Até você chegar escrita por Little Alice


Capítulo 3
Rough on the surface, but you cut through like a knife


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas. Como estão? Vamos para o segundo capítulo da fic.

Espero que gostem e boa leitura! ♥



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Rough on the surface, but you cut through like a knife

De maneira bastante surpreendente, a viagem de Scorpius até Londres ocorrera sem qualquer contratempo. O rapaz não imaginou que isso pudesse acontecer de fato. Pelo contrário. No momento que entrou na carruagem que a mãe mandara preparar, seu juízo pareceu ter sido restaurado completamente. Ele olhou para o céu, tão cinzento e pesado, e se arrependeu daquela decisão tomada por impulso. Logo uma tempestade desabaria sobre toda a Inglaterra e eles estariam no meio da estrada. Embora não tivesse dado ordens para que parassem ou retornassem à Malfoy Manor, Scorpius sentiu-se inquieto durante quase todo o trajeto, fantasiando os piores cenários possíveis.

Se começasse a chover, o motorista precisaria reduzir a velocidade por questões de segurança e não chegariam a tempo. Tudo seria em vão então, Scorpius passaria por toda aquela agonia cansativa e, no final, não veria nem Albus e nem Rose. Seria ainda pior se as rodas da carruagem ficassem presas na terra úmida. Eles ficariam à deriva no meio do caminho, sem nenhuma solução aparente exceto esperar. Todos sofreriam: Scorpius, os empregados e, principalmente, os pobres cavalos. No entanto, aquilo nem era o mais terrível a se pensar. Porque eles poderiam ser abordados por um grupo de saqueadores violentos. Como não trazia nada de importante consigo, seria sorte se Scorpius saísse vivo daquela empreitada.

Felizmente, todas aquelas probabilidades universais viram-se contrariadas. Scorpius conseguiu chegar com tranquilidade à Londres e muito antes do que era esperado. Há anos não pisava naquela cidade e não achava que tivesse sentido falta dela. Aliás, tinha certeza que não. Preferia Edimburgo e o seu minúsculo quarto de pensão. Ou mesmo a Malfoy Manor. A tempestade que se anunciava no céu jamais caiu e, somente quando já estava instalado na casa que a família possuía na capital, descansando e aguardando o horário da festa, é que de fato começou a chuviscar. Chuviscar. Uma chuvinha muito fraca, daquelas que não duravam muito tempo. Ele quase riu diante daquela ironia.

Quando, enfim, chegou ao baile dos barões de Gryffindor, o salão já estava repleto de homens e mulheres em suas roupas de gala, dançando e rindo, como que despreocupados da vida. Tanto tempo fora certamente não o ajudavam a reconhecer os rostos ali presentes, entretanto, quando foi anunciado, um rapaz de cabelos pretos e olhos verdes correu em sua direção e estendeu os braços, gritando à plenos pulmões, sem se importar com a discrição normalmente exigida:

― SCORPIUS! SEU MALDITO!

Ele sorriu, reconhecendo-o imediatamente. Era Albus, seu antigo vizinho e, quase como uma consequência disso, um dos seus melhores amigos de infância. O garoto com quem compartilhou o dormitório em Hogwarts¹ por tantos anos. Seu parceiro de aventuras, crimes e rebeldias juvenis. Ele não mudara quase nada: ainda possuía o mesmo sorriso brincalhão, a mesma postura descontraída e continuava usando roupas em tons extravagantes, completamente fora de moda, mas que lhe caíam bem.

Albus o puxou para um abraço apertado e Scorpius o retribuiu com a mesma intensidade. Era como estar em família, notou. Era estranho que um Malfoy pudesse se sentir confortável ao lado de um Weasley, mas sempre fora assim… desde criança. Seu avô nunca aprovou as suas amizades, porém Scorpius algum dia se importou com isso? Com a aprovação de Lucius?   

― Eu não acredito que tenha voltado! ― exclamou Albus, soltando-o. ― Estou surpreso, na verdade, você parecia tão convicto em ser uma ovelha desgarrada e não voltar para a Inglaterra tão cedo.

― Isso não soa como um elogio ― observou Scorpius.

― Porque não é! ― riu Albus. ― Como filho do meio, você sabe que entendo esse seu lado rebelde sem causa…

― Rebelde sem causa ― repetiu com um sorrisinho.

― Mas você se afastou das pessoas que te amam ― continuou ― e isso é ruim. Com certeza não é um elogio, Scorpius. Por isso você é um maldito. Quando decidiu estudar em Edimburgo e não em Oxford ou em Cambridge, como todos nós, eu achei que você ao menos voltaria nas férias para nos visitar. Ou que nos escreveria.

― Eu escrevia.

― Não, você respondia as cartas que mandávamos. E só as que queria responder. Amizades requerem certo esforço.

― Dramático.

― Insensível.

Scorpius gargalhou um pouco, mas se refreou ao ver a carranca de Albus.

― Como andam as coisas por aqui?

― Boas ou ruins, depende de quem se trata. James finalmente se casou com uma americana. Nós achávamos que ele era uma alma única, mas o infeliz nos enganou direitinho. A moça estava era a um oceano de distância dele. Lily ainda não encontrou sua alma gêmea, mas ela jura que terá sua conexão no último dia desta temporada. Ao menos, foi o que viu nas suas folhas de chá. Algo como “o fim será o começo”. Mas não comente nada disso com ninguém, sim? Isso deve ficar entre nós. Não quero que a minha irmã seja condenada por bruxaria. Eu tento colocar juízo na cabeça dela, mas Lily anda mais esotérica que nunca.

― Eu não comentaria.

― Vai saber? Você agora é um homem da ciência e homens da ciência odeiam qualquer tipo de misticismo e cultura milenar.

― Bom, eu não odeio a sua irmã. E para você, como andam as coisas?

― Ah… ― Albus deu de ombros. ― Vão mal. É um pouco complicado não poder ficar com a pessoa que teoricamente o universo lhe destinou. A pessoa por quem, de fato, você se apaixonou.

― Quem é sua alma gêmea?

― Zabini.

Scorpius, de repente, entendeu o que aquilo significava.

― O pior de tudo é que nós dois éramos amigos e agora ele nem consegue me encarar ou estar no mesmo lugar que eu. E eu entendo, entendo muito bem. Não podemos ficar juntos, mesmo que queiramos, então só nos resta tentar fugir disso tudo. Ele provavelmente vai se casar com alguma mulher e, bom, isso é algo lógico. Suponho que eu deveria fazer o mesmo ― Albus pegou uma bebida. ― Mas os negócios vão bem e isso é algo a se comemorar.  

― Eu sinto muito.

― Pelos negócios? ― brincou. ― Não sinta.

― Não, por… ― Scorpius não completou a frase, mas Albus compreendeu.

― E você? Não deveria estar em Edimburgo, terminando o seu curso?

― Vou precisar trancar o semestre. 

― Vai participar da temporada social, então?

― É o que o meu avô quer.

― E o que você quer?

― É irrelevante, Al. Ele diz que está doente e que está morrendo.

― E está mesmo?

― Não acredito que esteja, meus pais também não acreditam. De toda maneira, não importa, isso não mudaria nada. Eu tenho mesmo que me casar. 

A verdade, contudo, era que a ideia de um casamento por conveniência não lhe era nenhum pouco reconfortante. Para Scorpius, soava errado prometer a sua própria eternidade a alguém que não amava. De certo modo, o rapaz sempre esperou por algo… Não por uma alma gêmea, é claro ― porque isso estava muito além do seu destino ―, mas esperava por algo maior em sua vida. Não sabia dizer o quê precisamente, porém, tinha consciência de que o sentimento sempre estivera ali, dentro dele.

Depois de Albus, Scorpius ainda reencontrou Lily e James, que o apresentou à sua esposa, Katherine. A jovem possuía um tom de pele escuro, um sorriso cativante e um sotaque bonito. A cada novo Weasley, a sensação de estar de volta à sua casa aumentava. Sendo todos antigos vizinhos, aqueles eram rostos que estiveram presentes em vários momentos da sua infância. Entre tantas feições desconhecidas que via no baile, aquelas eram as que o rapaz jamais poderia deixar de reconhecer. No entanto, ainda faltava um reencontro. Talvez o mais esperado. 

― E Rose? ― perguntou a Albus, quando estavam novamente a sós. ― Ela não veio?

― Ainda não a vi, para ser honesto. Mas Hugo e os meus tios estão aqui, então imagino que sim.

Scorpius anuiu, em silêncio, e percorreu o salão movimentado com o olhar, tentando enxergar por entre os ombros dos convidados, mas nada de Rose. Sentindo o próprio coração despencar um pouquinho, decidiu pegar uma bebida para si. Foi neste instante, quando se virava na direção de um dos garçons, que a viu… ou achou ter visto. Um vislumbre alaranjado que corria em direção aos jardins.

 

 

A grama estava um pouco úmida sob os seus pés e ainda era possível sentir o aroma da chuva, mesclando-se ao das flores ao redor. Ela respirou fundo, finalmente se sentindo em paz desde que chegara, e continuou caminhando em direção à fonte de Eros. Não era nem que a festa estivesse ruim. Aquele era o debute de Lucy, a sua apresentação à sociedade, e Rose se divertiu vendo-a descobrir tantas coisas novas, recebendo o seu primeiro convite para a sua primeira dança e experimentando ponches e canapés. A prima ainda era tão jovem e tão cheia de esperanças, e Rose não poderia desejar nada além de toda a felicidade possível para a menina. Por um momento, ela apenas permaneceu ao lado de Lucy e de Lily, de sua família. Sentiu-se até um pouco grata pela insistência do pai, porque, graças à ela, Rose pôde estar presente naquele instante tão especial para alguém igualmente especial.

Enquanto estivesse entre os seus familiares ou até mesmo sozinha, sabia que ficaria bem, que estaria confortável o suficiente. Ela achava que conseguiria suportar tudo, absolutamente tudo, se ao menos pudesse continuar daquele jeito, invisível aos olhos de todos os outros. Sem chamar qualquer tipo de atenção para si.

Mas, então, Lord McLaggen foi anunciado.

No mesmo instante, Rose engoliu em seco e sentiu que gelava por dentro, lembrando-se do desastre daquela manhã, e tudo o que pôde fazer foi passar o resto da noite fugindo.

Primeiro, refugiou-se na sala de jogos. A sua presença não passou despercebida, no entanto. Aquele não era um ambiente muito apropriado para damas e isso logo foi apontado por um dos cavalheiros presentes. Ela desejou insultá-lo, porque tinha certeza de que era uma jogadora de pôquer muito mais habilidosa do que ele ou do que qualquer um dos outros homens que ali estavam. Ninguém a vencia, nem mesmo o seu pai. Apesar disso, não o xingou e muito menos o desafiou para uma partida, não queria estar envolvida em nenhum novo escândalo. Sabia, por experiência própria, que Lady Skeeter não era nada piedosa.

Assim, apenas se dirigiu até a biblioteca e por lá ficou, até vovó Molly aparecer e começar a ralhar com ela por estar perdendo toda a diversão do baile. De volta ao salão, não conseguiu escapar de Lord McLaggen. Ele deveria ter desistido de Rose ― realmente deveria ―, depois de toda a humilhação que Apolo o fizera passar. Só que o homem continuava querendo cortejá-la. Pior do que isso, desejava dançar com ela. Insistente, ele a convidou para uma valsa ou para uma quadrilha, o que a jovem preferisse. Mas Rose não dançava. Nunca. Ou não mais, pelo menos. Fingindo estar com sede, esperou o rapaz se retirar para buscar uma bebida e fugiu para os jardins o mais rápido que conseguiu.

Já distante de tudo, ela se sentou à beira da fonte e inspirou profundamente. A noite estava clara naquele momento. Agora que as nuvens tinham partido, após uma chuva muito fraca, uma lua cheia e prateada pendia no céu e as estrelas piscavam e brilhavam, com suas luzes tão distantes. Rose estudou Eros por um instante. Ela gostava da história por detrás daquela estátua, ou melhor, das duas histórias. A primeira, um pouco mais pessoal, conhecida e contada por tantos parentes seus. Fora vovô Arthur quem a construiu, muitos anos antes. Ele, que sempre fora um bom escultor, a criou como um presente à vovó Molly. Amores à primeira vista eram sempre muito raros, mas foi assim para os dois. Ao primeiro olhar eles souberam que eram almas gêmeas, como se tivessem sido flechados, atingidos por Eros, o Cupido da mitologia grega.

A segunda, sobre a própria origem daquele deus menor do amor. Embora houvesse mais de um mito, Rose preferia aquele descrito por Platão, no qual Eros era filho de Porus, o deus da abundância, e de Pênia, a deusa da penúria. O amor, às vezes, parecia-lhe um pouco com aquilo. Parecia-lhe um paradoxo, algo que transitava entre a completude e a falta. Ao mesmo tempo em que era pleno, não se satisfazia. Sempre havia o desejo por mais. O desejo pela continuidade. Só que aquelas eram apenas suposições. Eram apenas teorias interessantes que Rose lia em livros e que pensava fazerem sentido.

Ela nunca experimentaria aquilo de fato, em sua própria vida. Isso doera por algum tempo. Ela já fora uma pessoa romântica, perdida em sonhos bobos.  Agora... agora, abdicava de qualquer possibilidade que envolvesse uma vida ao lado de outra pessoa. Sabia que poderia encontrar alguém como ela, uma alma única. Almas únicas sempre necessitavam de outras almas únicas. Sabia que um amor real e bom poderia nascer naqueles terrenos insólitos.

No entanto, considerando tudo o que almejava no momento, não era o que Rose queria ou precisava. Casar-se era um risco que não desejava assumir, porque, em muitos casos, o casamento significava a perda da própria independência ― aquilo era algo pelo qual ainda lutava e, depois que a conquistasse, não permitiria que ninguém a tirasse dela. Ela não era boba. Entendia bem em que sociedade vivia. Talvez o casamento funcionasse entre almas gêmeas ou almas afins. Mas qual garantia teria Rose, fora dessa dinâmica?

Ela abaixou os olhos para as águas da fonte de Eros, onde podia ver a imagem distorcida da lua e das estrelas, um reflexo ocasionalmente desfeito pelo movimento das carpas. Um vento soprou contra seu o rosto, trazendo o perfume das damas da noite. Aquelas eram, possivelmente, uma das suas flores favoritas. Não necessariamente pelo seu aroma inebriante ou pela sua forma delicada, mas pelo significado que lhe transmitia, um sentido com o qual Rose se identificava. Eram flores que se abriam somente durante a noite e que voltavam a se fechar pela manhã. Durante as temporadas, Rose se sentia um pouco como elas. Só quando não estava nos salões é que podia ser ela mesma. Podia desabrochar e perfumar. Quando estava, já não era.

Um novo vento e, de repente, notou um perfume complexo e diferente de toda aquela atmosfera silenciosa e noturna. Eram sândalos, com um toque de cânfora ― a mesma nota presente no perfume do pai ― e de mirra. Pela primeira vez em muito tempo, seu coração se agitou em expectativa genuína. Porque Rose achava que sabia de quem era aquela fragrância. Como um dia poderia se esquecer? O que eram anos diante da memória, afinal? Seus tempos de menina ainda estavam marcados nela. Momentaneamente, deixou-se esquecer de todas as amarguras e de todas as preocupações e permitiu-se ficar suspensa no tempo e no espaço, ansiando apenas por revê-lo. Por revistar um passado tão distante e tão bonito.

Porque Rose soube quem era, antes mesmo de ver a imagem do seu rosto refletido nas águas de Eros. E, como em um milagre inesperado, seu dia dividiu-se ao meio.

 

 

Ele não deveria seguir um vislumbre, uma imagem tão etérea que sequer poderia ser considerada como real, mas sentiu como se um fio o conduzisse a isso. Uma agitação que decidiu ouvir. Scorpius chegou a hesitar três vezes, quando pediu licença a Albus sem ter uma justificativa razoável, quando deu às costas ao baile e quando começou a adentrar mais e mais o jardim da família Weasley, buscado rastros que não via e nem sabia se, em algum momento, existiram de fato. Andou à deriva por um tempo, quase a um passo de desistir.

Porém, todas aquelas hesitações desapareceram, foram diluídas por completo dentro dele, quando a vi. Porque ali estava Rose, sentada à beira de uma fonte, entre as folhagens, as flores selvagens e o brilho de mil estrelas. Vagalumes voavam ao seu redor como borboletas luminosas. Era como observar uma obra de arte, contudo, uma obra de arte muito tangível, muito concreta. Ela se levantou devagar, seus olhos castanhos fixos nos dele. E então, muito subitamente, Scorpius sentiu um peso contra o seu próprio corpo. Sentiu um calor e um perfume que o lembrava da sua infância, da época em que tudo era fácil e bom.

Invariavelmente, o recordava de Rose.  

Aceitar aquele abraço ou retribuí-lo não era algo considerado prudente, segundo as antiquadas normas sociais. Se possuísse qualquer sombra de bom senso, Scorpius a afastaria com delicadeza e a cumprimentaria de modo apropriado, curvando-se e beijando-lhe uma das mãos enluvadas. Não queria comprometê-la de forma alguma. Ainda assim, mesmo estando ciente disso, uma força, que era quase divina e quase profana, parecia agir sobre ele. Não conseguiu resistir àquele abraço inusitado, seus braços contornaram a cintura dela e Scorpius simplesmente se permitiu viver naquele estado de graça e de leveza, naquele instante compartilhado por dois velhos amigos, que não se viam há tantos anos.

Há exatos dez anos. Dez anos de uma falta suprida apenas por palavras escritas em pedaços frágeis de pergaminho. Por cartas tão ocasionais. Nos primeiros anos, quando se formou em Hogwarts e ingressou na Universidade de Edimburgo, Scorpius tentou ser assíduo. No entanto, a vida aconteceu... como sempre acontece com todos. A falta de tempo, o peso das responsabilidades acadêmicas e o próprio cansaço o impediram de escrever mais. Com o transcorrer da estações, apenas Rose o fazia e Scorpius respondia quando podia. Até que ela também desistiu e passou a enviar-lhe cartas somente em datas importantes. 

Dez anos mudam uma relação.

Dez anos mudam até pessoas.

Ele não saberia dizer o quanto da Rose que conhecia ainda existia naquela Rose que tinha diante de si. Ainda assim, sentia-se feliz por revê-la.

― Você voltou! ― exclamou a moça, separando-se dele com lentidão. Um sorriso iluminava o seu rosto. ― Por que não nos escreveu? Por que não nos contou que estava voltando? Você é um idiota por nem sequer nos dizer isso!

― Foi uma decisão de última hora ― respondeu em tom de desculpa. Ele sorriu e parou para observá-la melhor. Rose parecia diferente. Mais bonita. Mais crescida. Menos como a menina de dezessete anos que deixou para trás. Ela usava um vestido branco de festa, com rendas e bordados, e pequenas margaridas enfeitavam os seus fios ruivos, que imediatamente evocaram imagens de uma Rose muito mais nova, que colhia flores selvagens para criar todo tipo de adorno possível. ― Eu senti a sua falta ― disse Scorpius, quando qualquer outra frase teria soado sem significado, sem qualquer sentido de sinceridade.

― Teria sentido um pouco menos se tivesse nos visitado alguma vez ― respondeu. Apesar do tom de brincadeira que usara, havia seriedade em seu olhar, como uma leve acusação. Scorpius conseguia captar aquilo. Ele até poderia não ter caído no esquecimento, mas não poderia escapar a um natural ressentimento.

― Eu sinto muito.

― Sei que sente, mas sei também que não poderia voltar, não enquanto continuasse determinado a fugir do seu legado, do que nasceu para ser. ― Rose tornou a se sentar, ajeitando o vestido com cuidado, e Scorpius a acompanhou, sentindo um certo estremecimento. Ela sempre o conheceu bem demais e isso o assustava. Mesmo agora, ainda o conhecia. ― Mas se você voltou, significa que…?

― Que eu devo me casar ― completou o que ela deixou no ar. ― Que aceitei o meu destino.

― Aceitou mesmo?

― Não.

― Imaginei que não ― riu.

― Mas algum dia eu tive escolha?

― Acho que não ― Rose fez uma pausa, olhou para a estátua do que Scorpius julgava ser Eros e continuou: ― Sabe, existe uma teoria sobre o porquê almas gêmeas se tornaram tão raras. Quando comparamos o hoje aos tempos clássicos, vemos que é um fenômeno quase insignificante. Essa teoria diz que foi porque deixamos de acreditar em deuses, deuses que interferiam no destino dos homens, e passamos a acreditar em um único Deus, um Deus que nos deu o livre-arbítrio. Mas, às vezes, eu me pergunto… nós realmente temos livre-arbítrio? Você não pode mudar quem nasceu para ser, o futuro duque de Wiltshire. E eu não posso mudar quem sou, uma mulher. Quando se é mulher, livre-arbítrio é só uma falácia. Porque, não importa o que eu quero, ainda assim preciso estar aqui, em busca de uma alma gêmea que sei que nunca terei. Em outras palavras, em busca de um marido. De um casamento. No fim, é tudo o que uma mulher pode fazer: casar-se. A nossa vida nunca será completa sem isso.

― Você não quer estar aqui mais do que eu quero ― constatou.

― Não mesmo. ― Sacudiu a cabeça, com um riso fraco. ― Frequentar essa temporada é a última coisa que eu gostaria de fazer. É uma verdadeira perda de tempo e de esforço, se quer saber. Neste exato momento, por exemplo, estou fugindo de um possível pretendente. Um pretendente que parece convicto quanto à sua missão de me cortejar. Ele não desistiu nem mesmo depois que eu, ou melhor, que Apolo o derrubou no Serpentine.

― Apolo?

― O meu cachorro. Ele é absolutamente adorável, embora seja um pouco… bruto, eu diria. 

― Apolo ― repetiu Scorpius. ― Continua tão apaixonada por mitologia grega como sempre foi ― observou. Era bom saber que certas coisas não haviam mudado.

― Sim ― Rose encolheu os ombros e sorriu. ― Eu gosto da maneira como os gregos costumavam tentar explicar o mundo e como alguns desses mitos realmente conseguem abarcar questões muito pontuais das nossas vidas.

Scorpius assentiu, mas seus pensamentos agora pareciam vagar em outra direção. As engrenagens de seu cérebro começaram a trabalhar, conectando peças, e lhe apresentaram a uma ideia surpreendente e, certamente, um tanto insana. Porém, aquele reencontro com Rose e toda aquela conversa que tiveram sobre livre-arbítrio e sobre destinos desafortunados, levaram-no a isso, a buscar uma saída, mesmo que apenas temporária.

― Você realmente não quer participar da temporada deste ano? ― perguntou.

― Foi o que lhe disse. Mas eu sou como você, não tenho escolha alguma. 

― Talvez tenha. ― Os olhos de Scorpius brilharam travessos, enquanto Rose apenas arqueou as sobrancelhas. ― Eu tive uma ideia.

― Que ideia?

Ele estava pronto para dizer-lhe, quando foram interrompidos por Lily.

Rosie! ― disse, ofegante. A garota colocou uma mão sobre o peito e deu um longo respiro. ― Você está aqui! Meus tios estão te procurando por toda parte! ― Ela olhou de soslaio para Scorpius, um pouco desconfiada, mas preferiu não questionar a presença do rapaz ali ou fazer qualquer outro comentário a respeito. Rose se levantou e, no mesmo instante, Scorpius repetiu o movimento.

― Aguarde o meu sinal ― sussurrou ao pé do seu ouvido, antes que Lily a puxasse para longe definitivamente. ― Hoje ainda.

Foi assim, então, que uma série de acasos ― o acidente com Lord McLaggen, a exigência de Lucius, a sugestão de Astoria, a insistência de Ron e a fuga de Rose ― se interligaram e uniram duas pessoas na trama de um destino ainda incerto. Porque, se os fatos não tivessem acontecido da maneira como aconteceram, então eles não teriam se encontrado ali, naquele jardim, não teriam aquela exata conversa e, talvez, não ocorreria a Scorpius aquela ideia: a de fingirem ser almas gêmeas.

 


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Notas finais do capítulo

¹Nessa realidade, Hogwarts funciona mais ou menos como Eton, que era uma escola preparatória muito bem-conceituada na época, apenas para meninos da aristocracia (século XIX né?). Os garotos iam para Eton aos 13 anos. Aqui, como é Hogwarts, eles vão aos 11 anos mesmo.


Enfim, tivemos o reencontro Scorose. Agora a história realmente começa, com esses dois fingindo ser almas gêmeas um do outro. O que acharam do reencontro dos dois e da ideia do Scorpius? De 0 a 10, quais são as chances de dar ruim? Me digam nos comentários.

Beijos e até a próxima :*



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