45% escrita por SobPoesia


Capítulo 40
Quarto




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Bruni se mudou para meu quarto.

Era a única solução. Sozinha, naquele cômodo, estava perdendo a cabeça.

Já tinha a minha rotina: o sinal soava e o sol me incomodava; virava para o lado e lá estava o sorriso cheio de dentes tortos; ele me ajudava a escolher a minha roupa e dançávamos pelo quarto sem nos esbarrar até que 45% chegasse lá e, em formação, seguíssemos para a cafeteria. Sentávamos na mesa e ele repudiava qualquer um dos meus comentários, enquanto me olhava fundo nos olhos e segurava a minha mão. Nas aulas, ele era quieto, me passava bilhetes e era muito bom em biologia. Me seguia até o telhado e fazia a lição de casa, enquanto Bruni e eu fumávamos, brincando. Seu sorriso me seguia, me amava e me fazia sorrir, até a noite, quando me abraçava e a sua máquina de dormir cantava com a minha e me fazia dormir.

Sem Evans, não havia essa sintonia. Era só eu, em meu quarto, sozinha com as lembranças de como tudo já havia sido muito melhor, de como alguém, antes, passava o dia existindo ao meu lado e, por isso, me fazendo sentir muito melhor.

Não era de se esperar que, no segundo dia, já não conseguia sair da cama. Então, no dia em que seus pais esvaziaram o quarto, 45% veio, com todas as suas roupas coloridas e cobertas rosas, dormir no que seria, agora, o nosso quarto.

No mesmo dia, fomos para mais um velório, o do meu melhor amigo.

Em um templo budista, nos sentamos, cantamos um mantra e jogamos suas cinzas em um rio, um que desaguava no mar sem muitas interrupções.

Foi bonito, simples, intimo. Ele iria ter gostado. Era a única maneira digna de dizer adeus. Sua família o conhecia, o aceitava e o entendia. Ele não gostaria de oratórias, preto, luto ou seu corpo abaixo da terra, só livres cinzas, livres mantras, roupas livres em um calmo templo de uma religião que ele admirava. Seu espírito livre estava agora solto para fazer o que quisesse.

Não haviam mais detalhes para lhes descrever, nem ao menos se eu quisesse, e, acreditem, eu não quero.

Quando voltamos para o quarto, era como se ele tivesse ido embora dali, nos deixando, seguindo seu caminho para o mar. Mas Bruni ainda não estava pronta para dizer adeus.

Ela chegou, tirou suas sapatilhas, sentou a sua cama, colocou sua cabeça entre suas mãos e começou a chorar. Já não sabia mais o que fazer para acalmá-la, então, apenas sentei ao seu lado e coloquei minha mão em seu ombro.

Em pouco, ela se levantou e colocou a sua cabeça em meu ombro e suspirou.

—Isso nunca acaba, não é?

—Isso o que? – acariciei seus cabelos.

—Essa dor... Esse... Eu não sei, eu só... Violet. – ela se endireitou me olhando nos olhos – Como você não está acabada por tudo isso?

—Eu sou amarga. Eu sou distante. Tem cinco anos que eu estou aqui, eu perdi tudo, perdi todo mundo. Eu sou acabada por isso. – segurei ambas as suas mãos.

—Eu não quero ficar aqui, não quero ficar assim, não quero isso. – ela abaixou a cabeça.

—Você está viva, Bruni. Você não pediu para vir ao mundo, mas veio. Além de tudo, você está doente, foi colocada aqui. Isso é só um adiantamento do que seria a sua vida com 70, 80 anos. Ninguém vai sobreviver, nem você. Se não quer acabar como eu, só não se permita amargurar, mas essa é a sua, a nossa realidade. – minha voz ficou seria, assim como meus olhos.

—Cale a boca! – ela apertou as sobrancelhas, com raiva.

—O que?

—Você não sabe de tudo, você não sabe como eu vou ficar! – sua voz aguda foi impulsionada em um grito, rouco, ela estava com raiva, com muita raiva.

—Você acabou de me perguntar! – esbravejei.

Não sabia o que estava acontecendo, ela mudou de humor muito rapidamente, de uma forma que eu nunca havia visto antes.

45% passou as unhas sobre o couro cabeludo, irritada.

Saí da cama dela e fui para a minha, retirei meus sapatos e prendi meu cabelo. Ela se levantou, andou um pouco ao redor do quarto, com passos curtos e rápidos, irritados. Suas mãos não largaram seus cabelos, os puxando, amarrando, passando a unha em seu couro cabeludo. Ela mordia seus lábios.

—O que é isso, Bruni? O que há de errado com você? – bati os pés no chão, freneticamente, a forma como ela estava irritada.

O que antes eram passos desordenados, se tornaram uma caminhada em círculos que durou muito tempo. Seu frenesi seguia da porta do banheiro até a escrivaninha, passando por mim duas vezes. Aquilo foi me irritando de forma crescente até que eu perdesse a cabeça.

Isso escalou para algo explosivo. Segurei sua mão com força, ela puxou seus braços juntos e continuou andando até o banheiro.

Ainda irritada, segurei ambos seus ombros com força, ficando frente a frente com ela. 45% então deu singelos passos para trás, parando ao chegar na porta.

—Pare! – bufei, segurando seus ombros.

Olhei fundo em seus olhos, em ambos os olhos. Ela respirou fundo, soltou seus braços que estavam cruzados.

Seus olhos cheios de fúria, suas mãos que tremiam, seu cheiro inebriante. Segurar qualquer instinto de tê-la acabou em um trágico naufrágio tão obsceno que não haveria um filme a respeito.

A beijei, com cuidado, hesitando, com medo de que ela fugisse, que tudo desse errado, mas com uma intensidade sexual que nunca tive perto do seu angelical corpo. Eu estava com raiva e a manuseei com raiva, ainda que ela fosse uma frágil boneca de porcelana. Sua reação fora inesperada, com as unhas em minhas costas, um gemido suave ao pé do meu ouvido e puxões de cabelo na nuca, em minutos estávamos na cama, nos acabando, pelo que seria a última vez.


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