por que estão atrás apenas dela, Jesse? – A voz de Dean se faz presente. A noite caiu sobre nós, e a luz das estrelas é a única no ambiente. Não sei a quanto tempo ele está acordado ou o quanto da conversa ouviu. Jesse o olha, pelo retrovisor.

—Eu desenvolvi meus poderes por muito tempo. Acessei partes de mim que me permitiram exercer controle sobre algumas coisas... – Ele começa a explicar enquanto passamos pelo que parece ser a rua principal da cidade – Truques da mente foram os primeiros que aprendi. Você também, Hazel. Foi nesse estágio que você...ficou bloqueada. – Ele diz isso com cuidado, e eu o ouço com atenção – Você tocava nas pessoas e via suas piores lembranças, e isso te apavorou tanto que nunca mais conseguiu ir além desse estágio. Eu...eu continuei indo. Posterior a isso, dominei a telecinese. Esse é o poder que mais me esgota, para ser sincero...- Ele olha para Dean e para mim, se certificando de que estamos prestando atenção – Me drena, se eu usar em exagero. Quando me dei conta de que podia fugir...foi o que eu fiz. E graças aos meus poderes, eu sumi para valer. Nem céu, nem inferno...nem humanos puderam me encontrar... – Jesse respira fundo e parece sombrio por um momento – Somos seres das sombras, você e eu, Lavie. Faz sentido que nos escondamos nelas.

—E mesmo sabendo de tudo isso que você disse saber...- Dean começa a dizer, as mãos apoiadas no banco, o olhar desconfiado – Não lhe passou pela cabeça ir ajudar a sua irmã? Decidiu se esconder nas sombras e a deixou exposta na luz, sozinha?

—Sei como isso soa para quem ouve de fora, sei de verdade. – Jesse encara Dean de maneira firme pelo retrovisor – Mas, como sabem, os boatos sobre Hazel só aconteceram recentemente. Até então, eu só pensava que ela podia viver uma vida normal. Ou ao menos, tentar. Achei que estava melhor sem mim e sem o seu passado, Lavie...- Jesse me olha com o olhar ferido, e eu me contraio. Sua dor é genuína, palpável— Acreditei estar te protegendo, mas assim que ouvi o que estava sendo dito por aí, fui te procurar, Hazel. Eu prometo a você que eu fui...- Jesse me olha, e vejo sinceridade em suas pupilas dilatadas – Você não foi fácil de rastrear..., mas por sorte, um dos demônios que trabalhava para o Crowley abriu a boca no minuto que essa tal de Ruby mandou recado por ele, sobre você. Acho que ele ia se voltar para o outro lado, traí-los...E notícias voam. Para ser sincero, ainda bem que eu fui o primeiro a encontrar vocês.

—E agora, Crowley desapareceu...- Concluo, pensativa. Não sei se fico contente com isso ou assustada.

Porque sei bem que é Astaroth quem está enfrentando Crowley. E se um some...

Só pode ter relação com o outro.

—Desapareceu, é? Não faço ideia do que tenha acontecido, antes que me perguntem. – Jesse se apressa a dizer, e umedece os lábios para prosseguir – Mas tenho meus palpites...

—Astaroth? – Deah sugere. Jesse aquiesce.

—Sim, e isso não pode ser bom...- Os olhos de Jesse se tornam taciturnos, e ele parece apertar mais o volante, deixando os nós dos dedos brancos – Tem algo grande vindo aí, eu posso sentir.

—E o que faremos?! – Pergunto, esfregando as minhas têmporas, transtornada e cansada.

Jesse parece ponderar por um momento.

—Você precisa acessar os seus poderes, Hazel. Precisa finalmente dominá-los. Se fizer isso...- Sua voz morre por um momento, e eu vejo pelo retrovisor os olhos de Dean se iluminarem.

—Podem lutar juntos contra Crowley, Astaroth...e quem quer que seja, certo? – Dean conclui, e Jesse confirma as palavras dele com a cabeça.

—É a melhor chance que temos. – Ouço Jesse dizer isso, mas não consigo ser otimista. Como poderíamos ser fortes o suficiente para enfrentar céu, inferno e terra?— Talvez a única.

—Eu não entendo...- Minha voz sai pensativa a princípio. Não tiro os olhos da janela, olhando para as casinhas tristes e tortas meio a névoa sufocante. São como prisioneiras, são como eu — Se somos metade demônio, metade humano...como poderíamos ser mais poderosos que um demônio original?! Ou contra um anjo, por exemplo? Não faz sentido...

—Está enganada, Lavie...- Jesse me olha nos olhos, e Dean também, pelo retrovisor. Ele parece estar pensativo, quase posso ver a fumaça saindo das engrenagens do seu cérebro – Olhe ao seu redor, olhe para o mundo e para a humanidade. A força está nas mesclas, pense em um rio por exemplo...a correnteza é forte, não é? Mas já viu o que acontece nos cruzamentos dos rios? Explosão, poder e caos. Podemos acessar os dois mundos da maneira que nenhum humano puro ou demônio puro poderia sequer sonhar. Pense comigo...Por que acha que nos criaram? Somos máquinas perfeitas, somos fantasmas, Hazel. Andamos pelo vale das sombras, fazendo parte dali o suficiente para resistirmos, mas não tão presos a ele o suficiente para ficarmos perdidos. Imagine só o que podemos fazer?

—Ele tem razão. – Dean diz como um veredito, o olhar longínquo de repente – Azazel fez algo semelhante com as crianças especiais dele, porque podiam ir a lugares que ele não podia. Eram poderosos o suficiente para servi-lo, mas humanos demais para se voltarem contra ele. Exceto por Sammy. Ele foi forte o suficiente para se voltar contra ele.

—Por falar nele...- Jesse pigarreia, antes de prosseguir. Finalmente saímos da cidadezinha, e sinto um pequeno alívio no peito. O lugar fazia eu me sentir pesada por dentro – O que pretendem fazer? Esse é o famoso Sam Winchester de quem tanto ouvi falar?

—Ele mesmo. – Dean responde, se reclinando para trás – E quanto a ele...deixe que eu cuido disso.

—Os boatos são verdadeiros, não é? – Jesse se vira brevemente para Dean – A alma dele está presa ao inferno?

—Está. – Eu é quem respondo. Dean não vai falar abertamente sobre isso – Não se preocupe, Jesse. Dean e eu cuidaremos disso.

Você? – Jesse me olha especulativo – Como pode estar envolvida com isso e se preparar para enfrentar tudo o que está por vir ao mesmo tempo? Acessar poderes como os nossos não é fácil, Lavie. Não mesmo.

—Eu não vou a lugar nenhum e não farei nada antes de resolver a situação de Sam antes. E isso não está aberto para discussão. – Uso minha voz de maneira firme.

—Ele está certo, sabia? – Dean intervém com cuidado. Ele conhece o meu temperamento – Você devia me deixar cuidar disso. Precisa estar preparada, Hazel. Eu cuido do...

—É o seguinte, me escutem bem, os dois... – Os interrompo, gesticulando com as mãos nervosamente. O-ou. Modo italiano ativado — Eu decido meus próximos passos daqui em diante. Astaroth não me encontrou e nem veio atrás de mim até hoje, e Crowley está desaparecido. Você mesmo disse que eu sou difícil de rastrear! – Aponto para Jesse, estressada – Sam precisa de ajuda. Ele salvou todas as pessoas dentro desse carro ao se jogar no inferno, sem mencionar o mundo que estão vendo ao redor de vocês. Agora que encontramos o seu corpo, é a minha prioridade tirá-lo da jaula e colocá-lo de volta à onde ele pertence. Não quero que o corpo dele seja usado por Crowley por nem mais um segundo, entenderam?! – Encaro os dois com seriedade, tentando esconder a fragilidade da minha voz – Sei que ele faria o mesmo por...mim. Então, depois disso, faço o que for preciso. E isso não está aberto para negociação.

Jesse e Dean se entreolham, mas não dizem nada.

Volto a me encostar no vidro, e fecho os olhos.

XXX

Paramos no ferro velho do Bobby, e a primeira coisa que Dean faz ao sair do carro é ir conferir se está tudo bem com o Impala 67, que foi guinchado de New Orleans para cá pelo carro de Jesse. Estico as minhas pernas, e manco até o pórtico onde Bobby Singer está parado com o olhar analítico e preocupado.

—O que houve com a sua perna? – Ele me indaga, os olhos arregalados. Sorrio um sorriso fraco.

—É uma longa história, Bobby. Você vai querer se sentar antes de ouvi-la...

Ele franze o cenho e abre a boca para me contestar, mas então ouve os gritos de Sam de dentro do porta-malas. Me contraio imediatamente.

—Esse é o...? – A voz dele morre no meio do caminho.

—Sammy? É, mais ou menos. É o corpo dele. O que está dentro é um tipo de...sei lá. Nem consigo raciocinar agora, Bobby. Vamos enfiar ele no bunker...- Dean respira fundo, se aproximando com a mão junto a costela e uma careta de dor no rosto – É como a Laverne disse, Bobby...longa, longa história.

—Eu não acredito...- Sua voz sai quebrada por um momento, e posso jurar que seus olhos se marejaram por um breve momento. Mas, assim que a emoção bate em seu peito, ele a joga para longe, reprimindo-a com um pigarreio e uma postura de durão - E esse aí?! Quem é?! – Bobby cerra os olhos desconfiados para Jesse, que sobe no pórtico com um sorriso simpático e lhe estende a mão para cumprimentá-lo.

—Sou Jesse Turner, senhor. – Bobby fica o encarando, sem piscar. Ele não aperta a mão de Jesse, ao invés disso, faz um movimento rápido e alcança algo no cós do jeans.

Bobby joga água benta no rosto de Jesse, que cambaleia para trás e geme de dor. Arregalo os olhos quando vejo um vapor saindo de sua pele, assim como faria em um demônio. Dean e eu nos entreolhamos, mas Jesse se recupera rápido demais, algo que um demônio normal não faria. Um demônio normal estaria se contorcendo por pelo menos uns dois minutos antes de se recuperar totalmente.

—Bom, isso não foi nada legal. – Jesse reclama, porém com um certo humor, esfregando o próprio rosto – Não estou possuído por um demônio, senhor.

—Impossível! – Bobby sibila, transtornado – Como é que vocês me aparecem aqui com um...

—Jogue a água nela, senhor. – Jesse o interrompe, falando calmamente. Dean está paralisado, parece estar entendendo algo – E então entenderá.

—Do que é que vocês estão falando?! – Bobby olha para Dean e então para mim.

—As coisas que afetam os demônios...nos afetam também?! – Questiono confusa. Jesse faz que sim com a cabeça, se apoiando na parede e dando de ombros.

—Não da mesma forma, não na mesma intensidade. E não todas as coisas..., mas, sim. – Jesse olha nos meus olhos, mas eu abaixo a cabeça, encarando o chão por um momento.

Um monstro. Uma aberração. Um mau a ser combatido, é isso o que nós somos.

—Me empresta isso, Bobby...- Dean pega o frasco prateado da mão de Bobby e vem em direção a mim. Seus olhos verde esmeralda me encaram preocupados, e parecem pedir permissão para testar a teoria. Aquiesço, e sem dizer nada, estendo o braço para ele. Dean repousa uma pequena quantidade em minha pele cuidadosamente, e eu estremeço ao sentir a sensação de queimadura. Me retraio e vejo o vapor saindo da minha pele em direção ao ar, lentamente. Dói, mas não é insuportável.

Na verdade, o significado do ato é muito mais doloroso.

—Eu preciso de uma bebida. – É o que Bobby consegue verbalizar, entrando em sua casa.

XXX

Estou sentada no sofá judiado pelo tempo, enquanto ouço os gritos de Sam no andar de baixo. Foram necessários os três para contê-lo. Tampo os ouvidos e fecho os olhos, como fazia quando meu pai gritava com a minha mãe.

—Me soltem! – Seus gritos abafados pelas paredes ecoam, e eu me retraio mais – Eu vou matar todos vocês!

Isso continua por tempo demais, e uma chuva mista a uma ventania se inicia lá fora. Nos últimos dias, os céus têm parecido chorar junto comigo.

Isso é um acalento e um desalento ao mesmo tempo. Será que o mundo sente o meu peso?

Eu com certeza sinto.

XXX

Bobby nos ouviu por mais ou menos uma hora. Contamos a ele todos os detalhes de tudo o que aconteceu em New Orleans, e de tudo o que descobrimos. Ele nos ouviu com atenção, e não disse uma palavra durante o tempo todo.

O seu silêncio era interrompido vez ou outra pelos gritos de Sam, lá do bunker. Agarro um copo pequeno em minha frente e me sirvo de uma dose generosa de Whisky barato. Bobby observa enquanto eu bebo tudo, fazendo uma careta.

Isso aqui tem gosto de desencaminho e sarjeta engarrafados.

Os grilos cantam sem cessar do lado de fora, e a chuva continua. Juntos, esses elementos entoam o som da solidão. Estamos sozinhos.

—Sabe...isso tudo é insanidade. – Bobby se ajeita em sua poltrona, coçando a barba com um olhar preocupado e pensativo. Jesse está de pé, encostado no batente da porta, e Dean está ao meu lado no sofá – Já li lendas antigas, do sumério ao latim, sobre o anticristo...mas nunca achei que isso fosse possível. Quanto mais...dois. – Ele esfrega a própria têmpora e bebe o líquido âmbar em seu copo – Bolas! – Ele exclama, irritado – Achei que a porcaria do apocalipse tinha sido o bastante. Mas isso...

—Acredite em mim, Bobby. Estou tão transtornada com isso quanto você. – Digo, encostando as costas exaustas e doloridas no sofá – Talvez, mais.

Bobby me olha, e posso jurar que vejo um sentimento fraterno o rondando.

Ele se preocupa comigo? Não sei dizer. Talvez seja meu desespero por amparo.

—Vocês precisam descansar...- Ele encara a cada um de nós suspirando e depositando o copo em sua mesa de centro, cheia de pilhas de livros e jarras cheias de deus-sabe-lá-o-que, como se não tivesse acabado de ouvir notícias catastróficas agora mesmo – E de cuidados.

Assinto, exausta.

—Eu vou tomar um banho, e se vocês não se importarem, eu vou dormir. – Me levanto, e subo as escadas mancando sem nem olhar para trás.

XXX

O machucado está vermelho e inchado, e arde a todo momento. Mas os pontos estão firmes, pelo menos. Lavei o cabelo e vesti um pijama cinza de frio, com uma calça de flanela vermelha. Fico deitada em minha cama, girando o pingente antipossessão nos dedos, pensativa.

Se as coisas que afetam os demônios também me afetam, por que nunca me aconteceu nada usando esse colar? Será que a minha parte humana fala mais alto? Eu ficaria presa em uma armadilha de demônio, afinal? São tantas perguntas que minha cabeça parece se comprimir como uma latinha de metal.

Uma patética, pequena, e inútil latinha de metal.

Fecho os olhos por um momento, e tento fazer passar um filme em minha cabeça, de todos os momentos bons que vivi até aqui. O recorte de retalhos que me torna humana. Sorrio, com uma lágrima quente descendo pela bochecha.

A neve caindo, enquanto eu a minha mãe fazíamos desejos. O cheiro de jornal novinho em folha. O Sr. Hudson ralhando de um lado para o outro no escritório, bebendo chá enquanto eu ria sem parar de algum absurdo que ele tinha dito. Charlie e eu cantando em cima da sua mesa de centro, fingindo ter guitarras em nossas mãos. A sensação dos livros nos meus dedos. E Sam...

Tudo sobre ele. Seu beijo, seu cheiro, seus olhos, seu abraço, sua mente...sua alma. Seu toque, seu desejo, sua intuição, sua escuridão e a sua luz.

Dean, seu abraço reconfortante e seu jeito irritante em querer me tirar do sério para que eu não me entristeça demais. Jo Harvelle me entregando seu canivete especial para mim, me desejando força e coragem. Bobby Singer e seu jeito rústico e peculiar de se importar...

Jesse, que é um mistério para mim, mas que faz eu me sentir mais segura de uma maneira estranha e inexplicável. Me agarro a todas essas coisas e a todas essas pessoas e digo a mim mesma uma promessa.

Não importa o que aconteça, não deixarei de ser humana. Essas lembranças me darão forças para continuar. Minha história não vai acabar mal.

Eu não vou permitir.

XXX

Quando tenho certeza de que todos da casa dormiram, desço discretamente pela escada tentando não fazer nenhum tipo de barulho. Giro a maçaneta da porta que leva ao porão, e continuo a descer por mais um lance de escadas. Está tudo escuro, exceto por uma fresta de luz da lua que entra no ambiente por uma janelinha minúscula que fica no canto superior do porão. Caminho pelo chão frio de madeira até a porta do bunker.

Fito a porta imensa de ferro por alguns segundos, e passo dos dedos sobre ela.

Fecho os olhos por um momento e respiro fundo. Decido me sentar, as costas na porta, imaginando como é que ele está lá dentro. Está deitado em alguma superfície? Está encostado na porta, como eu? Não é ele. Não é, eu sei.

Mas um dia foi. E isso para mim é forte o suficiente.

Não ouço nenhum som vindo do lado de dentro, então sei que está dormindo. Abraço as pernas e apoio a cabeça na porta de olhos fechados, e decido que vou dormir assim.

É mais fácil adormecer com ele por perto. Mesmo que...não seja ele.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

Sabia que ao vir aqui, a encontraria. Fico parado, observando seu corpo pequeno encolhido no chão, encostada na porta e adormecida. Dou um longo suspiro.

É uma das cenas mais tristes que eu já vi.

Eu mesmo queria vir aqui para conseguir adormecer, mas ela chegou primeiro. Quão deprimente é o nosso estado?

Sinto tanta falta daquele idiota. Porra, como sinto...

Hazel se remexe, e abre os olhos lentamente. Eles encontram os meus, e ela se ajeita rapidamente, esfregando os olhos. Ela parece constrangida por eu ter a encontrado aqui.

Estendo a mão para ajudá-la a se levantar, e faço um aceno com a cabeça para que me siga até o andar de cima.

XXX

Está sentada na cadeira frente a mesa da cozinha, o copo de água entre as mãos pálidas, o luar que entra pela janela iluminando todo o seu corpo. Me sento em sua frente, ficando em silêncio por um tempo.

Falar com ela vai ser tão difícil depois de tudo o que nos aconteceu nas garras de Ruby.

—Não queria que ninguém me visse lá embaixo...- Sua voz sai baixinha, e ela respira fundo após beber um gole de água.

—Não se preocupe. Eu estava indo fazer a mesma coisa que você. – Respiro fundo tentando confortá-la. Coço a nuca, desconfortável com tudo o que aconteceu nos últimos dias. O peito doendo por tudo o que passamos – Hazel, eu...

—Você fez o que precisava fazer, Dean. – Ela me interrompe, o olhar compreensivo nos meus olhos. Eles estão com as pupilas contraídas pela luz da lua, revelando o verde musgo da sua íris de uma maneira que faz o meu estômago gelar. Tudo nela me causa isso – Eu tenho que te agradecer por me proteger, durante todo esse tempo. Eu...eu nem sei o que teriam feito comigo se você não estivesse lá...

Assinto devagar, concordando de maneira contrariada. Estou mexendo os dedos entre as mãos, nervosamente. Sinto o meu peito se comprimindo.

—Hazel, você precisa saber de uma coisa. Uma coisa que aconteceu enquanto esteve desacordada...- Começo a dizer, com a voz falhando. Seu cenho se franze, e eu umedeço os lábios antes de continuar – Ruby queria que o jogo continuasse. Ela...

Minha voz morre, e eu tento me conter. Respiro fundo antes de continuar com a voz levemente embargada.

—Queria que eu te...- Não consigo dizer a palavra, mas pelo pavor em seus olhos, sei que ela entendeu o que eu estava tentando dizer. Dói ver seus olhos cobertos em medo – Se eu não fizesse, Abraxas o faria. Mas eu não podia, Hazel. Eu jamais faria isso, jamais...- Me retraio, e sinto o corpo inteiro ardendo, só de me lembrar daquele momento – Foi horrível, Hazel. Eu acho que foi o pior momento da minha vida. Eu me senti inútil. Eu tinha falhado com você. Íamos morrer, e não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-la. Não tinha força alguma para te proteger dele, Hazel. Nenhuma...- As minhas palavras saem sem freio ou pausa, pois se não for assim, sinto que morreria engasgado com cada frase que sai da minha boca. Ela escuta tudo atentamente, com a expressão de horror no rosto – Eu me vi numa rua sem saída. Eu não toquei em você, Hazel. Jamais tocaria! Mas eu não podia deixar que ele a tocasse também...- Uma lágrima escapa do meu olho, mas eu a limpo com rapidez, sentindo raiva de mim mesmo – Você precisa saber, eu quase te matei, Hazel. Eu ergui a faca no ar e eu juro por deus que ia te matar para que você não passasse pelo pior. Eu não ia me perdoar se eu não conseguisse impedir ele de...estuprar você. – Ela se encolhe ao ouvir a palavra, e eu esfrego o meu rosto com a mão, o ar gelado em meus pulmões após dizer a palavra em voz alta - Eu preciso que você me perdoe, Hazel. Por tudo. Por ter falhado em proteger você, por não conseguir defendê-la e por ter quase acabado com a sua vida...mas eu não podia, Hazel. Eu não podia permitir que ele fizesse aquilo com você.

Ela me escuta em silêncio, e fico tentando decifrar o seu olhar, mas não consigo. Estou tomado pelo pavor de ser odiado por ela. Ela respira fundo, e sorve mais um gole de água. Após um momento de pausa em que ela parece pensar em quais palavras usar, me preparo para o pior.

—Você não faz ideia de como é importante na vida das pessoas, Dean. E isso é muito triste, de verdade...- Ela começa, me encarando em algo que é a mescla de dor e compreensão – Você não entende que, se cheguei até aqui, foi por sua causa?! – Ela me pergunta, e apoia a mão na minha. Sinto um arrepio assim que faz isso— Não entende que me protegeu contra tudo e contra todos até onde lhe foi possível? Dean, eu não preciso te perdoar. Ruby nos colocou em uma situação...- Ela suspira e passa as mãos pelos cabelos, se encolhendo um pouco – Eu nem consigo descrever. Eu sinto muito que ela tenha feito isso com a sua cabeça, e eu agradeço de verdade por você ter tido a coragem de tentar me... matar. Não foi uma decisão fácil, mas era a mais nobre que você tinha a disposição. Obrigada por não ter deixado aquele nojento tocar em mim, Dean. – Ela segura a minha mão, com um olhar preocupado. Acaricio a sua mão com o polegar, sentindo que não mereço sua compreensão – Obrigada por tudo, na verdade.

Absorvo suas palavras, e sorrio um sorriso quebrado. Ela tem um coração grande demais, uma compreensão grande demais. O que a vida fez com ela...destruiria muitas pessoas, transformaria em vilões a maioria delas. Mas tudo isso não parece a corromper.

Ela parece se manter fiel a sua própria gentileza diante de toda a feiura do mundo. E isso é nobre para caralho.

—Foi ele que impediu, sabia? – Suspiro depois de um curto silêncio – Sam. Sei que não é ele, e que as intenções não foram boas, mas mesmo assim... achei que devia saber. Que mesmo sem alma, o corpo dele salvou você. Mesmo que a intenção fosse matá-la com as próprias mãos. Você está aqui por causa dele.

Ela me ouve, e olha para baixo, para a mesa.

—Eu entrei na cabeça dele, enquanto você estava trancado naquele lugar...- Ela é dominada por um olhar nostálgico, quando volta a me encarar – Não há nada dele lá dentro, Dean. Nem alma, nem memórias, nem mente... é apenas um corpo vazio. Não é ninguém. Eu sei que já sabíamos disso, mas me certificar...- Ela pausa por um momento, e tenta controlar as lágrimas – Foi assustador, Dean. Precisamos trazer ele de volta. Não suporto que aquele...que aquela...coisa, continue controlando o corpo dele como uma máquina. Não suporto que ele esteja no inferno, Dean. Tudo isso é um maldito pesadelo.

—Vamos recuperá-lo. – Afirmo, firmemente e com um olhar encorajador para ela – Eu prometo isso a você.

Ela sorri um sorriso ferido, como se suas esperanças fossem um barquinho à deriva prestes a afundar. Ficamos em silêncio por um tempo, mas ela rompe esse silêncio ao sussurrar:

—Você confia nele? – Franzo o cenho confuso, até que entendo a quem está se referindo. Jesse.

Dou de ombros, incerto.

—Não confio em quase ninguém, Hazel. Vamos ver... vamos ver o que acontece. Ele nos salvou, afinal. Se fosse mentiroso ou mal-intencionado, era só ter acabado com a gente assim que nos encontrou. – Ela assente, ainda pensativa com tudo o que está acontecendo. Também me pego pensando em todas essas coisas, e sinto necessidade de tocar em mais uma ferida – Hazel, eu também quero que saiba que eu não me aproveitei de você, naquele beijo. Hm... beijos. – Acrescento, constrangido.

—Eu sei, Dean. Você fez o que você tinha que fazer, lembra? – Ela diz, tentando fazer com que eu me sinta melhor – Eu também fiz o que tinha que fazer.

Sinto a dor na sua voz e me contraio.

—Eu sei disso, e sei que sabe disso. Mas é importante que você saiba que eu não me aproveitei de você, Laverne. Eu jamais me aproveitaria. Se eu pudesse ter te beijado de algum jeito nessa vida, com certeza não teria sido daquela forma. – Minha voz sai ferida, mas é sincera. Ela absorve as minhas palavras – E eu odeio que tenha sido dessa forma. Não era para ter sido assim... Era para ter sido...

Paro de falar, e olho para baixo, respirando fundo por um momento. Hazel apoia a cabeça em sua mão, e vejo em seus olhos que o meu sofrimento está a deixando preocupada.

—Eu sinto muito, Dean. Que tenha sido assim. Que ela tenha brincado com os seus sentimentos por...mim. – Ela diz tudo com cautela, escolhendo muito bem as palavras – Eu sinto muito por estar te causando tanta dor, Dean.

—Não sinta. – Digo, sorrindo de lado – É uma honra ter o coração despedaçado por você.

Digo isso num tom de brincadeira, mascarando a minha dor.

—Você é um homem estranho, Dean Winchester... – Ela sussurra, se reclinando para trás e cruzando os braços – Não consigo pensar em nada pior do que ter o coração despedaçado por alguém.

Assinto, pensativo.

—Ele vai te querer de volta, você sabe disso, não sabe? – Uso a minha voz maneira cautelosa. Hazel abaixa os olhos por um momento, como se não quisesse que eu soubesse como ela se sente sobre isso – Quando ele voltar do inferno. Ele vai relutar, mas ele vai ceder. A pergunta é... depois de tudo, você vai querer ele de volta também?

—Eu não quero ninguém, nunca mais, Dean. – Ela torna a me olhar, decidida – Eu nem posso pensar nisso agora.

Faço que não com a cabeça.

—Você é pior do que ele, sabe? Em termos de teimosia. Devia ter visto seus olhos, quando...quando eles se beijaram na sua frente. Ou quando te encontrei, uma hora atrás, dormindo no chão por ele do mesmo jeito que eu dormi no chão por você. Diga a você mesma quantas vezes achar necessário, que não o quer. Mas eu sei a verdade, Hazel.

—E por que isso importa? – Sua voz é ferida. Dou de ombros.

—Porque se vou perder qualquer chance que poderia existir no universo com você, que seja por uma boa causa. – Respiro fundo, e ajeito a postura – Não que eu seja arrogante ao ponto de achar que você não corresponde os meus sentimentos só por causa dele, Hazel. Mas eu sei que isso fica no caminho, com certeza. Mesmo que me quisesse, mesmo que um pouquinho, sua moral não permitiria que algo acontecesse entre nós dois. Em respeito a ele, ao que tiveram. E se isso não é amor...- Dou de ombros – Não sei o que é.

Ela fica pensativa por um tempo, refletindo sobre isso.

—Eu não quero me perder, Dean. – Seus olhos refletem uma dor sombria – Quando eu o perdi, anos atrás, acreditando que ele havia me abandonado...eu perdi tudo. Eu me perdi. E eu não quero nunca mais me perder daquele jeito. Eu não quero deixar ninguém entrar no meu coração, nunca mais. Nem o seu irmão, nem você, nem ninguém, porque eu sei o que acontece no final.

—Não é você que controla quem entra no seu coração ou não, sabe? – Me reclino para trás na cadeira, fitando-a. Ela faz que não com a cabeça, relutante.

—Por que acha isso? Por que acha que eu não tenho o controle? – Ela franze o cenho.

—Porque ninguém tem o controle disso, Hazel. Ou acha que eu controlo tudo o que estou sentindo por você? Estar apaixonado é uma droga, é verdade...- Me apoio na mesa, suspirando com certa dificuldade. Minha costela está me matando— Mas não é uma droga que a gente resolve usar. Só nos damos conta de que estamos viciados tarde demais.

Ela fica em silêncio por um tempo, parecendo travar uma luta interna.

—Minha mãe era viciada. Nas drogas e no que ela chamava de amor. – Seu olhar é obstinado – Não quero nunca ser como ela.

—Você não é. – Me apresso a dizer – Só quero o seu bem, Hazel. De verdade. Só quero o bem de vocês dois. E por falar nisso...como está o seu ferimento? – Questiono, preocupado. Ela dá de ombros e suspira.

—Vai melhorar, eventualmente. E a sua costela? – Ela pergunta, se levantando e se encostando na mesa.

—O Bobby deu uma olhada, parece só uma luxação... – Me levanto e fico de frente para ela, desabotoo a minha camisa de flanela para que ela possa ver o hematoma. Seus olhos percorrem o machucado, e ela espia por um segundo o meu peitoral, se demorando um pouco na minha tatuagem.

—Isso impede que seja possuído? – Ela me indaga, curiosa. Faço que sim com a cabeça, abotoando a camisa.

—Sim. O Sammy também tem uma. – Assim que digo isso, vejo ela corar por um momento, olhando para baixo. Rolo os olhos para ela, de maneira brincalhona – Caramba, Laverne. Só de pensar nele você já fica toda...desconcertada. E eu aqui me iludindo que essas bochechas vermelhas eram por minha causa...

Ela dá uma risada curta, mas está constrangida. Hazel coloca uma mecha do próprio cabelo para trás da orelha, e cruza os braços.

—Eu preciso tentar dormir. Amanhã...vamos atrás de maneiras para resgatar a alma dele. – Ela tenta parecer firme, mas eu sei a verdade. Está exausta.

—É, você tem razão. Precisamos descansar...- Caminhamos lentamente até os nossos quartos.

Quando me deito em minha cama, penso nas minhas três prioridades.

Salvar a alma do meu irmão, salvar Hazel de Astaroth...

E superá-la. Preciso urgentemente esquecê-la, ou vou acabar morrendo por dentro.

Sammy, Sammy, Sammy... é bom você voltar logo, se acertar com ela e tratá-la da maneira como ela merece.

Fecho os olhos, e tento deixar o cansaço varrer todos os horrores que eu vivi nos últimos dois dias. Tento fantasiar com uma realidade alternativa onde as coisas dão certo. Sammy de volta a vida e ao seu corpo, Hazel e ele finalmente se acertando e sendo felizes como sempre deveria ter sido, ela a salvo de todas as ameaças... eu não sentindo mais nada por ela...

Após ficar fantasiando por vários minutos esse cenário utópico, penso em Castiel. E em como eu gostaria que ele estivesse aqui, assim eu poderia contar a alguém como estou em conflito. Como estou sofrendo. Ele entenderia. Ele sempre me entende. E, pensando no anjo, adormeço.


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Notas finais do capítulo

Então. Temos mais um período de sofrimento com o nosso Sammyzinho sem alma no bunkerzinho do Bobby...e logo logo as coisas vão caminhar e aí sim o babado vai ficar forte. Aí sim vem o romance que eu to desesperada e sedenta para escrever.
Meu deus... que falta esse homem faz na história.
Vou tirar o fôlego de vocês em breve. Ahhhh se vou.
Ou melhor, o Sam vai.
PS: Não me acusem de triângulo amoroso na história pois isso não é um! Triângulo amoroso é quando a mocinha tá em dúvida entre dois caras que querem ela. A Hazel não tem dúvida não, minha gente. Vai por mim. Isso aí é só o Dean sofrendo mesmo, tadinho. Não sei por qual motivo, mas A-D-O-R-O macho sofrendo por mulher em história. Sabe? Cadelando por ela, se arrastando pelos cantos, bem gadinho mesmo. AMO.
Mas vai passar, juroooo.



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