Até você chegar escrita por Little Alice


Capítulo 7
Life was a willow and it bent right to your wind


Notas iniciais do capítulo

Oi, todo mundo! Como vocês estão? Eu espero que estejam bem!

Seguimos com o próximo capítulo da fic, este tem várias cenas mais curtas, alguns saltos temporais e muito Scorose. Eu espero que gostem!



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Lost in your current like a priceless wine

Scorpius sentiu algo diferente dentro de si quando a viu. Como uma Nereida, uma ninfa das águas, Rose se divertia à beira do Lago Negro, junto da Srta. Creevey. Ela ria e mergulhava os pés na superfície, formando pequenas ondulações circulares. A barra do seu vestido estava praticamente arruinada, molhada e suja de terra, e os seus cabelos estavam soltos e desordenados, caindo em suas costas e sendo levados, de forma ocasional, pelo vento. Ainda assim, Rose resplandecia, a luz do sol infiltrava-se através das copas das árvores, criando delicados caleidoscópio de luzes e penumbras sobre a sua pele. Ele podia jurar que havia um brilho dourado por toda ela, uma sombra que se refratava em um arco-íris místico.

Era estranho, fascinante e algo mais… algo muito mais profundo, a que sequer poderia nomear. De repente, deu-se conta de que não deveria estar ali. Um verdadeiro cavalheiro teria desviado o olhar no mesmo instante ao se deparar com uma cena tão íntima quanto aquela, mas Scorpius permaneceu no mesmo lugar, paralisado diante daquela visão de Rose, como que completamente hipnotizado. A voz dela era um canto de sereia que ele queria ouvir, ainda que aquilo o destruísse, que o levasse para as profundezas do oceano mais violento.

Quis forçar-se de volta à realidade. Tratava-se somente de um passeio pela propriedade da sua família. Tantos anos se passaram desde que pisara ali pela última vez e Scorpius sentia como se desconhecesse o lugar, um lugar que um dia seria seu. Seu legado amaldiçoado, mas que não precisava sê-lo realmente. Entendeu isso ao visitar os arrendatários, ao ver as suas reais condições de vida e como careciam de tantas coisas; de melhorias em suas casas, de serviços médicos, de remédios e de alugueis mais justos. Coisas com as quais Scorpius poderia ajudar, como médico e como ser humano.

Ele poderia mudar aquilo ou, pelo menos, tentar. Poderia não apenas transformar a tradição da sua família, mas criar uma nova. Não se trataria somente de obter lucros, sem nunca dividir. Rose estava certa, afinal. Durante dias, as palavras dela não pararam de ressoar em sua mente, não cessaram de atormentá-lo um segundo sequer, apontando a todo instante para a sua própria covardia ― e que, no fim, não deixava de ser uma forma de egoísmo também. Fora sempre sobre ele, sobre como se sentia e sobre como queria algo diferente para si. Naquela tarde, Scorpius conheceu os arrendatários, as plantações, os funcionários e cada mínimo detalhe e, no fim, seus pés o trouxeram até o limite da propriedade, justamente àquele lago. Quis forçar-se de volta à realidade, mas não conseguiu. Não moveu um único músculo. Talvez não tenha nem mesmo piscado.

Rose se virou, o suficiente para vê-lo entre as árvores. Em um primeiro momento, estranhou, o cenho levemente franzido, mas então abriu um sorriso genuinamente feliz e acenou para Scorpius. Ela enrolou os cabelos para um dos lados, tentando ordená-los um pouco mais, e caminhou até ele, o sorriso alargando-se a cada passo que dava em sua direção.

O brilho dourado pareceu desfazer-se e, com ele, aquele momento de insensatez. De completa imobilidade e desatino. Porém, ainda sentia o mesmo encantamento, o coração pulsando forte dentro do peito, os sentimentos embaralhados e a boca completamente seca. Apolo, que também brincava na água, saiu e correu atrás da dona. Ele chegou primeiro ao rapaz, que se abaixou para acariciá-lo. Sentia que não poderia encarar Rose ainda, não enquanto não limpasse os próprios pensamentos. Não supunha que poderia entendê-los, mas afastá-los já seria um bom começo.

― Scorpius ― disse, suavemente. ― Veio aproveitar o dia à beira do lago também?

― Não ― respondeu ele, com a atenção ainda voltada para Apolo. O cachorro arfava e se agitava, nunca satisfeito com o carinho que lhe davam. Era sempre assim, Scorpius quase sentia vontade de rir. ― Eu estava apenas passeando pela propriedade quando esbarrei em vocês. Me desculpe, não sabia que estariam aqui.

― Ele gosta tanto de você ― observou. ― Apolo costuma ser bem tímido. Não é assim tão aberto com todo mundo. 

― Tímido? Eu diria que é um pouco bruto e carente, mas não tímido ― riu, finalmente erguendo o olhar para fitá-la. Fez um último carinho em Apolo e levantou-se. ― Sinto muito por ter atrapalhado o programa de vocês.

― Não é incômodo algum. Sei que pode não parecer muito apropriado, mas quando isso nos deteve? Mary Ann e eu trouxemos alguns bolos, frutas e sucos, pretendíamos fazer um piquenique quando o sol começasse a se pôr. ― Scorpius observou que havia uma toalha de mesa estendida sobre a grama, com uma cesta sobre ela. A Sra. Creevey saíra do lago e se aproximava do lugar escolhido para o piquenique, sem desviar os olhos dos dois. ― Por que não se junta a nós? Já está aqui mesmo.

― Eu… ― Scorpius engasgou-se. Uma parte de si queria dizer sim. Outra, a mais sensata, queria fugir. Precisava considerar o efeito que aquela cena lhe causara e ainda causava. O melhor seria declinar ao convite. Talvez toda aquela farsa, enfim, estivesse cobrando o seu preço. Talvez o preço viesse em forma de confusão. Em forma do que não podia explicar. Do que não podia se permitir sentir. ― E-eu… não posso. Prometi ao meu pai que voltaria cedo, precisamos revisar alguns números da contabilidade, alguns dados da propriedade, antes do jantar.

― Ah… ― Rose pareceu desapontada. ― Tudo bem, então. Eu fico feliz que esteja se interessando pelos assuntos do ducado. É o que isso significa, não?

― Sim, você estava certa. Bom, é claro que estaria. Acho mesmo que posso criar minhas próprias tradições. ― Ele tentou sorrir e a jovem retribuiu-lhe o gesto, ainda que parecesse um pouco triste com a recusa dele. Com uma despedida cortês, ela se afastou, levando Apolo consigo, e voltou para junto da Srta. Creevey. Rose ainda lhe lançou um último olhar antes que Scorpius lhe desse às costas. Ele fez um gesto rápido com a cabeça e saiu com o coração um pouco pesado. Era como se começasse a se perder no labirinto que eles mesmo criaram. Balançou a cabeça e chutou algumas pedrinhas que encontrava pelo caminho, buscando varrer qualquer traço de ambiguidade no relacionamento dos dois para longe. Aquilo não deveria acontecer e não aconteceria.

 

 

Rose nunca imaginou que um dia assistiria àquilo. Que veria as famílias Weasley e Malfoy reunidas sob o mesmo céu ensolarado, jogando uma partida amistosa ― ou quase ― de croquet¹. Naquele domingo, ela e os pais foram convidados para um almoço na Malfoy Manor. Tudo ocorrera bem, embora a ausência do duque de Wiltshire não passasse despercebida. Segundo Scorpius, aquilo jamais mudaria. Lord Malfoy nunca a aceitaria. Ele não podia impedir, considerando que eram almas gêmeas, contudo, também não daria a sua benção. Rose achava aquilo tudo um pouco triste.

Não por causa dela, é claro; em breve o acordo que os dois fizeram terminaria e ela voltaria a ser um desafeto distante para o patriarca da família, alguém com quem não precisaria se preocupar, porque suas vidas não estariam atreladas uma à outra. Mas por causa de Scorpius, caso se apaixonasse e escolhesse uma esposa como Rose, de origem menos nobre, compreendida como “menos digna”. Isso se de fato pudesse escolher! Isso se o avô não decidisse escolher em seu lugar! Diante de tanta irreversibilidade, ela só podia torcer pelo melhor, o seu coração queria que o amigo pudesse amar e que pudesse ser amado de volta. Queria ver Scorpius feliz, tanto quanto fosse possível.

No entanto, uma parte sua considerava estranho pensar naquilo. Pensar em como seriam as suas vidas, cujos caminhos não estavam predestinados a se cruzarem no fim. Bem lá no fundo, aquilo lhe parecia errado... a fatalidade do destino dos dois. O universo não os fizera para terminarem juntos, e sim para ensaiarem uma farsa qualquer. Só que havia algo de especial sobre ambos, Rose sentia isso; havia algo de especial sobre aquela amizade que nem o tempo nem a distância não puderam destruir por completo, as reminiscências estavam neles, sempre estariam.

Em outras circunstâncias, em um mundo muito diferente daquele, talvez pudessem se transformar em algo mais. Eles pareciam merecer mais do que lhes era oferecido naquela realidade injusta. Porém, sempre que aquele tipo de devaneio insensato lhe surgia, Rose sacudia a cabeça. Às vezes, sentia que toda aquela situação lhe confundia os sentimentos. A posição de Scorpius em sua vida sempre fora muito clara, era um amigo próximo e então se tornara um amigo distante, embora querido. Agora, era o seu futuro noivo, mas não um verdadeiro; o problema é que uma mentira, por vezes, abre margens para possibilidades antes nunca pensadas.

Aquela mentira em questão lhes trouxera toques afetuosos, intimidades, segredos compartilhados e momentos de leveza e de dores. Dissolvia as certezas de uma amizade sólida e os presenteava com vislumbres de um futuro que jamais aconteceria, porque não era para acontecer. Porque era algo que existia somente enquanto uma miragem fraca, dentro dela e nada mais. Porque não era nem mesmo uma miragem que desejava. Ao menos, ela julgava que não desejava. Há muito, havia decidido por aquilo. Sabia quem queria ser e o que isso incluía e excluía.

Apesar disso, tornava-se cada vez mais inevitável esquecer-se da prudência e da realidade quando estavam juntos. Rose sentia aquilo naquele momento, enquanto travavam àquela batalha no croquet. Embora as duas famílias rivais estivessem se divertindo juntas no campo, era óbvio para todos que a vitória significava mais do que uma vitória no jogo, significava manter o orgulho intacto e significava provar qual dinastia era mais digna de nota e elogios. Ron e Hermione jogavam pelo nome da família Weasley, enquanto Draco e Astoria o faziam pelo nome da família Malfoy. A vitória era individual, mas o sentido por detrás dela não. Os quatro pareciam crianças competitivas e sem razão.

Isso fez com que Rose e Scorpius se unissem. Eles quebrariam aquela tradição idiota de rivalidade. De modo muito espontâneo, os dois passaram a jogar juntos, se ajudando e se aconselhando; os seus próximos passos dentro do jogo passaram a ser sempre em conjunto, nunca só. Se um deles vencesse, a vitória seria de ambos, portanto, de ambas as famílias. Naquele mesmo instante, Rose encarava o arco, por onde a bola deveria passar. Se passasse por aquele obstáculo, eles ganhariam.

Ela se sentia um pouco nervosa, as mãos trêmulas e a pulsação acelerada. Queria muito provar aquele ponto, queria muito provar a união entre Weasleys e Malfoys era possível. De repente, aquela partida se tornara quase simbólica para Rose. De certo modo, para Scorpius também, porque, no momento em que pressionou os dedos sobre o taco, ele se aproximou dela, posicionando-se por detrás do seu corpo, suas mãos sobre as delas, lhe transmitindo força e segurança. Em parceria, eles lançaram a bola, que rolou em uma linha perfeitamente reta e atravessou o arco sem nenhuma dificuldade.

A moça sorriu no mesmo segundo, radiante. Eles tinham vencido. Ela e Scorpius. Inclinando a cabeça para trás, Rose o viu, ainda abraçado à sua cintura. Dessa vez, no entanto, ele parecia envolto em um brilho estrelar. Um brilho único, que a atingia por dentro, diretamente no peito. O sol refletia em seus cabelos loiros e intensificava a força do seu sorriso luminoso, quase ofuscante. Ela sentiu que paralisava, enquanto Scorpius movia-se lentamente, distanciando-se dela.

Ele comemorava, gargalhando com a situação. Os pais de ambos pareciam descontentes, como se os filhos tivessem lhes tirado todo o prazer da partida. Rose, no entanto, permaneceu no mesmo lugar, orbitando um planeta desconhecido e perigoso. Ela estava perdida nele, admirando-o como se fosse um vinho precioso e antigo. Se ainda acreditasse naquilo, diria que tivera uma conexão mística com Scorpius. No entanto, não era possível. Era? Não se parecia com as descrições dos livros antigos, muito menos com as histórias que seus pais, avós e tios contavam. A jovem fechou os olhos, inspirou, expirou e voltou a abri-los. Seu coração ainda não havia normalizado, mas já não se sentia tão imóvel, tão absorta nele. Mal se recuperava e Scorpius a puxou para um abraço, erguendo-a no ar. Ele a rodopiou rapidamente e com bastante firmeza.

― Conseguimos! ― sussurrou em seu ouvido esquerdo. O calor do corpo dele e a fragrância do seu perfume tão conhecido a inebriaram. A confortaram de um jeito que inquietava, se é que ambas as palavras pudessem pertencer a mesma sentença. ― Somos perfeitos juntos, não acha? Aliás, eu diria que somos mesmo invencíveis. Rose e Scorpius contra o universo. Me parece um ótimo bordão para nós dois.

Aquelas palavras soavam certas para a ocasião, porém, por alguma razão, Rose as sentiu como erradas em algum ponto essencial. Depois de refletir um pouco, já estando deitada em sua cama, sem conseguir pregar os olhos e com os pensamentos a mil, ela soube: pareciam erradas porque borravam as margens entre a mentira e a verdade. Ao menos, para a garota.  

 

 

 
Life was a willow and it bent right to your wind

Scorpius não mentiria sobre aquilo: gostava daquela tarefa que lhes fora incumbida. A tarefa de provar bolos e doces na confeitaria do vilarejo. Era como a realização de sonhos muitos infantis. Ele encarou Rose, sentada à sua frente na mesinha da Dedosdemel. Com seu sorriso singelo, seus brilhantes olhos castanhos e seu rosto corado de sol, ela parecia tão perfeitamente satisfeita quanto ele. Scorpius a observou dar uma mordida no próximo bolo. Imediatamente, Rose cerrou as pálpebras e sorriu, seu semblante transbordando um tipo indecifrável de prazer. Ele arfou diante daquela visão tão passageira. Aquela maldita expressão deveria ser considerada imoral, pois Scorpius podia senti-la em seu coração e em outras partes do próprio corpo, como um arrepio prolongado e dolorido.

― Hummm, acho que temos um vencedor! ― Rose abriu os olhos novamente e, tirando mais uma garfada do bolo, inclinou levemente o corpo sobre a mesa, na direção de Scorpius. Ela nem se deu conta dos olhares de recriminação que alguns clientes lhes lançaram. ― Prove. É maravilhoso, é como provar um pedaço de céu!

Scorpius experimentou e, enfim, compreendeu a reação sincera da amiga. Era provável que a sua própria expressão estivesse como a dela, agora. Era um bolo de chocolate, mas o doce era interrompido pela acidez das laranjas, pela suavidade do creme branco e pelo amargor das raspas de cacau. Uma explosão de sabores, contraditórios e complementares, e que derretiam na boca.

― Sim, temos um vencedor com certeza! ― concordou. ― Esse será o nosso bolo de noivado!

― Noivado falso ― corrigiu-o. ― Mas será um noivado falso magnífico.

― Parece que somos compatíveis quando se trata de bolos ― brincou. Com o próprio garfo, ele roubou mais um pedaço do doce. ― É bom estar aqui, não acha?

― Bem melhor do que estar na loja da Madame Malkin, experimentando vestidos, discutindo rendas e babados franceses e sendo espetada de quando em quando.

Naquela semana, ambos se ocuparam extensivamente com os preparativos para a festa noivado, que não tardaria a ocorrer. Depois disso, Scorpius poderia voltar a Edimburgo se quisesse. Estranhamente, ele já não sabia se queria. Já havia perdido o semestre, talvez pudesse aproveitar o tempo que lhe restava até o próximo por ali mesmo, com Rose. Os últimos dois meses foram incríveis de um jeito completamente indescritível, de um jeito que nunca imaginou que poderiam ser. Era um crime desejar mais? Ou não havia justificativa plausível para aquele desejo? Era um absurdo, algo errado de se querer? Às vezes, parecia-lhe que sim.

O fato, entretanto, era que Scorpius apreciara cada segundo e cada minuto, enquanto fingiam aquele relacionamento falso. Não era nem mesmo algo que pudesse negar. Somente aquela última semana lhe fora cansativa. Tanto Astoria quanto Hermione queriam que os dois se envolvessem ativamente nos preparativos. Eles precisaram decidir as flores, os adornos, os conjuntos de mesa, as roupas e as atrações principais. Era estressante e um pouco enfadonho, porém, aquela tarde de sexta-feira surgiu como um presente muito bem-vindo. Era o dia das provas da confeitaria e isso jamais poderia ser considerado ruim, principalmente porque, finalmente, pudera ficar à sós com Rose.

― Discutir vestidos deve ser mais interessante do que discutir trajes masculinos, ao menos, vocês têm uma diversidade maior de cores e texturas ao alcance. As nossas roupas soam tediosos.

― Mas isso torna a tarefa menos prática também ― pontuou. ― Embora, sim, eu não trocaria uma gama quase infinita de cores por uma paleta escassa de tons neutros. Talvez Albus esteja certo em se rebelar, em querer ser tão extravagante...

― Qual sua cor favorita?

― Você não sabe? Meu Deus, Scorpius! Você não sabia qual era minha flor favorita…

― Ainda não sei, você não me disse especificamente.

― ... E não sabe a minha cor favorita. Que belo amigo você é. Tem certeza de que foi o meu melhor amigo de infância? ― provocou.

― Agora que você mencionou, eu nunca tive certeza ― riu. ― Porque eu competia com todos os outros Weasleys.

― Você era ― afirmou. Scorpius sorriu, contente com aquela informação. No mesmo instante, Rose apontou o garfo em sua direção: ― Mas se contar a Albus ou a Lily, eu vou negar. Em todo caso, a minha cor favorita é laranja... só que não é uma cor muito indicada para pessoas ruivas.

― Laranja é minha cor favorita agora.

― De novo isso? Você é um ridículo!

― Verdade ― sorriu. ― Quando eu penso em laranja, eu penso em Rose Weasley. É a cor dos seus cabelos e a cor do fogo, o mesmo fogo que às vezes vejo brilhar nos seus olhos. É também a cor que invade o céu na hora mais bonita do dia. Se as nossas auras possuíssem uma cor, a sua seria laranja. É por isso que agora o laranja é a minha cor favorita, porque você também é minha pessoa favorita.

Scorpius notou quando as bochechas dela ficaram rubras. Rose abaixou os olhos e voltou-se para o seu pedaço de bolo. Ele não se arrependia do que dissera, fora sincero, aquelas palavras apenas confirmavam o que sentia dentro de si mesmo. Rose Weasley era sua pessoa favorita do mundo, sabia disso desde que era criança. Agora, sentia-se diferente, mas aquela afirmação continuava sendo uma constante em sua vida.

― Foi uma semana cansativa ― comentou apenas para quebrar o silêncio. ― Se preparar uma festa de noivado é tão exaustivo e trabalhoso, imagine uma festa de casamento?

Rose ergueu o olhar e disse, com aspereza:

― Não vamos nos casar, então não precisamos nos preocupar com isso.

― Eu sei, Rosie ― respondeu, cruzando os braços. Ele não entendia porque a amiga ficara tão chateada e agira tão na defensiva. Fora uma brincadeira. Era óbvio que não se casariam de verdade. Isso não fazia parte dos planos de nenhum dos dois. Ambos sabiam, ambos compreendiam.

Sentia-se um pouco estranho às vezes, mas era algo que guardava para si e que, de um modo geral, preferia mesmo manter enterrado, de tão ilusório que era. De tão unilateral. Pelo resto do dia, Rose não voltou a sorrir, não de modo espontâneo, como estava habituada perto dele. O mau humor dela acabou refletindo no dele. Eles provaram o restante dos doces em um silêncio desconcertante e Scorpius amaldiçoou-se por ter tornado, mesmo que sem querer, um momento que começara tão bem em algo tão… esquisito.

 

 

Os dois foram surpreendidos quando os primeiros pingos de chuva caíram sobre eles. Naquela tarde de domingo, Rose e Scorpius saíram para um passeio à remo e deixaram-se guiar pela própria correnteza do rio, ambos sentados, as palmas das mãos apoiadas no barquinho, os olhos voltados na direção do azul do céu ou do verde das matas ciliares. Felizmente, estavam na região onde o Lago Negro se estreitava e não demoraram até chegar à uma das margens.

Fora da canoa, eles correram ― para que lugar, não sabiam ao certo, qualquer um que oferecesse um abrigo bastaria no momento ― e foi assim que o reencontraram o Salgueiro Lutador; aos risos, com os corpos meio molhados, a respiração acelerada e o casaco de Scorpius estendido sobre suas cabeças, numa vã tentativa de proteção. O Salgueiro Lutador, que habitou a infância deles e, antes disso, a infância de James, Remus, Sirius e Peter.

Eles conheciam a história, dos quatro amigos que construíram uma casa na árvore, ironicamente nomeada de A Casa dos Gritos, devido ao som alto das brincadeiras e das fantasias que criavam. Mas eles também fizeram parte daquela história, muitos anos depois. Foram eles ― James, Albus, Lily, Rose, Hugo e Scorpius ―, que salvaram tanto a árvore quanto a casa. Foram eles que impediram que o vizinho, Lord Slughorn, as destruíssem. Que o fizeram desistir da sua ideia de erguer um depósito no lugar.

Rose lembrava-se bem daquele momento: os seis permaneceram no alto, enquanto Lord Slughorn e seus funcionários tentavam persuadi-los a descer, com a promessa de que construiriam uma casa na árvore ainda maior para os meninos. Eles recusaram, argumentaram e choraram ― porque sabiam que choro de criança conquistava muitas coisas. Por fim, os homens assumiram que a propriedade era muito grande e que poderiam edificar o tal depósito em outro lugar. Na época, o Salgueiro Lutador não era lutador, era só salgueiro. Porém, depois do que chamaram de A Grande Vitória, as crianças acharam que aquela árvore, resistente ao tempo e à destruição humana, merecia aquele nome.

Era mágico reencontrá-la assim, tão ao acaso. Rose e Scorpius se entreolharam e sorriram um para o outro: encontraram um abrigo e uma recordação bonita. Ela foi a primeira a subir as escadinhas, costumava ser uma tarefa mais fácil, quando ainda não precisava daqueles vestidos tão longos. Scorpius subiu logo em seguida. Os dois estavam grandes demais para aquele lugar, de modo que precisaram sentar-se, suas cabeças a poucos milímetros do teto. Eles que haviam mudado, percebeu, não a casa. Tudo parecia exatamente como fora deixado pela última vez, porém, com um aspecto um pouco mais deteriorado. O aroma de coisas velhas e de umidade invadiam seus sentidos. Havia brinquedos pelo chão, pergaminhos, tintas e livros de aventura.

― Como pudemos nos esquecer desse lugar? ― perguntou Scorpius, que percorria o local com o olhar. ― Nós o amávamos tanto.

― A memória é um pouco frágil às vezes ― suspirou, segurando uma velha boneca e ajeitando o cabelo dela, que um dia fora loiro. ― Eu estou feliz por ter me convidado para esse passeio à remo e estou feliz pela chuva, caso contrário não o teríamos reencontrado.

― Você lembra como choramos para que não fosse destruído?

― Lembro ― gargalhou junto do amigo. 

― Acho que, depois disso, Lord Slughorn deve até ter decretado esse lugar como um patrimônio histórico da sua propriedade.

Rose concordou e, então, uma caixinha empoeirada chamou a sua atenção.

De repente, deu-se conta de que sabia o que era aquilo.

― Scorpius ― chamou. Ela pegou o objeto entre as mãos e soprou, tirando um pouco da poeira que ficara por cima. ― Você se lembra disso?

Ele franziu a testa, tentando recordar-se. Logo, seu rosto se iluminou.

― É uma cápsula do tempo?

― Nós a criamos na nossa noite de despedida, antes de você e Albus irem para Hogwarts pela primeira vez ― explicou. ― James ficou até um pouco bravo, porque não tivemos essa ideia antes, quando foi a vez dele.

Com um sorriso ansioso, Rose a abriu lentamente. Dentro da caixa, havia objetos de todos aqueles que um dia lutaram por este lugar de imaginação e de brincadeira. Objetos que consideravam importantes e que quiseram guardar para a posteridade. Ela pretendia levar a cápsula consigo, para que os outros vissem, juntos, o que protegeram; mas, antes, procurou pelo seu, pelo que havia deixado ali. A curiosidade tomava-lhe por completo.

Com a ponta dos dedos, agarrou aquela pulseira dourada, uma correntinha simples, com dois pingentes apenas: uma rosa e uma estrela. Um presente que Scorpius lhe dera no seu aniversário de oito anos. Ela sentiu os olhos lacrimejarem. Tinha guardado algo dele. Rose passara tanto tempo construindo planos, desistindo do amor, como um salgueiro que resiste, que resiste ao que é considerado o único caminho, e ali estava. Scorpius. Sua presença, as lembranças que evocava e as novas memórias que construíam faziam-na querer tudo outra vez. Faziam-na se curvar a um simples vento.

Scorpius fitava a pulseira entre os dedos dela com seriedade e, quando seus olhos se encontraram, Rose sentiu que o seu coração parava de bater. Ele colocou uma mecha do seu cabelo ruivo e molhado para atrás, levou uma mão à sua face, limpando uma lágrima que havia caído com o polegar, e se aproximou um pouco mais. Estavam muito perto um do outro agora, Rose sentia a respiração dele fazendo-lhe cócegas e Scorpius segurou o rosto dela entre as duas mãos.

Suspirando, ela fechou os olhos e esperou. Chegou a sentir os lábios dele, doces e quentes, orbitando sobre os seus. Porém, tudo fora muito breve. Eles não se tocaram; a boca dele deixara apenas a impressão de um beijo. A moça abriu as pálpebras e o viu, já afastado dela, com um ar de arrependimento pairando sobre si. Carregava a expressão de alguém que estivera prestes a fazer algo que não queria, o que era injusto, porque Rose percebeu que queria. Queria mais do que tudo no mundo. Tentando amenizar o clima pesado que se estabelecera entre ambos, Scorpius procurou pelo objeto que ele deixara na cápsula do tempo. Um livrinho de bolso sobre mitologia greco-romana. Rose voltou a sorrir, sentindo-se menos sozinha, ao passo em que ele se mostrava um pouco surpreso.

O Scorpius de onze anos também guardara algo dela.

 


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Notas finais do capítulo

¹O croquet é um jogo que consiste em golpear bolas de madeira ou de plástico através de arcos encaixados no campo de jogo.


E aí, o que acharam? Me digam nos comentários!


Esse é um capítulo que, como o anterior, passa por alguns saltos temporais. Espero que nada esteja ficando apressado, que dê para notar que os sentimentos deles foram evoluindo aos poucos. Será que aquele momento em que eles se sentem paralisados é uma espécie de pré-conexão? É o momento em que eles percebem que podem estar se apaixonando? E o que acharam a minha versão do Salgueiro Lutador e da Casa dos Gritos? Eu achei que combinaria colocar um salgueiro real aqui, fazendo essa referência direta à musica, e surgiu essa história toda. Acho que esse é um dos meus capítulos favoritos simplesmente porque temos um quase beijo aqui, o meu coração Scorose é muito tendencioso.

Beijos e até a próxima :*



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