Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 7
You are mine


Notas iniciais do capítulo

Agradecendo pelos comentários do último capítulo, meninas, venho aqui com mais um trecho de nossa história. Erik e Annika vão se entender? hhhuuuummm..... Acho que ainda não. Expectativas para esse capítulo?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662451/chapter/7

Dez dias se passaram: dias em que Annika conseguiu, surpreendentemente, controlar seu gênio forte e língua solta, irritando o Fantasma com aquela obstinada obediência que, ele sabia, tratava-se apenas de um engodo. Nada do que ele fizesse – nem palavras rudes, nem críticas ao serviço, nem mesmo gritos – parecia afetar a jovem, que apenas se obrigava a baixar a cabeça e pôr os olhos no chão, para que ele não visse o ódio em seu rosto. Mas Erik o via, e irritava-se por não conseguir tirar a jovem do sério. Por algum motivo, isso se tornara sua meta de cada dia.

Em meio à guerra não declarada de ambos, Gabrielle parecia ser a única criatura em paz, na casa – uma vez que Madame Tremain deixara de estar todos os dias ali, após a significativa melhora da mulher loura. A criança via o modo como sua irmã e o patrão se enfrentavam sem palavras, desafiando-se mutuamente a dar o primeiro golpe no duelo que travavam, e não compreendia por que eles não podiam se entender. Erik se mostrava, para a menina, um bom homem, e, embora não tivesse paciência de tentar decifrar sua linguagem de sinais, para ela sempre havia uma palavra gentil ou, no mínimo, um silêncio reconfortante quando cometia algum erro. E ela não compreendia por que não era assim com Annika, também. Por que seu patrão parecia tão empenhado em ferir sua irmã? O que havia entre ambos, para que se odiassem daquele modo?

Certa de que havia algo naquela história que lhe passara por despercebido – e que Annika não lhe diria nada sobre o assunto – decidiu que aproximar-se de seu amo seria a melhor forma de descobrir o que se passava.

POV Gabrielle

Enquanto Annika se ocupava da limpeza da cozinha, da qual já me expulsara, fui para a biblioteca. No meio das escadas, contudo, fui surpreendida pelo som de um piano, que me trouxe lembranças muito distantes, de um tempo em que eu era pouco mais que um bebê. Lembrava-me de minha mãe ao piano, tocando canções de ninar para mim; embora não me lembrasse de seu rosto, podia lembrar claramente de cada nota da música, ainda que nunca mais a houvesse escutado...

Curiosa, mudei de rumo e segui até a sala de música, entrando silenciosamente; messieur Destler estava sentado ao piano, seus olhos fechados, como se estivesse em um tipo de transe. Nunca ouvira a música que tocava, mas parecia-me tão bela e, ao mesmo tempo, tão melancólica, que uma forte vontade de chorar me atingiu. Sacudi a cabeça, repreendendo-me em pensamento, e dei mais um passo para ouvir melhor. Isso delatou minha presença, e vi meu amo abrir os olhos, parando de tocar – foi quase doloroso quando ele cessou a linda melodia! Seu perturbador olhar dourado se fixou em mim, e achei que ia levar uma bronca quando ele apenas perguntou:

– Gosta de música?

Anuí, desejando ardentemente poder responder. Infelizmente, minha voz estava trancada no fundo de minha garganta havia mais de dois anos, e parecia que não mais retornaria... Ele não se importou com a brevidade da resposta, e me indicou o banco onde estava sentado. Hesitante, aproximei-me dele, que chegou para o lado e me indicou o lugar vazio no banco comprido; o que estava pretendendo?

Sentei-me com ar ressabiado, confusa e com medo das intenções de Erik, mas ele não fez qualquer movimento em minha direção. Ao contrário, suas mãos voltaram ao piano, e a música encheu o ar outra vez, enquanto terminava a valsa – pois parecia tratar-se de uma – que tocava. Senti-me levada pelo ritmo constante, pelas notas suaves, pela harmonia entre os acordes; conhecia um pouco de teoria musical, graças a Annika, mas nunca tivera a chance de tocar algum instrumento. Antigamente, ainda costumava cantar no escuro de meu quarto, quando estava sozinha, mas até isso me fora tirado, naquele maldito dia com o qual tinha pesadelos todas as vezes em que adormecia!

Uma chave de notas encerrou a valsa, e os olhos de meu patrão se voltaram outra vez para mim:

– Gosta disso?

Anuí novamente, e apontei para a partitura fechada diante dele, indicando o teclado em seguida. Ele pareceu me compreender, e sorriu discretamente ao abrir a partitura – era a primeira vez que eu via um sorriso em seu rosto sempre sério.

– Música não é apenas um entretenimento, Gabrielle – disse-me, sem tirar o olhar das notas gravadas a tinta no papel branco – É uma linguagem, e quando você a compreende, percebe que as palavras já não são o suficiente para se expressar. – ele me estendeu o caderno grande, e mostrou as notas gravadas – você sabe ler e escrever; as notas são as letras da música. Cada uma corresponde a um som, e, se souber interpretá-las corretamente, o instrumento vai falar por você. – seus dedos me indicaram uma chave, que ele reproduziu no teclado, fazendo um som delicado ecoar pelo aposento – para isso, precisa primeiro saber as notas.

Mas aquilo eu já sabia! Como, porém, contar isso a meu senhor? Tendo uma ideia, corri até a mesa da sala de música e apanhei pena e papel, no qual desenhei uma clave de Sol e uma de Fá, seguidas das respectivas escalas de notas. Isso minha irmã me ensinara! Ele olhou para o que eu escrevera, e fez um gesto de aprovação; colocou meu desenho sobre o apoio para partituras, e pousou minhas mãos no teclado.

– Se você conhece a grafia, então agora precisa aprender qual som corresponde a cada nota. Dó é a primeira delas; clave de Sol para a mão direita, clave de Fá para a esquerda. – e me mostrou a posição dos dedos sobre as notas, tocando ele mesmo a primeira. Imitei seu gesto, o que me rendeu um olhar de satisfação – Ré fica exatamente à direita de Dó, Mi à direita de Ré, e assim por diante, até recomeçar em outra oitava – ele ia me mostrando no piano a posição de cada nota, de cada oitava, enquanto eu reproduzia cada som, deliciada. Aquilo era muito melhor do que poder falar! Por Deus, eu estava criando música! Como palavras poderiam se comparar àquilo?! Toquei uma escala completa, vendo o rosto satisfeito de meu patrão se iluminar com um breve sorriso. Ele parecia quase... Terno?! Seria carinho aquilo que eu via em seu rosto? Parecia improvável, mas apenas Annika me olhava daquele modo! Annika e, agora, Madame Tremain... Não era o olhar que eu esperava receber de meu severo amo, certamente. – Continue, Gabrielle.

Repeti o processo mais alguma vezes, ouvindo ocasionais reprimendas quanto à postura e à força empregada para pressionar as teclas, até que ele me fizesse parar.

– De agora em diante, vai treinar todos os dias pela manhã, quando eu estiver fora. Ao anoitecer, se ainda estiver acordada quando eu chegar, verei seu progresso no dia. Temos um acordo? – eu sorri e fiz algo que me era estranho: abracei messieur Destler com força, e beijei seu rosto. Sim, é verdade que eu já aprendera a evitar o toque, especialmente de homens, mas como não agradecer pelo que ele se propunha a fazer?! Havia tanta alegria em meu coração, que era impossível reprimi-la! Ah, meu Deus! Eu voltaria a falar, mas agora, com uma voz muito mais linda do que qualquer vocalização humana! Messieur, como poderia algum dia retribuir a seu ato?

Ele se retraiu em meu abraço, desconfortável, para logo em seguida relaxar e, sem jeito, retribuir. Quando o soltei, tratou de se recompor bem depressa, dizendo:

– Bem, agora eu preciso trabalhar. Se quiser ficar aqui e ouvir, sinta-se à vontade.

Não precisei de um segundo convite par ame instalar na cadeira reclinada junto à janela, enquanto meu patrão – agora, também meu mestre – abria uma partitura parcialmente escrita e, anotando duas colcheias na terceira linha (era a nota si, se não me enganava), voltava sua atenção ao piano. Por cerca de meia hora ele fez isso: tocava algumas notas, escrevia na partitura, tornava a tocar. Às vezes tocava vários arranjos diferentes para o mesmo trecho, antes de encontrar um que lhe satisfizesse, para só então fazer outra anotação. Não estava compondo – eu sabia porque já conhecia aquela música – mas parecia fazer um novo arranjo para ela, como se a adaptasse.

Fiquei ali por um bom tempo, assistindo messieur se perder em meio à música, enlevado e extasiado – seu rosto refletia as mesmas emoções que havia em meu coração. Parecendo ter terminado um trecho, começou a tocá-lo por inteiro, e o arranjo era muito mais bonito do que a melodia original! Havia magia nas mãos de messieur Destler, pois só magia poderia criar algo tão belo!

De repente, a porta da sala de música se abriu, e uma surpresa Annika nos encarou, sem compreender o que se passava. Ao ver nosso amo se voltar para ela, tratou de se desculpar:

– Perdoe-me, não quis interromper, mas... Chegou uma carta para o senhor; de um Sr. Firmin.

– Deixe-a sobre a mesa, Annika. Agora, se puder me dar licença.

– É claro – ela se voltou para mim – Gabrielle, querida, pode guardar a louça para mim? – levantei-me, sabendo que aquilo era só uma desculpa para me tirar do caminho, já sabendo que ela e messieur acabariam brigando. Mas o que eu podia fazer, além de obedecer?

Foi com o coração pesado que desci as escadas até a cozinha, lamentando que ela e nosso amo não conseguissem se entender.

Narrador

Annika cruzou os braços diante do corpo, encarando Erik com um brilho ameaçador nos olhos azuis; ele quase podia ver nela o seu próprio olhar de ódio, e isso o intrigava muito. Não conhecera muitas mulheres fortes, no mundo, e o ferro que parecia existir dentro da meretriz o intrigava continuamente. Sem fazer menção de sair, ela perguntou:

– O que queria com minha irmã, messieur? – a ênfase que ela deu à última palavra apenas confirmou o tom de ameaça em sua voz.

– Ela estava me ouvindo tocar. Mas por que devo satisfações a você, afinal? – o Fantasma virou-lhe as costas, e ia voltar a tocar quando a tampa do piano se fechou com um baque, quase pegando seus dedos. Ao virar-se, encontrou aqueles lagos azuis tornados violeta:

– Se tentar encostar em Gabrielle, seu cretino... Ela é só uma criança! – Erik nunca vira aquela expressão assassina em alguém, antes. Tratava-se de ódio puro, um ódio primitivo e animal, que matava sem remorsos – Se tocar nela, eu mato você!

– Então é isso o que acha que eu estava fazendo? – perguntou o músico, erguendo-se, usando o próprio tamanho numa tentativa frustrada de intimidar a jovem – Seduzindo sua irmã? Isso é doentio. Só poderia vir, mesmo, da mente de uma prostituta! – ele não devia satisfações a Annika, mas só a idéia de que pudesse estar, de algum modo, seduzindo a pequena Gabrielle, que parecia ter antes nove do que seus verdadeiros doze anos, o enojava e ultrajava além do que palavras podiam descrever.

– Ou da de um homem! – respondeu ela, sem medo – não se atreva a encostar em minha Gabrielle, Sr. Destler, ou eu... – ela ia dizer algo mais, quando ele a empurrou com força contra a parede, sem lhe dar qualquer brecha para fugir. Annika podia ser uma ladra habilidosa, uma mulher das ruas, mas não tinha como competir com a força e velocidade associadas do Fantasma. Ele já enfrentara oponentes demais, para ser vencido novamente pela mulher.

– Ou você o que? – perguntou ele, perigosamente perto do rosto dela – vai me matar? E como vai fazer isso, se não consegue nem mesmo escapar de meus braços? Eu já disse que não sou um molestador de garotinhas. Então, antes de lançar ameaças vãs, lembre-se de que você e ela me pertencem. Não repita que vai me matar, a menos que esteja realmente preparada para fazê-lo, mulher.

Erik tinha a mais pura raiva estampada na voz; raiva que se manifestava também no modo como suas mãos torciam dolorosamente os pulsos de Annika, e no brilho dos olhos dourados que quase a hipnotizavam. Ela se zangara muito, não por ter sido confrontado pela moça, mas por ela ter posto sua honra em dúvida; e a simples ideia de tocar na pequena garota de cabelos dourados o enchia de asco, aviltando-o!

– Eu odeio você. – sibilou a moça, e seu olhar dizia que eram palavras verdadeiras. Ver aquele ódio dirigido contra si não abalou o Fantasma: ao contrário, era exatamente a reação que vinha tentando provocar há dias. Touché! Ele e Annika estavam presos naquele abraço, lutando um contra o outro num duelo antes de vontades do que de forças. E vendo-a presa em seus braços, ele soube como poderia atingi-la, de um modo bastante pessoal:

– Não. – sussurrou, imprimindo à própria voz aquele tom hipnótico que usara para render tantas pessoas, que punha abaixo as defesas de quem o ouvia... Que usara, um dia, para atrair Christine à casa do Lago. – Não me odeia. Você me quer, Annika, e não consegue admitir isso para si mesma.

– A morte seria preferível a me ver atraída por você. – respondeu a moça, com desprezo. Ela era dura! Geralmente, duas ou três palavras bastavam, para alguém que não conhecia seus dons de hipnose.

– Então, por que ainda não se matou? – riu ele, obrigando-a a olhar em seus olhos. Ele também a odiava, e minar a vontade da moça lhe dava uma sensação de triunfo inigualável; ver a chama de luta se embaçar nos olhos que se toldavam dava-lhe um prazer indescritível! – Porque você sabe que é verdade, Annika. Sabe que me quer, que precisa de mim... Que, sem mim, está sem saída e à mercê do mundo. – Ele relaxou o aperto nos pulsos dela, testando o quão submetida a mulher estava. Quando ela não tentou fugir, mas apenas fechou os olhos, ele sorriu e prosseguiu, tentando adentrar cada vez mais as defesas de Annika – abra os olhos, Annika. Olhe para mim – ela o fez, já parcialmente rendida, e isso foi sua perdição: o olhar de Erik se impôs ao seu, rendendo-a a ele, deixando-a indefesa. – isso mesmo. Não resista. Você me quer, e sabe disso... – era difícil manter a prostituta hipnotizada! Ela tinha barreiras fortes na mente, mas o Fantasma possuía uma longa prática em submeter a vontade alheia, e não seria diferente, com sua criada.

Vendo-a abandonar a luta que travava para se manter no controle, Erik sorriu e se aproximou; não sabia exatamente por que fazia aquilo, mas insistia consigo mesmo que se tratava apenas de dar uma lição na abusada serva: uma de suas mãos pousou na cintura muito esguia, a outra se entrelaçou aos cabelos cor de palha e, num gesto lento e impossível de deter, seus lábios cobriram os dela, possessivos, reivindicando-a como sua.

Hipnotizada pela voz e pelo olhar de seu amo, ela a princípio correspondeu levemente ao beijo dele, movendo seus lábios timidamente contra os de Erik; contudo, não durou muito, pois logo ela se imobilizou, tensa, lutando consigo mesma e contra a dominação do homem, que se afastou e sussurrou:

– Isso é seduzir alguém. Você é minha, Annika. – ele podia esperar tudo, menos o que se passou: recuperando-se anormalmente rápido do torpor hipnótico, ela o empurrou com força, debatendo-se para fugir. Sua mão escapou à do Fantasma, e as unhas dela o acertaram no lado exposto do rosto. Num ato reflexo, ele a derrubou no chão com força, e gritou – Você me pertence, mulher! Sou o dono de seu corpo, de sua alma e de sua mente!

– É mesmo? Então por que não tenta me hipnotizar de novo? – desafiou ela, sem recuar, furiosa pela afronta sofrida. Como ele ousava hipnotizá-la, apenas para beijá-la? Filho de uma vadia! Como se atrevia a atacar-lhe a dignidade daquele modo tão pessoal, indo não apenas contra sua vontade, mas anulando-a totalmente?! Ela poderia mata-lo com um sorriso nos lábios, por tê-lo feito. – Por que não me violenta, também, como meu antigo patrão?

Sentindo as palavras dela como um banho de água fria em suas emoções violentas, o Fantasma recuperou o controle, e se recompôs. Lançando à moça o mais frio dos olhares, respondeu:

– porque eu não preciso. Acabei de provar para você que é minha, quando e como eu quiser. – e assim dizendo, deixou a sala de música, furioso e indignado, secando com a mão as gotas de sangue que lhe escorriam pelo rosto. Sem olhar para trás, saiu pela porta em direção à rua, desaparecendo nas vias de Paris, enquanto Annika, no segundo andar, massageava os próprios lábios, confusa: ela não chegara a ficar totalmente hipnotizada... Ainda sabia o que estava fazendo, apenas vira completamente minada a sua vontade de lutar! Por que não lutara? Por que não o impedira? Céus, por que correspondera?! Ferida em seu orgulho de um modo que nunca experimentara, sentindo-se violada não no corpo, mas na alma, lutou para conter as lágrimas de ódio que teriam vertido por seu rosto, se não as ocultasse. Precisava escapar dali, agora não apenas por Gabrielle, mas por si mesma... Pois aquele demônio não queria apenas sua posse: queria sua alma. E pior... Não estava completamente distante de consegui-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A cena começou fofa, para depois ficar tensa: Erik consegue, numa mesma hora, ser extremamente amável, para então agir como um perfeito cafajeste. E Annika... Passando da docilidade servil (ainda que fingida) à fúria completa, quando se trata de sua irmãzinha! mais alguém riu de imaginar ela fechando a tampa do piano nos dedos do Fantasma?
Agora... Eu realmente não conseguiria me sentir ultrajada, se Erik me hipnotizasse para me beijar (como se fosse precisar de hipnose... kkkk. Hipnose pra eu largar esse homem, isso sim!). Espero ter deixado bem claro o modo como os sentimentos dele oscilam e, principalmente, como as emoções que ambos experimentam são intensas e confusas. Por que o beijo, afinal? Ele já a tinha dominado. E Annika, que não fora totalmente vencida em sua vontade... Por que corresponder?
Esperando não te decepcionado, deixo vocês com essas dúvidas, e pergunto o que esperam do próximo cap.
beijos, flores