45% escrita por SobPoesia


Capítulo 43
O final




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Diana sorriu, um aberto sorriso terno de criança, quando acaba de ganhar um doce.

—Você e uma romântica silenciosa, Violet. – seus dentes brancos reluziram a medida que ela segurou minha mão

—Acho melhor você não começar a forçar isso. – sorri.

Era desconfortável ter alguém pensando aquilo de mim, já que não era a pele na qual eu queria estar. Era mais fácil ser a Violet distante e fria, mas o que eu poderia fazer? Ela era a garota. A que me fazia sentir como se todas essas coisas boas dentro de mim não pudessem ficar mais presas, elas tinham de sair, principalmente, se arrancariam um sorriso dela.

Diana caminhou as minhas costas, me seguindo até a cafeteria, colocando comida a comida em sua bandeja e diminuindo a animação de seus passos até se aproximar da minha mesa usual.

Bruni nos fuzilou com seus olhos cegos, conseguindo colocar a minha acompanhante em seu lugar de desconforto rapidamente, ainda que soubesse que não conseguiria fazer o mesmo comigo. Infelizmente, eu não cairia sem uma briga.

Sentei-me, entre 45% e Diana.

—Porque não me esperou? – ela sorriu, se voltando a sua comida.

—Eu tinha de te esperar? Você me disse que iria demorar... Decidi resolver as minhas coisas. – comecei a comer.

O café da manhã se passou rápido e calado a partir daí. A tensão pairou no ar e todos queriam sair da futura zona de combate o mais rápido possível. Bruni me segurou por debaixo da mesa enquanto todos iam saindo e seguindo seu curso, ela queria que eu ficasse ali. Pouco a pouco, nossa mesa ficou vazia, e então, a cafeteria começava a se parecer assim também

Diana pairou seus olhos sobre mim e assenti, ela então foi para as salas de aula.

Quando o sinal soou, haviam apenas nós duas em todo aquele enorme cômodo.

—Como você pode? – ela me soltou.

—Fazer o que? – ergui ambas as sobrancelhas.

Não sabia ao certo o que ela queria dizer com aquilo. Sim, havia feito várias coisas, mas não achava que alguma delas me levaria até aqui, presa nessa situação.

—Transar com ela no telhado e depois trazer ela para a nossa mesa!

Mas eu não tinha...

Não no telhado.

—Se o Evans estivesse aqui... – ela continuou.

—Bruni! – segurei ambas as suas mãos – Do que você está falando?

—Abby! – ela socou a mesa.

—Abby morreu há mais de um mês! – fui para mais perto dela.

Tudo voltou em minha cabeça como quando se é atingido por um carro. As mudanças de humo, toda essa confusão mental.

Câncer cerebral.

A memória dos nossos primeiros momentos voltou, a promessa de estar ali, mesmo quando o câncer começasse a falar por ela. Eu estava partida, com o coração a mil pedaços. Não havia como imaginar como ela estaria.

45% retirou seus óculos e me observou, apertando os olhos. Ela estava perdida, sem a menor ideia do que estava acontecendo, e, ainda sim, transparecia estar desesperada.

Beijei sua testa e abracei com força.

Tomou algum tempo até que ela saísse dali:

—Eu lembro... Foi bem ali. – ela apontou para o exato lugar – Te levamos para o quarto e você estava de pijamas... Parece como um sonho, não uma realidade. Eu não... Não acho que tenho sido eu mesma por muito tempo.

—Quando tempo? – segurei suas mãos.

—Eu não... – ela abaixou a cabeça, limpou os olhos, mas as lágrimas caíram sobre seus joelhos nus – Não consigo me lembrar porquê terminamos!

Aquilo foi uma facada, muito mais forte e assustadora do que eu poderia aguentar. O câncer tinha nos separado? Eu não tinha cumprido a minha promessa?

Não havia o que fazer, eu não tinha as respostas. Era assustador para mim e deveria ser imensamente mais assustador para ela.

A abracei, buscando dar o único conforto que poderia oferecê-la. Então, depois de algum tempo seguimos para o telhado e fumamos um cigarro, um que foi seu primeiro novamente.

A levei para os médicos, porque queria respostas palpáveis tanto quanto ela, me sentando nas cadeiras confortáveis como sempre fazia. A sua porta estava a minha frente, tão hospitalar. Era seu final, o nosso final.

Bruni passaria por uma série enorme de exames e, talvez, não sairia de lá hoje. Estava perdendo as aulas de química. Porque eu estaria ali?

Em muito, porque eu não tinha outro lugar para estar. Seu sorriso se passava em minha cabeça, todas as nossas conversas... Quanto daquilo era ela? Quando daquilo era o câncer?

Meu telefone vibrou, uma notificação de Diana. Mas não era com ela que queria falar. Eu queria Evans, seus cabelos loiros e seu colo quente, ou então, as risadas de Ernie e suas metáforas ridículas que sempre me faziam chorar, quem sabe, o carinho quente de Abby. Eu queria quem já havia morrido, porque eles sabiam lidar com a morte.

Abri as mensagens do loiro, não tinha tido coragem de apaga-las ou seu número. A última coisa que ele tinha me dito, de meses atrás era: “é só um chocolate”. Não sabia qual era o contexto daquilo e, dificilmente, me lembraria, mas, mesmo assim, ri, porque qualquer que fosse a conversa insana que tinha levado aquilo, estava feliz e confortável.

O teclado subiu e eu não sabia se realmente queria dizer algo. Mas as teclas brancas me convidaram a um pequeno desabafo para um número bloqueado. Tudo que eu soube fazer fora simplesmente digitar: “Meio que preciso de você agora... Poderia voltar só por hoje, só por alguns minutos?”.

A mensagem foi enviada. Bloqueei a tela, ver as setas era angustiante, até porque saberia que nunca haveria um lido. O telefone vibrou novamente. A tela ascendeu. Diana. Ela era a única pessoa que havia me restado no mundo além da velha negra que seria minha mãe em dois meses.

Expliquei tudo para ela, em uma série que continha lágrimas, correção ortográfica errada, muitas mensagens e poucas respostas. Em minutos, antes mesmo das aulas acabarem, ela estava ao meu lado.

Ela tinha o espírito livre de Evans, o abraço de Abby e as confusas palavras tocantes de Ernie. Talvez fosse por isso que a amava. Talvez fosse por isso que confiei nela minhas dores.

O sinal soou, eu tinha de subir e me alimentar, tentar tirar a minha cabeça daquilo por algum mísero segundo.

Poderia fazer aquilo?

Deveria, mas poderia?

De alguma forma, com um peso enorme no coração, abandonei a cadeira e subi, com um peso no coração.


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