O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 13
Capítulo XI - Batendo na porta do céu.


Notas iniciais do capítulo

O nome do capítulo é uma referência clara ao meu querido, lindo, maravilhoso, genial e inigualável Bob Dylan (Se você conhece essa música pela porcaria do Guns and Roses, sai daqui!) MENTIRA! SAI NÃO! DESCULPINHA!

ALERTA DE GATILHO: Gente...tem uma coisa bem sombria nesse capítulo, e eu quero deixar claro que é porque tentei entrar na mente de um demônio cruel e o que ele faria se tivesse oportunidade. E...é uma fic de SPN, que é terror, né? Então coisas macabras e nojentas vão aparecer na trama de vez em quando.

Espero que todos aqui sejam maiores de 18 anos,ein! Preservem a saúde mental de vocês!

Boa leitura! ♥



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Ponto de vista de Dean Winchester.

Uso um dos meus braços para me apoiar no chão, quase perdendo completamente o meu equilíbrio. Estou de joelhos, o suor se mesclando ao sangue no meu rosto, enquanto estou tentando entender onde foi que eu errei.

Eu a mandei correr e se esconder porque queria protegê-la. O plano foi o mesmo desde o início: Treiná-la para ficar forte o suficiente para tentar reagir caso fosse inevitável, mas acima de tudo, evitar ao máximo que isso precisasse ser feito. Ela não tinha como me ajudar contra aqueles demônios, e se ficasse lá podia ser usada como refém ou coisa pior. Precisava ir para onde ficasse segura, e eu daria conta do que fosse necessário.

Mas eu acabei a mandando direto para onde eles queriam que ela fosse desde o começo.

A culpa é toda minha.

Quando Ruby apareceu, não podia acreditar no que os meus olhos estavam vendo. Eu mesmo a matei, como ela havia voltado?

Crowley, é claro. Tive a resposta assim que vi que estava com o corpo de Sam.

Castiel, onde quer que esteja...

Começo a rezar pela milésima vez, mas sei que será em vão. Castiel não responde, só pode estar preso em algum lugar terrível graças a Raphael, ou coisa pior. Só espero que esteja vivo. Não aguento mais perder as pessoas que são importantes para mim.

Não aguentaria perder o Cas, não mesmo.

Hazel está amarrada na cadeira diante de mim, uma poça de sangue se formando em seus pés graças ao corte gigantesco que Sam fez nela.

Não é o Sam, eu sei. Mas não dá para chamá-lo de outra coisa.

—Ela vai morrer. – Minha voz sai quebrada, estou tonto pela quantidade de socos que tomei de ontem para hoje enquanto era torturado. Aponto para o sangue no chão com o indicador. Hazel está respirando com dificuldade, muito pálida e visivelmente a ponto de desmaiar – Ruby, ela vai morrer. Se essa ferida não for fechada...

—Não vou deixá-la morrer antes da hora, Dean. Fique tranquilo. – Ruby anda até Hazel, examinando a gravidade do ferimento – Precisamos dela viva até o momento certo. Mas ela é uma menina forte...- Ruby dá dois tapinhas no rosto de Hazel, que está quase fechando os olhos, prestes a perder a consciência – Fique acordada, Hazel. Ainda temos muito o que fazer. – Ruby me disfere um sorriso maldoso – Você deve estar se corroendo por dentro, não é, Dean? Você achou que tinha vencido, quando me enfiou aquela faca, anos atrás. E olha só a sua situação agora...fascinante, não é? As voltas que o mundo dá...

—Baratas são difíceis de matar mesmo. – Uso as palavras com desprezo. Ela dá uma risada escarnia.

—Continua engraçadinho como sempre, Dean. Vamos ver se você vai rir nos próximos minutos...- Ela se senta em uma cadeira a poucos metros de nós dois, cruza as pernas e os braços e tira o cabelo dos olhos, agindo como a porra de uma imperatriz - Abraxas, preciso de você um minutinho!

Ela não quebra o contato visual comigo enquanto chama por Abraxas, um dos demônios responsáveis pela captura de Hazel ontem. Apoio a mão na costela e faço uma careta de dor. Tenho certeza de que estou no mínimo luxado nessa região. A dor é excruciante. O demônio de terno e olhos negros caminha até Ruby.

—É o seguinte, nós vamos jogar um joguinho. – Ruby começa a dizer com um sorriso sádico em seus lábios – Me disseram que você foi um grande mestre de tortura no inferno, Dean. É verdade? Boatos de que Alistair em carne e osso o ensinou como fazer todas aquelas almas sofrerem...Acreditaria se eu dissesse que sei ser mais criativa do que você, Winchester?

Não respondo. Continuo a encarando com ira no olhar. A cada segundo que passa, fico pensando em maneiras de sair dessa situação.

Eu vou dar um jeito.

—O jogo é o seguinte...- Ela se reclina para trás na cadeira, Abraxas parado ao seu lado a espera de qualquer comando, como um cachorrinho – Nós...

—Nós já contamos tudo...- Hazel a interrompendo, os lábios roxos e o corpo trêmulo. Mas o que mais me machuca são seus olhos. Estão devastados— Vocês ganharam. Por favor, nos deixem em paz...

—Querida, vou deixar uma coisa bem clara...Isso aqui não se trata só de minha lealdade a Crowley, não mesmo! – Ela se inclina para frente, olhando Hazel com desprezo – Isso aqui é uma vingança pessoal. Tá vendo o idiota do seu amigo ali?! – Ela aponta para mim, sem tirar os olhos de Hazel – Ele me matou enquanto o irmão dele me imobilizou. E adivinha só?! Torturar você é praticamente como torturar os dois irmãos idiotas, já que você é tão importante para eles. Machucando você, eu me vingo de Sam e Dean Winchester. Que azar o seu, não acha? Devia escolher seus amigos com mais cuidado, lindinha.

—Chega, Ruby... – Tento ficar de pé com muito esforço e cambaleio, mas consigo me apoiar em um carrinho de ferro. Cuspo um pouco de sangue no chão – Você teve a sua vingança. Eu perdi, ela perdeu, Sam...perdeu. Vocês já sabem tudo o que a porra do Crowley queria saber, vocês têm absolutamente tudo!

—Não é suficiente. – A voz de Ruby arranha o ar com raiva, e ela então se vira para o demônio ao seu lado - O jogo é o seguinte, Abraxas. Eu vou lhe dar comandos, e você deve obedecê-los. A menos que Dean Winchester se voluntarie para fazer o que eu mandar no seu lugar, aí então você o deixa cumprir a tarefa, entendeu?!

—Sim senhora. - Abraxas responde em menos de um segundo, olhando interessado para Hazel. Fecho o punho, com a raiva me dominando.

—O primeiro comando é... beije a garota. – Os olhos do demônio brilham, e mesmo sem força alguma, Hazel começa a tentar se soltar das amarras, no minuto que escuta isso. Sinto a minha pressão cair e a minha frequência cardíaca aumentar – Você não tirou os olhos dela desde que a trouxemos aqui. Essa é a sua chance de sentir o gostinho dela.

—Não toque nela! – Dou um passo à frente, mesmo sem força alguma. Cerro os dentes e me coloco entre ele e Hazel, meu olhar o desafiando a sequer tentar encostar nela – Não se atreva.

—Você pode impedir isso, Dean. Se você beijar ela, Abraxas não vai tocar nela. Mas se não o fizer, bom...acho que deu para entender. – Os olhos de Ruby cruzam com os meus, brilhando em sadismo.

—Vai para o inferno! – Grito, completamente transtornado com a situação. Isso é perturbador e cruel, ultrapassa todos os limites da maldade possíveis de se imaginar. Ela não pode estar falando sério. Não pode.

Tem que haver uma saída.

—Você tem três segundos para se decidir, Dean. – Ruby me disfere um olhar claramente satisfeito com o meu desespero.

Olho para Hazel, e vejo o pavor em seus olhos. Isso me quebra.

—Não deixe ele me tocar, Dean. Por favor...- Sua voz fraca carrega súplica, e meu peito desmorona.

O que é que eu vou fazer? O que eu posso fazer?

Deus, por favor, me diga o que fazer...

—Três...- Ruby começa a contagem, e Abraxas começa a se aproximar, um passo por vez com uma caminhada predadora, seus olhos nojentos direcionados a ela de maneira lasciva – Dois...

—Para! – Grito para ela, as mãos tremendo e os olhos cheios de lágrimas – Eu vou...eu vou beijá-la.

Ruby começa a rir, e Abraxas parece decepcionado, porém cumpre a ordem que lhe foi dada. Meu peito arde enquanto respiro com dificuldade. Me ajoelho do lado de Hazel, e a olho com pesar.

Primeiro, rasgo a manga da minha camisa e improviso um torniquete em seu machucado, não vai parar o sangramento, mas irá diminui-lo. Sinto seu sangue quente em minhas mãos, e seguro as suas.

Estão geladas de uma maneira assustadora.

—Me desculpa. – Sussurro, completamente trêmulo e vazio por dentro. Os olhos dela estão com as pupilas dilatas, o corpo entrando em colapso – Eu não...tenho escolha.

Ela assente, seu rosto um misto de lágrimas e suor. Os seus olhos estão firmes, como se quisesse que eu soubesse que ela entende.

—Eu sei. – É tudo o que ela consegue dizer.

—Eu quero um beijo de verdade. – Ruby acrescenta, a cabeça apoiada nas mãos como se estivesse vendo um filme que pagou muito caro para assistir – Se não for convincente para mim, Abraxas é quem vai realizar o trabalho.

Olho para Ruby com um ódio jamais sentido antes por mim. E eu já senti muito, muito ódio em minha vida.

Esse supera todos eles. Chega a sufocar.

—Consegue se levantar? – Pergunto a Hazel. Ela faz que sim com a cabeça de maneira incerta, então eu a desamarro com cuidado e ela se apoia nas minhas mãos. Ajudo-a a se erguer e embora esteja muito fraca, consegue ficar de pé se apoiando em meus ombros.

Seguro o seu rosto de maneira delicada com uma mão, e abraço sua cintura com a outra. Me aproximo do seu rosto, e antes de fazer qualquer coisa, sussurro em seu ouvido:

—Me perdoa. – Encaro seus lábios com a dor explícita em meus olhos e penso na ironia disso tudo.

Fecho os olhos, e colo a minha boca com a sua. Tento fingir que não estamos aqui, que a situação não é essa. Se o beijo não for convincente para Ruby, não vai adiantar de nada, então eu preciso ao menos tentar enganar o meu cérebro para que eu consiga ir até o final com isso. 

Tento me lembrar de como me senti quando dancei com ela naquela noite em que descobri que estava apaixonado por ela. Mas não consigo.

Acaricio a sua nuca com carinho, e sinto minha mão tremendo em sua cintura. Suas mãos também tremem muito nos meus ombros, onde ela está se apoiando. Movo os lábios da melhor maneira que consigo, e tudo o que sinto é culpa.

Ela não quer isso. Eu não quero isso.

Mas não vou deixar aquele nojento tocar nela.

Sinto o sabor das nossas lágrimas misturadas enquanto a beijo, e a minha cabeça entra em combustão.

Eu jamais tocaria nela contra sua vontade. Graças a Ruby, a única coisa que sinto ao beijar a garota pelo qual estou apaixonado, é dor.

Dor e culpa.

Os lábios dela estão trêmulos, e tudo o que eu desejo é morrer. Separo nossas bocas, e tenho dificuldade de encará-la nos olhos, mas o faço mesmo assim. Está devastada.

Completamente devastada.

É como se um buraco se abrisse dentro de mim. Limpo o seu queixo com cuidado com o meu polegar, porque ficou manchado com o meu sangue. Ela cambaleia mais uma vez, mas eu a seguro. Mal consigo me manter de pé, mas o meu corpo vai ficar firme só para conseguir ajudá-la.

Eu só vou cair quando não sobrar nada de mim. Até lá, eu fico de pé.

—Sabe, foi um beijo bom...- Ruby nos examina com o olhar analítico – Mas não estou convencida...

—Corta essa. – Falo entredentes, completamente ferido – Ela está quase desmaiando, por favor, chega...

—Qual parte da palavra “tortura” está difícil para que você entenda, Winchester? – Ruby se levanta, me olhando com raiva – Eu vou destruir você. – Seus olhos parecem arder por um momento, e então ela dá um passo à frente – Seu beijo não me convenceu, Dean. Eu quero outro, um melhor. Eu quero ver paixão. Ou a porra do Abraxas vai te mostrar como fazer isso direito!

Quero dar um soco nela. Quero matá-la. Olho novamente para Hazel, que fuzila Ruby com o olhar. Depois de alguns segundos, ela volta a me encarar e assente. Sabe o que temos que fazer.

Acaricio o rosto dela com os polegares, os pedaços do meu coração ruindo por todo o meu tórax. Solto um longo suspiro de dor diante de toda essa tortura pervertida, temendo pelo pior. Desço as minhas mãos até a sua cintura, apertando-a de leve e a puxando para mais perto. Colo meus lábios em seu ouvido.

—Finja que é ele, Hazel. Vai ser mais fácil assim... – Sussurro, a voz quebrada. Me perdoa Sammy. Por favor, me perdoa. Eu não quero isso, eu nunca quis isso. Não assim.

Vejo Hazel se contrair, como se só sugerir isso já fosse uma heresia. Busco em seus olhos a compreensão. Ela assente, e eu fecho os olhos no momento em que a puxo contra o meu peito, colando os nossos lábios de uma maneira diferente agora. Colando-os como realmente faria se fosse em outra vida, em outra circunstância. Os movo com desejo, e subo as mãos por suas costas, bagunçando o seu cabelo enquanto ofego contra a sua boca.

Ela fica retraída a princípio, chocada.

—Me convença, Hazel. Vamos... – A voz de Ruby se faz presente – Ele está me convencendo, mas você...

Sinto a respiração de Hazel ficar mais pesada, e ela sobe as mãos por minha nuca, retribuindo o meu beijo pela primeira vez de maneira quase verdadeira.

Posso sentir a cada movimento seu, em cada ofego, o quanto ela está se esforçando para imaginar que está beijando a Sam, e não a mim.

Me sinto sujo. Me sinto impregnado de pecado por estar beijando a garota que ama o meu irmão. Se um dia eu tiver oportunidade, Ruby vai pagar caro por estar nos forçando a fazer isso.

Os lábios de Hazel vacilam, e o fingimento dela se dissipa assim que ela separa os nossos lábios. Está chorando.

Todo o meu peito se contrai.

Limpo as suas lágrimas com os dedos, e tento segurar as minhas, sem muito sucesso. Me beijar machucou tanto ela. Beija-la me machucou tanto. E Ruby sabia disso.

—Vai contar a Sam, Hazel? Vai contar a ele, quando chegar no inferno, o que vocês dois acabaram de fazer?! – Hazel tira os olhos cobertos de dor dos meus e os disfere para Ruby, com tanto ódio que sinto que esse sentimento pode sufocá-la – Bem, vocês me convenceram mais dessa vez, tenho que admitir. Vamos apimentar as coisas?! O que acham?! Quero que você dê um tapa no rosto dela, Dean. Um bem forte. Ou Abraxas poderá fazer com Hazel o que ele quiser, bem na sua frente.

Todo o meu corpo se contrai.

—Ela vai desmaiar! – Grito, desesperado, apoiando Hazel com meus braços.

—Anda logo, Dean. Novamente, você tem três segundos para decidir! – Ruby volta a se sentar, e Abraxas examina Hazel de maneira nojenta. Minha cabeça começa a rodar – Três...dois...

—Vá em frente. – Hazel me olha com um olhar vazio, como se estivesse ausente, tentando sobreviver a isso. Está usando o último fio de coragem que restou em seu corpo – Por favor. Faça o que tiver de fazer, Dean. Não temos escolhas...- Ela sussurra tentando me tranquilizar – Está tudo bem, Dean. Eu sei. A culpa não é sua.

Sua voz morre em seguida, quando ela fecha os olhos, esperando eu cumprir a ordem.

Com a adrenalina sendo a única responsável por eu ainda estar de pé, faço o que Ruby mandou. E morro mais um pouco assim que meus dedos estralam em seu rosto.

Tento fazer parecer forte, mas é o mais fraco possível. Isso não importa, porque Hazel cambaleia para trás e perde a consciência, como eu havia previsto. Seguro o seu corpo antes que se estatele no chão, e fico de joelhos com ela nos meus braços, as lágrimas mais agressivas em meu rosto.

—Me perdoa, me perdoa...- Fico sussurrando, abraçando-a contra o peito. Feri-la, mesmo que contra a minha vontade e apenas para impedir algo horrível de lhe acontecer, dói além do imaginável. Toda a sua calça está manchada de sangue, sua pele está fria como mármore e seus olhos estão fechados. Ela não tem muito tempo.

—Agora, a última etapa do jogo... - Os olhos de Ruby se iluminam, e uma chuva forte começa a cair lá fora. Os pingos agressivos contra o teto fazem parecer que pedras estão caindo do céu, despencando em nossa direção, nos condenando – Quero que você a coma, Dean. Aqui e agora.

—Você está ficando louca?! – Grito, abraçando Hazel ainda mais contra meu peito. Todo meu corpo treme, e um frio percorre o meu coração por dentro.

—Não, Dean Winchester. Estou o mais sã que já estive em toda a minha existência. – Ela se apoia no ombro de Abraxas, ambos me olhando com tom de ameaça – Estou no controle. Sabe, durante toda a minha vida no inferno eu fui uma peça obediente! – Ela aponta para si mesma com desprezo – E Crowley foi o único que me deu a oportunidade de ter uma vingança digna. Vocês me tiraram tudo, Dean...eu havia conseguido o meu maior objetivo e vocês me arruinaram! Você e o idiota do seu irmão. Sam teve o que mereceu...- Seu lábio está levemente arqueado para a direita, com deboche e desdém explícitos em cada microexpressão do seu rosto – E você também vai ter. Vamos, Dean. Ou você fode ela, ou o meu amigo aqui vai fazer isso com ela, bem na sua frente.

—Não! – Minha voz sai em um desespero agudo e afiado – Ruby, qualquer coisa, menos isso! Quer me torturar? Quer me matar? Vá em frente, porra! – O choro começa a se descontrolar, e eu me amaldiçoo mentalmente por isso. Durante toda a minha vida, testemunhei horrores com os quais tenho certeza de que a maioria das pessoas enlouqueceriam, mas essa situação em que me encontro agora supera toda e qualquer atrocidade que eu já presenciei. Eu nunca vou me curar disso— Quer me ouvir implorar?! Estou implorando, porra!

Ela sacode a cabeça de um lado para o outro, devagar.

—Não, Dean. Você pode implorar o quanto quiser. Você não vai morrer como herói. Vai morrer como um homem mau e perverso, estou me certificando disso. – Ela caminha até mim e se ajoelha, me olhando diretamente nos olhos – Você tem três segundos para se decidir.

—Não...- Murmuro, completamente quebrado. Aperto Hazel contra o peito como se isso pudesse protegê-la, como se isso fosse transportá-la para longe daqui. A tremedeira em meus braços é visível, e eu pareço uma criança deixada no escuro.

Eu estou no escuro.

—Três...- Ela começa a contagem, sibilando com a sua voz.

—Eu imploro...- As palavras saem da minha boca em vão e quebradas. Apoio a boca no topo da cabeça de Hazel, e fecho os olhos, como se isso pudesse impedir minhas lágrimas.

—Dois...- Ela continua, me olhando de maneira sombria - Abraxas, acho que você pode começar a tirar a sua roupa...

O demônio sorri de lado e pisca para mim, e começa a desabotoar seu paletó. Depois, ele afrouxa a gravata com um olhar lascivo.

—Vamos, Dean. Está desacordada. Ela nem vai sentir. – Assim que Ruby diz isso, quase vomito. Meu estômago se revira violentamente - Agora, Dean. É a sua última chance. Eu juro por Lúcifer que eu não estou blefando.

Fecho os olhos novamente, e penso em meu pai. Na minha mãe. Em Sammy, em Castiel, em Bobby, em Jo, em Lisa, Ben...

Penso em todas as pessoas que amo para que isso me dê uma luz, de alguma maneira, para sair dessa situação. Para salvá-la.

Não posso deixar isso acontecer com ela, mas como posso defendê-la de um demônio sendo que mal consigo parar em pé? Como posso salvá-la?

Não consigo. Não consigo. Não consigo. Não consigo. Não consigo. Não consigo. Não consigo. Não consigo...

—Um. – Ruby diz como uma sentença, e eu não me movo. Continuo a abraçar Hazel em meus braços.

É quando eu decido que vou acabar com isso. Não vamos conseguir sair daqui com vida de qualquer maneira, seremos sacrificados como animais em um matadouro até o fim do dia.

Não há salvação para nós. Perdemos, então...

Vou acelerar o processo. Não vão nos tirar mais nada. Com uma força que não sei de onde a tiro e com uma expressão insana no rosto, solto Hazel no chão e empurro Ruby para longe. Ela se estatela em um carrinho de ferro, e diversos instrumentos de tortura se espalham pelo chão. Agarro a faca mais próxima, e a ergo no ar, acima do peito de Hazel.

Vou matá-la primeiro, e me matar em seguida.

Sammy, se estiver me ouvindo...me perdoe. Eu não tenho escolha. Me perdoe por não conseguir salvar a sua garota. Me perdoe por não conseguir resgatar sua alma. Prometo tentar, de onde eu estiver, concertar as coisas. E ir até você. Mesmo que eu vá parar no inferno de novo.

Enquanto estou de joelhos, a faca erguida no ar, e apenas a dor sendo a barreira que me impede de matar Hazel Laverne a poupando de mais sofrimento, as portas do ambiente se escancaram.

Ruby se levanta, furiosa, e a ventania lá de fora faz parecer que o fim do mundo está acontecendo. O que costumava ser o meu irmão entra pelo ambiente, os olhos negros como os de um demônio e com as veias saltadas por todo o seu corpo. Ele ergue a mão no ar com uma expressão furiosa no rosto, e eu sou arremessado contra a parede no mesmo segundo.

Sinto tanta dor com a colisão das minhas costas na parede de madeira, que rolo no chão com dificuldade para respirar. Meu peito parece pesar toneladas, e um grito gutural escapa da minha garganta.

Estou no chão quando vejo tudo de maneira embaçada.

—O que aconteceu?! – Ruby questiona a Sam, a raiva explícita em sua voz – Onde está Crowley?!

Sam ergue a mão no ar mais uma vez, dessa vez arremessando Ruby e Abraxas pelo ar, como marionetes.

—Eles eram a sua responsabilidade, Ruby! – Seu grito é excruciante, o peito estufado e a frieza absoluta no olhar, que volta a ser verde depois que ele respira mais profundamente. Suas veias também parecem voltar ao normal, lentamente – Eu entro aqui e ela está quase sendo assassinada antes do ritual! A quem você é fiel, afinal?!

—A Crowley! – Ela grita, enquanto se arrasta pelo chão com dificuldade – Eu não ia...

—Você é uma traidora! – Sam caminha até ela, os pés duros no chão, a postura de quem está pronto para matar a qualquer momento – Íamos falhar com Crowley por caprichos seus!

Sam torce o pulso no ar, e vejo Ruby se contorcer no chão e gritar de dor. Quanto sangue de demônio ele consumiu para conseguir fazer isso? Com a outra mão apontada para Abraxas, ele faz um gesto simples e rápido, os olhos fechados e serenos por um momento, como se ouvisse uma sinfonia que só ele é capaz de contemplar.

E, em um segundo, o demônio grita a plenos pulmões enquanto seus olhos brilham em amarelo, como raios irrompendo em uma tempestade. Abraxas se estatela no chão, morto.

Sam abaixa ambas as mãos, respirando com dificuldade, o peito subindo e descendo enquanto ele limpa o sangue que escorre do seu nariz com uma das mãos, e com a outra, ele tira o cabelo do rosto. Sam caminha até Ruby, devagar, e se ajoelha em sua frente.

—Eu devia matar você também. – A frase sai entre dentes serrados e o nariz franzido, os olhos semicerrados em ira ardente – Devia matá-la por quase arruinar os planos de Crowley. Considere-se sortuda, Ruby.

Sam se levanta olhando-a de maneira fria. Ruby finalmente se ergue e o encara com um olhar de aço:

—Crowley me colocou no controle, Frankenstein. – Ela estufa o peito e ajeita a jaqueta preta – Ou você se esqueceu?!

No minuto que escuta o nome do seu mestre, ele surta.

—Crowley sumiu! – Sam grita, quase como se estivesse ferido. Arregalo os olhos e sinto uma ponta fina de esperança. Me arrasto para perto de Hazel, que continua desacordada – Ninguém sabe onde o meu criador está!

—Como assim, sumiu?! – A voz de Ruby é incrédula – Isso não é possível...

—Acredite se quiser, estamos sozinhos e no escuro sem ele! – A sua voz é irada, e ele chuta um caixote de madeira para longe, completamente alterado – Não podemos matar a garota, não até ele retornar de onde quer que esteja e nos ordenar. Então eu sugiro que você saia da minha frente! – Sam passa por Ruby, batendo o ombro com o dela de maneira insolente – Vou costurar o ferimento da garota. Enquanto isso, prenda esse inútil lá nos fundos. Ele pode ser útil em algum momento.

Vejo Ruby o olhando com as pálpebras semicerradas, como se estivesse para além de contrariada.

Mas ela é esperta, essa vadia. Sabe que Sam está forte demais e transtornado demais. Não vai medir forças com ele.

Ela vem até mim e me puxa de maneira agressiva, me carregando para longe dali como um saco de carne que não vale nada. Ela me joga em uma sala escura que fica nos fundos do barracão, me trancando ali.

Um curto período se passa, e ouço os primeiros gritos de Hazel. Seja lá o que esteja sendo feito com ela, fez com que ela despertasse do seu desmaio. Encosto as costas na parede, e abraço as minhas pernas, afogando o meu rosto nelas como um garotinho assustado.

E, embalado pelos seus gritos, deixo as lágrimas caírem.

Estamos perdidos.

Me sinto batendo na porta do céu, desesperado para desaparecer.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Quando abro meus olhos, fico confusa por um momento. Atordoada.

Será que foi tudo um pesadelo? A tortura, o beijo...

Estou deitada em uma mesa fria de ferro, e não consigo identificar onde estou. O teto fica confuso, minha visão girando junto com as saídas de ventilação. E então meus olhos focalizam no rosto dele.

Isso não é um pesadelo. É a verdade. Tudo foi... tremendamente real.

Está concentrado, olhando para baixo com os olhos pensativos e frios. Dou um grito agudo quando sinto a ardência profunda causada pelo álcool que ele derrama a sangue frio no meu corte aberto em minha coxa.

—Não se mexa! – Ele adverte, sem nenhum tipo de sentimento em seu rosto ou em sua voz.

Não entendo o que está acontecendo até sentir a primeira agulhada no fundo da minha carne.

Grito tanto e me debato em desespero, que ele se irrita.

—Ruby, segure ela! – A próxima agulhada parece doer mais do que a primeira, e sinto as mãos frias de Ruby me segurando contra a mesa com brutalidade, me impedindo de me mexer.

São os dez minutos mais longos de toda a minha vida, e passo por isso com a visão turva e o som dos meus gritos que parecem se superar a cada segundo que passa.

Quando ele termina de me costurar, Sam corta a linha com a boca, e fita os meus olhos.

—Ela precisa de água, comida e sono. – Ele me analisa de cima a baixo, como se eu fosse um problema em suas mãos – Preciso que você providencie isso, Ruby, agora. Vá até a cidade buscar as coisas de que precisaremos.

Ruby acena com a cabeça, contrariada, e se retira dali. Ouço seus passos desaparecerem pela porta, meio a tempestade.

—Eu preciso saber. – Sussurro, os olhos fechados e o corpo fraco por tudo o que passei, no vórtice de colapsar por completo – Preciso perguntar, antes que eu não tenha mais chance alguma.

A criatura ergue a sobrancelha, como se estivesse intrigado.

—Pergunte. – Ele dá de ombros, e fica me olhando, esperando.

Uma lágrima quente desce pelo meu rosto.

—Você...você não tem nenhuma lembrança...? Digo...algo que tenha sobrado dele? - Paro para respirar fundo, e enxugo uma lágrima com as costas das mãos – Nada?!

Ele sorri devagar, como uma lua crescente.

—Nada. A casa está vazia, completamente. – Sua voz é apática, as sobrancelhas erguidas – Sam está morto, Hazel. Eu só peguei o corpo dele emprestado.

—Se importa se eu...?- Não sei porque faço isso comigo. Não sei mesmo. Mas sigo adiante com o que tenho em mente, e ao invés de concluir meu pedido, apenas toco nele. Em seu rosto.

O olhar de desprezo que ele me disfere chega a queimar.

Não como fogo. Como gelo pressionado em minha pele com milhares de grãos de sal.

Uso minha maldição de propósito, afinal...não é a primeira vez que toco nele. Consigo entrar em sua mente, por apenas alguns segundos.

Alguns segundos são o suficiente para ver um grande vazio branco, onde não há nada.

Não há alma, mente, memórias...

Ele não é uma pessoa. Não é ninguém.

Quando o solto, ele franze o cenho, seu olhar entre a perturbação e a confusão:

—O que foi isso? Foi como se você tivesse...

—Entrado em sua cabeça? É, eu consigo fazer isso. – Minha constatação sai enquanto sou dominada com uma tristeza profunda dentro de mim. Ficamos em silêncio por um tempo. Ele abre a boca para falar algo, e parece hesitar por um momento, mas sua curiosidade parece vencer.

No minuto que vai dizer algo, as portas se escancaram com uma força descomunal, e um homem jovem entra ali, com o braço erguido no ar, e Sam é jogado contra a parede violentamente, desmaiando imediatamente.

O homem não é muito alto, tem cabelos castanhos e os olhos parecem negros como ébano. Ele usa um sobretudo preto e uma cicatriz gigantesca percorre o seu rosto jovem, como um riacho em uma montanha.

Sinto algo muito estranho ao vê-lo. Um vazio muito, muito grande se expande dentro de mim. Como um ímã.

Ele caminha na minha direção sem dizer uma palavra, e sei que devia estar com medo, se seguisse a lógica. Mas não sinto isso.

Hazel. – A voz é tão...familiar. Reconfortante. Quente.

Quem...é você?! – Questiono o fitando sem piscar, com um palpite em mente.

Seria possível que...?!

Ele sorri um pouco, sem tirar o cenho franzido e sério do rosto.

—Sou Jesse Turner.

Toda a ordem natural do mundo parece se sacudir por um breve momento, quase como um terremoto em minha linha temporal.

—Jesse? É você...mesmo? – O olho incrédula, e ele parece se contrair, como se minha pergunta o machucasse.

—A história é longa, Laverne. Eu apaguei sua memória, anos atrás. – Sinto tontura ao ouvir isso – Mas daremos um passo de cada vez.

—Você...apagou a minha memória?! – Agora tudo faz sentido. Ele assente, olhando ao redor e examinando o ambiente minuciosamente.

—Vamos, temos que sair daqui, ou não teremos outra chance. – Sua voz é calma, mas deixa explícita sua urgência.

—Não vou a lugar nenhum sem Dean, e...- Me sento na mesa de ferro com dificuldade e ondas de dor percorrendo todo o meu corpo – O cara que você arremessou na parede. Precisamos levá-lo também, mas ele não pode acordar.

Jesse me olha no fundo dos olhos, e fico tentando entender o que está pensando.

—Onde está esse tal de Dean? – Ele pergunta com as mãos nos bolsos. Aponto para os fundos.

—Está preso ali dentro. – Ele se vira para onde apontei, e com o braço no ar e os olhos fechados, quase como se não fizesse o mínimo esforço, a porta é arrombada por seus poderes.

Só pode ser telecinese, concluo.

—Dean! – Grito – Dean, pode sair!

Estou rouca, a garganta completamente machucada. Vejo Dean sair de lá de dentro mancando, os olhos arregalados e o braço pressionando a própria costela, com uma careta de dor. Primeiro, ele vê o corpo de Sam caído no chão, inconsciente. Depois, seus olhos pousam em Jesse.

—O que...? Quem é você?! – A voz de Dean sai confusa, e Jesse suspira, como se estivesse cansado dessa pergunta.

—Sou alguém que vai tirar vocês três daqui, mas só se formos rápidos. – Jesse umedece os lábios, e olha de Dean para mim – E então, vamos?!

—Por que está fazendo isso? Por que está nos salvando?! – Pergunto, porque não consigo entender nada do que acaba de acontecer. Jesse me olha com um olhar levemente ferido, e com a voz firme, diz algo que muda tudo:

—Porque você é minha irmã, e é isso o que irmãos fazem. Até mesmo aqueles de quem nos esquecemos.

Fico em silêncio, me afogando no nada por um breve momento.


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Notas finais do capítulo

Gente... vocês não tem noção de como eu tava me roendo para soltar essa informação e finalmente introduzir esse personagem aqui. Foi tudo de caso pensado, desde o começo!

Espero que tenham gostado, e o próximo capítulo traz mais explicações.

Abraços, e comentem ♥



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