1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 25
Capítulo XXIII


Notas iniciais do capítulo

Hello, darling ones!
Chegando aqui com mais um capítulo para vocês! Não tenho muito o que falar deste, em particular, só que dei uma adiantada nas respostas de comentários que estava devendo a vocês e pretendo ficar definitivamente quites esse fim de semana, se possível
Boa leitura e espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802467/chapter/25

Londres, 1812. 

 

Khaleesi estava francamente confusa.

O que revelava muita insensatez de sua parte. Afinal, não havia porquê estar dessa forma. Mas era assim que ela sentia-se. E era a primeira vez em muito tempo desde que um sentimento semelhante a dominava a ponto de ofuscar quaisquer outros e nublar sua mente de tal maneira que tornou-se impossível levar sua rotina de maneira natural e tranquila, como tinha ansiado antes de retornar à Londres.

Ela e o Comandante haviam realizado toda viagem de volta trancados na mesma carruagem em silêncio. Mas diferente do silêncio mal-humorado da ida, oriundo da discussão que antecedera a viagem, aquele silêncio era... Desconfortável, de uma maneira diferente. Era um silêncio hesitante, constrangido. Era como se eles mal conseguissem olhar no rosto um do outro depois...

Bom, depois daquilo.

Era dessa maneira que Khaleesi tinha começado a referir-se ao beijo em sua mente; como somente aquilo. Pois, sempre quando o chamava pelo que era, ela sentia-se pendendo de volta às memórias daquele momento... E acabava sentindo-se embaraçada como uma garotinha inexperiente. Por tudo que era mais sagrado, ela podia ser jovem, mas não era mais essa garota! No entanto, tudo o que tinha seguido-se desde seu retorno à Londres parecia indicar o contrário.

Pois é claro que ela continuou evitando o marido a todo custo, depois de chegarem. A consolava minimamente notar que ele parecia também estar evitando-a, mas só um pouco – pois parecia que, quanto mais tentava evita-lo, mas trombava com ele nos corredores da Casa Barclay – ou onde quer mais que fosse, na verdade.

A presença da Duquesa Viúva na casa a dava uma boa desculpa para não encará-lo, ao menos. Ou foi isso que pensou, a princípio. Contudo, no dia em que tinham chegado de sua viagem, após algumas horas de descanso em seu quarto, Khaleesi tinha descido para encontrar a Duquesa Viúva e leva-la às compras, à pedido da própria idosa.

Ela sinceramente não importava-se em acompanha-la – estava criando um verdadeiro carinho pela senhora. Até começara a referir-se a ela, de fato, como “Vovó”, pois sempre que tentava trata-la por qualquer outro pronome, ela lhe repreendia e exigia que a chamasse da maneira adequada à seu parentesco.

Sair de casa também ajudou-a a migrar a mente para pensamentos mais seguros. Ela começou a pensar em cores, tecidos e pérolas, ao invés de pensar em...

Bom, em seu marido. E no que tinha ocorrido entre eles.

Sua mente já estivera dando algumas voltas repetitivas antes mesmo dele beijá-la. No entanto, no momento em que ele pousara os lábios nos seus, de fato, e não os retera somente ali, mas os levara ao redor de todo seu rosto, deslizando-os por sua pele, fazendo sua respiração falhar e seus olhos... Por Júpiter. Seus miolos quase tinham se explodido, então. O que era uma grande tolice, é claro. Pois aquele fora somente um beijo. Só isso. O próprio Aiden fizera questão de destacar que não tinha passado de uma mera formalidade.

Mas esta formalidade em particular tinha virado o juízo de Khaleesi do avesso. Aquela era a única possível explicação para os pensamentos que tivera durante aquele beijo, e as atitudes que andava tendo depois dele, quando próxima a seu marido. Tentou lembrar a si mesma quem ele era; o mesmo homem arrogante, prepotente e gélido que conhecera na sala de sua mãe. O homem que agia como se tivesse o mundo a seus pés, o homem que tinha obrigado a irmã a casar-se com um homem que não amava, o homem que...

A carregara para fora do salão de baile, quando machucara seu pé, e tirara seu sapato para averiguar a condição dele. O homem cuja voz tinha guiado-a para fora de um pesadelo desperto, durante uma tempestade particularmente assustadora, e que tinha aceitado passar a noite com ela, afim de garantir que não mais retornasse àquele estado de terror congelante.

O homem no qual, no dia seguinte, ela jogara um travesseiro. Ela realmente fizera isso? Por tudo que era mais sagrado, ela fizera sim. E ele tinha a provocado, o sujeitinho terrível. E, quando ele partira para fora de seu quarto, ela pegara-se sozinha... Rindo, do quão ridículo tudo aquilo fora, e de tão inesperado. Mais uma vez, ele a tinha provado que tinha senso de humor, em algum lugar.

E então... Ele a tinha beijado. Como nunca teria beijado se o tivesse feito em seu casamento, na Capela. Mas como quis fazê-lo naquele instante, fazendo com que suas pernas transformassem-se em geleia e seus miolos... Bom, em algo ainda mais inconsistente. Pois ela simplesmente não era capaz de conceber o fato desses dois homens supracitados, tão opostos entre si, coexistirem no mesmo corpo.

Devia haver algo de errado. E ela sabia o que era; a mesma razão pela qual ela agora sentia-se como uma chaleira em ebulição sempre que ele estava por perto. Embora detivesse todas as características que Khaleesi mais detestava num homem, pois a lembravam do modo como seu próprio pai agia... Ela sentia-se atraída a Aiden. Terrivelmente atraída. E não havia porquê mais negar este fato, em particular, embora ela tampouco estivesse contente em admiti-lo.

Pois atração era a última coisa que esperava. E a última coisa que desejava. Quando idealizara sua relação com seu marido, suas expectativas tinham girado em torno de uma aliança confortável, que os permitiria viver suas vidas de maneira minimamente harmoniosa, embora nunca apaixonada. Khaleesi sabia que jamais seria capaz de amar um homem como Aiden Gillingham. No entanto, nutrira a esperança de aprender a viver com ele, e quem sabe encontrar alguma alegria no futuro que teria como sua Duquesa...

Todas suas tentativas de dar mais um passo em direção a este caminho, contudo, tinham falhado em seu objetivo principal. Mas parecia que tinham conquistado algo; Atração. Atração não era nada perto do que realmente queria, mas ainda era algo. Ela não tinha pensado devidamente nisso ainda, pois não ousara almejar tanto, mas se fosse de fato passar o resto de sua vida ao lado daquele sujeito, e gerar os filhos dele...

Bom, não seria de todo ruim que se sentisse atraída por ele.

Ainda assim, aquilo não parecia correto. Pois não fazia sentido. Como ela poderia sentir-se atraída por ele? Por ele? Ia de encontro a tudo que ela sabia sobre si mesma, sobre os próprios ideais e crenças. Aiden Gillingham podia ter suas qualidades, mas ele ainda era um soldado inglês até os dentes, e um Duque cujo sangue só não era mais azul que a própria família real britânica; a mesma família que tinha dizimado a terra natal de Khaleesi, por absolutamente nenhuma razão digna.

Além disso, Aiden era o completo oposto do que Khal considerava atraente num homem. Ele não era nada como Erik. Eles eram tão opostos como o sol e a lua, tão opostos quanto a própria Khaleesi e o próprio Erik tinham sido, de certo modo. Aquele era um dilema enlouquecedor, que estava começando a ameaçar enlouquece-la, de fato.

Mas durante o começo daquela tarde, ela quase esqueceu-se disso. Quando voltou com a Duquesa Viúva para a Casa Barclay, todos esses pensamentos tinham afastado-se de sua mente, substituídos por uma aura de tranquilidade terna e confortável. No entanto, esta tranquilidade não durou muito. Pois quando as portas da mansão abriram-se, o protagonista de seus transtornos estava de pé, no saguão, como se estivesse à espera delas.

— Ah, Aiden, meu querido. — adiantou-se a Duquesa Viúva ao vê-lo, dando seus passinhos de passarinho até ter o rosto do neto entre suas mãos nodosas. — Meu garoto, esteve nos esperando todo esse tempo?

O Comandante relanceou um breve olhar a Khaleesi antes de responder a avó:

— Não, vovó. Acabei de deixar a biblioteca e ouvi o som das rodas da carruagem, por isso decidi parar. Teria sido rude continuar como se não as tivesse escutado.

— Ah, mas isto é excelente! — a idosa exclamou. — Pois, estando todos reunidos, podemos nos servir juntos de uma xícara de chá, não? Afinal, a tarde está quase no fim, e estes meus ossos gelados precisam cada vez mais de algo para aquecê-los.

Aiden pareceu hesitar, mas Khaleesi cobriu-o, ao dizer:

— Seria muito agradável, vovó. Mas não queremos atrapalhar o Comandante em seus deveres, queremos?

O homem mencionado franziu o cenho.

— Eu não disse que estava ocupado.

Khaleesi imitou sua expressão, o que fez com que ele torcesse o nariz ligeiramente. O gesto teria sido engraçado, se Khal não estivesse tão ansiosa pela perspectiva de estar na mesma sala que ele por mais de um minuto novamente. Mas ah, quão ruim poderia ser? A Duquesa Viúva também estaria lá, afinal. Ela os manteria suficientemente distraídos.

— Seria muito agradável, então, vovó. — Khal declarou, suavemente, em direção à idosa, que ficou imediatamente radiante.

— Ora, seria sim. — a antiga duquesa concordou. — No entanto... Devo dizer que estou completamente esgotada com toda a empolgação das compras. E outra longa jornada me espera amanhã. Lilibeth convidou-me para passar o dia com ela. Realmente preciso descansar tranquila, em meus aposentos, esta tarde. Além do mais, um quarto tão esplêndido e uma cama tão confortável não devem ser desperdiçados. Mas isso não deve impedi-los de desfrutar do chá.

— Vovó... — o neto começou a dizer.

— Afinal, — acrescentou a idosa, sorrindo placidamente. — vocês não precisam mais de companhia, meus netos, certo? São um homem e uma mulher casados.

Ela estava fazendo de propósito. Khaleesi notou isso, e aparentemente, o Comandante também. De repente, Khal recordou-se da conversa que tinha tido quando a conhecera, na casa de Morgan. Teria a Duquesa Viúva esperanças de que algum tipo de romance florescesse entre eles, tal como florescera entre ela e seu finado marido?

Pelo modo como Aiden parecia pouquíssimo satisfeito ao encará-la, Khal podia apostar que a resposta para suas suspeitas era afirmativa. Era só o que ela precisava para completar aquele circo caótico, um maldito cupido! A senhora os encarava com olhos perspicazes e cintilantes, como um pequeno e velho corvo enrugado.

Mas Khaleesi também conseguia ser bastante astuta quando queria. E bastante covarde, também.

— Ah, — exclamou, com uma interpretação que teria rendido-lhe uma salva de tomates podres, se estivesse num palco. — tinha esquecido-me que já estou comprometida com um chá da tarde em outra companhia.

— E qual seria? — Aiden perguntou, parecendo repentinamente ansioso.

A Duquesa Viúva estreitou os olhos em sua direção, desconfiada. Khaleesi abriu seu sorriso de animação mais convincente e disse o primeiro nome que veio-lhe à cabeça:

— Morgan, é claro. — acenou com a cabeça, como se isso fosse fazê-la soar menos mentirosa. — Morgan convidou-me para tomar chá com ela.

— Não lembro de ter visto nenhuma missiva direcionada a você, mais cedo. — o Comandante comentou, vaga e distraidamente. Estaria ele provocando-a de propósito? Não era possível que ele não notasse o quão desesperada estava para evitar sua presença.

Khaleesi fulminou-o com o olhar:

— Isto é porque ela convidou-me antes de viajarmos, informalmente. Ah, o que estou fazendo? Já devo estar atrasada! — a dinamarquesa inclinou-se e depositou um beijo na bochecha enrugada da Duquesa Viúva. — Obrigada por mais cedo, vovó... — quando voltou-se na direção de Aiden, ele soergueu as sobrancelhas... Mas Khal somente acenou em sua direção. — Até mais tarde, Aiden.

Foi só quando voltou-se novamente na direção da carruagem da qual tinha acabado de sair, sinalizando para que o cocheiro assumisse novamente seu posto, que Khaleesi notou que o tinha chamado pelo nome. Enquanto subia as escadas do veículo, pôde ouvi-lo retrucar, atrás de si:

— Até mais, Khaleesi.

Quando Khaleesi apareceu de frente à porta da Casa Beaumont, Morgan não fez com que fosse embora por vir sem avisar previamente... Contudo, uma pergunta formou-se em suas sobrancelhas ligeiramente arqueadas, uma pergunta a qual Khal respondeu simplesmente com:

— Eu precisava vê-la.

E isso era verdade. A dinamarquesa só notou o fato no momento em que repousou os olhos sobre o rosto familiar de sua cunhada. Ela precisava vê-la, não só para sustentar a mentira que levantara afim de fugir do marido, mas também pois Morgan era, possivelmente, a única pessoa capaz de ajuda-la a espairecer parte da névoa de confusão que dominava sua mente ultimamente.

Pois Morgan era, provavelmente, a pessoa que melhor conhecia seu marido. Ela certamente o conhecia melhor que Khaleesi, e ela suspeitava que também o conhecia melhor que a avó deles, e até mesmo que a própria mãe de ambos. Pois a primeira parecia muito imersa na adoração que evidentemente nutria pelo neto, e a segunda não poderia ser mais distante nem se fosse uma parenta de segundo ou terceiro grau.

Sim. Morgan era a pessoa que melhor devia conhece-lo. E se ela o conhecia bem assim, era a melhor pessoa para ajudar Khaleesi a preencher as lacunas vazias que compunham a persona daquele homem com o qual casara, mas sobre o qual não sabia quase nada. É isso, não sei como não pensei nisso antes. Além de ter o conhecimento, Morgan era ainda infinitamente mais acessível que a fonte em si.

Por esta razão, quando viu-se sentada com ela numa das salas de chá da Casa Beaumont, Khaleesi não hesitou ao ver diante de si a oportunidade que por tanto tempo esperara:

— Precisamos falar sobre Aiden.

A Condessa voltou a erguer as sobrancelhas claras daquele modo delicado com o qual performava todas suas expressões e gestos. Contudo, no instante seguinte, elas voltaram a cair, pesadas, sobre seus olhos e ela inclinou-se ligeiramente para a frente ao indagar:

— Por quê? Ele destratou-a de alguma forma?

Khal foi pega de surpresa pela pergunta e pela intensidade com a qual foi feita. Mas balançou a cabeça prontamente em resposta.

— Não. — garantiu. Muito pelo contrário, na verdade. E este é o problema. — Não, ele não me destratou de nenhuma forma.

Sua cunhada voltou a acomodar-se, então, na poltrona de veludo azul em que se sentara. Ela acomodou-se, ergueu o rosto... E esperou. Khal hesitou por um instante, refletindo em como poderia explicar a ela de uma forma que a situação não se tornasse constrangedora para nenhuma das duas, no entanto, não parecia que ela poderia oferecer qualquer coisa a não ser...

A verdade. Se quisesse de fato ajuda de Morgan, Khaleesi precisaria oferece-la a verdade, por mais embaraçosa que pudesse ser.

— Ele me beijou. — declarou, por fim, num fôlego só.

Sua declaração foi seguida de um breve silêncio. Morgan esperou um instante a mais, como se esperasse que fosse acrescentar algo mais, mas quando ficou claro que Khal não o faria, ela disse:

— E...?

A dinarmarquesa comprimiu os lábios. Sentia-se ansiosa como uma menininha que fora beijada pela primeira vez e estava confidenciando o fato a uma colega. O que definitivamente não era sua realidade. Como ela deveria estar parecendo estúpida naquele momento.

—... E... — concluiu, lentamente. —... Ele não tinha...

Morgan ergueu as sobrancelhas pela terceira vez num espaço de menos de dez minutos.

— Ah. — murmurou. Então franziu o cenho. — Ah.

Khaleesi olhou-a com cara feia. Espantosamente, os lábios da inglesa tremiam ligeiramente, como se ela estivesse tentando segurar o riso. Ela levou a xícara de chá aos lábios para contê-lo.

— Isto é inesperado. — acrescentou, depois de ter dado uma golada generosa na própria bebida. — Mas não exatamente surpreendente.

— O que quer dizer com isso?

A mais velha dispensou o fato com um gesto de mão.

— Diga-me, como posso lhe ser útil? — perguntou. — Imagino que já tivesse sido beijada antes? Mas se esta foi a primeira vez que meu irmão a beijou, isso provavelmente quer dizer que vocês ainda não...

Morgan.

— Me perdoe. Eu só não consigo crer que estou tendo esta conversa com outra mulher adulta que já está casada há mais de um mês. — a loura repousou a xícara de chá na mesa de centro, com um ar um tanto divertido. Khaleesi não se lembrava de tê-la visto tão engraçadinha daquele jeito antes. Ela realmente deveria estar parecendo muito patética, para despertar aquele tipo de reação em Morgan.

Era melhor que ela acabasse o mais rápido possível com aquela conversa.

— Eu quero saber mais sobre Aiden. — declarou. — Digo, sobre o Comandante. Conheço sua personalidade, e sei alguma coisa sobre a relação dele com você, com a mãe e com a avó... Também sei algo sobre seu tempo na Península. Como pôde não me dizer, Morgan?

Não precisou especificar sobre o que estava falando. A Condessa pareceu ler em seus olhos. A voz de Kishan voltou a ecoar na mente de Khaleesi, assombrosa; Problemas de cabeça. Morgan voltou a captar a xícara de chá e a beberica-la.

— Não era minha história para contar. — disse. — E você descobriria, no tempo devido.

— Há algo mais sobre isso que eu deva saber?

— Talvez haja. Mas o que sei é tudo o que você sabe.

— Impossível.

— Como? — Morgan retrucou. — Acha que, por ser irmã de Aiden, estou em alguma posição privilegiada? Se é isso que acredita, então certamente não entendeu como funciona nossa relação, Khaleesi.

— Sei que vocês não são próximos como eram. Mas você conviveu com ele, você o viu crescer e depois... — Khaleesi balançou a cabeça antes de concluir, baixinho: — Foi traída por ele. Eu ainda não consigo crer que ele tenha feito aquilo.

— Você não compreende, Khaleesi. — Morgan retrucou, balançando a cabeça de volta. — O homem que tanto condena é o bebê que peguei no colo quando tinha apenas cinco anos. Mesmo sendo muito nova, no momento em que minha mãe deu-me aquele embrulho quente e choroso, eu soube que o que eu estava carregando em meus braços era o mundo. Talvez não meu mundo, mas tudo o que fazia meu mundo bom.

Mais uma prova de que ele não a merece, Khaleesi pensou. Aiden tinha uma irmã devota a ele, e ainda assim, tinha feito o que fizera a ela... Em nome do dever, ele dissera. Mas como o dever poderia ser mais importante que a felicidade de uma irmã? Como ele poderia ter feito aquilo com ela, sem mais nem menos? Como podia dormir em paz sabendo o sofrimento que tinha causado a ela?

Khaleesi não duvidava que Morgan estivesse satisfeita com a vida que tinha hoje. Mas isso não alterava a gravidade dos atos de seu irmão. O homem que consolara Khaleesi durante seu pesadelo na tempestade, que a defendera de seu pai e que a beijara daquela forma tão terna jamais teria feito uma coisa dessas à irmã... Mas o que Khaleesi sabia, de fato, sobre aquele homem? Conhecia seu presente, pois fazia parte dele, e provavelmente conheceria seu futuro...

Mas e sobre seu passado? Sua história? Eles eram tão importantes quanto todo o resto, quiçá mais. Pois talvez fossem a chave que estivesse faltando para que ela desvendasse aquele enigma com o qual se casara. Era por esta razão que fora até Morgan, afinal. Khaleesi precisava de mais pistas se desejasse encontrar aquela chave.

Como se pudesse ler sua mente, Morgan continuou seu monólogo, intensamente:

— Eu estava lá quando nosso pai morreu, e eu vi o que fizeram a ele, e eu... — mas ela interrompeu-se, então, fechando os olhos como se tivesse se arrependido de continuar sua fala.

No entanto, Khal não a deixaria escapar fácil assim.

— Quando fizeram o quê a ele?

Morgan hesitou novamente.

— Morgan. — chamou-a. — Me diga, o que aconteceu quando o pai de vocês morreu?

Ela parecia fingir não ouvi-la, enquanto começava a mordiscar o lábio inferior ansiosamente.

Morgan.

— Esta não é minha história para contar. Eu já disse a você. — ela respondeu, por fim, voltando-se novamente para Khaleesi e encarando-a fixamente. — Pergunte diretamente a ele, se desejar saber.

Khaleesi soltou um longo suspiro.

— Você sabe que ele nunca...

A porta da sala de chá abriu-se, então. Khaleesi mal ouvira a batida nela, nem tampouco notara o momento em que Morgan murmurara, para quem quer que estivesse do lado de fora, convidando a pessoa a adentrar.

Antes de Ophelia Wright juntar-se a elas e o rumo da conversa mudar drasticamente, no entanto, Khaleesi pensou ter ouvido Morgan murmurar um “sinto muito” em sua direção.

 

Invernesshire, 1812.

 

Após o primeiro jantar com seu anfitrião, a família de Isabella pareceu ficar um pouco mais à vontade, e começaram a buscar maneiras de aproveitar e explorar os encantos de Stirling – cada um à sua própria maneira.

Pedro e Papá pareceram muito interessados em conhecer mais da propriedade e de sua região – em especial os campos aptos para caça. Eles foram solicitar ao Conde a permissão para caçar alguns de seus cervos, o que Griffith lhes cedeu alegremente, mas quando o convidaram para acompanha-los, ele precisou recusar o convite.

— As caçadas a cervos exigem muita caminhada, — ele explicou, abrindo um sorrisinho sem jeito. — caminhadas que precisam ser feitas a pé e de modo silencioso, para não espantar os animais. Infelizmente, ficar de pé e ser silencioso não são minhas maiores qualidades.

Pedro e Papá pareceram bastante arrependidos de não ter notado a obviedade daquele fato, e tinham olhado seu anfitrião com um misto de culpa e pena. Isabella não soube dizer se Griffith percebeu aqueles olhares. Às vezes, ela achava que a única maneira de enfrentar algumas coisas era fazer de conta que não as notava.

Os dois caçadores acabaram conseguindo arrastar Carlos junto com eles. Mamá e Vivian recusaram educadamente a participar na aventura, visto que tinham armado acampamento na única sala de chá que o Conde detinha em seu castelo. Henrique, por sua vez, encontrou um esconderijo para si mesmo na biblioteca de Griffith, que ficava no térreo, onde ficaria de fácil acesso para ele.

Isabella ouviu dos criados que todo o castelo fora mudado e adaptado depois que o Conde tinha se tornado seu detentor. Muitos dos cômodos tinham sido levados para baixo – ao menos, aqueles que eram do interesse e uso comum do Conde. Os que não eram, como a sala de chá e os quartos de hóspedes, ficavam nas altas torres do castelo. Ninguém os acessava além da criadagem. E agora, é claro, a família de Isa.

A própria espanhola não sentiu-se muito inclinada a se juntar a nenhum dos grupos; nem aos caçadores, nem às senhoras nem ao leitor. Dessa forma, quando todos pareciam entretidos em seus próprios afazeres, ela deu a desculpa de que usaria a tarde para tirar uma sesta e escapuliu junto com Griffith e seu valete para fora do castelo.

Fora do frio e longe da multidão, o Conde parecia um pouco mais animado. Começara a olhar ao redor, em vez de retirar-se novamente para seu mundo solitário, como estivera fazendo ultimamente. Griffith tinha esforçado-se em continuar jantando todas as noites com seus convidados, e vez ou outra ele até chegara a acompanha-los depois; para a sala de leitura, quando Mamá obrigara Isabella a ler para eles, ou então para seu escritório pessoal com os cavalheiros, dentro do qual eles... Bom, provavelmente faziam coisas masculinas, como beber uísque ou algo parecido.

Mas só de olhá-lo Isabella era capaz de dizer que isso estava lhe custando muito, embora ele parecesse gostar da companhia de sua família. Na noite anterior, Isa o tinha flagrado observando as interações barulhentas entre os convidados silenciosamente. Ele somente ficara os olhando... Como se não estivesse acostumado a estar rodeado de tantas pessoas. E, diferente do que Isa esperara, a sensação parecia deixa-lo confortável.

O que não mudava o fato de que as interações eram cansativas, para ele. Pois significavam que ele teria de se mover, e ele se recusava a usar a cadeira de rodas na frente de seus convidados, de modo que sempre estava com as muletas, que exigiam muito mais dele que a cadeira. Naquela tarde, no entanto, como estava somente na presença de Isaac e de Isabella, ele tinha dado-se por vencido.

Isaac levou sua cadeira de rodas até o lado de fora, e Isabella forrou a manta que tinha pego nas cozinhas no chão. O valete tirou seu patrão da cadeira e o deitou encostado nas almofadas que a espanhola trouxera. Então Isaac foi para a frente de Griffith, segurou suas pernas e começou a levantá-las até o peito dele, e abaixá-las em seguida, enquanto Griffith permanecia deitado, seu rosto voltado para o céu, seus braços estendidos como se estivesse tomando um banho de sol.

— Por que estão fazendo isso? — Isa perguntou, após um minuto.

Griffith abriu um único olho para olhá-la.

— Embora não sirvam para nada, essas pernas precisam ser exercitadas.

— Para manter a forma?

— Sim, Isabella, a razão pela qual eu me proponho a essa situação humilhante é para manter minha boa aparência, é claro.

Ignorando o sarcasmo, a espanhola observou atenta Isaac continuar repetindo os movimentos, com expressão fechada. Desde que tinham saído, o valete não oferecera se quer um olhar para seu patrão. Ele continuava fazendo seu trabalho com muita praticidade, mas mesmo Isabella era capaz de sentir o gelo que estava criando uma barreira entre eles. Teriam eles brigado? Se sim, qual teria sido o motivo?

Achou indelicado perguntar diretamente o que tinha acontecido, por isso optou olhar o valete com solidariedade e dizer:

— Não sei como você o suporta todos os dias.

Foi Griffith quem respondeu, ironicamente:

— Nós somos almas gêmeas, por isso nos suportamos.

A provocação por fim pareceu ser o suficiente para Isaac responder, num resmungo:

— Prefiro pensar que minha alma gêmea é uma bela mulher, que aguarda o momento em que a encontrarei, e não um maldito aleijado cabeça-dura.

— Alto lá! — Griffith exclamou. — E aquela filha de comerciante? Não seria ela a escolhida? Ela é bonita, decerto.

O valete fez uma careta.

— Sim. — disse. — E se encaixa muito bem nos meus braços. Mas é só isso que vou conseguir, infelizmente. Aquela ali quer se casar, tenho certeza absoluta.

O patrão encarou seu serviçal com divertimento:

— E?

Isaac soltou as pernas do seu senhor e começou a massagear suas panturrilhas.

— Não estou com pressa. — o valete retrucou. — Talvez eu me canse dela. Talvez ela se canse de mim. E talvez eu comece a pensar que, se a única forma de levantar as saias dela for casando... Bem, ainda não cheguei a esse ponto, e se eu for um bom menino e fizer todas minhas orações à noite, nunca chegarei lá. Mas ela tem um jeito bastante provocante de balançar os quadris.

Então ele fez uma pausa, talvez lembrando que Isabella estava ali, virou-se e emendou, num tom de desculpas:

— Perdão, senhorita Ortiz. Não deveria usar essa linguagem próximo a você.

À frente dele, Griffith já estava sem ar de tanto gargalhar.

— A questão é, Isabella, — o Conde disse, quando sua risada cessou. — que desde que começamos essa viagem, Isaac está evitando responder qualquer pergunta minha que ele não possa responder com “sim” ou “não”. Isaac, meu caro, desse jeito você vai cortar a circulação para os meus pés.

O valete, que tinha voltado a assumir a mesma expressão fechada de antes, diminuiu um pouco a intensidade com que estava massageando as panturrilhas do Conde.

— Me perdoe, milorde. — murmurou, friamente.

— Ah! — Griffith exclamou. — Temos um avanço. De “maldito aleijado cabeça-dura”, fomos para “milorde”. Acho que é um começo, não concorda, Isabella?

A espanhola inclinou um pouco a cabeça para o lado, mas não disse nada. A última coisa que queria era ser alvo da fúria assassina que emanava do valete naquele momento.

— Vou precisar de um chapéu. E que você coloque minhas muletas na parte de trás da cadeira. — O Conde continuou, em direção ao criado. — Você não acha que vai chover, vai?

Uma pausa. Provavelmente enquanto Isaac pesava o quanto aquela atitude desaforada lhe renderia de prejuízo em seu salário.

— Não, milorde.

— Não vou precisar de companhia até o vilarejo. A Isabella aqui vai me ajudar com a cadeira.

Outra pausa. Dessa vez, acompanhada por um breve olhar lançado na direção de Griffith. Isa não soube interpretar aquele olhar, mas ele não parecia nada contente.

— Sim, milorde.

— Nós vamos até um vilarejo? — Isabella perguntou, confusa.

— Vamos sim. — Griffith retrucou. — Há um vilarejo aqui perto do castelo, com alguns poucos moradores e moradoras. Você vem?

Embora inesperada, aquela definitivamente parecia uma ideia mais atraente do que voltar para o Castelo e realmente tirar uma sesta.

— Você disse que tem moradoras, lá. Posso levar algo para elas?

O Conde deu de ombros.

— Se quiser. Embora eu não saiba...

Mas antes que ele terminasse, a espanhola já tinha se posto de pé e corria de volta ao Castelo de Stirling. Alguns minutos depois, os dois voltaram a partir – sozinhos – na direção em que Griffith indicou que ficaria o vilarejo. Isabella foi empurrando sua cadeira de rodas pela estrada de terra batida, a animação duelando com o temor de ser descoberta.

Ela não achava que Isaac, por mais bravo que estivesse, iria dedurá-los. Mas eles ainda poderiam acabar se cruzando com Papá, Pedro e Carlos, e a última coisa que Isabella queria era ser pega sozinha com Griffith e ter de explicar aos outros algo que... Bom, não deveria precisar de explicação. Griffith não parecia dividir suas preocupações, no entanto.

Durante todo o trajeto, ele começou a falar algumas coisas sobre o vilarejo e sua história. Ele contou a Isabella que os homens do vilarejo tinham partido à serviço do exército de Vossa Majestade, e nenhum deles tinha retornado. Dessa forma, o vilarejo ficara aos cuidados dos velhos demais, das mulheres e das crianças. Se não fosse pelos suprimentos que o Castelo enviava a eles periodicamente, era certo que não teriam resistido ao último inverno.

Assim que eles entraram no campo de visão do vilarejo, um trio de terriers apareceu correndo para recebê-los.

Os cães latiram perto das saias de Isabella quando eles se aproximavam de um agrupamento de cerca de uma dúzia de cabanas de pedra com telhado de sapé enfileiradas ao longo da margem do rio. No alto da colina, garotos que olhavam as ovelhas se viraram para observá-los. De uma das casas escuras ao longe, vinha o choro agudo de um bebê.

Ao se aproximarem do povoado, Isabella inclinou-se um pouco mais para baixo, para perto do rosto de Griffith.

— Escute aqui, essas pessoas provavelmente vão ficar com medo assim que nos virem. — sussurrou.

— Com medo de você?

— Não, de você. — ela retrucou.

— De mim? — Griffith franziu o cenho. — Não acho que eu pareça muito ameaçador, Isabella, confinado a essa cadeira. Sou só um homem inglês que não tem controle sobre metade do próprio corpo.

— É por isso que eles ficarão assustados. — Isa disse. — Meu pai me contou sobre a Escócia. Os escoses foram duramente tratados pelos ingleses, não?

— Esse é um imenso eufemismo. — Griffith fungou. — Os ingleses forçaram os escoceses a lutarem em suas guerras, com uma promessa de paz e recompensas em troca. Mas quando os escoceses voltaram do campo, aqueles que voltaram com vida, no caso, descobriram que suas vilas tinham sido desalojadas, suas terras roubadas, suas casas queimadas e suas famílias forçadas a procurarem outro lugar onde viver*.

Isabella encarou-o em choque. Não tinha ideia da extensão da barbaridade que havia sido armada contra aquele povo. Mas não estava exatamente surpresa. Ela conhecia a sensação de perder o próprio lar devido a guerra, embora sua família tivesse tido a oportunidade de levar consigo o suficiente para recomeçarem em seu novo país.

Ela duvidava que essa opção tivesse sido oferecida a qualquer um dos escoceses.

— Acredite em mim, — Griffith concluiu. — eu sei mais do que ninguém que a Escócia é um lugar na terra em que ninguém jamais verá um homem inglês com bons olhos. Ainda mais um ex-soldado. Ao menos você trouxe presentes. O que arranjou?

—  Alguns doces e balas de marzipan para as crianças. Pacotes de frutas e uvas-passas. Mas, principalmente, alguns vestidos e cosméticos meus. Mamá renova os estoques antes mesmo que eu consiga terminar com o último, e preciso que alguém use tudo isso, pois eu nunca conseguirei usar.

Ele ergueu as sobrancelhas ironicamente.

— É isso que você trouxe?

— Mulheres são mulheres, Griffith. Toda jovem precisa de cuidados e merece a oportunidade de se sentir bonita de vez em quando.

Antes que ele pudesse respondê-la, os ocupantes mais novos das casas saíram correndo na direção em que eles vinham. Logo as crianças estavam reunidas ao redor deles, saltitando em círculos perto da cadeira de rodas de Griffith:

— Senhor Shawcross! Senhor Shawcross!

O Conde lançou um olhar lânguido para a espanhola:

— O que você tinha dito mesmo? Que eles teriam medo de mim?

Ele enfiou a mão na cesta que Isabella tinha trazido e tirou um punhado de doces, que distribuiu pelas mãos das crianças ansiosas.

— Você poderia ter mencionado que elas já o conheciam. —  Isabella falou.

— E estragar seu sermão informativo sobre os traumas da Escócia?

Ela meneou a cabeça. Aquele malandro.

— Olá, Edmund. — Griffith inclinou-se um pouco em direção a um garoto com uma cabeleira ruiva farta que não devia ter mais de três anos de idade. — Como está sua cicatriz, rapaz?

O menino levantou a manga da camiseta e Griffith analisou criticamente uma fina marca vermelha no braço pálido dele.

— Parece bom para mim. — o Conde disse. — Pegue um doce com a senhorita aqui ao lado, sim? Será sua recompensa por ser um homem tão corajoso. Ouvi dizer que sua mãe está grávida, não é? Chame-a aqui e diga que temos algo para ela, também.

Enquanto o menino se afastava, Isabella olhou para o homem a seu lado:

—  Aquela era uma marca de vacina. — observou.

Griffith aquiesceu.

— Visitei este povoado algumas vezes desde que tomei posse do castelo. Quando descobri que nenhuma das crianças havia sido vacinada contra varíola bovina, encomendei o material do Dr. Jenner*. A vacinação foi feita há cerca de um mês.

Bella já notara que, embora alegasse detestar pessoas de modo geral, Griffith tinha certo dom com crianças. Observá-lo ali, com os filhos dos arrendatários, somente confirmou esta sua suspeita. E o que era mais chocante: ele se quer parecia notar. Provavelmente não percebia esta característica em particular que detinha e, se o confrontasse, sabia que ele a negaria.

Imaginou como Griffith agiria com um filho de seu próprio sangue.

— Eu esperava construir uma escola este ano. — ele continuou, alheio aos pensamentos elogiosos que brotavam na mente dela naquele momento. — Mas acredito que terei de deixar o projeto para o próximo ano. Se começar agora, o inverno forçará as obras a pausarem. E quero que este projeto seja finalizado o mais rápido possível, após iniciado.

Um grupo de jovens começou a se aproximar, após passarem um minuto ou dois olhando-os de longe, como se estivessem incertas se deveriam aproximar-se ou não. Elas sussurravam e davam risadinhas entre elas. Logo outras se juntaram. Parecia que toda população do vilarejo estava saindo para cumprimentá-los.

— Esta é a senhorita Isabella de Ortiz, — Griffith declarou, indicando Bella. — ela trouxe algumas coisas para vocês. Vestidos, foi o que ela disse, e algumas coisas engarrafadas que eu teria medo de pôr na pele, em seu lugar.

Apesar do desencorajamento de Griffith, a palavra “vestidos” pareceu atiçar as mulheres, como Isa esperava. Toda mulher gostava de coisas bonitas, independente de qual fosse. Elas pegaram os frascos que Bella as ofereceu e examinaram os potes de creme, conversando e rindo entre si. A maioria conversava usando um gaélico escocês gutural, mas algumas arriscaram algumas palavras em inglês para agradecerem a Isabella.

Isa destampou uma garrafa de água de colônia e estendeu para que uma moça de cabelo acobreado sentisse o aroma. Depois de inspirar com cuidado, a jovem riu e continuou sorrindo, dizendo algo em gaélico na sequência.

— O que ela disse? — Bella perguntou a Griffith.

Flùraichean fiadhaich. — ele repetiu. — Ela disse que este é o seu cheiro. Disse que você cheira como as flores silvestres que nascem na campina.

Isabella riu, deliciosamente surpresa.

— Eu não sei de que flores ela está falando, — falou. — mas diga a ela que estou lisonjeada.

Griffith traduziu as palavras de Isa da melhor maneira que pôde: ele fazia pequenas pausas entre uma frase e outra, como se pensasse em quais palavras usar, mas de modo geral seu gaélico soava muito bom para Isabella, que não sabia absolutamente nada da língua.

A jovem riu novamente e, pegando Isabella totalmente de surpresa, a envolveu num apertado abraço antes de soltá-la e sair correndo de volta para dentro de uma das casas.

— Ela gostou de você. — Griffith declarou. — Acho que você fez com que ela se sentisse bonita.

— Eu também gostei dela. — murmurou Isa.

— Não se preocupe. — ele disse. — Provavelmente terá a chance de vê-la de novo em Beltane.

— Beltane?

— Primeiro de maio. — o Conde esclareceu. — É uma festividade tradicional na Escócia, que remota aos tempos pagãos. Esse ano, estavam muito preocupados com as colheitas, por isso não conseguiram realiza-la na data exata. Mas não acredito que deixarão passar. Eles provavelmente farão uma fogueira e haverá dança. Você poderá vir, se quiser.

— Você tem certeza? Não seria muito invasivo?

— Depois de ter dado a elas todos esses presentes? Aposto que elas a receberão como se fosse parte da comunidade há anos.

A ideia de participar de um festival estrangeiro era bastante interessante, Isa não podia negar. Ainda mais considerando que haveria dança. Mas ela tinha uma ideia melhor ainda, que superava em muito aquela perspectiva.

Olhou para Griffith:

— Por que você não dá uma festa?

Ele encarou-a, franzindo o cenho.

— Eu pareço alguém que está acostumado a organizar festas, Isabella? Festas pagãs, ainda por cima?

— Você não é exatamente um exemplo de benignidade cristã. — a espanhol retrucou. — E por que não? Convide-os para o castelo. Deixe que eles comemorem Beltane com você. Já os deu vacina e pretende dá-los educação, não? Para fazer parte deles, não acha que também deveria compartilhar de suas festividades?

— E quem disse que quero fazer parte deles? — ele rebateu. — Você está interpretando mal minhas ações. Não tenho qualquer interesse em me tornar um escocês.

Isabella quis recordá-lo do fato de que ele já aprendera sua língua e até já começara a se vestir com algumas de suas características, mas supôs que os argumentos não teriam nenhum poder apelativo. Optou, ao invés disso, por outra espécie de abordagem:

— Então faça isso pela diversão de seus convidados. Nunca fui a um Beltane, e odiaria ter de ir sozinha.

— Pode muito bem chamar sua família para vir junto, não?

— Poderia. Mas quem garantiria aos escoceses que eles não são ofensores?

Ele a olhou de lado.

— Você é terrível.

Isabella abriu um sorriso radiante:

— Isso quer dizer um “sim”?

— Isso quer dizer um “vou pensar, então não me amola”.

— Obrigada, Griffith.

Depois de terem distribuído todos os presentes e depois de Griffith ter conversado um pouco com os moradores, Isabella voltou a empurrar a cadeira dele para longe do vilarejo. O meio da tarde já tinha passado, e o Conde indicou que provavelmente os caçadores deviam estar voltando, de forma que seria inteligente chegar ao castelo antes deles – assim, Isa conseguiria sustentar sua mentira.

— Como você sabe que eu menti? — a espanhola retrucou.

— Se você não mentiu, então é mais idiota do que eu suspeitava, a princípio.

Isabella mostrou a língua para ele. Após mais alguns minutos de caminhada em silêncio, Griffith perguntou, abruptamente:

— E George Hartfield?

A espanhola franziu o cenho, desconfortável.

— O que tem ele?

— Não vai dar uma chance para ele?

Por alguma razão, aquela pergunta aborreceu Isabella. Talvez porque ela não tivesse sido acompanhada de nenhum sarcasmo – ele realmente estava perguntando aquilo a sério.

— E por que deveria? — retrucou. — Por que você está me pedindo isso?

— Eu acho que vocês se dariam bem, se tentassem.

— Baseado em quê, ó-mestre-casamenteiro?

Por fim, ela conseguiu ouvir zombaria na voz dele:

— Você não deveria duvidar de minhas habilidades casamenteiras. Foi graças ao meu conselho que o Duque de Barclay arranjou sua Duquesa, sabia? Escute o tio Grifo, Isabella, ele sabe do que fala.

Isabella quis pensar em uma resposta mordaz, sofisticada, para colocá-lo em seu devido lugar. Mas o vento forte que agitava suas saias parecia ter também espantado toda sua astúcia. Então, em vez de uma resposta sofisticada, ela deu uma juvenil. Bufou, depois virou-se saiu andando para longe, deixando a cadeira e o Conde sentado nela para trás.

Eles já conseguiam ver Stirling, àquela altura. Bastava subir a colina e lá estariam as portas de entrada. Mas a trilha tortuosa até o castelo de repente pareceu longa demais. Isabella precisava estar dentro de casa naquele instante, em sua cama, dentro de uma tenda aconchegante de cobertores e travesseiros, com Griffith Shawcross do outro lado da porta trancada. Nem ela sabia porque estava tão furiosa, mas estava. Havia algo no pensamento de George Hartfield que a tirava do sério, e aquilo partir de Griffith parecia tornar a situação mil vezes pior.

Levantando as saias, ela saiu da trilha e pegou um caminho reto até o castelo, andando o mais rápido que o chão irregular e lamacento lhe permitia.

— Eu não iria por aí se fosse você. — ele disse atrás dela.

Isa o ignorou, brava. Andarei por onde bem quiser, obrigada. Não sou um soldado. Você não manda em mim.

—  Ah!

Bella quase tropeçou na própria bainha. Ela olhou para baixo. Com a pressa de punir Griffith, tinha dado um passo em falso, perigoso. Seu pé tinha desaparecido dentro da lama preta e fibrosa que cobria cada centímetro daquele lugar. Quando tentou puxá-lo, a outra perna também afundou, até o joelho. O que era aquele lodo? Ele continuava puxando-a para baixo cada vez mais.

— Griffith? — ela chamou, com o tom de voz o mais controlado que pôde. Recusou-se a parecer apavorada. Seria humilhante demais, considerando seu rompante anterior. — Griffith, eu não consigo mexer os pés.

No meio de sua cólera, ela tinha esquecido que ele tinha a mercê dele suas muletas, presas ao suporte do encosto da cadeira de rodas. O Conde tinha pescado elas e usado-as para tentar acompanha-la. Ele parou a alguns passos de distância, apoiado nas muletas.

— Você pisou em um atoleiro. Acontece de vez em quando.

—  Já aconteceu com você?

— Ah, não. Não sou burro nesse nível.

Isabella olhou-o com cara feia.

— Mas eu já vi alguns fazendeiros desatolarem vacas e ovelhas. —  ele prosseguiu.

— Sabe como fazer isso? Se sim, poderia fazer a gentileza de me desatolar também?

Uma fagulha de divertimento brilhou nos olhos castanhos dele. Aquela expressão contou algo terrível a Isabella. Ele iria ajudá-la, mas aproveitaria cada minuto da situação. Ele aproximou-se alguns passos a mais, ficando a beira do atoleiro, olhando-a de cima.

Isabella virou e puxou a perna, sem sucesso. Ela estava muito bem presa, e seu coração martelava furiosamente dentro dos próprios ouvidos. Griffith estalou a língua.

— Primeira regra dos atoleiros: não se desespere.

— Qual é a maldita segunda regra? Acho melhor que pulemos para ela.

— Não se esforce muito para sair. — ele falou. —  Você vai ficar esgotada. Mantenha a calma e espere seu corpo chegar até o equilíbrio.

Era muito fácil falar. O atoleiro a engoliu mais, até os quadris.

— Griffith — ela arquejou. — Estou afundando mais.

— É porque você continua se debatendo feito um animal.

—  É claro que estou me debatendo! — Isa gritou. —  Estou sendo engolida viva e você só está parado aí. Se ao menos pudesse... Ah!

A espanhola afundou um pouco mais, até a cintura. Aconteceu tão rápido que seu instinto foi estender a mão em busca de algo para se apoiar, uma vez mais... E a única coisa próxima era uma das muletas de Griffith. Então o pior aconteceu: Ele desequilibrou-se, seu corpo fez uma meia-volta enquanto ele lutava para recobrar o equilíbrio, e um de seus pés afundou na turfa junto com a muleta. Incapaz de manter-se equilibrado com o corpo tão desnivelado, a outra perna balançou e seguiu a primeira para dentro do lamaçal. As muletas, abaixo de suas axilas, afundaram junto.

— Oh! Me perdoe... — Isabella começou, mais aterrorizada que compadecida pela situação dele. Com os dois presos, agora quem poderia salvá-los?

Maldição. — Griffith exclamou, sobressaltando-a. Ele fulminou-a com um olhar furioso. — Qual era a merda da dificuldade em se acalmar?

Ao invés de ficar com raiva, a reação de Isabella foi choramingar:

— Vamos morrer aqui dentro.

Embora estivesse claramente irado, Griffith talvez tenha notado que era a única pessoa mentalmente estável o suficiente ali para tirá-los daquela situação. Ele respirou fundo. Uma. Duas. Três vezes.

— Ficaremos bem. — murmurou, por fim. — Quase ninguém morre atolado.

Quase ninguém?

— A morte costuma vir por sede ou exposição ao tempo frio e chuvoso, não porque as pessoas são sugadas por completo.

— Então você está falando...

— Que ficaremos bem. — ele retrucou, acidamente. — Gritarei pelo Isaac, ele fará um teto sobre nossas cabeças e nos trará ensopado quente de cervo duas vezes por dia. Viveremos anos aqui felizes.

Isabella gemeu, desesperada. A turfa e o lodo continuavam a puxar suas pernas. O pânico começava a tomar conta dela. Afundar até os joelhos em um atoleiro era uma situação engraçada, até ela podia admitir isso. Por um minuto. Ou dois. Mas ficar imobilizada em um lodo gelado até a cintura com a real possibilidade de nunca conseguir se soltar? Essa não era a ideia que tinha de uma tarde agradável. Ainda mais com o risco de que aquela fosse sua última tarde.

Bella soltou um grito de raiva e frustração. Griffith se encolheu.

— Para uma dama, você até que consegue ser agressiva quando quer. — ele disse.

Ela abraçou a si mesma para proteger as mãos daquele lodo nojento.

— Griffith, pelo amor de Deus. Nos tire daqui. Estou com frio e com medo.

— Olhe para mim.

Ela olhou. Ele a encarou com olhos escuros e firmes. Toda provocação sumiu de sua voz.

— Você não ficará presa aqui. Servi no exército britânico, e nunca deixamos nenhum homem para trás. Não vou deixá-la. Tirarei você daí. Entendeu?

Isabella assentiu.

— Primeiro, respire bem fundo. — ele a orientou. — Inspire, expire. Devagar. Você precisa se acalmar.

— Não quero me acalmar. Quero sair daqui.

— Respire. — ele repetiu, duro.

Ele evidentemente não a ajudaria contanto que ela o obedecesse. Por isso, Bela fechou os olhos, inspirou, e soltou o ar. As doze respirações lentas e forçadas que se seguiram foram os momentos mais difíceis da vida de Isabella. Mas, no fim, ela sentia-se um pouco melhor. Seu coração disparado tinha diminuído o ritmo para um trote médio.

— Quando estiver pronta, — Griffith falou. — comece a se mexer para frente e para trás.

— O quê?

— Como se estivesse dançando, para frente e para trás.

— Oh, céus. Depois disso, nunca mais voltarei a dançar.

Apesar de tudo, ele deu risada.

— Cuidado, ou o atoleiro ouvirá você.

Isabella fez conforme ele orientou, oscilando para frente e para trás. Ela sentiu como se fosse um pêndulo de um relógio se movendo dentro de açúcar derretido. Primeiro ela só conseguia mover um pouco para cada lado, mas depois de alguns minutos era possível fazer um movimento razoável.

— É isso. Consegue sentir a água circulando ao redor de suas pernas?

Ela assentiu.

— Então está dando certo. Continue. Um pouco mais rápido.

Isa fez o movimento com vigor e foi recompensada com mais espaço.

— E agora?

—  Incline-se para trás um pouco. Como se fosse boiar.

— Mas...

— Apenas faça.

Ela se deitou da barriga cima. A medida que ela se inclinava, ele, posicionado atrás dela, tirou uma mão da muleta e a pôs abaixo de uma de suas axilas. Ele se inclinou meio para o lado, apoiado numa única muleta, mas conseguiu manter o equilíbrio – a lama parecia estar dando alguma estabilidade, apesar de tudo.

— Peguei você. — ele sussurrou, próximo a orelha dela. — E não vou soltar.

Ela engoliu em seco.

— E agora?

—  Se apoie com firmeza nos meus ombros. Você precisará de força para se erguer para fora.

— Por cima de você?

— Precisamente.

— Mas eu machucarei você, você se afundará mais... — Isabella negou veementemente com a cabeça.

— Pense em minha cabeça e ombros como um apoio para pegar impulso. E não se preocupe comigo. Sairemos dessa.

Isa preparou-se, contrariada. Suas palmas apoiaram-se nos ombros de Griffith. Ela concentrou-se, e começou a puxar a perna que parecia mais solta para cima. O progresso lento era uma agonia, mas pelo menos seus joelhos emergiram da lama.

— Ótimo. — ele elogiou. — Agora um único puxão decisivo. Vamos. Eu vou ajudá-la.

— Estou tentando.

Ela estava tentando mesmo, mas não parecia ser suficiente. O atoleiro voltava a se fechar rapidamente em volta dela, puxando suas pernas. De repente ela tomou consciência de sua sorte por ter Griffith a seu lado. Se Isabella estivesse sozinha, nunca conseguiria se libertar. Mesmo com ele ali, não tinha certeza se conseguiria.

— Uma última vez. — Griffith orientou. — Eu contarei até três. Um... Dois...

Ela cerrou os dentes.

— Três.

Ele contraiu os músculos do braço, ao mesmo tempo em que Isabella se impulsionava para cima. Quando Griffith a empurrou por cima de si mesmo, ela sentiu um terrível deslocamento no quadril. Sabia que aquilo a incomodaria mais tarde. Mas uma vida de dor seria melhor do que mais um segundo naquele atoleiro. Finalmente, ela estava livre. Ofegante, ela engatinhou até estar toda para fora da turfa. Estava enlameada da cintura para baixo e molhada de suor na parte de cima.

Mas só metade do problema havia sido resolvido. Griffith ainda estava preso. Antes somente suas coxas charfundadas, mas o esforço de puxar Isabella para cima o tinha afundado até a cintura, como antes ela estivera. Sem esperar qualquer orientação, ela agachou-se na beirada a seu lado e pôs as mãos abaixo de suas axilas.

— Isabella, — ele alertou. — é melhor que você vá chamar Isaac. Sozinha, você...

—  Cale a boca. — ela ordenou. — Eu contarei até três e puxarei. Relaxe o corpo.

— Isabella...

— Um... Dois... Três!

Pondo toda sua força nos braços, Isabella começou a puxar. Apesar de seus esforços, de início, as pernas de Griffith não pareceram se mover. Ela tentou mais uma, duas, três vezes. Na quarta tentativa, ela pôde sentir a turfa aliviar seu aperto. Incentivada pela pequena vitória, Isabella continuou puxando, até que as pernas dele deslizaram de uma vez para fora, desequilibrando-a e fazendo-a cair de costas no chão, com Griffith por cima.

Com esforço, ele rolou o tronco para o lado, arrastando as pernas junto. Ele desabou no chão e ali ficou.

— Griffith, — Isabella chamou-o, após um minuto, enquanto afastava uma mecha de cabelo úmido para longe do rosto. — sinto muito por ter arrastado você para o atoleiro.

Ele não disse nada em resposta. Talvez fosse melhor assim. Isa temia o que ele poderia dizer caso deixasse sua fúria fluir livremente. E ele estava claramente furioso - além de esgotado. Incapaz de tolerar aquele silêncio opressivo, Isa continuou a tagarelar:

— Sabe, não era isso que eu imaginava ao vir para a Escócia. Vim para cá afim de evitar a humilhação de mais uma temporada londrina como uma solteira incauta. E olhe para mim agora. Como consigo me meter nesse tipo de situação?

Após um minuto ou dois, Griffith pareceu chegar a conclusão de que Isabella não merecia que ele continuasse gastando energia ao fumaçar pelas orelhas, exausto como estava, de modo que indagou:

— Por que ainda está solteira, se a perspectiva a incomoda?

— Não me incomoda. — Isa retrucou. — Não me importo de estar sozinha. É melhor estar sozinha do que mal acompanhada.

— E ainda não conseguiu encontrar algum homem que lhe seria uma boa companhia?

— Acho que encontrei boas companhias. — Bella confessou. — Mas não é isso que procuro. Acredito que... Minha verdadeira fantasia seja ser compreendida. Aceita como eu sou.

Ela quase disse “amada”, mas parou antes disso. Apesar de tudo, aquela parecia uma confissão bastante íntima a ser feita. E, por algum motivo, ela sentia-se constrangida em mencioná-la a Griffith, embora não entendesse o porquê.

— Não entendo muito sobre fantasias, — ele respondeu. — mas sei o poder do sentimento de aceitação. Acho que a entendo o suficiente.

— Não entende de verdade. — Griffith não parecia ter a menor carência ou necessidade de alguém para compreendê-lo. Talvez pois dispusesse de seus amigos, aqueles sobre os quais falava com tanta ternura. E ele não parecia minimamente interessado em romance, tampouco.

— Ah, eu entendo sim. — ele reiterou, então virou o rosto para encará-la. — Você é fantasiosa, inteligente, espontânea... — ele esticou a mão e passou o polegar enlameado no nariz de Isabella. — E está podre de suja.

— Não estou mais suja que você.

Ela apertou a mão espalmada no rosto dele, deixando a marca de cinco dedos enlameados... E um homem inglês nada satisfeito. Somada aos olhos escuros e ao cabelo bagunçado, aquela marca lhe deu o aspecto de um antigo guerreiro das Terras Altas, pintado para combate. Pronto para atacar.

A expressão dissipou-se, no entanto, quando um espasmo de dor invadiu o rosto dele.

— Você está com dor. — Isabella disse, em alerta.

Ele abriu um sorriso:

— Eu sempre estou com dor. Nenhuma novidade até então.

— Ah, céus, é claro que você está com dor. Olha o que acabou de fazer.

A espanhola se colocou de pé e se aproximou da beirada do lamaçal, tentando caçar dentro dele as muletas de Griffith. Para seu desespero, nenhuma delas estava à vista – no meio de toda aquela estripulia, provavelmente ambas tinham sido completamente engolidas pela turfa.

— Merda. — exclamou, ajoelhada.

— Não precisa xingar, Isabella. — Griffith declarou, atrás dela. — Eu vou ficar bem. Só vá chamar Isaac, por favor. Ele saberá o que fazer.

— Eu posso colocar você de volta na cadeira.

— Não, você não pode.

— Eu posso tentar, sei que com algum esforço, eu...

Não, Isabella. — a voz de Griffith soou de repente muito dura. Muito ríspida. Ela olhou para trás, e o rosto dele estava vermelho. Talvez fosse a dor, mas não parecia ser só isso. — Eu não quero que você faça isso. Me ouviu bem? Isaac. Eu preciso de Isaac.

A espanhola abriu a boca, pronta para retrucar... Então ouviu uma voz, à distância:

— Griffith?!

Isaac acabara de atravessar as portas do Castelo. Ele estava acompanhado de uma criada, e parecia ajuda-la a carregar uma caixa com o que provavelmente seria usado para fazer o jantar daquela noite. Ao ver seu patrão, ele largou o caixote e desceu a colina rapidamente, preocupação estampada em seus olhos esbugalhados.

Assim que os alcançou, Isabella começou a dizer:

— Foi um acidente. Tinha esse atoleiro, e eu acabei caindo, e então... — sua voz estava estranhamente acelerada. —... Eu estava tentando ajudar, mas...

— Acho que você já fez o suficiente, senhorita Ortiz. — o criado a cortou, ríspido. Isabella olhou-o, e viu em seus olhos a mesma expressão que os tinha condecorado mais cedo.

Isaac. — apesar da dor e de permanecer no chão, Griffith elevou a voz, como num aviso.

O valete balançou a cabeça, murmurando um pedido de desculpas fraco enquanto começava a levantar o Conde. Ele o fez com muita facilidade, como se Griffith não pesasse nada, e colocou de volta na cadeira de rodas. Isa pôde ouvir os gemidos abafados que ele emitiu durante o processo.

— Acho que é melhor você entrar, Isabella. — o Conde declarou, após sentado.

— Griffith, me desculpe, eu...

— Está tudo bem. — ele garantiu, forçando um pequeno sorriso. — Está mesmo. Mas se você for pega com essa aparência, nesse lugar, então acho que não estará mais. Por favor, vá.

Então Isa foi.  

*Jenner foi um naturalista e médico britânico que exercia clínica em Berkeley, filho de um vigário anglicano, Edward Jenner. Aos 14 anos, tornou-se aprendiz de cirurgião na sua terra natal. Mais tarde, estudou em Londres. Em 1772, voltou para Berkeley, onde se dedicou à medicina e ficou conhecido pela invenção da vacina da varíola bovina - a primeira imunização deste tipo na história do ocidente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "1812 — Interativa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.