Três anos se passaram desde o batismo de Mono e de Wander. Eles foram criados praticamente como membros da mesma família. Idwal era um homem feliz na companhia das duas crianças. Ele era um pai presente na medida do possível. A ama de leite Hege ficava então de responsável pelos pequenos, trabalhando a partir de então como governanta. O filho dela era um pouco mais velho, mas também se juntava ao grupo para brincar com a princesa e o órfão. Kuppe podia ter apenas 5 anos, mas já estava em fase de treinamento para ser um criado do castelo futuramente: ajudando a carregar sacolas ou tirando a poeira de móveis com um espanador - entrando em lugares que adultos não conseguiam. 

O lugar favorito dos três amigos eram os jardins, cheios de monumentos e labirintos de arbustos, onde brincavam constantemente. Desde a tenra idade Wander já demonstrava interesse em cavalgar cavalos e manejar uma espada, e Kuppe era seu parceiro. Hege por sua vez, fingia ser um dragão, ou alguma criatura mágica similar, para que os meninos a derrotassem. Mono era uma menina muito quietinha e não participava da caçada épica contra monstros, mas torcia pela vitória de Wander todas as vezes. Ela preferia quando Hege montava uma barraca enorme no quarto, em que ela, os meninos, mais a babá dormiam todos juntos, e antes de apagar a tecnológica  lanterna a óleo ela contava estórias sobre magia, guerras, e lendas. 

Certa noite, ela juntou os pequenos no acampamento improvisado e lhes contou, de uma forma que entendessem, o caso de um andarilho que havia sido abordado pelos membros da Ordem dos Xamãs, por conta das músicas que cantava. Ele não era de Yath, mas sim de Derafus, uma ilha isolada, acometida por temperaturas extremamente altas, mas com um terreno recortado de forma que a navegação fosse amplamente desenvolvida durante a história da civilização. Nessa ilha, estranhamente, seus habitantes acreditavam que Dormin era um deus supremo e benéfico, assim como Sneferu, quando governava as atuais Terras Proibidas. 

O andarilho cantava canções sobre as terras, sobre monstros, e sobre uma espada perdida. Hege lhes disse que seu marido teve contato direto com esse homem, depois que ele fora preso pela ordem. Companheiro de Hege e pai de Kuppe, Tabor era soldado e foi incumbido de zelar pelo estrangeiro até o dia de sua execução. Com certeza ele foi o mais impressionado e exposto às ideias estapafúrdias do prisioneiro.  O que eles não sabiam muito bem eram as origens dos habitantes de Derafus e de onde vieram suas crenças. Como Dormin poderia ter influência em um povo distante? 

Com a queda do Rei Sneferu e a fuga em massa de todos os habitantes remanescentes de Ceterus, ou melhor, as Terras Proibidas, muitas famílias não encontraram moradia em Yath. O reino não comportou tantos novos moradores em tão pouco tempo. Durante a crise diplomática da adaptação dos habitantes, surgiu uma seita restauracionista, que bateu de frente com a Ordem dos Xamãs, os Adoradores de Dormin. A magia de obscurantismo e esquecimento feita pelos xamãs, pelo jeito, não foi capaz de apagar a entidade da memória da humanidade completamente. Sob efeito do feitiço, eles sequer tinham reais provas da existência do ser sobrenatural, mas cultivavam o desejo de procurá-lo, fazendo ainda mais necessário tomar as atitudes pedidas por Lorde Gargal, aquele que deu a vida para expurgar Dormin. Levou anos de trabalho mágico e ações do exército de Yath para bloquear e derrotar os adoradores e desesperados por um milagre do além. Por fim, a maior parte dos migrantes e da seita fizeram um êxodo, e acabaram se fixando na ilha de Derafus. Lá eles se misturaram e miscigenaram-se com nativos, e suas procedências genéticas anteriores praticamente desapareceram. Os derafes então ficaram conhecidos por sua pele cor de canela, talentos de navegação, comércio, e músicas falando de Dormin e das Terras Proibidas. 

Na época em que Mono e Wander eram pequenos, muito se ouvia falar das expedições marítimas dos derafes. Mesmo que os xamãs tentassem desmentir, todos sabiam que Derafus já haviam encontrado as praias de Ceterus, mas infelizmente, ou felizmente, nunca conseguiram aportar. O mar derrubava todas as embarcações e raramente sobrava um para contar história e servir de prova viva. Cada vez mais, o trabalho de Emon de proteger o legado de seus antepassados se tornava uma tarefa praticamente impossível. O número de prisões e execuções cresceu vertiginosamente na tentativa de desencorajar os valentes. Talvez fosse por isso que o Rei Idwal de Yath não conseguia ser tão constante como pai. Ele tinha que prestar explicações ao seu povo, apaziguar protestos, e reforçar a voz de Lorde Emon frente a tudo que estava acontecendo.

Como se tudo isso ainda não fosse o bastante, Idwal recebia pressões frequentes da ordem para que Mono recebesse tratamentos espirituais e participasse de sessões religiosas entediantes por horas. Claro, o objetivo disso tudo era escondido da população, mas na mente de Emon ele estava prevenindo a profecia do falecido Dom Fahris de acontecer. Enquanto houvesse ar nos pulmões de Emon, Dormin nunca acordaria. Pessoalmente, o rei odiava ter que cercear a liberdade de sua filha. Enquanto ela tinha seus três anos era fácil, por ela não precisar e não ser capaz de se aventurar por aí, mas e quando crescesse? Por experiência própria, ele sabia que muros e castigos eram incapazes de impedir uma alma jovem e determinada. 

A natureza da pequena Mono não era assim, selvagem, mas a de seu amigo e irmão era, e muito. Só o tempo iria dizer o quanto o comportamento de Wander influenciaria Mono, ou se Mono um dia acalmaria os ânimos insaciáveis de Wander.