45% escrita por SobPoesia


Capítulo 41
Diana




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A cama quente se esfriou com o passar da tarde, mas não o suficiente para acabar com o nosso calor. Mesmo que em seu tempo, o fim chegou.

Seu sorriso descabelado caiu suavemente sobre o travesseiro. Sua testa estava suada e seus olhos cegos me acompanharam na escalada da cama para deitar-me ao seu lado. Sua mão quente tocou a minha bochecha.

—Você tem uma covinha, no lado direito. Ela é bem funda e tudo mais, mas você nunca sorri e quando ri costuma cobrir o seu rosto com o cabelo. É tão linda, mas não acho que muita gente já tenha a visto. – seu dedo parou naquela marca, ficando ali.

—Porque as pessoas precisam vê-la? – juntei as sobrancelhas.

Toda aquela observação era muito romântica, algo realmente lindo, mas qual era o ponto? Onde ela queria chegar com isso? Era algo que me deixava incomodada.

—É algo tão bonito... Eu só queria entender porque você esconde isso das pessoas.

—Porque você esconde a sua heterocromia? – suspirei.

—Meus olhos são feios. – ela fez que não com a cabeça

—Eles me fizeram ter uma embolia pulmonar! São perfeitos! Mas você não acha que sejam, então os esconde. Eu não escondo a minha covinha, eu só não sorrio, eu só tampo meu rosto quando rio. Não tenho porque mostrar essas coisas. – me ajeitei na cama, deitando de barriga para cima, tirando meus olhos dela.

—Porque não?

—Eu não sou assim!

—Você não é o que? Feliz? Sorridente? Cheia de coisas boas ou sei lá o que? – ela se sentou.

—Como você, Bruni. Eu não sou feliz, não quero agradar ou conhecer pessoas, não tenho coisas boas para mostrar para todo mundo. Eu sou a Violet! Sarcasmo, mal humor e distância. Você conhece até as partes de mim que eu não gosto, desde o estupro até essa cicatriz horrorosa! Se você não gosta, pode simplesmente ir embora, mas não venha tentar me mudar para o seu próprio bem. – gritei.

A rapidez como ela escalava para a raiva me deixava confusa e irritada. As mudanças de humor não costumavam ser tão frequentes. Estava preocupada.

45% suspirou, então, com calma se deitou sobre meu peito. Acariciei sua cascata negra, entrelaçando os fios em meus dedos. Ela respirava fundo, soltando um quente ar em minha barriga.

Por algum tempo, aquilo deixou de ser um paraíso e passou a ser um pesadelo que eu só queria que acabasse logo.

O sinal soou, era a hora do jantar. Saí e suspirei, fui em direção ao banheiro. Ela me segurou pela mão

—Posso ir com você? – seus grandes olhos estavam bem abertos, como quando um filhote pede comida.

—Claro. – sorri.

Abracei seu corpo nu e seguimos juntas para o banho. Ela era um pouco menor do que eu, ficando sempre a altura do meu ombro, se encaixando em minhas clavículas. Bruni gostava de deitar em meio aos meus seios, bem no início da minha enorme cicatriz, passava os dedos levemente na marca onde meu dreno costumava ficar, uma queloide abaixo da minha axila direita. Já quando estava em pé, ela recostava sua cabeça abaixo do pescoço, agarrando os ossos das minhas costas e foi o que fez ali, enquanto abria o chuveiro, que começava frio, a fazendo agarrar meus ossos com força, com as unhas.

Sua maquiagem se lavou a medida que a água se esquentava. Seus cabelos se molhavam, o que mostrou sua real identidade, cachos rebeldes e altos. Ela era linda, até assim, talvez, principalmente assim.

A ducha rápida se tornou um momento para admirá-la. Seu corpo pálido, quente, cheio, marcado e que eu tinha feito estremecer e tremer em êxtase minutos atrás. Já a queria de novo em todas as suas formas.

Saímos do banho e seguimos para o jantar, ainda com cabelos molhados e roupas desarrumadas. Não achava que ninguém havia a visto assim.

45% estava desconfortável em calças de moletom, enquanto eu estava em casa. Nos sentamos em nossa mesa usual.

—Tem uma garota nova. – a nossa loira amiga com fígados destruídos sorriu para mim.

Um silêncio pairou sobre a mesa, com todos olhando para mim.

—Que tipo de comentário vocês estão esperando? Pessoas morrem e tem de continuar morrendo. – juntei as sobrancelhas.

—Uma garota nova que vai entrar no lugar de Evans. – ela continuou, me olhando fundo nos olhos.

—Ele era o seu melhor amigo e você não está abalada.

—Eu sinto como se estivesse me repetindo hoje. Qual o problema com isso? Eu sou a Violet! Qual foi a vez que você me viu choramingar por alguém? Não é como se eu fosse cheia de sentimentos... Além do mais, ele é o meu melhor amigo, como Ernie, mesmo que tenham morrido. Mas, caso vocês ainda não tenham notado: pessoas morrem! E você não vai me ver chorar a morte delas, o que não significa que eu não me importo, que eu não estou abalada, só significa que você não merece me ver no chão. – soquei a mesa, esbravejando.

A garota loira se recostou no assento da cadeira, cruzando os braços.

—Ela perguntou por você. – um amigo nosso que estava ao seu lado disse, sem tirar os olhos de sua comida, claramente já acostumado com a minha presença.

—Quem? – respirei fundo, me virando para ele.

—A garota nova. Ela perguntou sobre “uma tal de Violet, com pulmões que não funcionam, cheiro de cigarro, cabelos grandes e lisos, sobrancelhas grossas que não são feias e uma expressão de quem ainda não comeu seu café da manhã”. Essa me pareceu com a nossa Violet, com você.

—Quem é essa garota?

—Câncer de útero. Começa a quimo semana que vem e vai se mudar para cá, alguma coisa sobre estar perto dos médicos caso precise de ajuda e detestar os próprios pais ricos, é de alguma dessas cidades pequenas a caminha da praia. Diana! – a loira me respondeu.

—Diana? – Bruni ergueu uma das sobrancelhas.

—Sim, Diana. – o garoto assentiu.

A mesa inteira pairou o olhar sobre nós duas.

Isso, com certeza, ia explodir na minha cara.

 


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