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Capítulo 42
Banheiro




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A manhã seguinte mostrou o que seriam os primeiros sinais de um tumor enorme dentro da cabeça.

Bruni não estava acordada quando o sinal doou, diferentemente de todos os dias da nossa calma rotina. Em um pulo, ela se levantou e correu para o banheiro se trancando lá.

—Você pretende sair daí? – bati na porta do banheiro.

—Não. – ela gritou.

—Não vou te esperar!

Peguei a minha mochila, minhas roupas e segui para o banheiro, que ficava a frente das salas de aula. Lá, eu poderia trocar de roupa e usar todas as coisas do pequeno kit de emergência.

A verdade é que nunca se pode saber quando o seu dia vai se tornar uma insanidade provinda da sua doença. Então, mesmo que ao lado do seu quarto, era bom ter uma escova de dentes, pentes, desodorantes  e esse tipo de coisa dentro da sua mochila. Foi exatamente o que me salvou aquele dia.

Troquei de roupa, escovei os dentes, penteei o cabelo e quando estava guardando tudo na minha mochila, ela chegou. Com seu alto cabelo cheio, Diana entrou ainda de pijamas dentro do grande e vazio banheiro.

—Acho que as pessoas desse lugar tem algum preconceito com quem não é paciente terminal. – ela sorriu ao me ver, mas já foi em direção ao espelho.

—Oh, nem precisa começar com isso... – sorri.

—Começo de dia difícil?

—Companheiras de quarto. – virei-me para vê-la.

—A sua ex-namorada? – ela tirou uma pequena bolsa de dentro da sua mochila.

—Sim, a minha ex-namorada, Bruni. Vocês se conheceram! – subi em cima da pia, me sentando ali.

—Parece que eu vou ser jogada para escanteio. – ela pegou sua roupa e entrou em uma dessas cabines que tem nos banheiros.

—O que? – ergui uma das minhas sobrancelhas.

—Você não entendeu?

—Eu não sei...

—Você sabe o que está acontecendo?

—Eu não entendo as coisas que você fala.

Diana suspirou, pude a ouvir terminar de vestir suas roupas, então saiu e me entregou seu pijama.

—Você sente isso, entre nós duas. Eu sei porque todas as vezes que eu esbarrei meu corpo no seu, podia te sentir tremendo. Não preciso te explicar o que está acontecendo, toda essa coisa adolescente com sentimentos e hormônios e sei lá... Isso. Você sabe! Tanto sabe que não me ligou ou me mandou mensagens, porque iria me ver de novo. Quando esse tipo de coisa acontece, nessa intensidade nunca é unilateral. Quero você, Violet, sem saber direito o que quero ou porque quero, na mesma forma e intensidade que você me quer, basta você fazer algo a respeito. – ela arrumou os cabelos e disse metade do seu discurso olhando para o próprio reflexo no espelho, então se virou, me olhou nos olhos e cruzou os braços.

Então, em uma resposta quase que instintiva, eu agi. Joguei as suas roupas no chão e a prendi em uma pequena parede entre as portas das cabines. Diana mordeu os lábios, aceitando o desafio, erguendo uma das sobrancelhas  e aquela fora a coisa mais excitante da qual já presenciei.

Tomei um minuto para analisar aquela garota. Seus lábios cheios, seu nariz gordinho e achatado, sua respiração pesada... Ela era perfeita. A mulher mais perfeita que eu já havia visto, mas não do jeito embolia pulmonar, era de um jeito real e palpável e que existia, que eu poderia tocar e poderia beijar, assim como o fiz.

Suas mãos foram diretamente para a minha nuca, passando as unhas, me dando puxões de cabelo, enquanto as minhas seguravam  sua cintura, a trazendo para perto, querendo senti-la mais e mais a fundo, mais para cima ou para baixo. Era uma calada dança de desejos, sem tropeços. Assim que a mão dela parou em minha cintura, uma das minhas desceu e quando ela subiu, cravando as unhas em minhas costas, a minha subiu. Pesadas inspirações, suspiros calados e gemidos, um, dois zíperes abertos, blusas no chão cabelos presos e dois suspiros ocos gritados.

Não houve vergonha ou olhares trocados. O calor acabou, lavamos nossos rostos e mãos, colocamos nossas roupas, nos arrumamos caladas e saímos do banheiro. Já tínhamos perdido muito tempo, então corremos para a cantina.

Em nossa mesa comum, cheia de pessoas normais, estava 45%. Enquanto todos vestiam suas calças jeans em um solene acordo social, ela usava um vestido de bolinhas com seu sorriso gigante.

—Ela é realmente maravilhosa. – Diana olhou para mim.

—Ela é uma joia. – suspirei, sem tirar os olhos daquela garota que era tão notável no meio de várias cabeças comuns.

—É difícil jogar um diamante fora por uma ônix? – seus olhos se voltaram para ela.

Não era uma mera questão de substituição! Na verdade, era bem insultante ela acreditar que esse fosse o caso.

Os sentimentos eram completamente diferentes. Eu não queria as duas. Diana tinha aquela conexão estranha comigo, algo mais de alma que de corpo; algo que vinha dentro e me  transbordava saindo pelas minhas orelhas e escorrendo até o chão; um sentimento que não era muito facilmente explicável, porque eu a conhecia tinha algumas horas se somado tudo; era algo que eu podia sentir em meus vasos sanguíneos enquanto eles pulsavam. Bruni era a única pessoa que tinha me restado, que me entendia, me conhecia, me amava e precisava de mim como eu precisava dela.

—Não quero fazer isso. – segurei sua mão.

—O que? – seus olhos negros se voltaram para mim.

—Essa estória de ônix e diamantes. Eu não vou me desfazer dela, Diana, não por você nem por qualquer pessoa deste mundo! A Bruni é um diamante, mas não é meu diamante. Ela é livre pra ser de quem quiser ou de ninguém, se preferir, mas não vai embora da minha vida tão facilmente quando se livra de um diamante. Já nós, faz parte de um espectro completamente distinto da minha vida, um que não envolve substituição. Aqui dentro eu já amei, já fui decepcionada e perdi todas as pessoas que tive. Você não faz parte disso. Você faz parte de um futuro que eu nem sabia que podia ter. Então, nos permita simplesmente entender e descobrir tudo isso, agindo de acordo com o que tivermos de agir, no nosso tempo, na nossa realidade.


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