As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos escrita por Aldemir94


Capítulo 15
O Segredo de Gael




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O ar estava um pouco frio, a grama fresca, a névoa cobria os grandes arvoredos e o ambiente estava silencioso, como se o lugar estivesse em um sono profundo, à espera de ser despertado.

Quanto tempo havia se passado? A resposta era fundamental para aquele pobre rapaz, caído na grama, trajado com cinto com fivela de prata, calças jeans escuras, camisa branca abotoada e cabelos castanhos como a última noz do outono, bagunçados como as chamas de uma lareira de Natal: apesar de empoeirado, ferido e exausto, Aethel vivia.

Deitado em meio a relva, não tinha forças para se levantar, assim como desconhecia a sua localização: ainda estaria em Gravity Falls?

De repente, uma luz dourada brilhou diante de seus olhos e, para sua surpresa, uma fada exuberante ,com cerca de 14 ou 15 cm, apareceu: seu vestido tinha tanto pó mágico que, partindo da longa saia, parecia ser feito inteiramente dele.

Também possuía asas douradas que, em certo momento, Aethel pensou serem feitas de ouro, pele clara, cabelos castanhos, olhos azuis como o mar Caspio e uma linda coroa brilhante, feita de uma faixa dourada e quatro pétalas de luz que se ligavam ao centro, formando uma flor reluzente.

 Aethel reconheceu a distinta figura de imediato: rainha Clarion, a senhora das estações, dama do verão e governante do Refúgio das Fadas.

“Não vai se levantar”, perguntou a fada, docemente, mas o rapaz preferiu permanecer deitado, pois sentia-se sem forças ou motivação.

Qualquer um que estivesse diante da rainha, ouviria o som de pequenos sinos de ouro e prata, como os que se encontram em meio às festividades natalinas, porém, Aethel quase não ouvia aqueles sons maravilhosos: a linguagem humana, letras, palavras e frases completas substituiam o belo tilintar que as fadas faziam.

Felizmente, o rapaz conseguia ouvir os sinos quando Luna ficava irritada e falava com velocidade; enquanto ela se atrapalhava nas palavras, Aethel ouvia aquele que, para ele, era o som mais bonito do mundo.

É verdade que se podia ouvir o barulhinho de sinos quando as fadas batiam suas asas ou voavam rápido, porém, esse tilintar soava tão breve, que o rapaz o achava um pouco triste.

Enquanto refletia sobre os sinos e as fadas, Aethel se deu conta de que estava ignorando Clarion, enquanto ela o observava com ternura e paciência:

—Me desculpe, majestade – disse o jovem – não desejava ofender-lhe, apenas me entregava a algumas reflexões menores.

—Está tudo bem – respondeu a distinta rainha – mas não prefere se levantar da relva?

Como não desejava ofender Clarion, Aethel se levantou com dificuldade e tentou tirar os vestígios de cinzas que haviam manchado sua camisa quando, para sua surpresa, parecia haver um excesso de pó mágico em suas roupas, o que levou-o a questionar:

—Me perdoe, alteza, mas o pó mágico em minhas roupas veio da senhora?

—Sim, você está certo.

Curioso, o rapaz perguntou o motivo daquilo, então a rainha respondeu que foi o único modo de salvá-lo de Gael:

—Minha querida Luna – disse Clarion – costuma deixar vestígios de pó mágico nas suas roupas, sendo que Gael energizou esse pozinho quando te atacou no círculo de pedra, por isso pude trazer você até aqui. Infelizmente, esse tipo de transporte é tão complexo que pode apresentar falhas, por isso sua camisa está um pouco chamuscada.

—Porque me trouxe aqui? Eu poderia ter sido mandado para a Cabana do Mistério. Meus amigos estão em perigo.

—Meu jovem, Merlin queria mostrar-lhe este lugar depois que você concluísse sua educação formal. Porém, com a ascensão de Gael, isso ficou impossível. Por isso o mago me pediu para trazê-lo até esta floresta

Raciocinando, Aethel entendeu que Merlin havia entrado em contato com a rainha e pedido sua ajuda em algum momento indeterminado (talvez durante o show de Mabel ou logo depois), porém, se o mago desejava mostrar ao rapaz aquele lugar, porque não o fez pessoalmente?

Antes que pudesse fazer mais indagações, a rainha pediu que ele a seguisse, sendo prontamente atendida pelo rapaz (embora seus passos fossem vagarosos).

A névoa estava por toda parte e nenhum som de animal, inseto ou brisa podia ser ouvido, embora o lugar não possuísse qualquer atmosfera atormentadora: tranquila, perfumada pela vegetação úmida e permeada pela mais perfeita tranquilidade, aquela floresta tinha algo especial.

As rochas estavam cheias de limo, havia alguns troncos caídos e as cascas das árvores pareciam tão velhas quanto o mundo, mas Clarion se mantinham à frente do rapaz, iluminando-lhe o caminho e, após alguns minutos, ambos chegaram até um lago de águas tão límpidas que era possível ver rochas ao fundo e peixes que nadavam pacificamente, como se não houvessem predadores para lhes atormentar.

Clarion pediu que Aethel olhasse o lago com atenção, o que foi logo atendido pelo rapaz que, por alguma força desconhecida, sentia-se impelido a admirar as águas plácidas e as lindas brumas que rodeavam aquela beleza natural.

“Gael e seu exército precisam ser detidos”, disse a rainha das fadas, “mas antes, você precisa entender o que deu origem a tudo isso”, terminou Clarion.

Com os olhos vidrados nas águas, Aethel viu uma série de imagens de formarem: soldados rodeando o mago sombrio, árvores em chamas, edifícios reduzidos a escombros, pessoas assustadas e uma garota caída, chorando…

Era Mabel, com o rosto sujo de fuligem e os cabelos um pouco bagunçados.

“Para onde ela está olhando? O que houve com ela?”, perguntou Aethel, já aflito, mas o lago respondeu a questão da forma mais cruel quanto possível; exibindo uma sequência de imagens vívidas que mostravam a tragédia maior: Dipper avançando com uma espada em direção a Björn, o corte falhando, a lâmina caindo ao chão, o elfo erguendo o rapaz pelo pescoço.

Aquela espada não poderia partir as escamas douradas de Björn, então era razoável que uma investida descuidada vinda de alguém despreparado tinha tudo para terminar em desastre, com um Dipper de guarda-baixa e um elfo chutando a lâmina para longe.

Pobre garoto! Quão doloroso não deve ter sido quando o elfo o ergueu pelo pescoço e lhe atirou com força em direção aquela parede, fazendo-a desmoronar.

“Mabel está pranteando o irmão”, pensou Aethel, sentindo uma chama de fúria emergir dentro de si:

—Eu não tenho pai, mãe ou irmãos – disse Aethel para Clarion – eu sou sozinho nesse mundo vasto e assustador… Mas Mabel tem família, amigos e pessoas em quem pode confiar. Ela acaba de perder seu mundo, seu irmão… em breve sua família inteira vai deixar de existir… como Merlin pode permitir algo assim? Por que ele criou esse coracor maldito?!

—Sei o quanto lamenta pela garota – disse a rainha Clarion – mas precisa ter calma.

—Calma?! Gael traz sofrimento aos outros e se rejubila como se fosse um deus sinistro… como Poseidon, Hades, Urano… mas Gael não passa de um homem de carne, osso e sangue! Quero que ele sofra de joelhos, submisso! Quero que ele pague!

—Sua raiva é compreensível – disse a fada – mas só conhece uma pequena parte da história.

 Apontando para as águas do lago, Clarion lhe mostrou uma nova sequência de imagens e sons, mas não eram de Gravity Falls, Merlin ou de Mabel em lágrimas, mas dos tempos em que a Britânia era um território violento e primitivo.

Havia um rapaz de capuz negro, entre 16 e 18 anos, andando em meio a uma aldeia em chamas e carregando alguém nos braços: uma moça que devia ter idade semelhante a sua, com cabelos da cor do trigo, olhos verdes como a grama de primavera, lábio rosados, pele clara e um vestido simples, de um amarelo desbotado, que a identificava como lguém de poucas posses.

Estava descalça e olhava fracamente para a aldeia em chamas, como se houvesse perdido seu mundo ali, em meio ao fogo destruidor, mas havia algo estranho em seu semblante, alguma coisa que destoava daquela cena trágica.

Aethel não sabia dizer o que era, mas a rainha das fadas disse que só era preciso observar com atenção para descobrir o enigma, o que bastou para o rapaz entender o elemento misterioso que quebrava a harmonia, ou qualquer outra coisa que fosse aquilo, naquela cena triste: os olhos brilhavam tristemente, mas não havia lágrimas, os lábio tremiam, mas ainda sorriam com timidez e aquela moça ainda mostrava certo ar de esperança.

As imagens mudaram para um campo verde, com flores amarelas e belos arvoredos ao redor, com aquela moça ao centro da cena, acariciando uma lebre enquanto conversava com o rapaz que a segurou nos braços.

De repente, Aethel pareceu estar dentro daquela cena, como se houvesse feito parte daqueles eventos antigos, de forma que conseguiu ouvir os diálogos um pouco melhor:

—Minha querida Agnes, por favor, temos de comer algo, não é verdade?

—Não este coelhinho! Não vê o quanto ele tem medo?

—Agnes, isso é uma lebre e deve ficar muito boa em um ensopado!

—Podemos cozinhar alguns rabanetes e nozes, temos muitas guardadas. Por favor, não vamos machucar este pobre coitadinho.

—Tudo bem, minha querida – respondeu o rapaz, vencido – vou colher algumas amoras na floresta, sei o quanto você gosta delas, além disso, me fará esquecer desta pequena caça orelhuda.

Antes que o rapaz saísse para buscar as frutinhas, aquela garota sorriu e disse “obrigado, Gael, sei o quanto se esforçou para apanhar a lebre”, ao que ele sorriu e curvou-se segundo a moda dos cavaleiros, retirando-se em seguida.

“Gael?”, pensou Aethel, tentando analisar aqueles acontecimentos enquanto as cenas mudavam para um bonito lago, com muitas árvores, rochas antigas e uma pedra, de onde Gel tocava uma flauta feita com madeira de sabugueiro e enfeitada com desenhos de pássaros e frutinhas, todos em baixo-relevo.

A melodia era de uma beleza singular, do tipo que apenas alguém cheio do mais puro amor poderia compor, mas havia alguém nas margens do lago que ouvia alegremente aquela doce melodia; era Agnes.

Ela se levantava das margens do lago e dançava, com passos leves como o bater de asas de uma pomba, motivando o rapaz a tocar sua flauta com ainda mais entusiasmo.

Na verdade ela estava molhando um pouco seu vestido, mas não parecia se importar, ao contrário: seus olhos reluziam como duas estrelas cadentes, seus cabelos dançavam com a brisa e seus pés tocavam as águas do lago como se fossem plumas.

O Sol já estava se pondo, mas a moça pedia para que Gael tocasse mais um pouco, pois “não há nada mais belo que música acompanhada de um céu estrelado”, como ela disse, sendo atendida pelo rapaz.

De repente, Gael pausou a música, tirou uma vareta de madeira de sua túnica e, segurando-a com a mão esquerda, fez uma série de rodopios no ar, o que fez várias faixas de água rodearem a garota e se iluminarem tal como faróis de uma rodovia para, logo em seguida, dispersarem-se, formando pequenas estrelas e pontos brilhantes, embelezando todo o ambiente.

Agnes ficou maravilhada com todas aquelas pequenas estrelas ao seu redor, que podia ser tocadas e emitiam sons alegres de sinos, como aqueles que, de acordo com Gael, “as fadas também tocam, desde o nascimento do grande refúgio.”

Levantando da rocha e caminhando até Agnes, Gael fez corte para uma dança, ao que ela aceitou com alegria e aqueles dois enamorados começaram a dançar em meio aquelas estrelas mágicas.

Cada um tocava a mão direita do outro e caminhava em círculos, enquanto erguia a esquerda para o alto (o que fazia as estrelas se moverem e tilintarem docemente).

A mão direita, em dado momento, era levantada e ambos se curvavam, em sinal de respeito, apenas para seguirem os movimentos como descritos anteriormente.

Apesar de simples, aquela dança era tão lindamente sincronizada, que fez Aethel (que observava tudo à distância) se sentar e assistir com um sorriso, enquanto se lembrava de quando dançou com Mabel naquele lugar maravilhoso, cheio de natureza.

Considerando que aqueles passos remetiam ao período Tudor, era provável que Gael também gostasse de “visitar os séculos que vem”, como Merlin costumava dizer, mas talvez fosse melhor assim, considerando que Vortigern não era lembrado por promover manifestações de alegria em seus súditos.

De repente, as cenas mudaram mais uma vez e Aethel se viu diante de um morro verdejante, com o céu noturno e uma Lua cheia tão majestosa, que o rapaz pareceu hipnotizado durante alguns instantes, sendo tirado daquele transe no momento em que escutou vozes: Agnes e Gael estavam de mãos dadas, olhando para os olhos um do outro.

Gael vestia uma túnica escura com um tipo de camisa verde que seguia até as coxas, com um cinto de couro na cintura, calças brancas e sapato esverdeados, segundo a moda da baixa idade média (o que era curioso, tendo em vista que aquele episódio deveria ter ocorrido em torno de 450 d.C., portanto, o império romano do ocidente nem havia caído ainda!).

Agnes usava um vestido verde simples, com um cordão ao redor da cintura, cabelos enfeitados com flores brancas e sandálias simples que pareciam importadas de Roma.

Os dois pareciam estar conversando, então Aethel se aproximou com cuidado e escutou:

—Merlin e Min estão lutando contra aquele tirano, Vortigern. São meus amigos e quero acreditar que esta causa dará bons frutos.

—Porque não podemos viver em paz, longe de toda esta violência? – perguntou a moça, preocupada.

—Sempre haverá pessoas como Vortigern, isso é imutável. Se posso fazer algo, não é moral que eu o faça?

—Me perdoe, Gael, mas sinto que algo vai acontecer… meu coração está aflito. Talvez Deus esteja me alertando para novas maquinações daquele bárbaro que comanda a Britânia.

—Eu sei que está aflita, mas entenda que o coracor falhou. Era nossa esperança de proteger esta terra dos bárbaros saxões e de qualquer outro povo que poderia nos ameaçar. Agora devo me juntar a meus amigos e proteger os filhos desta terra com minhas próprias mãos.

Agnes abraçou Gael, com uma expressão de medo, como se não fosse voltar a vê-lo outra vez, o que deixou Aethel com o coração apertado: Gael era um dos três magos mais poderosos da Terra, então, o que aquela moça poderia temer?

De repente, as cenas começaram a se tornar turvas, enquanto Aethel era levado a um novo lugar, com grama amarelada, vestígios de lanças, escudo, espadas etc., iluminado por um pôr do Sol melancólico, onde Gael se encontrava ajoelhado e com sua capa, segurando Agnes nos braços e chorando muito, pois, ao que parecia, os temores da moça se concretizaram de forma dramática: uma flecha estava cravada logo acima do seio direito de Agnes.

Aethel olhou para o mago, que abraçava aquela jovem nos braços, em desespero, beijando sua testa, orando aos céus e pedindo misericórdia para sua amada de forma humilde e sincera, enquanto o discípulo de Merlin ficava em silêncio.

Aproximando-se de Gael, seus olhos se cruzaram com os dele e, neste exato momento, Aethel viu a si próprio: alguém que via seu mundo desmoronar, seus entes queridos deixarem de existir e tudo aquilo pelo qual despendeu tanto trabalho evaporar, como se não tivesse valido nada.

“Merlin…”disse Gael, “eis o que seu sonho trouxe… este é o seu ‘lamento por Tróia’”, encerrou o mago, abraçando Agnes com ternura, enquanto uma nova figura se aproximava: Merlin, entre seus 17 ou 18 anos, com vestes verdes, chapéu pontudo caído, faixa em torno da cintura e sapatos esverdeados.

“Eu sinto muito, irmão”, sussurrou Merlin, com a cabeça baixa, evitando olhar para seu amigo devastado, porém, algo havia mudado em Gael, como se uma força da natureza incontrolável houvesse sido desencadeada:

—Você fracassou, Merlin… Agnes perdeu os amigos, os poucos familiares que ainda tinha… graças a você, tudo que ela conhecia terminou em chamas… e agora ela morrerá: e a culpa é sua! Por querer brincar de mentor desses bárbaros e beócios. Merlin, o sangue dela está em suas mãos… como o de Cristo nas mãos de Pilatos.

—Ela ainda não está morta, Gael, você ainda pode salvá-la, só preci…

—Merlin… faça uma coisa decente uma única vez nesta sua vida miserável… e suma. Suma da minha frente e não volte a aparecer nunca mais.

Neste momento, a visão de Aethel ficou turva e as imagens se dissiparam, até que ele se visse às margens daquele lago, onde a rainha Clarion o aguardava, com paciência.

Sentando-se por um instante, Aethel refletiu sobre tudo aquilo que havia visto, dando foco especial a cena final, abaixando a cabeça e perguntando a rainha das fadas:

—Ela morreu?

—Venha comigo. A história ainda não terminou.

Seguindo a rainha, Aethel passou por algumas árvores e se viu em uma pequena clareira, onde a vegetação cobria um esquife não muito grande, de mármore branco com uma tampa feita de cristal, com extremidades em ouro e bonitos desenhos de pássaros, frutas e lebres em suas laterais.

O esquife de mármore era decorado com cenas do rapto de Perséfone, fadas voando em um jardim, a Lua iluminando um canteiro de flores e cenas do encontro entre Penélope e Odisseu, após sua longa viagem até chegar em Ítaca e vencer os príncipes que disputavam sua casa.

No interior do esquife, Aethel viu a bela Agnes, que parecia dormir serenamente, como se tomada por um sonho mágico, do qual seria demasiado cruel acordá-la.

A moça ainda usava seu vestido verde, mas a flecha havia sido removida “pelas fadas de Avalon”, como disse Clarion:

—Ela está morta? – questionou Aethel.

—Ela dorme um sono  profundo – disse a rainha das fadas – As senhoras de Avalon conseguiram salvá-la. Porém, para manter a jovem viva até entregá-la nas mãos delas, Gael precisou dividir sua energia com a moça, de modo que, embora as fadas tenham conseguido curá-la, não puderam despertar Agnes.

—Porque Gael não a despertou? Ele desejaria isso mais do que tudo. – perguntou Aethel.

—Para quebrar um encanto como esse é preciso ter fé, esperança, amor e paz de espírito… acha que Gael ainda tem qualquer uma dessas coisas?

—Acho que não – respondeu Aethel – Meu Deus… ele perdeu a família, os amigos, a aldeia… depois perdeu a mulher que amava e as esperanças… eu preferia que ele fosse como Vortigern, assim eliminá-lo seria satisfatório… mas agora me sinto sem direção. Acho que agora entendo o porquê de Gael estar causando todo esse caos: já que o mundo só lhe trouxe sofrimentos, ele decidiu destruí-lo e criar um novo, menos complicado.

—E você concorda com isso? – perguntou a rainha.

—Eu não sei. Apenas entendo as motivações. Se eu tivesse que segurar Mabel nas mãos, enquanto ela expirava com um ferimento de flecha, acho que eu também ficaria sem rumo… é normal pranteamos nossos amigos e entes queridos. O sofrimento é quase tão velho quanto o mundo.

—Você está com a razão. O que deseja fazer agora? – perguntou a rainha.

—Não sei. Se eu voltar a Gravity Falls, não poderei ajudar em nada… sou apenas um rapaz comum. Mas também não posso ficar aqui, apreciando a tranquilidade, enquanto Mabel assiste o fim do mundo. O que sugere que eu faça, majestade?

—Aethel – começou a rainha – você tem apenas 13 anos, mas é chegada a hora de tomar suas próprias decisões, sejam elas acertadas ou não. Não é justo cobrar tal responsabilidade de alguém que tanto desconhece do mundo natural e desta Era moderna, mas a crise gerou estas circunstâncias nas quais os homens de verdade são forjados.

—Alteza, estou perdido. Independente de qual decisão eu tomar, os resultados sempre apontarão para o nada. Na prática, não importa qual será minha decisão final.

—Então porque teme tomá-la? – perguntou a rainha, com um sorriso.

—Porque Mabel e os outros precisam de algo concreto, não de uma solução impossível. Já começo a sentir falta de Arthur e seus cavaleiros… com um exército eu poderia apresentar alguma resistência contra Gael.

—Acho que isso não será possível. Mas um dia talvez…

—Sei disso – respondeu Aethel, colocando a mão esquerda da testa – e também não parece haver muitas armas e montarias nesta floresta.

—Você deve ter razão. Mas talvez deva se concentrar nos próximos movimentos baseando-se no que já tem à sua disposição.

—Muito bem, a senhora está certa. Problema: o inimigo tem um artefato de enorme poder, um exército invencível e também já mostrou que é capaz de repelir qualquer um que se aproximar dele. Análise: o poder flui do artefato, portanto, será lógico cogitar que a falta dele limitará o poder de Gael. Vantagens: nenhuma, além do fator surpresa, tendo em vista que meu inimigo deve pensar que estou morto. Desvantagens: falta de recursos militares, como armas, tropas etc., que impossibilitam resistência. Conclusão: Devo me livrar do artefato; mas como?

A rainha observava o processo de reflexão de Aethel com um pouco de curiosidade, mas quando perguntou de que maneira ele poderia remover o coracor do pescoço de Gael, o rapaz só pôde responder “Gael é inteligente demais para cair em uma trapaça, então vou precisar de uma arma.”

De repente, Aethel sentiu-se impelido a caminhar em direção a um grupo de árvores tão antigas, que pareciam ter sido feitas no dia em que o Éden foi formado, ainda na Era mitológica, o que gerava no rapaz uma sensação estranha, misteriosa, além de qualquer coisa que ele já houvesse sentido antes.

“Continue em frente”, uma voz sussurrava, “você ainda tem muito a fazer” e Aethel seguia a orientação, enquanto era seguido pela rainha das fadas, sempre voando próximo de sua cabeça, quando, de repente, ambos cruzaram algumas pedras marcadas com runas antigas e, por fim, chegaram a uma pequena clareira, semelhante a anterior, onde havia farta vegetação, algumas flores amarelas, azuis e brancas, assim como muitos galhos de salgueiro e carvalho antigo.

“Mabel teria gostado deste lugar”, pensou Aethel, enquanto olhava ao redor, admirando o que a natureza fez naquele lugar idílico, mas logo seus olhos se voltaram para algo que, à primeira vista, parecia oculto em meio aos ramos de salgueiro: uma espada cravada em uma bigorna de ferro que, por sua vez, estava em cima de uma pedra rígida e antiga.

"Malory teria muito a escrever sobre este lugar”, disse Aethel, com um humilde sorriso de esperança, enquanto se aproximava daquela espada cheia de mistérios, ainda coberta por um pouco de vegetação.

Quais seriam os segredos que aquela lâmina legendária guardava? Teriam as rainhas da noite, aquelas chamadas pela rainha Clarion de senhoras de Avalon, trazido a espada até ali, após a queda de Arthur na mais sangrenta batalha de seu glorioso reinado?

Aethel bem entendia o que a espada significava: era um símbolo de legitimidade que, durante os últimos séculos, aguardava o retorno do único e eterno rei; aquele que, muito tempo antes, havia realizado feitos tão incríveis, que ficaram marcados para sempre nas lendas.

Mas Arthur havia desaparecido da Terra a quase mil anos, sem herdeiros, logo, aquela lâmina magnífica jamais seria retirada da bigorna.

A távola redonda não mais existia, os castelos reduziram-se a ruínas e os invasores saxões ficaram nos livros de história, de modo que os sentimentos que haviam trazido um sorriso a Aethel, deram lugar ao medo e a certeza de uma grande decepção.

“Talvez eu deva me afastar, não vale a pena fazer papel de tolo”, sussurrou o rapaz, quando uma voz, pareceu falar direto com seu coração, fazendo-o lembrar do dia em que foi parar no quarto de Velma.

Seria possível realizar um milagre naquele lugar? Como fizera Moisés, milênios antes, na terra do Egito? Tudo aquilo, as inseguranças, os medos, os receios tolos de fracasso e a espada cravada na bigorna, não seriam apenas fantasias de um garotinho assustado?

Verdade seja dita: medo era apenas uma palavra, tão verdadeira quanto qualquer outra, a depender do valor que se atribuísse a ela.

Estendendo a mão esquerda para segurar a magnífica empunhadura de ouro, Aethel teve um choque no momento em que a tocou e seus olhos pareceram se encher de uma luz pura, que transportou sua mente para um mundo verdejante, parecido com Avalon, onde havia um poço de águas, um bonito jardim e uma mulher de beleza inigualável.

Aquela mulher deveria ter pelo menos 30 anos, pele rosada, longos cabelos ruivos que lhe chegavam a cintura, olhos azuis como safiras, um vestido rosa feito de linho (pelo menos parecia ser linho), com um cordão dourado ao redor da cintura, sandálias de ouro e uma tiara circular também de ouro, que parecia um grande anel.

“Meu querido senhor”, disse a mulher, com uma voz dos anjos, “sou Nimue, a dama do lago”, enquanto Aethel olhava para aquela figura dos céus, sem reação…

 


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Notas finais do capítulo

Esquife:
No caso empregado, trata-se de um caixão.

Odisseu e os príncipes:
Após 20 anos de ausência, Odisseu conseguiu retornar a Ítaca, seu lar e rever seu filho. Porém, como seu reino estava ameaçado por príncipes invasores que dele desejavam se apossar, Odisseu precisou montar um estratagema e, ao fim dele, massacrar os príncipes.

Penélope:
Filha de Icário e Periboea. Esperou o marido, Odisseu, por longos 20 anos, enquanto resistia aos invasores de seu lar que desejavam desposá-la e lhe tomar o reino.

O rapto de Perséfone:
Filha de Deméter (deusa da agricultura), Perséfone foi sequestrada por Hades e levada ao submundo, onde comeu uma fruta e, por esse motivo, foi obrigada a lá permanecer para sempre.
Com a ausência da filha, Deméter mergulhou em uma tristeza sem fim, o que gerou a morte das plantas e sementes.
Tentando resolver a grave questão, Zeus decidiu que Perséfone ficaria por 6 meses na superfície, com a mãe (gerando a primavera e o verão) e os outros 6 meses do ano no reino de Hades (o que entristecia Deméter e causava o outono e o inverno).
Com este mito, os gregos antigos explicavam as mudanças de estação.

Avalon:
Ás vezes identificada com o monte Glastonbury, no condado de Somerset, na Inglaterra, a ilha de Avalon era um lugar legendário e encantado. Após tombar ferido na batalha de Canlann (cuja localização exata se desconhece, mas talvez seja na chamada "ponte do massacre", sobre o rio Camel, na Cornualha), o rei Arthur foi levado pelas rainhas da noite para Avalon, para ser curado.

Malory:
Sir Thomas Malory (1508?-1570) foi um aristocrata problemático e de caráter turbulento, responsável por escrever "La Mort d'Arthur" (1485), a versão mais famosa da lenda do rei Arthur.
Malory morreu na prisão.



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