Até você chegar escrita por Little Alice


Capítulo 6
Show me the places where the others gave you scars


Notas iniciais do capítulo

Oi, tudo mundo! Como você estão?

Apesar de ter dito que só voltaria no dia primeiro de julho, eu sinceramente achei que conseguiria postar este capítulo um pouco antes, mas o mês de junho foi mesmo muito caótico. De todo modo, aqui estou, no dia primeiro de julho, como de fato foi prometido. Se preparem, porque este capítulo é puro scorose e açúcar.

Aliás, eu quero dedicar este capítulo tanto a cherrybomb quanto a pó de flu pelas lindas recomendações. Vocês são incríveis! E me deixaram imensamente feliz com tantas palavras bonitas sobre esta fanfic. Muito, muito obrigada mesmo ♥ Espero não decepcionar nenhuma de vocês.

Boa leitura a todos!



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Show me the places where the others gave you scars

Era bom estar de volta ao lugar que mais amava. A cada dia que passava, Rose se habituava mais e mais com aquela nova realidade, que surgiu de modo tão inesperado em sua vida. Não demorou para que retornasse à sua antiga rotina, com vestidos leves, passeios matinais por toda a extensão de Burrow Hall, algumas horas de leituras divertidas antes do almoço e estudos e trabalhos durante à tarde em seu laboratório improvisado. Quando partira para Londres para sua última temporada, a criação da sua primeira linha de perfumes e cosméticos ainda estava em andamento, de modo que agora podia finalmente dar continuidade a ela.

Passava o dia estudando essências e novas combinações e, honestamente, não havia momentos melhores do que aqueles, de pura concentração; era ela, os aromas e seus sonhos se tornando palpáveis. James, que voltara para Godric’s Hollow, a propriedade vizinha à deles, para aproveitar um pouco mais a primavera com a esposa, a ajudava a pensar na parte administrativa do seu futuro negócio ― depois de abrir o primeiro hotel anos atrás, o primo adquirira uma experiência substancial e Rose se sentia agradecida por todo o suporte que lhe dava. Ela era uma mente criadora, porém não necessariamente empreendedora. Ainda precisava aprender muito sobre aquela parte técnica e burocrática e James e seu próprio pai a estavam auxiliando naquilo.

Logicamente, Scorpius passara a fazer parte da sua rotina e aquele era o ponto inusitado da situação: ter o rapaz sempre ao seu lado, praticamente todos os dias. Era um ponto inusitado, mas bom. Definitivamente bom, muito além do que poderia sequer prever. Tê-lo era agradável, divertido e confortável, tantas coisas ao mesmo tempo. Em algum momento da sua vida, Rose se acostumara à ausência do amigo, embora sempre se lembrasse dele com carinho de tempos em tempos, principalmente quando se pegava rememorando sua infância e parte da sua adolescência.

No entanto, se habituar à falta levava mais tempo do que se habituar à presença; esta última levava menos do que segundos, menos que o bater de asas de um beija-flor. Ela logo percebeu que estar com Scorpius significava estar com um velho amigo e significava ser ela mesma, sem restrição alguma. Ele não parecia se importar se o seu riso soava alto demais ou se, às vezes, soltava um ronquinho. Não parecia se importar se não era graciosa ou delicada, se tropeçava nos próprios pés e se tinha movimentos bruscos, como o de girar sem aviso e esbarrar em quem estivesse próximo. Tampouco parecia se importar em ouvi-la falando por horas sobre seus dois assuntos favoritos da vida: mitologia grega e perfumaria.

Pelo contrário, ele a ouvia. Rose teve muitos possíveis pretendentes nos últimos seis anos, mas nenhum realmente disposto àquilo. Em geral, apenas a olhavam como se fosse esquisita quando desviava do roteiro socialmente esperado. Ela os achava enfadonhos, e eles a achavam inconveniente ― era uma moeda de duas faces. Ter alguém que lhe escuta era algo raro, sabia disso. Mas Scorpius a ouvia. Ele a ouviu enquanto refletia sobre o nome da sua perfumaria, que provavelmente se chamaria Minerva et Roses. Minerva era a deusa romana da sabedoria, mas era também o nome de sua antiga tutora.

Rose aprendeu tudo o que sabia com aquela mulher tão sábia, dona da livraria local e que, nas feiras de artesanato, além de livros, também vendia essências e alguns cosméticos feitos por ela mesma. Era uma tradição familiar e a Sra. Mcgonagall não hesitou em transmitir-lhe, assim que percebeu o interesse genuíno dela; era quase como se tivesse esperanças de que a menina continuasse aquele legado, já que não tivera filhos. Foi durante um momento difícil para Rose, logo após sua quinta temporada, quando se via sem vislumbre de saída e quando sentia, mais do que tudo, que precisava se reinventar. Se recriar. Aquilo a ajudou. A Sra. Mcgonagall havia morrido no ano passado e parecia-lhe justo homenageá-la daquela maneira, mas acrescentando seu próprio toque pessoal. Minerva et Roses.

Scorpius também a ouviu enquanto refletia sobre a identidade do seu futuro negócio. Ele até mesmo a ajudou. Juntos, os dois passaram algumas tardes no ateliê, que pertencia a seu avô Arthur, apenas pintando, rindo e conversando amenidades. Rose, de seu lado, também o ouvia, sobre a faculdade de Medicina, sobre os seus planos de viajar pelo mundo afora por alguns anos e sobre os seus próprios medos. Novamente, era uma moeda de duas faces. Rose se acostumara muito fácil a tê-lo de volta em sua vida, de tal forma que até se esquecia da delicada e confusa situação em que ambos viviam, da mentira que os unia e das consequências que os espreitavam no fim de tudo.

Seu lado racional, às vezes, despontava, lembrando-lhe daquelas coisas e soprando-lhe que, além de tudo, precisava levar em consideração seu próprio coração. Eles estavam ali agora, mas logo não estariam. Daqui a um ano, quando o acordo terminasse, voltariam ao que eram antes. Scorpius se manteria distante, porque não estava preparado de fato para retornar e não era nem mesmo a faculdade que o impedia. A relação dos dois, então, se resumiria outra vez a cartas… até que não houvesse nem isso. Rose não podia criar expectativas. Ela jurou a si mesma que nunca mais criaria expectativas sobre nada que não fosse prático. Que não dependesse apenas de si mesma. No entanto, era fácil demais esquecer-se quando estava ao lado dele.

As últimas semanas trouxeram também alguma tranquilidade em relação ao acordo em si; Rose já não precisava ficar se explicando ou inventando histórias que soassem convincentes para a mãe, visto que passaram daquela fase inicial, e o seu pai parecia mais bem-disposto, ou algo próximo disso, depois de conversar com a família de Scorpius. Tanto Draco quanto Astoria aceitaram suas condições, sobre os gastos com o noivado e com o casamento e sobre o dinheiro do dote de Rose ser apenas de Rose, para o seu uso próprio.

Ron ficou satisfeito com aquele resultado e, não conseguiu esconder, gostou de saber que Lucius Malfoy, o homem que tanto humilhara a família Weasley, estava furiosíssimo e se recusava a sair do próprio quarto por orgulho ferido. Apesar do entendimento entre os pais de Scorpius e de Rose, aquela era a primeira vez que a menina estava na Malfoy Manor. Fora convidada para um chá nos jardins, uma vez o amigo deixara escapar que ela preferia ar fresco e gostava de estar em contato com a natureza.

Sentiu-se um pouco nervosa à princípio, é verdade, mas a sensação logo desvaneceu. O Sr. e a Sra. Malfoy se esforçaram para tratá-la bem, como um alguém realmente estimado por eles. Perguntaram sobre os seus gostos e sobre o seu futuro negócio. No mesmo instante, Rose olhou para Scorpius em choque. Ele contara, o maldito! Ao longo do chá, conseguiu perceber que Astoria era mais extrovertida e engraçada, enquanto Draco mais era quieto e reservado; e Scorpius, constatou, era uma mistura bastante singular dos dois.

Em seguida, os quatro saíram para um breve passeio pela propriedade. Rose e Astoria seguiam na frente, com os braços entrelaçados, e Scorpius e Draco as acompanhavam logo atrás em silêncio. O dia estava sendo demasiadamente agradável, para sua própria surpresa.

― Mamãe é fã do Semanário das Bruxas, sabia? ― disse Scorpius de repente, como quem não quer nada, enquanto caminhavam. A garota voltou-se com discrição para ele, arrependida de ter compartilhado aquele segredo também. Deus, o rapaz era mesmo um fofoqueiro ― ou quase isso. Scorpius não contara para Astoria, mas parecia esperar que ela contasse. Rose balançou a cabeça, achando um pouco de graça, e dirigiu-se para a mulher ao seu lado:

― É mesmo?

― Eu sou assinante ― riu ―, não perco uma única edição. Você também gosta?

― Sim. Na verdade, conheço as proprietárias ― confessou. Astoria a fitou, admirada. ― Se algum dia quiser escrever uma carta para a revista, eu posso entregar.

― Ah, meu Deus, isso seria ótimo! ― sorriu radiante, um sorriso de lado a lado. Aproximando-se um pouco mais de Rose, a mulher cochichou, cheia de uma alegria muito sincera: ― Eu não sei dizer muito bem o porquê, mas sempre desejei que você e o meu filho se casassem. Ele gostava tanto de você quando era criança… e, bom, faço muito gosto dessa relação. Dizem as más línguas que a nossa família é amaldiçoada, contudo, Scorpius parece que veio ao mundo para quebrar alguns paradigmas, não acha? Uma alma gêmea! Isso eu nunca pude imaginar, por mais que sonhasse com um casamento entre os dois. Só quero que saiba que estou muito feliz em tê-la como nora.

Rose respondeu com um sorriso amarelo. Tudo aquilo seria lindo de se ouvir, porém, em outras circunstâncias. Ouvir aquilo, na situação embaraçosa e enganosa em que estavam, e ainda mais conseguindo identificar tanta honestidade e tanta esperança no tom de voz de Astoria, fez o seu peito se apertar de culpa.

 

 

Scorpius observava Rose caminhar pelas galerias da Malfoy Manor. Depois do chá e do passeio pelos jardins, seus pais decidiram deixá-los um pouco a sós. Ele ainda se ressentia de seu avô Lucius, que não descera nem mesmo por um instante, nem mesmo para um rápido cumprimento. É claro que o ancião não aprovava aquela união, sabia muito bem disso, mas o rapaz esperava ao mesmo um pouco de educação e de cortesia. Rose era sua alma gêmea ― falsa, porém, só os dois tinham conhecimento disso ― e isso deveria ser capaz de tocar o coração do avô. Não era, constatou.

Apesar disso, a amiga não pareceu se importar tanto com a indelicadeza do duque de Wiltshire. Ela manteve um sorriso e uma expressão suave durante boa parte do encontro, o que o deixou aliviado. Além disso, a garota e sua mãe se deram especialmente bem; um fato que até mesmo seu pai se dera conta e chegara a comentar, enquanto passeavam em meio às flores tão elegantes do seu jardim. Agora, longe dos futuros sogros de mentirinha, Rose aparentava ainda mais leveza. Era um lado reservado somente a Scorpius, como se de algum modo o considerasse único. Diante dele, ela não se policiava para se comportar dentro das margens que a sociedade inglesa esperava.

― Eu sempre quis ver como era a Mansão Malfoy por dentro ― Na sala de música, Rose se sentou no piano e dedilhou algumas teclas. ― Mas você nunca nos convidou.

― Você sabe bem a razão ― Scorpius se sentou ao lado dela ―, eu estava tentando poupá-los.

― Ou se poupar ― retrucou.

― Vocês não iriam querer esbarrar com meu avô ou minha avó.

― Sente falta dela?

Scorpius suspirou. Ele estaria mentindo se disse que não sentia. Porque sentia. Sua avó, apesar da nítida arrogância e de comungar com muitos ideais que ele considerava tortos, sempre lhe fora boa e amorosa. Ele não só sentia saudade, como também se sentia culpado por não ter se despedido. Por não ter estado ao lado dela nos últimos dias. Soava como uma história inacabada. A morte é quase sempre uma surpresa, que chega sem aviso e sem compaixão, mas Scorpius desejava ter tido mais tempo, ainda que fosse o tempo de um abraço e de um beijo.

― Sinto ― confessou, seu timbre mais baixo do que o normal. Rose tentou levar uma mão ao seu rosto, mas Scorpius a impediu e forçou um sorriso. ― Quer tocar alguma coisa?

― Eu não sou muito boa. Só costumo tocar para mim mesma.

― Há somente nós dois aqui. Toque para mim. Ou melhor, toque comigo.

― Um dueto? ― sorriu. ― Mozart?

― Adagio? 

― Sabe tocar? É minha peça favorita.

― Foi uma das primeiras que aprendi. 

― Curioso, eu também! ― riu Rose, tocando as primeiras notas. Scorpius a acompanhou.

Não era uma música alegre, não à princípio. Ela começava melancólica e o rapaz sentia que precisava disso no momento, para exorcizar aquela tristeza que viera de repente. Eles dedilhavam um de cada vez. No fim, pareceu-lhe divertido fazer aquilo com Rose. Sempre que errava, a garota não continha o riso e Scorpius acabava rindo junto. Os dois eram diferentes naquilo, porque tudo o que o rapaz conseguia fazer ao cometer um engano era praguejar em voz baixa. Rose ria daquilo também. Ele a observou de canto de olhou algumas vez, notando como ela parecia bonita, espontânea e concentrada ao mesmo tempo, em um vestido rosa e simples e com os cabelos da frente um pouco soltos do coque.

Quando terminaram, saíram da sala de música e continuaram andando pelos corredores da ala leste.

― É mesmo enorme ― disse. ― É mais bonita do que imaginei e menos assustadora também.

― Você a imaginava bonita e assustadora? As duas coisas ao mesmo tempo?

― Não ria, é perfeitamente possível algo ser bonito e assustador.

― Como?

― Estátuas de anjos e igrejas góticas.

Scorpius gargalhou, fazendo com que o som ressoasse por todo o corredor. Era tão surpreendentemente fácil estar com ela. Rose o mirou, com diversão. Virando-se, continuou andando em frente.  

― O que tem atrás desta porta? ― Ela parou.

― Uma galeria com retratos de todos os meus antepassados.

― Posso entrar?

― Se você quiser, mas vou logo avisando, não há nada de muito interessante aí dentro…

Ele mal falara e Rose já havia entrado. Scorpius a seguiu e se deparou com todos aqueles quadros de estilo renascentista e que revelavam toda a sua árvore genealógica, em ordem cronológica de nascimento. Desde o primeiro duque de Wiltshire até o seu avô. Scorpius não entrava muito naquela sala, não se tivesse opção. Aquele lugar sempre o lembrava de quem ele era. Lembrava-o de que um dia estaria eternizado naquelas paredes. Quando muito menino, seu avô costumava levá-lo ali justamente para salientar esse fato e para adverti-lo do seu compromisso de sangue.

Um compromisso pelo qual nunca pediu. 

― Um dia vai ser você ― comentou Rose, depois de percorrer a galeria em silêncio, analisando cada um dos quadros. 

Scorpius resmungou.

― Você não gosta disso, eu sei. 

― Não, não gosto. Eu só queria poder escolher ― admitiu. ― Eu queria não ter que carregar esse legado. Por trás de tanta honra e de tanta riqueza, a história da minha família não é exatamente… boa. Nem mesmo clemente. Décadas de explorações, negócios obscuros, ódios. Tanta superioridade e tantas crenças erradas. Meu avô ultrajou sua família de tantas formas e eu sinto muito por isso, Rosie. Ele não podia admitir que vocês ganhassem um título de nobreza, mesmo que inferior ao nosso, e que morassem ao nosso lado. Meu próprio pai precisou ir à uma guerra para pagar por erros que não eram dele, para que o meu avô pudesse se redimir diante do um rei facínora. Não é um legado do qual eu sinta orgulho. Não por acaso somos amaldiçoados.

― Toda maldição um dia pode ser quebrada ― comentou Rose. ― E os seus pais, eles parecem tão…

― Apaixonados? ― Ela assentiu. ― Eles são. Até mesmo os meus avós eram, da maneira deles. Eu nunca achei que precisasse do místico para que pudéssemos encontrar um amor que fosse real. Mas não ter nenhum, em tantas gerações… é um pouco sintomático.

― Você nunca nem pôde sonhar com isso ― constatou.

― Não. Nem tampouco pude sonhar em ser livre. Por um momento, eu achei que poderia. Eu escolhi estudar Medicina e escolhi estudar em uma universidade tão distante de tudo e de todos com o intuito de poder trilhar meu próprio caminho, independentemente de qualquer coisa. Mas, no fim, eu sempre vou retornar para cá. Não há saída possível.

― Mas o que você tem é um privilégio ― ponderou. ― Você tem tudo isso à sua disposição, Scorpius. Algumas pessoas não possuem nem um terço disso. Outras não possuem nada e isso sim é injusto.

― Dizendo desse modo, eu até me sinto um pouco envergonhado.

― Bom, era essa a intenção ― piscou. ― Você foge de algo que alguns dariam a vida para ter. Eu não sei se fugir é mesmo a melhor escolha. Aliás, eu tenho certeza de que não é a melhor. Na realidade, é a escolha mais covarde. Talvez você não se orgulhe do seu legado e eu entendo isso, entendo mesmo, mas você sempre pode mudá-lo e transformá-lo em algo bom. Só depende de você.

Por mais que houvesse sido difícil receber aquelas palavras, palavras que possuíam a verdadeira força de um soco no estômago, Scorpius não se chateou com Rose. Ele sabia que ela estava certa. Por isso, apenas assentiu com certa tristeza e constrangimento. Era só o que podia fazer. Foi surpreendido, no entanto, quando uma mão pequena e delicada envolveu a sua. Dessa vez, ele não a impediu. Não conseguiria. Ela estava sem as luvas ― havia se esquecido da peça na sala de música ―, de maneira que ele pôde sentir o calor de sua pele, um calor bom e calmante. Lentamente, Rose o guiou para fora daquela galeria de fantasmas do passado e do futuro.

 

 

Scorpius parecia estar em casa naquele momento. Como se ele próprio pertencesse à numerosa família de Rose, o rapaz conversava e ria livremente com os falsos-sogros e com os outros integrantes presentes; que, no instante, incluíam somente Teddy, Victoire, James e Katherine. Fora assim durante quase todo o jantar daquela noite e se postergava, agora que estavam na sala de visitas, tomando um café e aproveitando a ocasião de modo bastante ameno. Inclusive, era notório a mudança em Ron. O pai deixara de lado a sua postura ameaçadora, embora um brilho arrogante e orgulhoso ainda faiscasse em seu olhar. De um jeito muito sutil, Ron procurava conhecê-lo ― algo que nunca se permitiu fazer, que nunca desejou fazer.

Rose estudava o amigo de quando em quando. Via seus ombros sacudindo, os olhos acinzentados se fechando e formando pequenas e adoráveis ruguinhas ao redor, os cabelos loiros que lhe escapavam pela testa e uma covinha mínima na bochecha esquerda. Ele certamente parecia estar em casa, e isso a alegrava e a preocupava ao mesmo tempo. Também não lhe escapava o quão bonito o achava ― e o quão perigoso isso era, para si mesma.

Não demorou, no entanto, para que Mary Ann interrompesse a conversa e se oferecesse para tocar piano. Diferente de Rose, a dama de companhia era excepcional, talvez mais do que isso. Ela caminhou devagar até o instrumento e, abrindo a partitura, começou a tocar uma peça. Logo, uma música bonita e divertida invadiu o ambiente, envolvendo e exaltando os ânimos de todos.

― Ah! Que excelente ideia, Mary Ann! ― comentou Hermione. ― Agora todos podemos dançar, o que acham?

O rosto de Rose ficou lívido de repente, o que não passou despercebido para Scorpius.

― Mãe…

― Querida ― disse Ron, segurando uma de suas mãos. ― Só estamos entre nós, se você errar, ninguém vai realmente se importar.

― Dançar com sua alma gêmea pode ser uma experiência tão diferente e tão única ― acrescentou sua mãe. ― Eu mesma nunca me considerei uma boa dançarina até o dia em que dancei com o seu pai pela primeira vez. Naquele dia, foi como se eu dançasse sobre as nuvens… de tão fácil e certo que foi.

As orelhas de Ron ficaram vermelhas, mas Hermione riu e lhe deu um empurrãozinho com o ombro, fazendo-o sorrir.

― Eu realmente… ― começou Rose, mas Scorpius a socorreu:

― Vocês terão que me perdoar, mas eu torci o pé durante uma caminhada na propriedade da minha família. Não faz muitos dias e ainda dói um pouco, então receio que a nossa dança terá que ficar para outro dia. Espero que não se ressinta comigo, Rosie.

Ela concordou com um movimento suave de cabeça, tentando conter o alívio que a tomava. Seus pais pareceram um pouco desapontados ― há muito eles tentavam encorajá-la quanto àquilo, como se lhes doesse ver a filha continuar se recusando ―, mas não discutiram. Em vez disso, Ron se levantou e estendeu gentilmente uma mão em direção à esposa, a convidando para uma valsa.

James fizera o mesmo com Katherine. Teddy, do outro lado, sussurrou algo no ouvido de Victoire. Embora estivesse no sétimo mês de gravidez, ela sorriu e aceitou ser conduzida até o meio do salão. Scorpius viu quando Rose lhe sussurrou um “obrigada” discreto e decidiu se aproximar dela, trocando sua poltrona pela namoradeira onde a jovem estava sentada. Se eram os únicos que não dançariam, ao menos conversariam, era o que estava estampado no rosto dele. Ela gostava imensamente daquela alternativa.

― Por que não quer dançar? ― perguntou-lhe, por fim. ― Você costumava gostar, se me lembro bem. Eu me lembro de vê-la dançando com o seu pai nos saraus da sua família, bem aqui, nesta mesma sala.

― Eu sempre fui um pouquinho desastrada.

― Isso nunca a impediu.

― Ah, bom ― suspirou. ― Eu não danço desde… desde a minha quinta temporada. Eu cometi alguns erros durante uma quadrilha no Almack’s, erros realmente terríveis e que custaram o bem-estar de alguns. Foi horrível e vergonhoso demais. Eu sempre fui conhecida por ser desajeitada, mas nunca me senti tão exposta. Não gosto de estar no centro das atenções, ainda mais por uma razão tão ruim. No dia seguinte, Lady Skeeter escreveu coisas sobre mim, coisas muito, muito odiosas, rememorou todos os meus acidentes anteriores e frisou como eu era inapropriada, como aquele não era o meu lugar de modo algum. Disse também que eu era uma verdadeira decepção para a minha família e que simplesmente deveria aceitar o fato de ser uma alma única, no lugar de continuar insistindo. Que o melhor seria poupar a todos da minha presença. Não foi agradável, as pessoas comentaram por dias, até que surgisse algum novo escândalo.

― Eu sinto muito.

― Parece bobo? Sinto que é bobo. Eu gostaria de ser mais forte, mas isso… me machucou bastante, entende?

― Não parece bobo, Rosie. Cada um sente as coisas de modo diferente. Não é fraqueza ser alguém mais sensível.

― Eu acho que o que mais doeu foi compreender que tudo o que a Lady Skeeter havia escrito sobre mim era verdade, uma verdade que ninguém se atrevia a dizer. Depois disso, eu achei que seria mais prudente não dançar e tenho evitado desde então. De toda maneira, nenhum cavalheiro parece mesmo disposto a me convidar ― soltou um risinho nervoso. ― Exceto Lord McLaggen, o que só depõe contra a sanidade dele.

― Você nunca mais dançou?

― Não.

― Bom, talvez algum dia você se sinta confortável para dançar novamente ― desejou Scorpius. ― Quem sabe você não encontre alguém que a faça se sentir nas nuvens?

Ela conteve o riso.

― Semana passada, você me disse como é ser amaldiçoado. Como é pertencer a uma família que o universo renegou. Mas às vezes… ― Ela fez uma pausa e respirou fundo. ― Às vezes, a benção também é uma maldição. Todos encontraram suas almas gêmeas… ― Rose indicou os pais e os outros, que continuavam a dançar pelo salão. ― Eu deveria ser como eles. À essa altura, já deveria ter recebido o mesmo tipo de benção. Eles não me entendem, não entendem como é perder as esperanças, e não entendem que continuar alimentando falsas esperanças dói mais do que tudo.

― Você desistiu de encontrar, então? Realmente?

― Scorpius, eu tenho vinte e seis anos. Poderia encontrar um companheiro, alguém que possa aprender a amar, mas provavelmente não uma alma gêmea. Eu sou como você e estou bem assim. Estou bem com os meus novos sonhos, porém eles não entendem isso. Para eles, não existe outro caminho.

Scorpius segurou a mão enluvada de Rose.

― Não somos tão diferentes assim.

― Não, creio que não. Estamos de lados opostos, mas não somos diferentes ― concordou. ― Somos duas pessoas amaldiçoadas, cada um à sua própria maneira.

― Mas nós ainda iremos encontrar ― Scorpius levou a mão dela até os lábios e a beijou. ― Ainda iremos encontrar o amor. Eu tenho fé nisso.

― Você parece o meu pai dizendo isso ― riu. ― De todo modo, eu não penso mais em casamento, Scorpius. Por várias razões, acho que permanecer sozinha faça mais sentido para mim. É até mesmo mais seguro.

― Eu não consigo acreditar nisso. É injusto ― disse Scorpius, sacudindo a cabeça com veemência. ― Quando eu te vejo, Rosie, quando eu te vejo, eu tenho certeza que você foi feita para o amor.

Ela abriu um sorriso mínimo e abaixou os olhos, seu rosto ficando levemente corado. Rose, então, sentiu uma pontada no coração, mas não uma pontada de dor, como frequentemente experimentava. Era algo inusitado e que lhe dava um certo friozinho na barriga.

 


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Me digam nos comentários!

Este capítulo é bem simples, apenas mostrando como eles estão se adaptando à essa nova rotina de mentiras. Mas é um capítulo de aproximação também, com eles se abrindo, mostrando suas inseguranças e traumas. A Rose bem que mandou a real para o Scorpius, do tipo: “Acorda, meu filho, você é um privilegiado, faça algo de bom com seus privilégios”. Talvez nesta semana (no mais tardar, na próxima) eu poste o próximo capítulo, que é um dos meus favoritos. Se este é melosinho, o próximo é ainda mais rs.

Beijos e até a próxima :*



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