As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos escrita por Aldemir94


Capítulo 14
O Grande Duelo de Magos




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A grama estava verde e fresca, o Sol brilhava majestosamente no céu azul e limpo, as copas das árvores dançavam em meio ao vento sul e nada mais se via naquela paisagem bucólica, além de um pequena casinha de toras, coberta com placas de madeira e rodeada de um modesto, mas bem arranjado, jardim de rosas brancas e vermelhas.

Em um morro verdejante, um rapaz dormia tranquilamente, esquecendo-se das obrigações enfadonhas, dos perigos e, principalmente, da instabilidade que seu país enfrentava: era um jovem Gael, que usava sapatos escuros, calças cinzentas e uma camisa simples amarelada, coberta por um gibão de couro verde (material de excelente qualidade).

De repente, como se ouvisse alguém lhe chamar, o rapaz despertou, ainda que permanecesse deitado: sua pele era clara, seus cabelos curtos e escuros voavam ao vento, suas mãos acariciavam a grama e seus olhos brilhavam com a luz solar, cinzas e profundos.

Não havia preocupação em seu semblante, nem o poderia haver, afinal de contas, poucos podiam desfrutar de momentos tão relaxantes e pacíficos, mas a voz que o chamava persistia, para seu aborrecimento, ao que ele respondeu:

—O que deseja de mim, Arquimedes?

Neste momento, uma coruja com expressão altiva surgiu e pousou em seu ombro esquerdo, começando a falar, sempre mantendo um tom de voz agradável:

—Merlin está nos esperando, vamos até uma nova aldeia.

—Merlin está sempre indo de aldeia em aldeia. Ainda tento entender o porquê disso tudo. – respondeu o rapaz, com voz um pouco cansada.

—Vamos logo com isso, meu jovem. Min também está resmungando com sua demora. Sabe como ela fica ranzinza quando é obrigada a esperar.

—Mas é claro que sei. Ela sempre reclama de tudo, acho que vou fulminá-la com um raio na próxima vez que a vir. O que você acha?

—Não temos tempo para bom humor agora, precisamos nos apressar!

Levantando-se do chão gramado, o rapaz olhou para o céu e começou a pensar no passado (como as pessoas às vezes fazem em momentos ociosos) mas não pôde fazer isso por muito tempo, pois a coruja o apressava o quanto podia, fazendo-o perder a paciência:

 –Arquimedes! Por favor, não é necessário me apressar. Não estamos indo combater as tropas de Vortigern.

—Você já tem 16 anos, Gael, deveria ser mais pontual. – respondeu a coruja.

—Me desculpe, tive pesadelos noite passada, por isso estou um pouco cansado.

A resposta fez a ave ficar em silêncio, pois conhecia a história de seu amigo e entendia o quanto deveria ser difícil ter momentos de sono tranquilos, longe do terror noturno e de outras angústias passadas.

Como se entendesse a aflição da coruja quanto a espera dos amigos, o rapaz preferiu deixar suas reflexões de lado e caminhar em direção ao arvoredo, onde Merlin e Min o esperavam.

“Sempre nos fazendo esperar! Agora vamos precisar passar a noite na floresta de novo!”, resmungou Min, enquanto Merlin respondia “será uma ótima oportunidade para estudar os hábitos dos esquilos; fascinante!”: Merlin ainda era uma jovem entre 16 ou 17 anos (supondo que fosse essa sua aparência real), com um tipo de bata azul com chapéu pontudo, um cordão dourado ao redor da cintura (que prendia um saquinho de couro, uma lâmina dourada e um frasco vazio de 11 cm), cabelos castanhos brilhantes que, em certos momentos, pareciam se tornar tão escuros quanto o manto da noite profunda e olhos castanhos.

Min, por outro lado, era uma moça de aparência comum, a exceção de seus cabelos roxos e vestido rosa, que caiam bem em sua cintura fina…

Só lhe faltava uma expressão amigável no rosto.

“Mais uma visita aos ignorantes! Deveríamos refinar nossos poderes e destruir os bárbaros que oprimem a Britânia!”, dizia Min, com ares de quem apreciaria muito um pouco de violência, mas Merlin partilhava de outra visão:

—Não, a violência só vai gerar mais violência! Quantas vezes vamos discutir isso, Min?! 

—Mas Merlin – questionou Gael – porque continuamos com isso tudo? Sempre usamos nossa mágica para educar as pessoas, mas será que a educação bastará para libertar esta terra do jugo de Vortigern?

—Meu amigo – respondeu Merlin, pacientemente – a educação é libertadora. Se usarmos nosso poder para destruir Vortigern, haverá uma guerra sangrenta pelo poder e logo algum senhor da guerra ignorante vai assumir a posição de rei! Só estaríamos causando mais problemas aos inocentes.

Distraidamente, Merlin pareceu falar para si que “esta terra precisa de alguém instruído para governá-la. Um rei ideal”, enquanto Min limpava o vestido, fazendo pouco caso dos pensamentos de seu amigo.

“Um rei ideal…”, sussurrou Gael, “não seria pura fantasia?”

 

***

 

Séculos se passaram desde que os três feiticeiros tiveram aquele encontro na floresta: tempo suficiente para impérios grandiosos nascerem e desabarem, reis surgirem, descobertas serem feitas pelo homem e o mundo se transformar profundamente.

Roma já não governava o mundo conhecido (em verdade, o poderoso império de Augusto e Nero nem existia mais), os tempos dourados de Arthur haviam ficado nas lendas e a ignorância acompanhou a sabedoria ao longo dos séculos (como tem feito desde Eras remotas), culminando na idade das luzes, revoluções sangrentas e guerras tão devastadoras, que acabaram por deixar os conflitos de Vortigern no esquecimento.

Apesar de tudo, Merlin continuava a ter fé no valor da sabedoria para moldar um líder que guiaria o mundo para tempos de paz duradoura e justiça: em sua barba branca, óculos bem colocados e varinha na mão direita, havia uma forte aura de confiança…

Por isso o mago estava ali, naquele pedacinho do Oregon, defendendo pessoas inocentes daquele que fora, em um passado antigo, seu amigo e aluno.

Aquela altura, Gravity Falls estava em ruínas e as tropas de Gael posicionavam-se ao redor de uma Cabana do Mistério magicamente alterada, enchendo seus ocupantes de preocupação extrema, tendo em vista que dificilmente a cabana conseguiria resistir a um ataque direto.

Madame Min ainda estava na forma de dragão, mas logo voltou a ser humana para enfrentar Gael com sua costumeira falta de decoro:

—Gael, seu idiota malandro! Faz ideia do tempo que perdi por sua causa?! Eu deveria estar preparando minhas poções!

—Ainda há tempo de mudar o caminho, Gael – disse Merlin – retroceder não será vergonha nenhuma.

—Não entende o que estou fazendo, velho amigo? Minha paz será duradoura, porque vem pela espada. – respondeu Gael, sem mudar sua expressão fria.

Na cabana, Mabel segurava seu arco e assistia a conversa dos magos por uma janela, enquanto Dipper folheava o diário 3, em busca de algo que fosse útil naquele momento (o que não viria em um espaço curto de tempo).

Com movimentos de sua varinha, Merlin convocou mais uma tempestade de neve, dessa vez direcionada contra Gael, porém, o mago sombrio não poderia cair ante um truque tão simples, logo, moveu sua mão esquerda em movimento de aceno para dissipar a nevasca.

Madame Min se transformou de novo em um grande dragão roxo e avançou contra Gael, tentando devorá-lo, ao que o mago saltou para a cabeça da criatura e, literalmente, “surfou” em suas costas, até descer no final da grande cauda rocha e estender sua mão direita, lançando contra Min uma rajada de vento tão poderosa, que lançou-a em direção ao edifício da prefeitura.

A grande cabana avançou em direção a Gael, que apontou o dedo indicador esquerdo e, lançando um assustador raio plasmático turquesa (não poderia haver outra forma de descrever aquele ataque fora da realidade), acertou-a em cheio, fazendo surgir uma grande esfera turquesa ao redor da construção e prendendo seus residentes.

“Neste dia farei julgamento sobre os filhos de Gravity Falls, cabeça por cabeça, para limpar a Terra de suas abominações”, disse Gael, mergulhado em seus desejos de ambição, “trevas que ocultam o disco de Febo, trazei ao vosso senhor, Gael, a grande tempestade!”, encerrou o mago.

Neste momento, as nuvens escureceram ainda mais e ventos terríveis sopraram, trazendo trovoadas e descargas elétricas que começaram a atingir edifícios, enquanto os poucos cidadãos que ainda permaneciam na cidade, tentavam correr para a floresta, em desespero.

“Presumo que suas ideias brilhantes já se esgotaram, venerável Merlin”, disse Gael, enquanto, literalmente, voava alto no céu (ficando logo abaixo da redoma mágica de Gravity Falls) para, logo em seguida, descer veloz e, com as duas mãos juntas, marretar o chão como um raio de Zeus.

Com o golpe, do fundo da terra saíram descargas de energia, fogo-fátuo e jatos de lava ardente, que jorrava em abundância, destruindo veículos, árvores e outdoors que anunciavam uma apresentação de Gideon (que, pela publicidade, parecia ser dedicada a Mabel “e seu retorno triunfal”).

Merlin e madame Min avançaram juntos contra seu antigo irmão de batalha, lançando grandes bolas de fogo contra ele, porém, o adversários as repelia com suas mãos, sem demonstrar cansaço ou desejo de reconsiderar aquele caminho sombrio para o qual seu coração enganosos o havia conduzido.

Erguendo novamente as mãos, Gael fez surgir grandes pedregulhos da terra, que logo assumiram formas humanóides e avançaram contra Merlin e Min: três Golens feitos de granito, com cerca de 3 metros cada e chamas esverdeadas que iluminavam os buracos onde deveriam ser seus olhos.

Dentro da cabana, Mabel tentava mirar seu arco no coração de Gael, mas Tristan a convenceu de que o ato seria inútil, considerando que aquela casa estava presa dentro da esfera do feiticeiro malvado e nenhuma flecha encantada poderia atravessá-la.

“Meus irmãos”, começou Tristan, “a situação é insustentável”, ao que Stan questionou:

—É só quebrar essa barreira e então podemos socar a fuça desse bruxo do mal!

—E se estiverem enganados? – perguntou Tristan, com tranquilidade – Gael está em um nível inalcançável, Aethel está morto, nós estamos presos nesta cabana e Merlin já não tem meios de vencer o mago sombrio. Sinto muito, mas a guerra acabou e nós perdemos.

Mabel abaixou o olhar, lembrando-se da cama arrumada, do passeio no shopping, a clareira das fadas e a peça que elas encenaram. E tudo aquilo fez a garota se sentir pequena, vulnerável e sem forças.

Tristan começou a discursar:

—Sinto muito, senhorita Mabel, mas a realidade nos conduz para resultados que serão, por inteiro, desastrosos! Nada pode parar o avanço de Gael, seu exército é imortal e Merlin está prestes a cair. O que poderíamos fazer, senão negociar com o magro sombrio e chegar a um meio termo? Não seria uma rendição, mas um meio de sobreviver.

—Ficou louco, seu anãozinho voador?! – gritou Stan – quer negociar com uma fera, sem ter nada a nosso favor?! O máximo que conseguiríamos seria ceder em tudo, sem ganhar nada, apenas com a esperança de não ser devorado pelo lobo!

—Muito bem falado, Stanley! – disse Ford – não temos nada a ganhar negociando com Gael, além disso, ele destruirá o nosso mundo! Negociar com ele seria, na prática, entregar o ouro nas mãos do bandido.

—Senhores, por favor, precisamos buscar alternativas. Estamos presos e sem defesas! Talvez tudo tenha acabado, só isso, não temos culpa disso. – disse Tristan.

A discussão se estenderia por mais alguns minutos, então Mabel preferiu ignorar a conversa e voltar a atenção para Merlin e madame Min, que já estavam apresentando sinais claros de cansaço.

Gael ordenara que os golens formassem uma barreira contra os dois feiticeiros e avançassem como touro em uma arena, imparáveis e prontos para esmagar tudo que estivesse pelo caminho, porém, Merlin não era um amador e já começava a cantarolar seu higitus figitus para transformar aquelas criaturas de pedra em ursinhos de goma (talvez o gentil senhor desejasse alegrar um pouco Mabel e o restante da cabana, quem pode saber?).

“Porque se coloca diante dos meus desígnios, irmão Merlin?”, dizia Gael, “se curvar a cabeça diante de mim, pouparei seus amigos, tem minha palavra; sabe como ela vale muito mais que a sua. ”, ao que Merlin respondeu:

—Eu lamento por aquele incidente, mas devemos seguir em frente, independente das dificuldades.

—Merlin… seu facínora arrogante! Como tem a audácia de falar algo assim?! Suas palavras são cheias de falsa sabedoria! Caberiam bem a um druida diante de César, tentando salvar a pele, ou aos lunáticos profetas de Kiyoshi!

—Me perdoe, meu aluno, talvez eu tenha falhado com você. Neste caso, meu dever, como professor, amigo e irmão será resgatá-lo dessa insanidade toda: postura de combate, varinha em punhos, olhar centrado no inimigo… Agora defenda-se, Gael!

Com estas palavras, Merlin lançou com sua varinha um turbilhão de flores vermelhas e amarelas, acompanhadas de um maravilhoso som de sinos tão doces, que lembraram os prisioneiros da Cabana do Mistério de que a luz não havia se dissipado por completo.

“Filhos da Cabana do Mistério, não percam as esperanças! Ainda não!”, gritou Merlin,”se vocês estão vivos, tudo ainda é possível! Até nosso dia derradeiro, tenho fé de que Deus intercederá!”, terminou o mago, com aquela expressão especial de um velocista que treinou muito para o dia em que poderia correr a maratona.

Levantando a mão esquerda, Gael formou uma grande fênix inteiramente feita de fogo e a lançou em direção a Merlin, incendiando o pouco que ainda não havia sido consumido pelas chamas anteriores e obrigando o bondoso feiticeiro a erguer uma grande barreira de granito branco, com parreiras de uvas e frutinhas silvestres.

Madame Min bateu as mãos e, no momento em que as abriu, apareceu uma esfera vermelha como as chamas da forja de Hefesto, que ela atirou em direção a Gael, com uma expressão de tamanha satisfação, que fez o sombrio feiticeiro recuar um passo, pois não os entendia.

Qual seria o motivo que levava seus inimigos a não se renderem? Nem Maeve e seus guerreiros poderiam fazer frente a ele! E qual era a razão de a Cabana do Mistério ainda não ter mergulhado no desespero e se rendido, como era o previsto? O que estava acontecendo ali naquele momento?

Juntando as mãos, como se fosse rezar, Gael cuspiu uma chama que cresceu e se prostrou em frente a ale, formando uma onda de quase seis metros que cobriu a rua e parte dos edifícios em ruínas.

A onda varreu a esfera de Min e o muro de Merlin, reduzindo-o a cinzas, embora o velho mago tenha saído sem qualquer ferimento.

Gael olhou para a cabana, com seus prisioneiros e disse:

—Talvez seja preciso algo mais para tornar as coisas um pouco mais… corretas. Merlin e Min, hoje vocês saberão o real significado da palavra medo.

Estendendo o braço esquerdo em direção a cabana, Gael disparou um raio de energia tão poderosa, que atravessou a barreira, fazendo um grande buraco na casa de madeira, que desmoronou no chão, prendendo os residentes, mas sem matar ninguém.

Stan tentou ajudar os outros a sair, Ford machucou a perna direita e Dipper tirou sua irmã do meio dos madeirames e pratos quebrados: os galhos, vigas de madeira, tudo que havia na cabana agora estava em ruínas.

“Isso precisa acabar”, falou Dipper, pegando o punhal do chão e entregando o diário 3 nas mãos empoeiradas de Mabel, que perguntou:

—O que você vai fazer, irmãozinho?

—Mabel… eu amo mesmo esse chapéu. Entregue para a Wendy… já que eu perdi o chapéu dela, hahaha.

Embora estivesse com uma série de escoriações e ferimentos leves na perna direita, Dipper segurava a adaga de Aethel, com expressão séria, prometendo a Mabel que ela não se machucaria mais, pois ele cuidaria dela: seus braços e pernas, seus olhos fixo no mago sombrio, a adaga na mão direita, o punho esquerdo cerrado e a camisa com alguns rasgos; tudo apontando para o que Dipper havia se tornado ao longo daqueles meses tortuosos, desde a queda de Bill e a ascensão de Gael, em síntese, um homem de verdade.

Dipper pensou em pegar o desruptor dimensional de Ford, mas a ideia logo foi esquecida, tendo em vista que a arma devia estar destruída e, supondo que ainda estivesse boa, seria impossível removê-la dos escombros.

Tudo que o rapaz tinha era a adaga e aquele sentimento que habita no coração dos homens e os move em direção do perigo para proteger seus entes queridos.

“Gael!”, gritou Dipper, "está na hora de acertar as contas, seu monstro desalmado!”, ao que Merlin olhou, com surpresa e seu costumeiro olhar gentil, dizendo:

—Entendo o que sente, jovem Pines. Mas não posso permitir que se arrisque mais do que já se arriscou. Por favor, proteja sua irmã e cumpra com o último desejo de meu querido discípulo, Aethel Ryu.

—Me desculpe, senhor Merlin. Mas um homem defende sua família. Por favor, não me mande recuar, porque não tenho como cumprir uma ordem como essa.

—Eu entendo… então venha até aqui, meu jovem, para lutar por aqueles que você ama.

Dipper entregou o chapéu para Mabel e começou a caminhar, quando alguém o abraçou por trás…

Era Pacífica.

“Por favor, Dipper… não vá”, disse a garota, suja pela poeira, fuligem e com alguns arranhões leves, ao que ele se virou e olhou nos olhos da jovem Northwest, com ternura, dizendo:

—Pacífica… nosso mundo está em chamas. Meu coração está batendo como um tambor, acho que estou com medo. Por favor… não me peça para ficar e me proteger. Enquanto Gael viver, nada na Terra estará em segurança.

—Dipper, eu queria dizer… você é um cara legal. Eu não quero ver aquele doido acabar com você, quer dizer, você quer mesmo morrer para alguém que nem sabe se vestir direito? Aquela roupa saiu de moda na idade média!

—Haha… eu sentia falta da sua voz, Pacífica. Ficava pensando em você quase todos os dias, quando voltei para Piedmont… talvez nós dois tenhamos mudado muito desde que nos conhecemos.

—Não faça isso Dipper, ele vai tirar todos os seus sonhos e acabar com você!

—Tirar meus sonhos… isso seria ruim, não é? Fiquei pensando em sonhos para o futuro depois que o Aethel morreu. Acho que ele devia ter muitos sonhos… ou não estudaria tanto… e Gael tirou tudo dele, Pacífica! E veja nossos amigos, o Soos, a Melody, a Wendy… até o Gideon. Eles estão ajudando as esquisitices a saírem da cabana. Eu não consigo acabar com toda essa destruição sozinho… mas será que eu tenho o direito de não fazer a minha parte?

Pacífica ficou em silêncio e olhou ao redor: a cidade em chamas, tal como a Roma de Nero, todas aquelas pessoas incríveis da cabana, feridas e desalentadas, Merlin e Min a beira do esgotamento e Gael com o indiscutível olhar de quem perdeu tudo uma vez e por isso já não tem remorso algum, ainda que seus atos fossem abomináveis.

Dipper tentou caminhar de novo, mas Pacífica o abraçou ainda mais forte, segurando as lágrimas (pois chorar estava além da nobreza de um Northwest) e insistindo para que ele não se arriscasse de novo:

—Esqueceu do hospital? Dipper, você disse que precisa fazer a sua parte. Bom, a minha parte é impedir que você se mate em uma guerra perdida! Sabe, bem… eu… também pensei em você nesses meses… quer dizer, você ainda devia estar usando aquela roupa fora de moda… haha, quer dizer… eu não sou boa com essas coisas. Me desculpe, mas não consigo ir mais fundo que isso.

“Que conversa adorável”, disse Gael, “mas não perderei mais tempo com essas futilidades”, encerrou, disparando uma esfera de fogo em direção a Dipper e Pacífica, que foram protegidos por uma barreira de águas cristalinas, criada pela varinha mágica de Merlin.

“Merlin… homem amaldiçoado! Eu farei você e seus amigos sofrerem!”, vociferou o bruxo das trevas, ordenando que o que sobrou das hostes sombrias, as fadas más, as bruxas e os centauros, avançassem contra a cabana e dessem fim aos protegidos de Merlin.

As criaturas correram, mas foram detidas por uma figura que, até o momento, ficara esquecida por elas: Tristan, com sua roupinha azul, sua pequena espada e seu olhar firme.

Voando próximo a Gael, Tristan clamou ao seu senhor:

—Gael, senhor das sombras, peço humildemente que não faça mal ao mestre Dipper e a sua família. Eles não entendem sua obra nem compreendem seus atos grandes. Por favor, perdoe-os.

—Basta Tristan! – respondeu Gael – Nem um fio de sua cabeça sofrerá o martírio que tenho reservado para esses insolentes, então sugiro que se afaste.

—Senhor… diante de ti, eles são todos crianças. Suplico a vossa misericórdia para com eles. O senhor nos prometeu um mundo novo, sem guerras, sem fome…

—`Prometeu?... Como assim, prometeu?! – perguntou Dipper, se enchendo de fúria quando entendeu a traição de Tristan.

Mabel tentou se levantar e começou a questionar o pequeno voador, quando ele tentou explicar o valor de sua obra:

—Não sou um traidor. Apenas desejava fazer o bem.

—Fazer o bem?! Você levou nosso amigo para a morte e ajudou Gael a destruir tudo! Vou esmagar você com o diário 3, seu mentiroso egoísta! – Dipper falou, furioso.

—Tenho me sentido culpado por aquilo… eu esperava que o rapaz fosse se render e se juntar a nós, quando entendesse as tramoias de Merlin. Nunca achei que Gael o mataria a sangue frio.

Neste momento, uma chama esverdeada acertou Tristan com força, atirando-o em direção a Mabel e deixando-o em péssimo estado.

Gael havia perdido a paciência com toda aquela demora e não estava disposto a demonstrar piedade, nem para seus mais leais servos, já que, em verdade, seu poderoso exército já lhe bastava.

Mabel sentia uma raiva profunda contra Tristan, agora que sabia de sua traição, porém, teve tanta pena do pequenino alado, que o colocou nas mãos, com gentileza, motivando-o a agradecer:

—Obrigado, senhorita. Sei que devem me odiar… me perdoem… quando eu era mais jovem e menos experiente… fugi do refúgio das fadas e voei até o continente. Eu estava tão cheio de curiosidade! Mas o que vi me fez cair… havia uma família vivendo fora da  grande cidade brilhante… eles estavam vestidos com andrajos e esquentavam uma parca refeição na lenha recém colhida. Fiquei tão comovido que voei até meu pó mágico esgotar…

Mabel se atentava ao relato do pequeno traidor, buscando entender os motivos que o levaram a tomar decisões que, para ela, fora tão dolorosas, quando ele prosseguiu, cada vez mais fraco:

—Eu não queria ver cenas como aquela de novo… mas elas se repetiram… de novo… e de novo… quando também tive de enfrentar o vento, a chuva e o frio, já que meu descuido havia me deixado sem pó mágico. Não que eu desejasse voltar ao refúgio… onde todos se comportam como se a mudança de estações fosse a única coisa que importa! Eu era da classe veloz… brincava com os ventos, mas não conseguia soprar esperança no sofrimento. Quando conheci o senhor Gael, ele também desejava erradicar a tristeza…

Antes que pudesse continuar, Tristan ficou inconsciente, sendo carregado por Luna, que o pegou das mãos de Mabel e o levou para perto de Stan e Ford, onde o pequeno poderia repousar, sem preocupações quanto a guerra, traição, magos malvados ou o fim do mundo.

Sem perder mais tempo, Gael estendeu os braços em direção às nuvens escuras e convocou uma chuva de grandes bolas de fogo, que explodiam quando caiam ao chão.

Na prática, Gravity Falls não existia mais, restando apenas vestígios do que um dia foi uma cidade; nem Bill Cipher havia causado tanta destruição naquela cidadezinha do Oregon.

Madame Min começou a rodopiar e, em meio a um turbilhão de névoa, se transformou em um leopardo que expelia raios, pronta para fazer um ataque direto contra Gael, porém, o feiticeiro havia a muito recuperado sua juventude, de modo que foi fácil correr em direção a Min e acertar com a palma da mão o focinho do felino mortal, atordoando-o.

Merlin moveu a varinha e tentou prender Gael com cordas feitas de linho encantado, mas o mago sombrio agarrou-as e enrolou madame Min com elas; para Gael, era tudo uma grande brincadeira.

Pacífica optou por seguir Dipper, já que não era capaz de impedí-lo, mas sem dizer uma palavra ao rapaz, pois não queria enfraquecer-se ou demonstrar ainda mais o quanto a queda de Gravity Falls lhe angustiava.

Apesar de ter tomado sua decisão, a verdade é que Dipper estava com medo, como nunca havia sentido em sua vida desde o estranhagedon, porém, seguiu em direção a Merlin, que perguntou com sua gentileza habitual “está certo disso, meu filho?”, ao que o rapaz respondeu positivamente.

Movendo sua varinha branca, Merlin transformou a adaga de Dipper em uma espada reluzente, com bainha de couro inglês e punho de prata das minas de Galary, onde os metais de inestimável valor viam em abundância, para abastecer o império…

Dipper estava preparado para defender sua família.

“Segure a espada sem raiva, meu jovem”, instruiu Merlin, mas antes que pudesse dar mais instruções, alguém surgiu vestido com uma armadura e elmo dourados: o peitoral era feito de escamas de bronze e ouro (que devia apenas ressaltar o bonito brilho do bronze), as caneleiras e braçadeiras eram de peças únicas de bronze e ouro, o elmo tinha uma aparência que muito se assemelhava a um leão, com sua juba feita de ouro reforçado com bronze e, possivelmente, ferro.

Mabel e Pacífica olharam o estranho guerreiro sem o reconhecerem, mas Dipper não teve dúvidas de quem poderia ser…

Era Björn, que havia assumido sua posição como general de Gael.

Com aqueles olhos frios de sempre, o elfo sombrio olhou Dipper, sem acreditar em sua boa sorte e começou a falar:

—Eu me lembro de você, garoto. Mestre Gael, por favor, me permita enviar este jovem aos deuses.

Com um aceno de Gael, Björn pegou uma lança romana com ponta de ferro e se posicionou a cerca de 20 metros do garoto, que segurava sua espada corajosamente.

"Isto será divertido”, disse o elfo, com um sorriso…


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Notas finais do capítulo

Augusto e Nero:
Augusto (63 a.C. - 14 d.C.) foi o primeiro imperador de Roma e Nero (37 d.C. - 68) foi o quinto. Enquanto Augusto fundou a dinastia Júlio-claudiana, Nero foi o último representante desta dinastia.

Fogo-fátuo:
Luz natural comum em pântanos, brejos, etc., e é causado pela decomposição de matéria orgânica.

Febo:
Filho de Júpiter e Latona, Febo era o deus romano da música, poesia e também o deus do sol, personificando a luz. É o equivalente romano ao Apolo dos gregos.

Hefesto:
Filho de Zeus e Hera, Hefesto é o deus grego do fogo e da metalurgia. É manco por ter se envolvido em uma briga entre os pais, em defesa da mãe. É casado com Afrodite.



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