P.O.V. Freya

You are my sunshine, my only sunshine
You make me happy, when skies are gray
You'll never know dear, how much i love you
Please don't take my sunshine away
(You're my Sunshine – Johnny Cash)

Madelaine berrava de forma totalmente desafinada e despreocupada a música da rádio enquanto dirigia e tudo que eu queria era um pouco de silêncio para terminar de ler o livro que prometi que leria até o fim das férias.

— CANTA COMIGO - Ela gritou me fazendo dar um pulo no banco.

— Caralho Madelaine! - Ela começou a rir do meu palavrão raro e inesperado - Você me assustou!

— E você já tá parecendo morta sendo que as aulas nem começaram - Ela olhou pra mim rapidamente

— Eu só estou tentando terminar esse livro antes do fim das férias - Suspirei de forma frustrada.

— Eu sei, mas hoje começam as aulas, você já não acha que meio que perdeu a sua aposta pessoal? - Ela apertou os olhos

— Tecnicamente... Faltam 20 páginas e as aulas só começam daqui meia hora, então... - Ela estava revirando os olhos antes mesmo que eu pudesse terminar - Olha só, a minha melhor amiga poderia ter mais fé em mim

— Tá, mas você poderia pegar livros menores, assim poderia ler os 20 livros por férias de forma mais tranquila - Sugeriu

— Assim nem teria graça - falei baixo.

— Assim você terminaria antes de chegar na escola, como agora - Olhei pra frente e lá estava a construção verde cercada de mais verde e muita, muita neblina, a sensação de planeta alienígena me fez afundar no banco.

Não era que eu odiasse a cidade e toda sua neblina e suas montanhas, mas um pouco de sol não faria mal a ninguém...

— Ok, quanto tempo falta? - Perguntei para o único ponto de luz nessa cidade

— Faltam 25 minutos, vou fumar, termine de ler, na hora de entrar eu bato na janela - Disse Madelaine enquanto eu torcia o nariz, tanto pela falta de tempo quanto pelo péssimo hábito dela, voltei a me dedicar a leitura de Jane Eyre, que terminou antes do esperado. Guardei o livro na bolsa e pulei para fora do carro, verificando se meu vestido não ficou dobrado de forma constrangedora.

Eu adorava vestidos apesar do clima frio, então era sempre um grande esquema para construir camadas com roupas mais quentes e vestidos de tecido mais pesado. Maddy se divertia quando me acompanhava na busca da combinação certa de meia calça e casaco em meio as reclamações da falta de sol.

— Vamos? - Pedi

— Daqui a pouquinho, to terminando - Ela disse olhando algo no celular enquanto terminava o cigarro

Um som de passos rápidos me fez virar para trás para ver Mackenzie descontrolada e afobada.

— VãoChegarNovosAlunosAmanhã - Disse de forma totalmente emendada e sem ar ao nos alcançar.

— O que você disse? - Maddy virou totalmente perdida.

— Que novos alunos - uma puxada de ar - vão chegar amanhã - mais uma - aqui!

— Coitados - pensei em voz alta

— E você já sabe de tudo, certo? - Maddy perguntou de forma quase retórica e sarcástica.

— Só que o pai é médico no hospital e são 5 filhos, todos adotados - Mack disse de forma muito orgulhosa me dando a certeza de que ela tinha ganho o furo do mês pro jornal da escola.

— Bem, isso parece ser admirável - Foi tudo que consegui falar.

— É... Eu acho que é né... - Mackenzie parecia enxergar de outro modo isso, mas se manteve calada, o que fez minha sanidade mental ficar muito grata.

Mackenzie era uma menina de família digamos... Bem abastada. Não era o suficiente para terem uma mansão, mas o suficiente para sua mãe se achar o segundo prefeito da cidade e irritar todos os moradores. Joanne, a mãe de Mackenzie poderia facilmente se chamar Karen (se você entende o que quero dizer), ela até mesmo tinha o mesmo cabelo loiro e discurso racista, o que tornou a pobre Mackenzie um tanto quanto perdida em relação aos conceitos de moral e ética.

Mackenzie definitivamente era melhor que sua mãe, ela era menos estridente e bem menos preconceituosa, mas não o suficiente pra ser uma pessoa suportável de se ouvir durante um dia inteiro. Madelaine considerou várias vezes dar uma surra na garota, mas eu acreditava que mais conversa poderia resolver, afinal, ela só precisava de um pouco de instrução, já que não era tão maldosa quanto sua mãe.

Após mais alguma troca de palavras, nos dirigimos para o prédio e fomos para as salas, todos estavam falando sem parar dos novatos. Eu e Maddy não demos muita atenção, nos mantivemos conversando sobre as férias dela em Seattle e sobre a visita de minha avó, isso se estendeu até o intervalo.

— E ela ainda tá insistindo naqueles papos de bruxa? - Ela disse de forma bem humorada

— Sim, mas eu continuo só... Ignorando sabe? Eu amo muito minha avó e adorava essas histórias quando era criança, mas agora o máximo da bruxaria dela que eu gosto é chá para dormir.

— Mas bem... Você também é sensitiva ou sei lá o que... - Ela comentou meio em dúvida. Bem, efetivamente eu era bem intuitiva, mas acreditava piamente que era só uma boa leitora de cenários, inclusive considerava fazer uma faculdade de Jornalismo para ser jornalista investigativa, mas também achava muito atraente a ideia de ser Policial forense.

Eu sou um tanto quanto curiosa e a ideia de ser policial veio do meu interesse após ouvir repetidas vezes de minha mãe que quando eu estava aprendendo a falar, eu apontava para toda viatura de polícia e gritava "papai!". Minha avó insistia que isso era um sinal que na vida passada fui filha de um policial e meu pai insistia que minha avó estava lendo romances demais.

Fiquei meio absorta em lembranças por um momento, momento que foi interrompido por estalos impacientes.

— Terra chamando Freyaaaa - Maddy falava de forma impaciente.

— Desculpa, eu só... Estava lembrando dos meus pais - Me expliquei, falando a segunda parte mais baixo.

— Oh... Ok... Desculpe - Ela começou, sem saber bem o que dizer e visivelmente chateada - Hãan... Vamos... A gente tem aula né? Sua primeira é Literatura? Vamos lá! - Mais animada - você adora literatura, não sei como, mas adora - concluiu torcendo o nariz e me fazendo rir.

Maddy não era bem uma pessoa de livros que contavam histórias, ela era muito mais pelo lado lógico. Amava as aulas de biologia e química, mas saltitava mesmo para as aulas de educação física, na qual ela adorava sair correndo, pulando e eventualmente ferindo alguém por ser competitiva demais, ao ponto de que ela precisou ficar 3 semanas sem participar da aula por ter quebrado o nariz de um garoto durante uma partida de queimada.

Nós duas nos conhecemos desde crianças e foi amizade logo no primeiro dia que ela sentou do meu lado na mesa da primeira série.

— Oi! Meu nome é Madelaine! E o seu? _- _Uma menina ruiva cheia de sardinhas e com janelinha iniciou a conversa, ela parecia muito animada, animada até demais, ao ponto de intimidar Freya.

— Meu nome é Freya... - Replicou tímida.

— Seu nome é estranho - A menina de cabelos castanhos ficou vermelha ao ouvir a constatação da nova colega. Ela sabia que seu nome era diferente, mas sua mãe sempre lhe dizia que era um nome muito bonito de uma deusa guerreira - Mas eu gosto!

A conversa se estendeu até a professora chamar a atenção de todos com atividades, brincadeiras conhecimentos diferentes. As duas riam e brincavam vez ou outra e durante o intervalo, alguns meninos começaram a fazer piada do nome de Freya, nada muito importante, mas o suficiente para Madelaine bater em um deles para defender sua nova amiga.

Naquela dia a diretora ficou preocupada que a pequena fosse um problema, mas no ponto de vista de Freya, ela tinha uma nova e incrivel amiga com sorriso de sol e cabelo de fogo, que em sua opinião, também deveria se chamar Freya.