45% escrita por SobPoesia


Capítulo 38
Hospital




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Acordamos na manhã seguinte acabadas, tanto física, quanto psicologicamente. Ainda sim, tínhamos de viajar.

Ficamos deitadas na cama, abraçadas, nos olhando. Não estávamos prontas, mas ir, não era uma escolha.

Levantamos da cama, tomamos uma ducha, colocamos qualquer roupa e arrumamos o quarto, juntando todas as nossas coisas. E lá estava, a mochila de Evans, pronta, como se ele ainda estivesse ali, mas não estava.

Coloquei a minha mochila em meu corpo, a de Evans em minhas costas, puxei Hazel e estávamos prontas para ir. Bruni precisava desse empurrão para seguir em frente, então, caminhou atrás de mim, com uma triste face.

Passamos em um pequeno mercadinho e compramos comida para ir viajar durante horas, durante quase meio dia inteiro.

Chegamos na rodoviária. Lá havia um banco verde e surrado, a família que estava sentada ali se levantou para eu pudesse me sentar. Sentei-me com 45% ao meu lado, que colocou a sua cabeça em meu ombro, me fazendo acariciar seu cabelo.

Cuidar dela me fazia bem, me fazia sentir uma segurança grande dentro de mim.

Queria ir para a minha cama, realmente descansar, mas ainda tínhamos horas dentro do ônibus e aquela era apenas uma miragem perdida em meus sonhos.

Assim que o grande ônibus chegou, entramos. Um homem nos ajudou a colocar as malas na parte de cima do banco. Nos sentamos lado a lado, ela na janela e eu no corredor. Nossas músicas foram ligadas e assim começou a viagem.

Depois de horas sem nenhuma conversa, ela se recostou em meu braço. Nunca tinha a visto precisar tanto de mim.

Ficamos abraçadas durante todo o percurso, mudando de posições para que meus braços não ficassem dormentes, mas nenhuma palavra foi trocada. Não existia essa necessidade. Sabíamos como nos sentíamos e era horrível, tão horrível que não valia a pena falar a respeito.

Então, chegamos. Tão acabadas quanto saímos daquela cidade infernal. Assim que nossos pés encostaram no asfalto da rodoviária ela começou a chorar, copiosamente, sem nenhuma vergonha de estar desmoronando. Sentamos em um banco qualquer e eu a segurei.

—Eu não acho que vou dar conta, Violet. – ela se agarrou em meus braços, com todas as forças que tinham restado nela.

—Eu também não sei quanto tempo mais vou aguentar antes de perder a cabeça, mas tenho você ao meu lado, então, no final, tudo vai dar certo. Estou aqui para segurar a sua mão, não importa pelo que seja. – beijei a sua testa.

Bruni levantou a sua cabeça e sorriu, ainda triste e chorando. Com um pouco de tempo, ela se levantou, limpou as suas lágrimas e colocou a sua mochila nas costas. A segui, estávamos a uma corrida de táxi da nossa casa e nosso leito de morte.

Caminhamos derrotadas até a saída da rodoviária e, em silêncio, completamos a corrida que se assemelhava a uma marcha fúnebre.

Há cerca de três dias estávamos fugindo de lá, em trio e, mesmo que eu estivesse machucada, eramos vitoriosos, tínhamos conseguido e, agora, a doença tinha vencido de novo.

Não tínhamos como ou porque lutar e foi com esse espírito que chegamos. Cansadas e finalmente com a noção de que não dava para fugir de tudo, do nosso fatal destino, da morte seca, fria e próxima.

O táxi parou, paguei e descemos dele. 45% suspirou e segurou seu urso de pelúcia com força. Damos mãos e simplesmente caminhamos até a entrada do hospital, passando por um caminho cheio de plantas e feliz. Nossos passos eram pesados e desistentes, ela respirava de forma pesada, todos os meus membros doíam em uma gelada pulsação sem oxigênio.

As portas se abriram, lá estavam os pais dela e dele, sentados lado a lado nas cadeiras confortáveis, quase que juntos. Assim que apontamos na porta, eles se levantaram em êxtase.

Meus pais não estavam ali e nunca estariam. Obviamente eles se importavam comigo e me “amavam”, mas conheciam a filha que tinham. Essa era só mais uma das minhas fugidas repentinas, se eu morresse, meu corpo voltaria para eles e, se eu sobrevivesse, voltaria a ser indiferente com eles assim que meus pés tocassem o hospital.

Os pais de Bruni correram para abraçar a querida filha perfeita. Choraram ao obtê-la em seus braços.

Enquanto os pais de Evans se abraçaram tristes. Fui até eles. Coloquei a mochila do loiro em seu meio, com cuidado e me agachei, segurei a mão dos dois e suspirei.

—Ele queria conhecer a praia antes de ir. Eu sei que vocês não acreditam nessas coisas de aparição e de tempo para morrer, mas ele acredita e ele teve o que queria nos seus últimos dias.

—Ele estava feliz? – a mãe dele me olhou fundo nos olhos.

—Sim... A praia é a casa dele. – sorri, lembrando do seu sorriso torto nas areias sujas.

—Mas nós não dos despedimos... – o pai dele retirou sua mão da minha.

—Nem nós. Quando a hora de ir chegou, ele quis ficar sozinho, pegou um táxi e foi embora.

Ambos assentiram e eu me levantei, indo para, o que agora, era só meu vazio quarto.

 


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