Quam superesse in paradiso escrita por Lara Coimbra


Capítulo 7
Estes não são seus olhos


Notas iniciais do capítulo

Voltamos às Terras Proibidas três anos depois...
Neste capítulo procuro desenvolver o relacionamento fraterno entre Mono e Saunter, além de incluir um momento crítico e culminante importante para essa fic. Boa leitura!



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Quando Saunter tinha três anos de idade, um incidente desesperador ocorreu durante uma de suas explorações. Agro os levou para uma região que ainda não conheciam. O ponto de partida era sempre o mesmo: o Santuário da Adoração. Não que Mono entendesse algo de organização espacial, mas Agro parecia saber muito bem para onde ia, desde que tivesse aquele ponto específico como referência. 

Rapidamente, Mono observou o interior do templo. Nenhum sinal de novos visitantes. Mesmo sabendo que era impossível ela ainda tinha a necessidade de verificar. Os três companheiros perdidos seguiram então para o leste, conforme era o desejo do equino. Quase imperceptível era a passagem pela qual passaram, esta que fazia uma suave curva para a direção nordeste - e de forma repentina encontraram-se atravessando um desfiladeiro. O barulho do vento era forte, e o canyon que conhecia desde o começo de sua jornada se estendia até ali. É claro, era uma obrigação fazer uma parada apenas para observar a beleza das quedas d’água ao fundo. 

Passagens estreitas, escondidas entre monólitos e divisões entre as montanhas pareciam ser um padrão naquelas terras, mesmo que cada entrada fosse única e singular à sua maneira. Quando descobriram o lugar em questão, Mono ficou deslumbrada. Escondido da luz do sol, e mergulhado dentro de um lago de águas escuras, a tumba de um castelo fazia-se presente diante dela. Tudo que um dia aquela construção já foi estava decaído e peculiarmente submerso. Agro recusou-se a entrar no lago, o que indicava a sua desafiadora profundidade. 

“Cuidado.”, repentinamente falou Saunter, grudado nas costas de Mono. “Lá em cima!”, ele apontava para os céus logo acima da área misteriosa. 

“Não tem nada lá em cima, meu filho.”, calmamente explicou Mono. Ela acreditava que a imaginação de Saunter era muito fértil. 

“Vamos!”, pediu Saunter, um pouco agitado.

“Você… Quer ir pra lá?”, ela não poderia dizer que também não estava curiosa. 

Assim como doutras vezes, a princesa amarrou o cobertor como um sling, pressionando o pequeno contra suas costas, e assim ela fazia tudo: caçava, escalava, corria…

Juntos eles mergulharam nas águas frias do lago e nadaram até o muro do castelo, que bloqueava o caminho adiante. Mais uma vez, Saunter surpreendeu-a, com uma informação que apenas uma pessoa que já fora li antes pudesse saber.

“Por baixo, mamãe!”

“O quê...?”

Seguindo a dica do menino, Mono pediu para ele que prendesse a respiração. Normalmente, uma mulher do porte da moça nunca conseguiria passar por ali carregando um peso extra nas costas. Porém, devido à força adquirida das frutas das Terras Proibidas, aquilo foi uma tarefa fácil. A água era fria, mas suportável. depois de escalar a o portão principal, carregando Saunter, ela finalmente o pôs no chão. Na beirada do corredor a céu aberto jazia um buraco com vigas de ferro retorcido. O vão era suficiente para que ele pulassem de volta ao lago. 

“Eu vou primeiro.”, anunciou Mono, confiante. “Fique aí.”

Depois que emergiu, ela pediu para que Saunter pulasse também. “Confie em mim!”

“Tá bem…”, disse a criança, antes de tomar impulso e se jogar. “Aaah!”

Mono o apanhou rapidamente. Eles precisavam achar alguma superfície ou apoio antes que o exercício se tornasse desgastante. Espalhados pelo extenso lago haviam várias estruturas e plataformas de pedra protuberando  para cima da superfície: torres, paredes, e grades pontiagudas. Saunter já poderia ser considerado um bom nadador para sua idade, por conta do período que passou sendo ensinado pela mulher que chamava de mãe, lá no pequeno éden onde viviam.  Ao contrário do filho que adotara, Mono se recordava bem que Wander não era muito chegado em natação, por ser muito desajeitado. 

“Cadê os peixes?”, perguntou Saunter, um pouco desconfiado. 

“Acho que aqui não tem.”, ela respondeu com um sorriso. 

“O que é aquilo lá?”, o olhar do menino interessou-se por uma estranha ilhota, que destoava da arquitetura local.

Mono o acompanhou até essa estranha formação rochosa e estudou seu formato. ela podia jurar que as extremidades se pareciam com duas asas e um rabo. Ficara entretida com sua própria imaginação. Mesmo tendo se deparado com vários destes montes semelhantes a animais, ela não dava a eles a devida importância. Quando bebê, Saunter ficava extremamente incomodado diante dessas figuras, mas desde recentemente ele tem mostrado bastante interesse. 

“Por que ele não tá voando, mamãe?”, questionou Saunter, franzindo a testa. 

“O que você disse?”, Mono ficou um pouco chocada com a pergunta do menino. “O que era pra estar voando?”

“Estamos pisando nele.”, a criança afirmou, com o semblante tenso. “Se ele estivesse vivo, nós poderíamos conhecer a sua casa, mamãe.”

“Saunter…”, Mono teve pena. A imaginação dele era ainda mais intempestiva. 

Quando a princesa segurou seu ombro diminuto e o virou para poder abraçá-lo, ela percebeu que os olhos de Saunter ficaram vazios, profundos, e uma luz azulada irradiava das cavidades oculares. Mono primeiro vocalizou um grito e depois caiu sentada. Saunter não esboçou reação alguma.

“Ele lança uma sombra colossal sobre um lago brumoso, elevando-se ao céu.”, Saunter recitou, com uma voz mecânica, dual, e sem emoção.

“Saunter, acorde!”, Mono berrou, enquanto o chacoalhava. “Isso não é você, estes não são seus olhos! Saunter!”

Ela chorava copiosamente, e sua voz perdia força a cada minuto, a cada suplício. Ela já suspeitou, algumas vezes, durante a criação de Saunter, que ele não era simplesmente um menino normal com chifres. O encontrara ainda bebê, o criou como filho, mas não havia dado-lhe a luz, não havia carregado-lhe em seu ventre. Sua natureza era desconhecida. Talvez aquilo já estivesse predestinado a acontecer, talvez fosse um poder mágico ou habilidade intrínseca àquela criança.

“Saunter… Por favor… Me escute.”, pediu Mono, segurando suas pequenas mãos, enquanto ele permanecia em transe. “Eu preciso de você, meu filho. Vamos voltar para casa? Vamos caçar alguns cágados, e preparar uma refeição? E antes de dormir vou te contar histórias sobre seu pai… Eu acho que nunca falei muito sobre ele, não é? Ele se chama Wander.”

Ao escutar o nome do cavaleiro, quase que como um milagre, os olhos Saunter aos poucos reverteram ao normal. Ele desmaiou sob o colo de Mono, que o abraçou forte, derramando suas lágrimas sobre o menino. Ela estava tão feliz por tê-lo de volta. Seria coincidência, ou simplesmente o ato de ter evocado o nome de Wander teria algo a ver?

Pouco tempo depois o pequeno acordou, no colo de sua mãe. Seu sorriso era grande, mas as marcas secas das lágrimas que já se foram eram facilmente perceptíveis.

“Mamãe…”, Saunter gemeu, despertando.

“Eu achei que tinha te perdido.”, ela disse, calma e aliviada. 

Os dois estavam numa pequena câmara emersa do castelo afundado. Saunter olhou para fora e exclamou com surpresa: “É noite!” 

“Você dormiu por algumas horas.”, Mono explicou. Ela queria muito conversar sobre o que aconteceu, mas não sabia como abordar o assunto. “Se lembra de alguma coisa?”

Saunter era ainda muito jovem para explicar com detalhes: “Eu estava voando, mamãe! Eu tinha asas, e um rabo muuuuuiito comprido!”, ele contava, entusiasmado , tentando imitar o bater de asas de uma ave, de uma forma bem brincalhona.

Mono olhou de relance para superfície onde acontecera o evento. “Não, eu devo estar imaginando coisas…”, disse para si mesma, recusando-se a acreditar que tudo ali estava interligado, e que Wander teria algum envolvimento. Ela se martirizava por ainda não se lembrar de tudo, por não considerar detalhes. 

Com as energias renovadas, mãe e filho nadaram de volta à terra firme, onde Agro os recebeu com grande cerimônia. Na falta de luz e conveniência para caçar, contentaram-se com uma das frutas especiais. Incontáveis eram as vezes em que Mono agradecera por este alimento, que sempre a salvava em momentos de necessidade. 

Saunter, por outro lado, não se esquecera da promessa. Ele era louco para saber sobre seu pai, ainda mais agora, que estava entrando na fase de perguntar o porquê de tudo.  Mono o descreveu em detalhes, até que a criança pegasse no sono. Ela não podia deixar de perceber o quanto ele se parecia com Wander, apesar de tudo. Ele tinha os mesmos cabelos vermelhos, os mesmos olhos cinzentos… O mesmo nariz? 

Passar anos isolada nas Terras Proibidas certamente havia mexido com seus miolos. Se ao menos alguém soubesse explicar, se Wander aparecesse, mesmo que em sonho, para sanar suas perguntas… Suportar essa dúvida seria um pouco  menos sofrido. Saunter, porém, era sua rocha. Até que se prove o contrário ele seria sim seu filho e ela seria sim sua mãe e Wander… Semelhante ou não, ela queria que o menino tivesse uma figura paterna, alguém para se espelhar e confortar seu coração.  Pobre Mono, que com essa cabeça feita em moldes tradicionais não percebia que ele queria mesmo era ser forte como ela, escalar plantas e paredes da mesma forma. Esta mulher, que lhe amamentou e sempre zelou por sua vida, era sua maior influência e fonte de inspiração.


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Notas finais do capítulo

O que acharam desse acontecimento inusitado? Arriscam algum palpite?



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