Até você chegar escrita por Little Alice


Capítulo 8
I never would have known from the look on your face


Notas iniciais do capítulo

Oi, tudo mundo como vocês estão?

Estou liberando esse capítulo mais cedo porque hoje é o aniversário da Callie (minha amiga secreta), e eu queria deixar um recadinho em homenagem à ela. Feliz aniversário, Callie, que todos os seus sonhos se realizem, que você continue sempre sendo essa pessoa talentosa que você é e que continue presenteando a todos nós com suas fics tão delicadas e maravilhosas! Um beijo e um forte abraço ♥

Boa leitura a todos!



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You know that my train could take you home
Anywhere else is hollow

O dia que marcava o início do verão no hemisfério norte era comemorado com um grande festival no vilarejo de Hogsmeade; outrora também conhecido como Beltane, quando as antigas religiões pagãs ainda eram permitidas no Reino Unido. Em tempos remotos, o festival costumava simbolizar a fertilidade entre as energias femininas e masculinas¹, deuses e deusas combinando-se em sagrado matrimônio. De certa forma, ainda era comemorado ali, naquele pequeno pedaço de mundo, só não recebia o mesmo nome.

Como algo que resiste, via-se a enorme fogueira no centro da praça principal e as fitas coloridas ao redor das árvores, assim como a alegria contagiante, as danças típicas e as comidas, distribuídas em várias barraquinhas ao longo da região. Scorpius percebeu o sorriso genuíno de Rose, enquanto provava uma maçã do amor, e sorriu de volta. Seus cabelos pareciam ainda mais flamejantes, ainda mais alaranjados, naquele momento ― tal como as chamas que crepitavam altas e vigorosas.

Todos do vilarejo e arredores deveriam estar ali. Seus pais, os pais de Rose, Teddy e Victoire, James e Katherine, eles. Rose mantinha o braço sobre a curva do dele, ria e andava por entre as barraquinhas, fossem as de comida, as de artesanato ou as de acessórios. Às vezes, parava para experimentar algo. Se pudesse, e ela aceitasse (o que duvidava), Scorpius compraria cada uma daquelas coisas. Realizaria cada um dos seus desejos. Como não podia, o rapaz a observava, sentindo-se pela primeira vez em muito anos completamente satisfeito, e gargalhava com cada gracejo dela.

Ele se deu conta de que poderia passar a vida assim, com Rose ao seu lado. Não importava se em festivais como aquele ou se simplesmente à beira de um lago pacífico, numa tarde dourada de domingo. Talvez durante cada café-da-manhã ou cada jantar. Ou em momentos inevitavelmente difíceis e dolorosos. Era como se somente com Rose pudesse se sentir inteiramente em casa. Qualquer lugar sem ela seria vazio. Parecia loucura ― ou nem tanto, se refletisse bem ―, porém aquele pensamento o atingia de tempos em tempos e, há algumas semanas, desistira de negá-los para si mesmo. 

― Ei, encontramos vocês! ― ouviram uma voz feminina atrás deles. Era a Sra. Weasley, ao lado do marido. Ambos haviam se perdido de suas famílias há algum tempo, mas isso não aparentou importar, não quando a companhia um do outro era suficiente. ― Faz horas que estamos procurando!

― Rosie, como sempre, aproveitando o festival pelo estômago ― piscou o Sr. Weasley.

― Como se você também não estivesse ― alfinetou a esposa, com um sorriso provocador.

― É exatamente isso o que quis dizer, que somos absolutamente iguais, um fato que me alegra muito. Se Hugo puxou a você, Rose puxou a mim ― Ele estufou o peito, orgulhoso, e voltou-se para Scorpius.

O rapaz ainda possuía certo medo do seu falso-sogro ― um sentimento que muitas vezes vinha acompanhado da necessidade de agradá-lo, tudo para conquistá-lo e ganhar o seu coração difícil ―, mas, naquele instante, o Sr. Weasley sorria para ele. Já não havia qualquer traço de reprovação em seu olhar, qualquer reserva ou condição aparente. O homem mais velho se aproximou dele, dando-lhe algumas batidinhas amistosas nos ombros.

― Sabe, Scorpius ― começou. O detalhe não lhe passou despercebido: o chamara de Scorpius, não de Malfoy. ― Preciso admitir: você me conquistou. Eu posso ver como Rose parece feliz ao seu lado e como você a trata, como se ela fosse de fato única. ― “Ela era única”, pensou. ― Percebo como vocês fazem bem um ao outro e sei que o futuro lhes reserva algo muito bonito e grandioso, algo muito próximo ao que Hermione e eu temos. Essa é a magia das almas gêmeas, não? Não que o amor não seja possível ou não seja igualmente forte em outras circunstâncias, mas…   

― O fato é que vemos amor sincero em vocês dois ― completou Hermione, com delicadeza.

― Por sua causa, até comecei a considerar o seu pai uma pessoa… digamos que quase decente. Mas não diga isso a ele, eu odiaria que Draco Malfoy soubesse que eu não o odeio mais, ao menos, não tanto como costumava odiar. É preciso manter certas aparências intactas.

― Ronald!

― Bobagem, é assim que tem de ser. ― Deu de ombros. ― Eu sei que você deseja terminar a sua faculdade de Medicina, Scorpius, admiro e apoio isso, realmente acho que esse é o certo a se fazer. No entanto, mal vejo a hora de casá-los. Vocês foram feitos um para o outro e, bem, isso se tornou muito claro para nós.

― E eu não poderia concordar mais, Ron ― disse Scorpius, rindo. O falso-sogro sorriu-lhe e Scorpius apertou a cintura de Rose, que parecia trêmula. Ele a beijou na bochecha, sentindo a textura macia de sua pele sob os lábios. Aquela afirmação não fazia parte de uma encenação. Por alguma razão, Scorpius acreditava que, almas gêmeas ou não, Rose fora feita para ele. Era a única mulher, entre tantas no universo, que divisava em seu próprio futuro. Não negaria mais esse fato. Só não saberia dizer se Rose pensava o mesmo, se acreditava que Scorpius fora feito para ela. Não poderia saber, não pela expressão em seu rosto. Naquele momento, ela parecia lívida. Como quem escuta algo bastante desagradável.

 

 

Rose permanecera calada durante o resto do festival. Chegou em casa da mesma forma, bastante silenciosa, com o rosto sério e os ombros retraídos. Ela se sentou no sofá da sala, seus braços cruzados sobre o peito, enquanto os pais conversavam diante da lareira. Scorpius era um perfeito ator. Como ousara dizer todas aquelas mentiras cruéis, mas que soavam tão convincentes, aos pais dela? Como ousara dar esperanças falsas aos dois? Rose entendia de esperanças falsas e as odiava; vivera tempo demais dentro daquela lógica pavorosa, apenas acreditando e acreditando que as coisas um dia poderiam ser da maneira como esperava.

Porém, a vida a fizera aprender aquela lição: uma mentira suave a agradável que se conta para si mesmo ou para o outro consegue ser pior do que a verdade mais dolorosa. Scorpius deveria ter recuado ao ver Ron dizer todas aquelas coisas. Deveria ter se sentido tão constrangido quanto Rose e deveria ter se contido, em respeito aos sentimentos alheios. Mas não, ele respondeu daquela forma, daquela forma tão horrivelmente enganosa, como se de fato acreditasse no que dizia.

A parte mais vergonhosa de tudo é que ela participava daquilo também. Rose quis participar e continuava aceitando e contando tantas e tantas mentiras. Não poderia culpar somente Scorpius, embora ele tivesse sido vil naquela noite. Embora tivesse ultrapassado o limite do que era considerado certo. Não era somente responsabilidade dele ― dentro da falsa dinâmica que estabeleceram, Scorpius agira como o previsto. Os dois eram culpados.

De modo muito parecido, Rose dava falsas esperanças a todos. Enganava a todos que amava. Seus pais, os pais dele, a si mesma. Aquela farsa que criaram parecia ter ido longe demais, principalmente agora que nem tudo era uma farsa. Porque ela queria Scorpius. Passara desejá-lo com tudo de si. Rose encontrava um sentido de lar quando estavam juntos. No entanto, aquilo nunca seria recíproco. Eram amigos e só. Jamais haveria casamento.

Jamais haveria… algo.

De fato, era melhor, e muito menos culposo, quando seu pai odiava a ideia de vê-la ao lado de Scorpius ou quando sua mãe desconfiava da palavra dos dois. Ela viu os vestígios de mudança nos pais, mas nunca pensou que chegaria a tanto. Que algum dia eles abriram o coração daquela maneira e que depositariam toda a confiança que possuíam em Scorpius e Rose. Ambos foram levados por aquela mentira e derrubaram todas as fortalezas e barreiras que construíram. Ronald deixara de lado o seu orgulho e Hermione, a sua cautela.

A culpa agora adquiria um sabor ainda mais amargo. Rose odiou cada minuto em que se sentiu feliz por aquilo, odiou cada sorriso que deu ao andar pelos campos de Burrow Hall e odiou cada vez que comemorou poder trabalhar com perfumaria em seu laboratório. Detestou todas as conquistas daqueles últimos dois meses. Uma liberdade alcançada de tal forma era ultrajante e condenável. Nem sequer era liberdade. Ela odiava a si mesma no momento.

― Qual o problema, meu bem? ― Percebendo o estado da filha, Hermione se sentou ao lado direito de Rose e segurou as mãos dela, acolhendo-as e aquecendo-as como podia. ― Você parece preocupada.

Ron seguiu a esposa, sentando-se do lado esquerdo da jovem.

― Você está com uma ruguinha bem aqui ― disse ele, tocando levemente a testa de Rose com a ponta do dedo. ― Parece uma ruguinha culpada, a mesma ruguinha que você nos mostrava quando fazia alguma travessura. Lembra, Hermione?

Ela assentiu, sorrindo de um modo nostálgico.

― Mas não pode ser culpa dessa vez, pode? ― questionou a matriarca. ― Você está preocupada com sua festa de noivado, agora que ela está se aproximando?

Rose desejou poder contar toda a verdade, ali e agora. Contudo, não podia. Não poderia trair Scorpius desse jeito. Como não podia ser sincera, apenas concordou com a mãe.

― Não se preocupe, Rosie ― sorriu Ron. ― Nós planejamos tudo. Ninguém vai incomodá-la e ninguém vai tirá-la para dançar. Nós mesmo nos certificamos de colocar isso nos convites, são todos parentes, que te amam, não devem ter achado isso tão estranho. É o seu noivado e queremos que esse seja um momento feliz para você. Só vai dançar se quiser, me ouviu? Somente se você desejar dançar com seu noivo. Sabe o que, às vezes, fico pensando? Se a aliança entre vocês já não tivesse se manifestado, esse seria um momento perfeito para uma conexão entre almas. O momento em que você aceitasse dançar com Scorpius. Seria importante para os dois, como um casal, não acha? Exigiria braveza da sua parte e apoio e compreensão da dele.

― O destino já os conectou, Ronald.

― Eu sei, mas isso não me impede de pensar… Eu sempre fui muito…

― … Criativo e supersticioso ― riu Hermione. Virando-se para a filha, ela disse: ― Vai ficar tudo bem, sim? Eu prometo isso a você.

Rose lembrou-se da promessa que Scorpius lhe fizera. Era a mesma que a mãe lhe fazia e nada ficara bem. Pelo contrário, sentia-se horrível. Uma pessoa miserável. Porém, como novamente não podia ser sincera, a jovem contentou-se em sorrir para os pais. Mais uma mentira: aquele sorriso.

 

 


Like you were a trophy or a champion ring
And there was one prize I'd cheat to win

Scorpius não a esperava àquela hora da manhã. Os dois não haviam combinado nada para aquele dia, embora planejasse visitá-la no fim da tarde. Quando voltou de um passeio a cavalo, contudo, o mordomo o avisou de sua presença. Ele caminhou até a biblioteca, ainda em suas roupas de montaria, e a viu sentada em uma poltrona, com uma caixinha entre as mãos e a coluna muito ereta. Ela ergueu os olhos castanhos e o encarou, séria. Um calafrio percorreu o seu corpo, Rose não parecia estar ali por um bom motivo. Ela a sentira estranha na noite anterior, depois que o Sr. Weasley declarara sua aprovação à Scorpius, mas o rapaz preferiu ignorar aquilo. Podia ser impressão sua. Podia nem ter relação com ele, se tivesse um pouco de sorte.

Na verdade, se sentira um pouco ferido ao se dar conta que Rose não gostava da ideia dos dois juntos. Scorpius já atravessara tantas vezes as linhas tênues daquela amizade, já estivera tão perto de sucumbir ao desejo que alimentava, quase a beijara naquela maldita casa da árvore, só não o fez porque a razão voltou-lhe antes que fosse tarde. Rose não estava atrás de romances, sabia bem. Ele tampouco, embora já não soubesse de quantas convicções seria capaz de abrir mão se ela simplesmente dissesse que também o queria. Scorpius, com sua visão bastante limitada da própria realidade, não tinha como prever que se a tivesse beijado naquele dia chuvoso e memorável, tudo poderia ter sido diferente e Rose não estaria ali, prestes a desfazer-se de acordos e enganos.

Tudo o que o rapaz podia enxergar era a confusão do próprio coração e a hesitação dela, uma hesitação que machucava. Foi para não se ferir ainda mais que decidiu ignorar o silêncio e o desprezo de Rose na noite do festival. Agora, ao ver o seu olhar tão cheio de censura, se arrependia de não ter lhe dado a devida atenção e de não a ter enfrentado, perguntando-lhe que problema a afligia. Sentia-se covarde por isso.

― Rosie ― sussurrou, parando no meio da biblioteca. O natural seria encontrá-la explorando as prateleiras, aquela postura não lhe era própria. Ela se levantou e caminhou até ele.

― Eu fiz isso para você. ― Rose estendeu-lhe a caixinha, mas Scorpius permaneceu imóvel. ― É um hidratante corporal. Lembra quando me disse que gostaria de ser o meu primeiro cliente? Bom, você não pode e nem eu desejo que mude de perfume, então decidi fazer o meu primeiro hidratante corporal. Para você. Pode usá-lo à noite, antes de dormir. Tem óleos vegetais, óleos essenciais, em especial o de lavanda, um toque cítrico de limão e outro de cânfora, porque esta é uma fragrância que já está presente no seu perfume de todos os dias. Vai ajudar a manter sua pele hidratada, no inverno ou no verão.

Scorpius a fitou, sem entender. Era só isso? Um presente? Por que então sentia que havia mais? Enquanto pegava a caixinha e a abria, Rose decidiu proferir as palavras daquilo que poderia ser considerado o último ato de uma peça:

― Só que isso também é um adeus, Scorpius. Eu não posso mais continuar fazendo isso, não posso mais continuar mentindo para as pessoas que amo, é mais difícil do que imaginei que seria e não posso, não posso ser cruel com eles a esse ponto, a ponto de machucá-los de um modo que seria irreversível. Sinto muito, mas é demais. Ontem foi demais.

Ele sentiu o pontas dos dedos empalidecerem sobre a latinha de hidratante, tanta era a força com a qual a segurava.

― E o que pretende fazer? ― sua voz saiu fraca.

― Contar a verdade ― Rose encolheu os ombros. ― Porque é só o que nos resta, lidar com a verdade. Nenhuma mentira pode durar para sempre, Scorpius.

― Quando?

― Hoje.

Se antes Scorpius não sabia do que estava disposto a abrir mão para tê-la, para que aquele elo frágil que os unia não se quebrasse, naquele instante de desespero ele soube. O rapaz daria tudo o que tinha e tudo o que era. Rose era o prêmio pelo qual trapaceira para obter. Mesmo que o rejeitasse, ele já não se importava mais em parecer ridículo diante dela.

― Case-se comigo.

 

 


The more that you say, the less I know

― Case-se comigo.

Rose fora pega de surpresa. Ela ouvira as palavras, mas não sabia se as escutara bem. Se eram de fato reais. Aquela sentença não era, de modo algum, esperada. Por isso, permaneceu estática, completamente perdida e à deriva no instante, com os olhos cheios de dúvidas e incertezas. Uma pequena centelha de esperança começou a despontar em seu peito, mas Rose a silenciaria até que tudo estivesse esclarecido.

― Case-se comigo ― repetiu ele. ― Tudo isso, esse noivado, não precisa ser uma mentira se nos casarmos e ninguém terá que se machucar.

O coração dela falhou duas batidas. A imagem de um sorriso pairou em seus lábios, até Scorpius dizer:

― Parece certo, não? Você e eu. Nós poderíamos nos casar. Eu não me importaria com isso e creio que você também não, é a nossa escolha mais inteligente. Somos amigos há tantos anos, podemos ser algo mais, se quisermos.

Rose sentiu que se dissolvia. Não havia outra expressão que pudesse explicar o sentimento. Dissolvia. Ela acordara naquela manhã com uma única certeza: colocaria um ponto final em tudo antes que mais dor os atingisse. Ela não sabia, contudo, que uma dor maior ainda a afogaria naquele momento, um momento que considerava de bravura ― estava admitindo seus erros, estava disposta a consertá-los e lidar com suas consequências, fossem quais fossem. Se tivesse que voltar para Londres para o fim da temporada, que fosse! Se tivesse que ver a decepção nos olhos dos pais, que fosse! Antes agora do que ainda mais tarde. Porém, queria terminar em bons termos com Scorpius, por isso lhe dera algo tão importante, com o qual vinha trabalhando há semanas e que só pretendia lhe entregar no dia daquela festa patética de noivado. Agora, sentia que se dissolvia.

Tudo porque, ao ouvir aquela proposta, ela teve esperança. Silenciou-a como pôde, mas teve, era inegável. Sempre as malditas falsas esperanças. Rose não queria um casamento por piedade, por conveniência, e Scorpius sabia disso. Ela tinha planos para o futuro. Tinha toda uma vida que almejava. Rose seria como as mulheres que sua mãe anunciava em sua revista feminista. Uma mulher do futuro, de negócios. Não precisava de um marido que não a amava como merecia. Ainda assim, ainda tendo ciência de tudo aquilo, Scorpius fizera aquela proposta, que soara tal como fel. Sentindo os olhos arderem, disse, com toda a firmeza que ainda possuía:

― Não, Scorpius. Eu não quero ser a sua escolha mais inteligente. Eu não quero ser a escolha mais inteligente de ninguém. ― Ele não era tão diferente assim de Lord McLaggen. Que distinção havia entre as intenções daqueles dois homens? ― Eu quero ser a sua escolha mais desejada.

― Eu não disse isso. Eu não disse que…

― Não, aí é que você se engana. Você disse! A escolha mais inteligente. A escolha que você poderia suportar. Somos amigos e eu sei que você, ao menos, me ama dessa maneira. Isso me torna uma opção melhor do que qualquer outra mulher que o seu avô pudesse escolher. Estou errada? ― Scorpius não respondeu. ― Está vendo? Não pode nem mesmo negar. Então, não, eu não vou me casar com você. Não é esse o destino que quero para mim.

Rose saiu da biblioteca antes que Scorpius pudesse dizer qualquer outra coisa. Tudo o que ele falasse só acrescentaria insulto àquela injúria. Quanto mais tentasse se explicar, menos ela entenderia. Simplesmente não queria mais saber. Correu às cegas pelos corredores da Malfoy Manor e enfim alcançou a saída. A sua saída para aquele labirinto de cercas vivas, o seu fio de Ariadne. Pensou ter escutado a voz dele a chamando, muito distante, mas Rose não voltaria atrás. Ela fizera o que era certo e isso era o que importava no momento.

 

 


And if it was an open-shut case
I never would have known from the look on your face

― Bebendo antes do meio-dia outra vez, Scorpius? ― perguntou Astoria, adentrando o local com cuidado. Ela vira quando a futura nora saíra correndo; esperava apenas que ainda pudesse considerá-la como sua futura nora. Scorpius nem se deu ao trabalho de olhar para a mãe, quando esta retirou o copo de uísque de fogo de suas mãos. Desde que Rose fora embora, recusando-o, o rapaz se deixara ficar ali, no mesmo lugar. Naquela biblioteca que agora perdera todo o dourado, o brilho de todo o conhecimento alcançado pela humanidade até então. Agora, parecia-lhe sombria demais. Áspera demais. O presente que Rose lhe dera ficara esquecido junto da mesinha do bar e por lá continuaria, não sabia por quanto tempo. Sentia que jamais poderia encará-lo. ― O que aconteceu, querido?

Astoria se ajoelhou ao lado dele e acariciou as costas do filho, suavemente.

― Não vai ter casamento ― falou, ainda sem levantar os olhos. Ele passou as mãos pelos cabelos e repetiu, num sussurro: ― Não vai ter casamento.

― Por que não? O que aconteceu?

― Você não vai gostar de saber. ― Scorpius finalmente a fitou. Olhos nos olhos. Rose estava certa, só lhes restava lidar com a verdade.

― Você a ofendeu? A tratou mal? ― seu timbre carregava um ar severo de recriminação, como se já reprovasse as atitudes do rapaz.

― Não… quero dizer, talvez. Mas não é isso ― balançou a cabeça.

― Então me conte, por pior que a verdade possa parecer.

― Nunca houve a possibilidade de um casamento, mãe. Não somos almas gêmeas. Todo esse tempo… foi tudo uma mentira… apenas para escaparmos da temporada deste ano.

― Não acredito nisso.

― É a verdade.

― Não, eu acredito que vocês tenham mentido, é algo que eu mesma faria em uma situação parecida, se tivesse a oportunidade. Eu não acredito é que vocês não sintam nada um pelo outro. Eu vi com meus próprios olhos e sei que não me enganei.

― O que você viu também foi uma mentira, mãe. Somos bons mentirosos, ao que parece. Eu sinto muito, sinto muito mesmo. Não queria enganar você e o papai, mas o vovô não me deixou escolha…     

― Bom, se alguém vai ficar feliz com esse desfecho é o seu avô ― suspirou Astoria. ― Aposto que hoje mesmo ele vai deixar o quarto e vai se sentar na mesa do jantar como se fosse o dono da razão. Vamos todos ter que suportar isso.

Scorpius quis rir. Rose estava certa sobre aquilo, é claro. Não seria hipócrita: Scorpius pensou que a amiga seria uma opção melhor do que todas as outras que Lucius viesse a escolher para ele. Mas não era isso. Nunca fora só isso. Ela era Rose. Sua Rose. A garota que amava desde criancinha. E agora aquele amor parecia querer se transformar em algo diferente, algo que se incendeia e que consome, mas que era tão bonito quanto uma amizade pura e inocente. Era apenas distinto, porém, continuava sendo especial.

Ele dissera todas as palavras erradas para Rose. Todas as malditas palavras. O que estava pensando? Deveria ter dito que a queria. Porém, Scorpius teve medo outra vez; ainda mais quando a primeira reação dela foi permanecer calada, com um olhar confuso no rosto. Depois de um segundo de valentia, o medo voltou a reinar. Teve receio de admitir algo que, talvez, não pudesse ser correspondido.

― Você se apaixonou por ela, não é? ― comentou a mãe, depois que um longo silêncio se estabeleceu entre eles. ― Essa é a parte difícil, estou certa?

Ele nunca havia pensando em nomear o que vinha nutrindo dentro do próprio coração. Paixão. Parecia correto. Parecia com o que sentia no momento. Parecia com o que sentira nas semanas anteriores. Scorpius Malfoy estava apaixonado por Rose Weasley. Era complicada saber quando nunca se experimentou nada minimamente parecido, quando se tinha tão pouca experiência naquele campo, mas de repente aquilo tornou-se claro, tão transparente quanto a superfície do rio mais cristalino. Ele poderia chorar ali mesmo, derramar todas as lágrimas que desejava e tudo porque era um idiota. Um canalha. Não havia saída para um Malfoy além da maldição.

Como o filho não respondeu, Astoria presumiu que entendeu bem a situação.

― Ela se apaixonou também? ― quis saber. ― Porque se a resposta for sim, ainda é possível reverter tudo isso, nada está realmente perdido, Scorpius.

Essa era a grande questão. Ele estava apaixonado, mas e Rose? Scorpius realmente não tinha como saber. A expressão em seu rosto nunca revelou nada além de uma grande amizade. Ela jamais deixou de tratá-lo apenas como a um irmão querido. Além disso, não o aceitara. Se não tivesse dito tantas palavras erradas, teria sido diferente? Ou o resultado seria o mesmo? Seus olhos pesaram, Scorpius não aguentava mais e deixou que tudo transbordasse para fora. Astoria o abraçou, consolando-o como conseguia.

 

 

Rose só queria continuar ali, bem quietinha, com os pés aquecidos pelos cobertores grossos, um livro de botânica nas mãos e uma vela aromática de arruda, que ela mesmo produzira dias atrás, queimando no ar. Era calmante, era bom e não precisava pensar. Seu dia havia sido exaustivo, ainda sentia o cansaço nos próprios ossos; primeiro, a discussão com Scorpius e toda a desilusão que ela lhe trouxera; depois, a verdade dolorosa que precisou contar para os pais. Não fora fácil. Eles ficaram decepcionados. Muito. Não brigaram com Rose, nem mesmo a questionaram em demasia, mas mantiveram um silêncio consternado e isso aparentava ser pior do que uma reação exacerbada.

Não quis descer para jantar naquela noite e, embora Mary Ann tenha lhe trazido uma sopa de legumes com algumas torradinhas amanteigadas, tampouco tocou na comida. Ela acariciou as orelhas de Apolo, que dormia ao seu lado, e pensou que até mesmo seu poodle gigante se decepcionaria com Rose quando percebesse que Scorpius não voltaria mais. Ele se tornara uma figura constante na vida de todos, sempre ali, para um chá, para um passeio nos jardins, para uma conversa na biblioteca, e Apolo gostava do rapaz. Ela o colocou na vida de todos, contando a maior das mentiras, apenas para arrancá-lo em seguida, como quem arranca um curativo sem aviso.

Uma batida suave soou pelos aposentos e, antes que pudesse responder, seus pais apareceram pela fresta da porta. Hermione e Ron avançaram e se sentaram sobre a cama, um de cada lado.

― Como está se sentindo? ― perguntou a mãe, parecendo preocupada. Não decepcionada, mas preocupada.

― Eu é quem deveria perguntar. Estou tão envergonhada por mentir ― confessou e escondeu o rosto entre as mãos.

― Não estamos bravos com você, Rosie ― disse Ron, dando batidinhas no joelho da filha. ― Ficamos um pouco decepcionados, mas não apenas com você. Ficamos decepcionados porque também falhamos como pais.

― Não deveríamos tê-la obrigado a participar de tantas temporadas, ainda mais sabendo como era difícil, como às vezes isso te machucava ― completou Hermione. ― Fomos cegos. Pensando no que era melhor para você, nos esquecemos de levar em consideração o que você achava melhor.

― Não percebemos que era capaz de fazer as próprias escolhas. Às vezes, é muito difícil ser pai ou mãe, Rosie. Nós projetamos em vocês a mesma felicidade que um dia desejamos para nós. Você vai entender quando for sua vez, se algum dia desejar ter filhos.

― Você mentiu porque se sentiu encurralada. Não devíamos ter sido tão inflexíveis. Por isso, pedimos desculpas.

― Não precisa mais ir à temporada alguma. Daremos a você o dinheiro do seu dote para que abra sua perfumaria e para que seja feliz do seu jeitinho. Não é o nosso jeito, mas nem por isso deixa de ser válido, hein?

― E que bela feminista eu fui! ― riu Hermione. ― Eu a impedi de ser a mulher que queria ser. Acho, inclusive, que vou escrever sobre isso na próxima edição do Semanário das Bruxas, sobre como algumas vezes os nossos discursos não estão alinhados à prática. Como podemos mudar o mundo apenas com discursos vazios?

― Não vamos mais importuná-la com essa história de almas gêmeas, o que tiver de ser será. No fim, só queremos que seja feliz.

Rose sentiu um soluço escapar-lhe. Os pais sorriram, ambos com os olhos marejados, e a abraçaram ao mesmo tempo. Um abraço coletivo, forte, quente e cheio de esperança. Do tipo real de esperança. Apolo quis se juntar a eles, dando beijos babões em todos e despertando risos sinceros. Ela nunca se sentiu tão amada e tão acolhida. Naquele momento, a jovem soube que tinha os melhores pais do mundo. Poderiam ser diferentes em tudo, poderiam estar predispostos a vários erros, mas ainda eram uma família e se amavam. E onde havia amor, também havia perdão. Quando se afastaram, Hermione limpou as lágrimas do rosto da filha e sussurrou:

― Por que você ainda parece tristinha?

― É por causa do desgraçado do Malfoy? ― bradou Ron. ― Eu sinto que poderia matá-lo agora mesmo!

― Não! ― adiantou-se Rose. ― É só que… depois de tudo… acho que me apaixonei de verdade por ele. Mas é em vão, sei que Scorpius não se sente da mesma maneira e não há nada que eu possa fazer a respeito.

― Como pode ter tanta certeza? ― indagou Hermione, docemente. ― Ele pode ter se apaixonado também.

― Porque ele nunca demonstrou nada parecido.

― Não é que eu queria defender o Malfoy, mas eu vi amor nele ― comentou Ron. ― Amor por você. E eu raramente estou errado quanto a isso.

Rose sorriu sem vontade e sacudiu a cabeça em negativa. Scorpius poderia ter demonstrado aquilo quando fez aquela proposta, mas não o fez. Ela não iria enganar a si mesma. As coisas eram como eram e eles não foram feitos para ser.


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Notas finais do capítulo

¹Informações retiradas diretamente da Wikipédia, o quão confiável isso é?


E aí, o que acharam? Me digam nos comentários!

Este é o capítulo da complicação. Eu escrevi ouvindo Exile, embora esteja longe de ter todo o drama de Exile. Ainda assim a coloquei na playlist e tem um trechinho por aqui tirado da música. Bom, neste capítulo temos Rose e Scorpius sendo muito burros, ambos se gostam, deram muitos sinais e eles se fazendo de desentendidos. É a famosa falta de comunicação da ficção. Felizmente, é algo fácil de se resolver, né? Aqui tivemos também a “redenção” de Ron e Hermione, eles não são pais perfeitos, são só pais reais que erram (tentando acertar), mas que amam a filha e que finalmente perceberam que acabaram sufocando ela. O próximo já é um último capítulo (sim, gente, essa história é curtinha mesmo), então semana que vem já estará tudo terminado.

Beijos e até a próxima :*



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