1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 14
Capítulo XII


Notas iniciais do capítulo

ESTAMOS DE VOLTA! UHU!

Eu sou incapaz de descrever com precisão quão feliz estou por poder retomar essa história. E quão - ainda mais feliz - fiquei em ver que vocês, minhas queridas leitoras, toparam voltar nessa aventura comigo. Porque é isso que a 1812 foi - e ainda é: uma aventura para essa pseudo-escritora de primeira viagem. Muito, muito, muito obrigada!
Ademaaaais, para comemorar, retorno com um capítulo especialmente longo para vocês, assim como uma repaginada no look de nossa história - nova capa, novo tumblr, novas aparências para os nossos meninos! ( embora esse último tenha sido muito mais movido pela intenção de criar bons edits futuros para esta história que qualquer outra coisa ). Eu adoro a imagem que criei de meus meninos, e acho que também não vai ser fácil para vocês desapegarem delas... Mas selecionei as novas com muito carinho, me esforçando para respeitar as vibes de cada personagem e, principalmente, suas essências. Com essas novas aparências, teremos muuuito mais conteúdos para o tumblr ( fiquem ligadas! )
Novamente, muito obrigada por voltarem a essa comigo, vocês fizeram uma pseudo-escritora muito feliz. Mas sem mais delongas, vamos a continuação de nossa história!



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Londres, 1812

 

Isabella tinha feito seu caminho para o jardim aos tropeços.

Seus pés pareciam não seguir um caminho certo; Eles só a afastaram o mais rápido que puderam, para o lugar mais longe possível. As lágrimas também não ajudavam em nada. Bella ficou as esfregando no rosto, tentando impedir, teimosamente, que elas caíssem, mas elas não queriam dar sinal de trégua.

Eles não tinham o direito. Pedro, o Conde, nenhum deles. Eles não tinham o direito de acusa-la daquele jeito, e não tinham o direito de machucar ela. Então por que as palavras deles tinham feito aquilo com ela? Bella não era uma chorona. Ela não ficava se lamentando por cada palavra má que as pessoas dirigiam a ela... Se fosse assim, não teria sobrevivido a Inglaterra.

Deveria ser o estresse de toda a situação. É, tinha que ser isso. Ela já estava chateada por ter que cumprir a promessa que tinha feito a Francesca, e George Hartfield também estava ali. Era muita coisa para se processar junta. Era isso. Ela tinha ficado brava com aqueles homens – e com razão – e, por seja lá qual fosse o motivo, aquela raiva tinha encontrado seu escape na maneira mais patética possível.

Após alguns minutos sozinha, ela conseguiu se acalmar de novo. Algumas respirações profundas, e estava quase novinha em folha. Mas ainda estava brava quando ouviu o som das rodas deslizando sobre a grama.

— Saia daqui. — falou, deliberadamente. Seu rosto ainda continuava um pouco inchado, e ela não queria que ninguém a visse assim. Ainda mais o Conde. Quando não ouviu nenhum som que indicasse que ele estava se afastando, falou mais alto: — Vá embora.  

— Diferente de você, eu não posso simplesmente sair correndo daqui, senhorita Ortiz. — ele respondeu.

Por fim, ela se virou para ele.

— Eu não pedi que viesse. Então pode dar a volta. Não o quero aqui.

— Não acho que queira. — ele falou. — Mas você fez uma grande cena lá dentro, sabe? Todos ficaram olhando. Seus olhares de julgamento me obrigaram a segui-la. Mas não é fácil mover essa coisa em que estou sentado, então preciso de um momento para descansar antes de voltar, se me permitir.

Isabella não podia literalmente chutá-lo para fora dali. Por isso se contentou em voltar a ficar de costas para ele, de braços cruzados.

— Eu sei o que está pensando. — declarou.

— Ah, sabe? Que surpresa. Não sabia que tinha poderes psíquicos.

Ela ignorou o sarcasmo.

— Está pensando que eu sou tonta e infantil. Que não sei lidar com as críticas das pessoas, mesmo aquelas veladas.

— E isso não é verdade?

Não. — Bella disse, um pouco alto demais. Então, mais baixinho: — Não.

O Conde não falou mais nada. Mas ela continuou, mesmo assim:

— Meu irmão me disse algo mais cedo... Algo que me magoou. Me acusou de ser egoísta, de não pensar na família. — a raiva começou a fluir pela voz dela. — Ele não tinha esse direito. Eu sempre penso na minha família. Eu amo minha família. Não é justo, só não é justo. É culpa dele que eu agi assim.

Era, não era? O culpado tinha que ser Pedro.

Novamente, nada do Conde. Ele passou tanto tempo calado que Isabella foi, por fim, forçada a espiar por cima do ombro... E o encontrou parado, em sua cadeira de rodas, exatamente como esperava que estivesse. Ele parecia pensativo.

Era a primeira vez que Bella não o via com uma expressão que não fosse sua carranca. Daquele jeito, o olhar dele era quase gentil...

Por fim, o Conde falou:

— Pare de choramingar. — sua voz era severa. — Talvez, ao invés de culpar outros, você devesse procurar a culpada em algum lugar mais perto.

As bochechas de Isabella ficaram em chamas. Ela o observou manobrar a cadeira para dar a volta e partir, e sua voz saiu antes mesmo dela saber o que estava fazendo:

— Você não precisa ser um imbecil.

As palavras pairaram no ar.

A cadeira de rodas parou. Houve uma longa pausa, então ele manobrou-a na direção de Isabella novamente, até poder encará-la.

— O quê?

Ela olhou para ele, o coração acelerado. De fúria.

— Sua vida é horrível. Ótimo. Você quer tornar a vida de todo mundo tão miserável quanto a sua? Perfeito! — gritou. — Mas eu não tenho nada haver com isso. Eu só estou tentando ajudar minha prima. Por isso, eu ficaria muito satisfeita se você não fizesse da minha vida um inferno, ao contrário do que faz com a vida de todo mundo.

Os olhos do Conde se arregalaram um pouco. Passou-se um instante antes dele falar novamente.

— E se eu disser que não quero você perto de mim?

— Não foi você quem me pediu para te acompanhar. — Bella retrucou. — Foi minha prima. E, a não ser que ela mude de ideia, vou continuar. Não porque eu me importe particularmente com você, ou goste particularmente de você, ou queira mudar sua vida miserável de alguma maneira, mas porque prometi a minha prima. Certo? Eu me importo com ela e quero ver ela feliz.

Aparentemente, a expressão do Conde não se alterou muito, mas Isabella achou ter visto ali um pouco de espanto, como se ele não estivesse acostumado a ouvir ninguém falando daquela maneira com ele.

Mas ele só ficou olhando-a por um tempo e, como Bella não desviou o olhar, deu um pequeno suspiro, como se quisesse dizer algo desagradável.

— Muito bem. — disse, e virou a cadeira de rodas novamente na direção da casa. — Boa noite, senhorita Ortiz.

Agora que pensava nisso, Isabella percebeu que, se antes não o tinha feito, agora definitivamente estragara tudo.

Ela não conseguia parar de revolver a situação em sua mente, e já faziam dias que aquele jantar tinha acontecido. Após aquela noite, o Conde não voltou a visitar a Casa Hartfield, na Grosvenor Square, por vários dias, embora os eventos de Francesca tivessem continuado. Isa achava que ela só estava aproveitando o máximo de tempo com a família e os amigos antes de ter de se dedicar exclusivamente ao filho - não que ela fosse lamentar sua presença. Mas, distinta ou não, ela ainda era uma Ortiz, e viver em alcateia era sua natureza. 

Devido a isso, todos tinham migrado para a Casa Hartfield, na Grosvenor Square. A família Ortiz era uma família grande e barulhenta, de modo que conseguia fazer mesmo a mansão parecer superlotada. Era um dom, Bella achava. E um dom que ela particularmente adorava na família.

— Charles sugeriu jogarmos Pall Mall. — Pedro comentou, quando estavam todos à mesa, tomando café da manhã. Ele repousou os olhos em Isa, e então no resto da família presente, um por um. — O que acham? Faz séculos que não jogamos. E se formos rápidos o suficiente, conseguiremos fugir dos convidados excessivamente chatos de Hartfield.

— Sinto dizê-lo, Peter — Francesca começou. — Que uma parte desses convidados excessivamente chatos já chegou.

— Mais um motivo para corrermos o mais rápido que pudermos.

— Como se joga Pall Mall? — quem perguntou foi Henrique. Ele nunca tinha jogado o jogo, Bella percebeu. Não por falta de oportunidade – ele sempre tinha preferido seus livros a qualquer das estripulias que seus irmãos gostavam.

— É um jogo ao ar livre. — foi George Hartfield quem respondeu. — É mais famoso na França, mas lá eles pronunciam diferente o nome. Você coloca arcos de ferro em um campo, então tentamos acertá-los usando tacos e bolas de madeira.

— Parece... — Henrique estremeceu. — Caótico.

De um jeito ou de outro, todos acabaram indo para o jardim... Com exceção de Francesca e Hartfield, que ficaram um momento dentro para dar atenção a seus convidados e convida-los para participar, embora aquele jogo fosse um jogo essencialmente familiar entre os Ortiz. Como qualquer outro jogo. Intrusos não deveriam ser bem-vindos. Mas aparentemente, eles teriam alguns entre eles naquela tarde.

Bella ficava aliviada em saber que o Conde não estaria entre eles. Não queria encontra-lo de novo. Ainda cumpriria sua promessa a Francesca se fosse o caso, mas não queria que isso acontecesse. Não sabia se teria cara para olhá-lo nos olhos de novo. Não porque ela se sentisse envergonhada por ter dito aquelas coisas para ele, nem que ele não tivesse merecido cada uma daquelas palavras que tinha ouvido, mas porque ela simplesmente achava difícil – até para si, que era conhecida por ser difícil de se intimidar – conversar normalmente com alguém depois de gritar com a pessoa.

Dificilmente o veria de novo, no entanto. Tinha quase certeza que o tinha espantado, e ele precisaria ser muito ousado para aparecer novamente em sua presença depois daquilo.

Ela e Pedro foram encarregados de buscar as coisas. Uma espécie de trégua silenciosa fora erguida entre eles após aquela noite do jantar. Isabella ainda lembrava bem das palavras que o irmão tinha dito, e como elas tinham feito-a se sentir. Mas o amava demais para continuar brava por tanto tempo. Ele era seu irmão. Além disso, Pedro tinha um sorriso que fazia qualquer erro seu ser quase que automaticamente perdoado.

Foram até o galpão que servia de depósito para a casa, e abriram o portão. Bella o ajudou a retirar o carrinho construído para conter os seis tacos e as bolas de madeira.  

— Está um pouco mofado, mas dá para o gasto. — seu irmão comentou.

— A não ser pela perda da bola roxa. — comentou Isa, com um sorriso. A bola roxa se perdera no último jogo de Pall Mall disputado pela família, graças a excelente mira de Francesca, que a tinha jogado no fundo de um lamaçal.

— Isso é culpa da Fran. — retrucou Pedro. — Tudo é culpa da Fran. Nossa vida fica mais fácil assim, não acha?

— Meus ouvidos já ouviram algo assim antes!

Bella deu meia-volta e viu sua prima e o marido se aproximarem. Francesca estava tão grande, a essa altura, que até seu andar estava engraçado – ela andava como se fosse uma pata. Hartfield insistia em tentar oferecer seu braço como apoio, mas ela continuava recusando. Eles formavam um casal bonito. Isabella tinha sido forçada a admitir isso lá atrás, quando ele começara a cortejá-la e ela sentira que estava perdendo a prima para um inglês engomadinho e com sotaque acentuado.

— Fran! — gritou Pedro. — Você chegou bem a tempo de nos assistir. Prometo que ganharei essa por você.

— Eu não vou assistir, vou jogar. — Francesca retrucou. — Achou mesmo que eu deixaria você sair dessa ileso? — ela olhou para o marido. — Ele precisa de uma boa surra de vez em quando para manter o ego contido.

— Eu sou a pessoa mais confiável do mundo. — o irmão de Bella se fingiu ofendido.

— Nem Logan acredita nisso, e Logan não o conhece tão bem quanto nós conhecemos, não é, querido?

— Ora, é claro. — respondeu Hartfield, e Isa teve a nítida impressão de que ele teria dito a mesma coisa se ela afirmasse que o céu era vermelho.

Não que não estivesse prestando atenção nela – simplesmente era óbvio que a adorava a ponto de não conseguir se concentrar na conversa. Era isso, pensou, que queria para si mesma. E era isso que sua mãe parecia não entender. Seria aquilo pedir demais?

O grupo voltou para onde o resto estava aguardando. Como só tinham seis tacos – e cinco bolas – eles teriam que se revezar. Uma parte da turma precisaria ficar sentada no primeiro jogo, assistindo. A mãe de Isabella já tinha preparado lençóis e cadeiras na grama, e ajudava a avó dela a se sentar numa das cadeiras. A avó de Bella quase nunca saía de casa e, quando saía, raramente ultrapassava o jardim.

Um dos motivos para isso era a idade. Os pais de Isa já não eram tão jovens, com um filho mais velho com trinta anos, e a avó dela era mais velha até mais que os mais velhos. Sua saúde não era um problema – apesar de tudo, ela era forte como um touro, algo que certamente estava relacionado ao sangue latino. O maior problema era sua mente – quando fora para a Inglaterra, já era velha demais para aprender inglês, de modo que só falava espanhol. A única coisa que sabia fazer em inglês era xingar – por isso raramente saía para a sociedade.

Isa estava pronta para pegar um dos tacos mas então, no último instante, Francesca abriu a boca e disse:

— Alguns de nossos convidados virão participar. Então, por favor, sejam gentis com eles. — ela pediu para a família, apertando as mãos em frente ao corpo. Depois, puxou Bella de lado. — Um deles é o Conde de Lannair. Eu vou precisar de sua ajuda com isso, Isa.

Bella parou.

— Ele está aqui?

— Está. Acabou de chegar. — sua prima parecia tão francamente espantada quanto ela. — Eu não esperava, sinceramente. Mas agora que ele está aqui...

Isabella não tinha contado a ela sobre o que acontecera no jardim. Não tinha encontrado a oportunidade durante a viagem, nem desde quanto tinham chegado. Mas também não queria contar ali, naquele momento – não queria parecer que estava tentando arranjar desculpas. E depois do que Pedro tinha dito, e o Conde confirmado com suas próprias palavras desagradáveis...

Isa não a deixaria na mão, não importava o quão desconfortável a percepção lhe fosse.

— É claro. — concordou. — Eu fico de fora desse primeiro jogo.

— Se quiser, pode ir nessa primeira rodada. Eu fico.

Era uma proposta muito tentadora, mas...

— Não, não. — Isa abriu um sorrisinho. — Por favor, vá se divertir. Logo esse bebê não vai deixar você fazer quase nada, então precisa aproveitar.

— Quando for a hora de revezar, eu troco com você — sua prima garantiu. — Eu só preciso que aguente alguns minutos.

— Eu consigo aguentar isso. Eu sou Isabella Ortiz, esqueceu? Fiz até a temível Lady Bourgh desistir.

Sua prima riu.

— Você é mesmo incrível.

No fim, a primeira leva de jogadores foi essa: Francesca, Hartfield, George, Pedro, Carlos e Vivian. Isso fez com que Isa fosse condenada às trevas exteriores; O local onde estavam o resto de seus parentes e dos convidados de Hartfield. Ela tentou buscar ali algum rosto amigável... Mas seu pai, seu único possível salvador, ainda não estava por perto. Ele deveria estar dentro da casa, tratando de seus negócios.

A mãe de Isa acenou em sua direção. Oh, bem. Se era tudo que lhe restava.

Ela estava sentada num pano disposto na grama. A uma certa distância dela, estavam a avó e as tias de Bella. E ao lado dela estava... É claro. O recém-chegado Conde de Lannair, em sua cadeira de rodas. Um homem estava sentado ao lado dele, um homem que Bella nunca vira. Um homem muito, muito bonito. Talvez o mais bonito que ela já vira em toda sua vida. E um homem que ela não conhecia – o que era estranho, considerando que ela tinha quase certeza que já fora apresentada a todos os homens minimamente atraentes de Londres. Ao menos os solteiros.

Bom. Talvez ele não fosse solteiro. O que explicaria tudo.

— Bella! — sua mãe exclamou quando estava perto o suficiente. Parecia radiante. — Bella, sente conosco.

Isa parou e refletiu no que seria um pesadelo pior: Sentar ao lado de sua mãe ou sentar ao lado do Conde? Para sua sorte, notou a tempo que havia um espacinho vago ao lado do estranho. Bom. Melhor um demônio desconhecido que um que já conhecia. Ela poderia se surpreender.

— Bella, este é o Visconde Bedwyn. — sua mãe se adiantou, mal ela tinha se sentado.

— William, por favor, senhora. — o Visconde abriu um sorriso na direção de sua mãe. — Visconde é um título um pouco pomposo demais. Nunca me caiu muito bem, arrisco dizer.

Aquele sorriso derreteu a mãe de Isabella e, Isa suspeitou, toda mulher presente no jardim naquele momento.

— William. Sim. — a Sra.Ortiz falou. — Esta é minha filha, Bella de Ortiz.

— Isabella, milorde. — Isa fez questão de apresentar-se usando seu nome. Seu nome de verdade. — É um prazer.

O homem virou-se na direção dela. Mas não a olhava nos olhos. Seus olhos estavam em algum ponto de sua testa, ao invés disso. Havia algo estranho naqueles olhos. Isa só entendeu o que era quando seus próprios olhos migraram para o chão... Onde, ao lado do Visconde, repousava uma bengala.

— Então você é a senhorita Ortiz. Griffith me falou muito a seu respeito.

Griffith? A atenção de Isabella foi brevemente retirada do choque pela descoberta da cegueira do sujeito para aquele nome. De algum modo, ela entendeu a quem ele pertencia. Só podia pertencer a uma pessoa.

— Espero que o Conde tenha feito um bom testemunho de mim. — disse, com uma falsa doçura.

O Visconde pareceu achar aquilo divertido.

— Ah, ninguém pode culpa-lo de não ser sincero, certamente.

Isa comprimiu os lábios.

— Nunca joguei Pall Mall. — o Visconde continuou, sem esperar resposta. — Mas parece um jogo bastante simples... Para quem pode assisti-lo, é claro. Eu tive de me contentar com a descrição da Sra.Ortiz que foi excelente, devo dizer.

A mãe de Isa ruborizou levemente. Não por sentir-se de alguma forma atraída por aquele sujeito – ela amava o marido. Disso Isa tinha certeza. Mas porque era quase impossível não se encantar com aquele homem. Parecia uma verdade universal – mas na qual Isa não se sentia tão incluída assim. Talvez porque soubesse que a intenção de sua mãe era justamente que ela se encantasse dele.

— Pode parecer simples, milorde, mas não é. Não quando se joga com os Ortiz. — Bella disse.

— E o que isso quer dizer?

— Quer dizer — interrompeu sua mãe. — Que meus filhos a tornam uma competição selvagem e sem princípios, assim como qualquer jogo que caía em suas mãos.

O Visconde deu um assobio.

— Não parece um jogo feito para senhoritas. Especialmente as delicadas. — comentou. Então olhou para Isa. Ou melhor, olhou para a direção dela. — A não ser pela presente companhia, sem dúvida.

— Sem dúvida. — concordou o Conde. Aquele foi seu primeiro pontuamento desagradável desde que chegara, o que poderia ser considerado quase um milagre.

— Ninguém — disse Bedwyn, os olhos brilhando com astúcia. — Cometeria o erro de chama-la de senhorita delicada, senhorita Ortiz.

— Isso foi um elogio? — indagou Bella, com acidez.

— Sem dúvida.

— Então terei que aceita-lo de bom grado e com gratidão.

O Visconde deu risada e olhou para o homem a seu lado.

— Eu gosto dela.

O outro não parecia nada divertido.

— Bella, — pediu sua mãe, com um tom levemente passivo-agressivo que deixava evidente seu desagrado com o comportamento que a filha estava tendo. — pode, por favor, trazer um pouco de limonada para nossos convidados? Está quente.

Isso era o trabalho para os criados fazerem. Mas Isa sabia que o que sua mãe estava dizendo, nas entrelinhas, era: Se afaste, respire e, quando voltar, é bom que seja perfeitamente encantadora de novo. Isa não tinha nenhum motivo particular para ser desagradável com o Visconde. Mas também estava cansada de agir como a tonta dama inglesa que queriam que ela fosse. Ela já não podia agir assim com o Conde – depois do modo como tinha agido, seria difícil manter essa farsa.

Mas, de um jeito ou de outro, tinha prometido a Francesca. Por isso foi até a mesa de bebidas e pediu a um valete que servisse as limonadas, tendo o cuidado de colocar gelo no copo do Conde. Ele, em especial, precisava ser bem tratado ali, lembrou a si mesma.

Quando voltou, sua mãe tinha se levantado para chamar seu pai. Entregou a cada um seu devido copo, decidida que pelo menos naquela tarde, tentaria não gritar com mais nenhum convidado, não importasse quanto ele merecesse.

— Por que você está tentando esconder gelo no meu copo, senhorita Ortiz?

Ela olhou o Conde. Ele tinha uma sobrancelha arqueada.

— O que? Eu não tentei esconder nada, milorde.

— Tentou. Você não colocou em nenhum copo, só no meu. — quando ela não respondeu de imediato, ele emendou: — Por que está tentando me contrabandear gelo?

— Não quero.

— Quer dizer que não tem gelo no meu copo?

Isa olhou para os pedaços boiando na limonada.

— Bom... Está certo...

Ele estava esperando. Isa respirou fundo antes de responder, para manter a calma:

— Hum... Achei que o gelo faria bem a você. Por conta do calor. Estar colado nessa cadeira... Parece calorento.

Ela tinha tentado ser gentil, do único modo que conseguia ser, pelo menos com o Conde.

— Deixe-me ver se entendi. Você acha que um pouco de gelo vai melhorar minha qualidade de vida? Seu gelo não vai me fazer sair dessa cadeira, sabe.

De fato, era muito idiota quando ele colocava daquele modo. Mas ela não estava tentando curá-lo. Ela só queria fazer um pequeno agrado. Só isso. Como um pedido – não de desculpas, ele tinha merecido o que levara na última noite em que tinham conversado. Mas como de trégua, talvez.

— Entendi seu ponto, — Bella falou, lutando para manter a tranquilidade. Cada palavra saída de sua boca estava sendo uma pequena tortura. — não farei de novo, se lhe desagradou.

E então, do nada, o Conde riu. Explodiu dentro dele num arquejar, como se tivesse sido inesperado. Vê-lo rir foi francamente chocante. Se estivesse em pé, certamente Isa teria caído. Na verdade, até se estivesse numa cadeira. A única coisa que a manteve onde estava foi o fato de que já estava no chão e dele era impossível se passar.

— Pelo amor de Deus. — ele balançou a cabeça. — Está vendo, Will? É disso que falei.

— Você está sendo cruel com a moça, Griffith. Ela só tentou ser gentil. — o Visconde disse, em desaprovação. — Senhorita Ortiz, perdoe-o, ele não quis ser rude dessa forma.

É claro que ele queria. Mas ele tinha rido – por Deus, ele tinha rido. Teria sido menos perturbador se tivesse soltado um palavrão. De um jeito ou de outro, Bella se solidarizou com o Visconde. Eles pareciam ser amigos. Como aquele homem conseguia ter amigos, no entanto, ela não sabia.

— Eu vou pegar um pouco de chá. — o Conde falou, começando a se afastar com sua cadeira de rodas. Então exclamou, quando já estava um tanto longe: — Para garantir que não vou ser envenenado!

Quando ele já estava longe, o Visconde virou-se de leve na direção dela:

— Ele está de bom humor.

— Está? — Isa achava difícil de acreditar.

— Ele falou que a senhorita gritou com ele. — o homem cego disse. — Ninguém grita com Griffith, sabe? Alguns são grosseiros, sim. Mas gritar? Nunca.

Ela se encolheu um pouco.

— Isso não foi uma acusação. — ele logo emendou, notando sua reação. — Não a conheço muito bem, senhorita Ortiz, mas tenho certeza que, se gritou com Griffith, foi por um bom motivo. Ele dá bons motivos para isso só de respirar, não?

Bella abriu um sorrisinho. Não pôde se conter.

— E agora está rindo. — o Visconde concluiu, como se aquele fato fosse algo muito significativo.

— Ele riu de mim.

— Ah, isso não importa. — ele falou, acenando com a mão. — É que desde que veio a Londres, ele está rindo muito pouco.

— O Conde não vive aqui? — a pergunta saiu de sua boca antes que Isa pudesse se controlar. Era fácil conversar com o Visconde. E certamente seria mais fácil obter esse tipo de informação dele do que da fonte. — Veio para acompanha-lo?

— Griffith mora nas Terras Altas. — o homem cego concedeu. — Recentemente veio para Londres pois dois amigos nossos vieram também... E na verdade, recebi o convite de Hartfield — o Visconde disse. — Ele conhece meu meio-irmão, o Barão Dashwood. Não pensava em vir, inicialmente, mas quando Griffith disse que vinha... Bom, precisei vir. Não é todo dia que ele aceita convites de estranhos. Suspeito que isso tenha algo haver com a lição que você deu nele.

Isa deu risada. Decidiu que gostava do Visconde Bedwyn.

— Não vejo como isso possa ser um ponto a favor dele aceitar o convite de Hartfield, milorde. — e então, graças as palavras dele, se lembrou de algo que a fez quase dar um salto. Algo que ouvira o Conde segredar a Philipp. — Então você é o amigo cego como um morcego e de coração grande.

O Visconde pareceu, por um momento, surpreso pelo uso das palavras. Bella temeu tê-lo ofendido. Ela simplesmente não conseguira se segurar.

Mas então ele riu.

— Devo ser. É assim que Griffith me descreveu? Preciso, certamente. Ao menos a parte do morcego. — falou. — E é como eu disse. Não é todo dia que ele consegue um oponente a altura.

— Pretende ficar aqui, Visconde? Conosco? — Bella pensou que gostaria disso. A presença do Visconde provavelmente ajudaria-a a suportar a companhia de seu similar.

— Ah, não. Tenho uma visita a fazer, de modo que não posso ficar. Mas foi um prazer conhece-la, senhorita Ortiz. — ele respondeu. — Desejo-lhe toda a sorte do mundo em sua guerra particular. Acredito que posso chamar assim o convívio com Griffith. Por experiência própria.

Bella riu.

— Lembre-se que está na vantagem, — o Visconde recordou. — você está rodeada de sua família. Juntos, estou certo que podem colocar o aleijado em seu devido lugar. — e finalizou com uma piscadela. Então apoiou sua bengala e colocou-se de pé. — Sua mãe está voltando. Aproveitarei para me despedir dela e de Hartfield. Tenha um bom dia, senhorita. Ou deveria chama-la de soldado?

— Eu gosto de como soldado soa. — Isa admitiu.

Com a mão livre, o homem cego fez uma continência. E então partiu.

 

Mais tarde, no mesmo dia 

 

Beatrice estava meio deprimida.

Estava na sala de estar da casa Whitmore, na companhia de Grace Williams, uma criada que se tornara muito próxima desde que tinha retornado para a Inglaterra. Grace estava ao seu lado enquanto Triz tentava se focar num bordado já fracassado há muito. Beatrice odiava bordar. Na verdade, odiava tudo o que estava relacionado a costura. Mas mesmo assim estava presa ali há duas malditas horas, pois todas as outras atividades de seu interesse que estavam disponíveis ali dentro já haviam cessado no meio da manhã.

Ela estava enlouquecendo. Ficar trancada a estava enlouquecendo. E, dessa vez, nenhum de seus irmãos estava ali para fazê-la companhia. Nem tampouco seu pai, embora ela não fosse querer estar com ele de qualquer forma. Zachary estava sabe-se-lá-onde, na companhia de seus amigos libertinos. E Henry ainda não sairá de recesso de Oxford, embora tivesse mandado uma carta no dia anterior afirmando que logo seria liberado de seus estudos afim de visitar a família.

Só lhe restava Grace. E o bordado. E por mais que apreciasse a companhia da criada, sabia que ela tinha maiores deveres além de ficar ali, parada, olhando-a bordar. Ou melhor, vendo-a espetar o dedo na agulha e enxugar as gotas de sangue que despontavam de seu polegar como resultado.

Por isso, ficou quase aliviada quando ouviu o som da aldrava da porta da frente sendo batida. E quando, segundos depois, o mordomo, Alfred, parou à entrada da sala para anunciar que havia um visitante. Querendo ver ela. Mas Beatrice não estava esperando qualquer visita. O seu questionamento, no entanto, durou só um segundo a mais, só até Alfred ler o cartão de visita do visitante misterioso.

Como dito, ela ficou quase aliviada.

— Olá, senhorita Rodwell. — O Visconde Bedwyn sorriu afavelmente quando colocou os pés para dentro da sala de estar, erguendo a aba do chapéu ao cumprimenta-la.

Beatrice deliberadamente não pensara sobre ele desde a última vez que tinham se encontrado, dias atrás, durante seu breve passeio. Deliberadamente não pensara sobre ele ou sobre a estranha proposta que ele tinha feito a sua pessoa. Ela não negara o seu apelo, mas também não aceitara. Porque não tinha conseguido decidir se queria ou não fazê-lo. A presença do Visconde sempre a deixava francamente lenta, sem saber muito bem o que dizer ou fazer. O que não era comum no seu caso.

De qualquer modo, seu silêncio deveria ter sido o suficiente para fazê-lo desistir da ideia. Mas é claro que não foi bem assim.  

— Onde está seu irmão? — ele perguntou.

— Ele não está.

— Não deveria estar sozinha em casa, deveria?

— Não estou sozinha. — Beatrice retrucou, indicando com o queixo Grace, que se pusera de pé a seu lado, toda efusiva e ruborizada pela entrada repentina do Visconde.

Por um momento, ela esqueceu que o Visconde não podia ver Grace de todo modo. O homem, mesmo assim, abriu um sorriso doce, sem saber muito bem para onde direcioná-lo:

— Ah, é claro. Não está. Olá, espero que esteja tendo uma boa tarde.

A pobre Grace gaguejou e ruborizou ainda mais, não adaptada a ser notada. Muito menos por um homem de alta classe como aquele. Triz deu-lhe uma batidinha tranquilizadora no cotovelo:

— Pode ir pegar chá para mim e para o Visconde, Grace? — pediu, suavemente. Quando ela anuiu, fez com que se inclinasse um pouco em sua direção para sussurrar: — Pode demorar-se lá fora.

Triz não queria ficar sozinha na presença do Visconde. Mas a pobre moça claramente precisava de um momento para se recuperar.

Quando ela por fim partiu, Beatrice olhou seu visitante com superioridade:

— Estou certa de que você verá Zachary com muito mais frequência, Milorde. Ele não para de falar sobre sua irmã. E, na verdade, ele parece estar meio receoso sobre o senhor. Aparentemente ele fez uma profunda pesquisa sobre sua pessoa, e fui obrigada a ouvir um sermão de uma hora sobre seus defeitos e pecados.

A ideia pareceu divertir o Visconde, ao invés de aborrecê-lo, como ela planejava fazer. Ele ergueu as sobrancelhas.

— Com certeza os pecados são exagerados.

— E os defeitos?

— Provavelmente verdadeiros. — o homem admitiu, com certa timidez. Triz não esperava vê-lo de novo. Mas era sua vez de admitir: ele era mesmo bem humorado, e tinha um ótimo senso de humor. Mas não queria deixa-lo ganhar com tanta facilidade, por isso conteve o sorriso que quis abrir diante de suas palavras.

— Bem, verdadeiros ou não, — continuou. — ele acha que você está planejando alguma coisa.

O Visconde franziu o cenho.

— Acredito que eu é quem deveria achar isso dele, considerando a atenção exagerada que ele tem dado à minha irmã. — murmurou, quase num resmungo, e Bea achou graça de seu comportamento protetor com a senhorita Dashwood. Ele parecia mesmo ser muito apegado a ela.

— Ah, acho que isso é verdade. — cedeu.

— De qualquer modo... — um brilho zombeteiro tomou os olhos verdes do Visconde. — Eu estou planejando algo.

Bea lembrou das palavras que ele tinha dito da última vez. De seu estranho convite para que se tornassem amigos. Mesmo que ele estivesse sendo sincero em seu convite, ela não conseguia se imaginar sendo amiga do Visconde Bedwyn. Era fato que ele era divertido, e parecia bem fácil conversar em sua presença, mas uma amizade era feita de mais que gracejos e piadas internas. Havia confiança em uma amizade. E confidências. Triz não sabia se queria confidenciar qualquer coisa ao Visconde.

Apesar que já tinha feito isso, não tinha? Quando tinha conhecido ele. Mesmo sem intencionar.

Ela inclinou a cabeça para o lado sarcasticamente e revirou os olhos.

— Ele acha que você está planejando alguma coisa execrável, Milorde. — pausou, olhando-o com cautela. Parecia uma boa oportunidade para sondar a razão pela qual ele estava ali, para começo de conversa. — É para isso que veio? Para me convencer a... Ser sua amiga?

O Visconde, que até então se mantivera perto da porta, tateou o caminho com sua bengala até o segundo dos pequenos sofás ali dispostos. Ele bateu em duas mesas de canto antes de conseguir. Quando alcançou-o, sentou e se recostou no sofá, um calcanhar confortavelmente posicionado acima do outro joelho numa postura despreocupada.

— Na verdade, eu vim para conversar.

Beatrice fez uma pausa meio longa antes de indagar:

—... Conversar?

— Sim, ora. Como quer que sejamos amigos se não conversarmos? — ele perguntou, como se aquilo fosse lógico. — Um dos fundamentos da amizade é o diálogo, senhorita Rodwell. Nunca teve amigos, por acaso?

Beatrice tinha amigos. Não só seus irmãos. Ela tinha deixado pelo menos três na América: Liam, John e Kate. Só fazia alguns meses desde que tinha retornado para a Inglaterra, mas Bea já estava sentindo uma profunda falta deles. Sentia falta das libertinagens inconsequentes de Liam, dos comentários sempre inteligentes de John e da infinita alegria de Kate.

Ainda trocava cartas religiosamente com todos eles – recentemente, recebera uma comunicando-a do casamento entre Kate e John, e da mesma maneira que ficara extremamente feliz pelos amigos, fora invadida por uma onda de tristeza avassaladora. Pois queria ter estado com eles. Mesmo que aquilo significasse correr o risco de esbarrar com Dylan e sua esposa. Triz teria feito de tudo e mais um pouco para estar na companhia deles de novo. Kate dissera que, como os ânimos na América estavam começando a ficar bastante instáveis, era provável que eles logo se vissem de novo. Mas até então aquelas haviam sido só palavras.

Ela não tinha feito muitos amigos na Inglaterra. Bom, ela tinha Jennie Thompson. Mas Jennie não estava o tempo todo em Londres. Seu pai, o Marquês Thompson, passava a maior parte do ano no interior, e só ia para a cidade quando estritamente necessário. Ou seja, durante o período ativo do parlamento. Ela deveria estar chegando a qualquer momento, na verdade, já que a temporada estava começando.

Mas, sem ela, e com a etiqueta do luto pesando em suas costas, Bea estava bastante sozinha. Não admitia estar solitária. Ainda tinha seus irmãos e Grace perto de si, e eles faziam de tudo para animá-la e mantê-la entretida. Mas ninguém podia estar o tempo todo rodeando-a. E, de qualquer jeito, por mais que fosse incentivada a isso, Bea não podia sair por aí conhecendo todo mundo. Não enquanto seu pai ainda não considerasse adequado deixar seu luto de lado.

O que só Deus sabia quando aconteceria.

Esse pensamento só serviu para deixa-la ainda mais deprimida do que estava mais cedo. Mesmo se quisesse, não poderia fazer amizade com o Visconde. Simplesmente porque para fazer isso precisaria passar tempo com ele, e sua liberdade era limitada. Pensando nisso, murmurou, em resposta a ele:

— Eu tenho amigos, Milorde. Mas não estou passando muito tempo com eles. Não sei se percebeu, mas ainda estou de luto parcial por minha mãe. — ele deveria ter ouvido sobre a morte da Viscondessa. Não tinha se passado tempo o suficiente para a história desaparecer.

Um vislumbre de reconhecimento cruzou o rosto do Visconde, e ele pareceu arrependido, por um momento, pelo descuido com suas palavras.

— Sinto muito, madame. — reiterou. — Tinha me esquecido desse fato.

Triz fez um gesto com a mão, dispensando o fato. Sabia que ele não tinha feito nada disso de propósito. Tinha a impressão cada vez mais forte de que o Visconde era um homem muito honesto. Por isso não duvidava mais que suas intenções fossem realmente aquelas que proferia. Ela ainda não entendia porque o sujeito tinha se interessado tanto em sua pessoa como uma possível amizade, mas não importava.

Nada iria acontecer, de qualquer forma.

— Eu arrisco dizer... — ele continuou, dessa vez com mais suavidade. — Que se sente aprisionada a uma vida que não é inteiramente de sua preferência, em razão das coisas que aconteceram com você. Da mesma forma que estou aprisionado a uma vida que não é totalmente da minha preferência por ter perdido a visão.  

Beatrice ergueu os olhos, surpresa. Aquelas palavras tinham pegado ela completamente despreparada. Primeiro porque pareciam de repente muito profundas, diferente do tipo de conversa que tinham mantido até então. E segundo porque eram ridiculamente certeiras.

Sim, Triz se sentia aprisionada. Não só pela morte de sua mãe, mas por tudo. Por seu nascimento. Por sua classe. Pela vida que levara até então e que a ensinara a aspirar coisas que estavam muito acima do que normalmente era permitido à seu sexo. Parecia tremendamente injusto. A vida era injusta. Por que as coisas tinham que ser daquele modo? Por que sua mãe tivera que morrer, jovem demais, cedo demais?

— Eu daria qualquer coisa para me livrar disso. — mesmo sem programar, viu-se murmurando, em resposta. Suas mãos se apertaram firmemente uma na outra.

O olhar do Visconde era solidário, embora cego. Não incômodo. Não desconfortável. Era estranho. Em situações normais, Bea teria ficado constrangida por ter confidenciado aquilo a um desconhecido. Ela nunca falava sobre coisas assim a desconhecidos. Mas talvez fosse justamente isso que tornava mais fácil. No dia seguinte, ainda seriam desconhecidos. O que dissessem ali seria esquecido.

— Quando ficou cego? — perguntou, antes que pudesse se controlar. Essa era uma pergunta que há muito tempo queria fazer.

— Tinha vinte anos quando aconteceu. Isso foi quatro anos atrás.

— Tão jovem. — murmurou, baixinho.

O Visconde abriu um meio-sorriso pesaroso.

— É difícil ter uma vida tão diferente do que se esperava e não se sentir inteiramente no comando, não concorda? — ele indagou.

— Concordo. — Bea disse, após uma pausa meio longa.

O homem anuiu. Então pareceu hesitar, por um momento. Se remexeu no sofá, meio desconfortável. Até que finalmente levantou os olhos de volta para ela:

— O que faria se pudesse mudar sua vida exatamente para o que você quer? — indagou, com certa intensidade. Parecia muito interessado na resposta que poderia receber. — Se tivesse os meios e oportunidades para fazer tudo o que quisesse? O que sonha em ser e fazer? Suponho que tenha sonhos. Todos temos. Quais são os seus?

Novamente, Bea se viu pega de guarda baixa. Mas dessa vez estava um pouco mais preparada. Percebeu que aquela provavelmente seria sua última chance de conversar com o Visconde apropriadamente. Mesmo que o visse de novo, não sabia se estaria disposta a falar tão francamente como agora fazia. Não havia nenhum sentido em fazer isso, considerando que não seriam amigos, de qualquer modo.

Tinha que aproveitar a oportunidade. Mesmo que isso significasse ter uma conversa mais íntima com aquele estranho. A verdade é que era fácil conversar com ele. Mais fácil que o esperado. Era como naquela primeira noite em que tinham se conhecido; Bea podia dizer o que viesse à sua cabeça, porque, no dia seguinte, aquilo não passaria de uma lembrança. De uma ilusão do passado.

— Eu viajaria pelo mundo. — falou, abrindo um leve sorriso. — Eu aprenderia novas línguas e conheceria novas culturas. Eu viveria aventuras. Seria livre para ir onde quisesse e quando quisesse. E escreveria histórias sobre isso, tirando minha renda disso. Não seria algo exagerado, só o suficiente para viver.

O Visconde abriu um sorriso diante de suas palavras. Parece que tinha esperado outra coisa. Ele lhe dera a chance de desejar riqueza, joias, peles, mansões e sabe-se lá o quê. Perto disso, Bea sabia que aquele seu sonho parecia bastante modesto. Embora fosse bem mais distante e irreal que o primeiro. Um das grandes e cruéis ironias da vida.

— E onde viveria? Teria uma casa? E marido e filhos? — ele perguntou.

Bea hesitou de novo. Mas, no fim, soltou um suspiro:

— Eu teria que ter uma casa para a qual retornar, certo? Preferiria que fosse no interior. E sobre criar uma família... — estranhamente, aquele parecia ser um tópico íntimo demais. Ainda mais íntimo que falar sobre seus sonhos e aspirações. Talvez porque a ferida envolvendo aquilo ainda estivesse meio aberta. Ela não queria pensar sobre isso. Não queria pensar sobre Dylan. — Não sei. Mas agora é sua vez. Quais são seus sonhos?

— Esses estranhos fragmentos de coisas que passam pela mente quando estou dormindo? — ele indagou, sorrindo.

Mas ela não devolveu o sorriso. Não iria deixar ele escapar.

— Seus sonhos, Milorde. — insistiu. Então repetiu o que ele tinha dito mais cedo: — Um dos fundamentos da amizade é o diálogo.

— Pensei que tivesse dito que não tinha espaço para fazer amigos.

— Eu estou tendo agora. — Bea retrucou, meio irritada pela insistência dele em desviar. — Vamos lá. Desembuche.

O Visconde suspirou, por fim, desistente. Então pareceu pensar por um momento.

— Eu queria... — ele desviou os olhos, que não enxergavam nada, para algum ponto aleatório da sala de estar. — Ser dono do meu próprio destino.

— Isso é muito vago. — Triz acusou. Tinha acabado de abrir seu coração e dar uma descrição detalhada para ele, e era aquilo que recebia em resposta?

O homem encolheu os ombros.

— Eu não... — pareceu ficar meio desconcertado, de repente. — Não sei bem o que quero. Não exatamente. Quando eu penso no futuro... Nada específico surge na minha cabeça.

Triz poderia considerar aquilo como uma desculpa esfarrapada. Mas ele parecia estar sendo sincero. Que estranho. Que tipo de pessoa não tinha nenhuma aspiração se quer? Ele deveria querer algo. Qualquer coisa.

— Uma esposa e filhos? — perguntou, tentando incitá-lo a falar mais. E se arrependeu no mesmo instante. Pois todo o corpo do Visconde pareceu ficar meio tenso, de repente. Como se ele estivesse desconfortável. Lembrou então da recusa firme que ele lhe dera da última vez em que tinham conversado e ela sugerira que ele estava flertando com ela, talvez na busca de uma esposa. — Sinto muito. Foi uma pergunta indiscreta.

Ele balançou a cabeça.

— Mesmo eu tendo feito a mesma pergunta? — deu uma risadinha meio sem graça. — Falamos de sonhos, não de realidade. Falamos de como gostaríamos de viver nossas vidas se tivéssemos mais liberdade. Então não. Sem esposa. Nem filhos. Em meu sonho sou livre e sozinho, apesar de ser cego.

Diferente do que ela pensara antes, parecia que a deficiência do Visconde o afetava sim, de algum modo. Mas ele não agia como se fosse assim. Era mesmo muito intrigante. E ela queria entender mais sobre aquilo. Queria entender mais sobre ele, embora não gostasse dele.

O tédio estava fazendo ela enlouquecer, definitivamente.

— O caso — o Visconde continuou. — é que minha mãe tenta desesperadamente arranjar um casamento para mim. Por isso é que estou fugindo dela como o diabo foge da cruz.

Bea ficou meio perdida com a mudança repentina de assunto.

— Você quer dizer... A Baronesa Dashwood? — seu cenho se franziu ligeiramente. Então ela decidiu trazer à tona outra de suas dúvidas: — Você é filho dela, mas é o Visconde Bedwyn.

— Sim. — ele anuiu. — Meu nome é William Hayes. A seu dispor. Não sou filho do falecido Barão Dashwood. Meu meio-irmão, Philipp, é que é. O que o torna o atual Barão. Não eu.

— Ah. — Triz deveria ter suposto isso sozinha. Ou simplesmente perguntado a Zachary. Ele é quem estava mais familiarizado com aqueles parentescos ingleses. Mas se o Visconde não era um Dashwood, então isso significava que a senhorita Dashwood era sua meia-irmã. E, no entanto, a relação deles era tão próxima...

Assim como a dela e de Zachary era, apesar dele não ser filho da mãe de Triz. No fim, sangue não tinha nenhuma significância de verdade.

— Foi isso que esteve fazendo? — perguntou, com talvez uma pontada de provocação na voz: — Fugindo da sua mãe?

O Visconde riu.

— Muito bem, se quer saber. Nesse meio tempo eu fui a todo tipo de lugar com Cecily. E fui apresentado a cada uma das moças solteiras nesses lugares.

Triz deixou sair um som estranho do fundo da garganta, como um ronco, na sua tentativa de disfarçar uma risada. O homem falou aquilo como se fosse o pior inferno que já tinha enfrentado na sua vida. Não que ela não pudesse entende-lo, na verdade.

— E também — continuou ele. — fui apresentado à mãe de cada uma dessas moças solteiras.

Dessa vez, ela gorgolejou. Realmente gorgolejou.

— Que feio. — o Visconde – William – resmungou. — Rindo do seu amigo.

— Sinto muito. — disse ela, apertando os lábios.

— Não sente, não. — ele rebateu, sem dó.

— Está bem. — Triz admitiu. — Não sinto mesmo. Mas isso porque estou sofrendo com essa tortura há bem mais tempo. Meu pai está na mesma missão que a sua mãe. É difícil ter compaixão por causa só de uns dias.

William inclinou a cabeça para o lado, curioso. E divertido. Ele parecia mesmo muito feliz em vê-la conversando tão abertamente.

— Por que, então, você simplesmente não encontra alguém com quem casar e acaba com isso? — ele indagou. — Você disse que não sabe se quer casar, eu sei, mas bem... Seria tão ruim se isso acontecesse?

— Não pretendo me casar a não ser que eu seja arrebatada pelo mais profundo e enlouquecido amor, Milorde. — Bea respondeu, sem hesitar. — Além do mais, esse homem teria que se enquadrar perfeitamente no que eu espero dele. Não poderia ser um empecilho para meus maiores sonhos. Ou seja... — esse homem não existe. — Eu provavelmente vou ficar sozinha o resto da vida.

Triz não tinha certeza disso. Mas parecia o mais provável, considerando as circunstâncias. Que homem inglês permitiria que sua esposa levasse uma vida tão livre e “indigna”?  

Suas palavras pareceram deixar o Visconde pensativo. Ele demorou um longo momento para falar de novo. Mas, quando falou, seus olhos estavam exibindo um brilho diferente. Como se uma ideia tivesse surgido na sua mente. Uma ideia estranha, louca e espantosamente maravilhosa. Talvez até mesmo perigosa.

— Você não gostaria de uma folga? — perguntou, de repente.

— Uma folga? — Beatrice repetiu, meio confusa. — De que?

— De seu pai. Do luto. De tudo.

Ela quase se engasgou com a surpresa.

— Como assim? Como eu poderia afastar essas coisas? — não poderia haver uma ideia se quer que ela já não tivesse cogitado sobre isso.

O Visconde balançou a mão:

— Não estou falando de afastar elas, mas sim afastar você delas. — parecia muito empolgado com aquela possibilidade. — Eu esperava poder ignorar completamente minha família e a sociedade londrina. Mas pelo jeito não vou poder fazer isso.

— O que? De repente descobriu que gosta de limonada aguada e de ser adulado por mulheres? Pensei que isso não fosse mais novidade. — Triz ironizou.

— Não. — ele respondeu, ignorando seu sarcasmo. — Porque Cecily me pediu para passar tempo com ela. Vai ser sua estreia no mercado matrimonial e ela me quer por perto. O que quero dizer é que vou ter que ir a lugares que não quero ir.

— Oh, que destino aterrorizante.

Ele de novo ignorou seu comentário.

— E você não poderá ir a maioria esses lugares, certo?

— Sim, é claro.

— Talvez haja uma maneira de eu ser poupado das atenções das mamães casamenteiras e suas filhas e, ao mesmo tempo, você poder sair mais.

Apesar de cética, Triz viu-se se inclinando ligeiramente para frente, em expectativa:

— E como seria possível?

O Visconde abriu um sorriso triunfante, como se tivesse acabado de descobrir a fórmula para a imortalidade:

— Eu cortejaria você.

Beatrice não disse nada. Absolutamente nada. Só ficou encarando ele, como se fosse o homem mais grosseiro na face da terra. Ou como se fosse pura e simplesmente insano. O que deveria ser verdade. Qualquer uma das duas opções. Ou até as duas. Parecia que ela não estava errada, afinal, com suas primeiras impressões. E pensar que achara que ele realmente poderia...

— Eu não estaria falando sério. — ele se apressou em explicar. — Não quero me casar, já disse. Mas não acho que seu pai se oporá a deixa-la sair se saber que você tem um pretendente na mira. E talvez, indicar que eu também tenho uma futura esposa em mente, afaste as mulheres e minha família de mim. Mas na verdade só seremos amigos. E quando a temporada estiver perto de acabar, é só fingir que nosso compromisso não deu certo.

É, realmente, ele era insano. Aquela era a ideia mais absurda – e ridícula – que Beatrice já tinha ouvido em toda sua vida. Que papel que ela teria que interpretar! Interessada no Visconde Bedwyn? Logo ele, de todos os homens? Ele, que era o completo oposto do que ela tinha acabado de descrever como um possível candidato a futuro marido? Além disso, não tinha como dar certo. Concordava que provavelmente seu pai não se importaria em dá-la mais liberdade se o preço fosse vê-la compromissada com alguém, mas ainda assim...

Não sabia se sua presença espantaria as aduladoras do Visconde. Nem se diminuiria os esforços de sua mãe e sua família em casá-lo com alguém. Não conhecia os Dashwood. E se eles começassem a pressioná-los para que de fato algo saísse disso?

— Francamente, Milorde... — começou.

— Eu sei o que você está pensando. — ele a interrompeu. — Mas não somos obrigados a nada. E podemos acabar com isso quando quisermos, se percebermos que não está funcionando. Não teríamos perdido nada, teríamos? Talvez só um pouco de tempo, muito bem gasto nas presenças um do outro.

— Quem disse que quero gastar meu tempo com o senhor?

— Você acabou de fazer isso na última meia hora desde que eu cheguei, madame. — ele retrucou, sorrindo altivo. — Ora, vamos. Vai ser divertido. Vai ser como quando nos conhecemos. Seremos dois personagens num falso cenário. E sabemos que nunca vamos confundir isso com a realidade.

Aquela sugestão cativou Triz. Fingir ser alguém que não era, como naquela noite... As circunstâncias eram obviamente muito diferentes. Mas ela realmente podia tirar vantagem daquilo. Não ficaria mais tão enjaulada, e poderia mesmo se divertir. O Visconde podia não estar no seu ideal de companheiro romântico, mas era divertido. E podiam ser amigos.

Então não havia um verdadeiro motivo para negar, havia? A não ser o fato que continuava sendo uma loucura. Mas Triz adorara a loucura que fora a noite de conversazioni. Como poderia negar a si mesma experimentar um pouco mais daquilo?

— Francamente... — suspirou. — Não acho que vá dar certo, mas se o senhor acha que pode dar certo...

Vai dar certo. — ele parecia mesmo muito convencido disso. — Então, o que me diz? Você aceita?

Beatrice encarou o Visconde, com aqueles olhos azulados que pareciam muito ansiosos e elétricos de repente. Ele parecia mesmo estar muito desejoso de se livrar daquele incômodo durante a temporada. E de passar tempo com ela. Ela foi invadida por um momento a mais de hesitação, movido pela sua racionalidade...

Mas estava farta de ser sempre tão racional. Não fazia mal em desviar-se um pouco da curva, pelo menos uma vez na vida. Fizera isso antes, na noite da conversazioni. E o mundo não acabara por essa razão. Que mal teria... Permitir-se isso só uma vez mais? Uma única vez. Então depois poderia voltar a ser a boa, velha e prática Beatrice.

Só mais uma vez. Prometeu a si mesma. Então estendeu a mão para o Visconde:

— Aceito, Milorde.

Ele sorriu radiante, apertando sua mão, como se selassem um acordo. Triz se viu meio contagiada pela empolgação dele, então, e sorriu de volta.

— Agora — ele reiterou. — O próximo passo é... Que pare de me chamar de “Milorde”. Isso não é coisa que amigos façam, certo? É muito formal.

Bea achou graça.

— Então como devo chama-lo? — indagou. — William? Ou pelo seu sobrenome, Hayes, como os homens costumam se cumprimentar entre si?

— Só quem me chama de William é minha mãe, quando está brava. — o Visconde retrucou, balançando a cabeça. — Não, não. Você deve me chamar como meus amigos e minha família me chamam. De Will.

— Will. — Triz repetiu a palavra, se sentindo meio encabulada de repente. Parecia um apelido bastante íntimo. E eles mal se conheciam. Mas ele estava certo. Se quisessem convencer as pessoas, precisavam se tratar além da formalidade comum.

— Como eu devo chama-la? — Will perguntou, então.

Ela recuou, por um momento. Não parecia justo pedir para ele chama-la de Beatrice, considerando que ele permitira que ela o chamasse por um apelido. Haviam muito apelidos que tinham-lhe sido dados. Havia Bea, Triz... Mas o mais íntimo, aquele que era usado somente por sua família, era...

— Abby. — respondeu, decidida.

— Abby. — ele sorriu ao repetir. Era estranho ouvir aquilo em sua voz. Estranho e... Bom. Ela gostava de pensar que poderia ganhar outra pessoa tão próxima a ponto de poder chama-la dessa forma. — Muito bem, minha cara Abby.

O Visconde – Will, seu novo amigo, seu cortejo de mentirinha – se colocou de pé. Ela estendeu a mão em sua direção, por reflexo, e ele tateou o ar, sendo certeiro ao pegá-la. Levou-a aos lábios, num beijo muito breve e educado.

— Acredito que já estou abusando da sorte e da cortesia ao ficar tanto tempo aqui. — ele disse. — Você ficará sabendo de mim logo, prometo. Jamais deixaria minha prometida ser arrasada pela atemorizante dor da saudade. — ele deu uma piscadela.

Bea balançou a cabeça em resposta. E ele saiu batendo a porta.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Quero saber suas opiniões sobre nosso retorno e as mudanças que ele trouxe. Au revoir, queridas!



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