45% escrita por SobPoesia


Capítulo 37
Estupro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/641385/chapter/37

Bruni arregalou os olhos, tanto que se podia os notar através de seus óculos gigantes. Ela suspirou. Tinha passado dos limites indo tão fundo que me fez soltar aquilo, aquela confissão, mesmo que ainda não estivesse pronta.

Inspirei fundo, a observei por algum tempo. Ela não conseguia acreditar. A água batia fria em minhas pernas. Respirei devagar.

Suas mãos seguravam as minhas, suadas. Pelos seus óculos ela olhava fundo em meus olhos. Ela queria saber, queria entender e assimilar o que acabara de ser dito, era a explicação que ela procurava, fazia todos os sentidos, mas a informação era carregada demais. Já eu, não queria conversar sobre aquilo.

Estava adiando aquela conversa, principalmente, porque ocorreria uma grande mudança na minha imagem, nos meus relacionamentos. Era a minha cola com Evans, minha lembrança com Ernie, mas também, era o que me tirava do pódio de forte, sem sentimentos. Eu era apenas mais uma garota que foi machucada.

—Eu viajava muito com a minha família... – suspirei – Quase todos os feriados vinhamos para a casa de praia do chefe do meu pai. Ele era um velho estranho, mas vivia dando doces para mim e para a minha irmã.

As feições dele voltaram a minha mente. Seu grande nariz e cabelos grisalhos, além daquele sorriso amedrontador.

—A Vivi cresceu mais rápido... Ela é mais velha, mas chegou a puberdade muito antes de mim, rápido demais. Aquele velho nojento era tão doente que preferia a mim, porque eu não tinha chegado lá ainda e ela se safou apenas por existir. – meu choro se intensificou, eu soluçava.

Bruni apertava as minhas mãos, então, as soltei. Não queria todo aquele apoio, só queria que ela me ouvisse, que acabássemos logo com isso.

Respirei fundo, parei de soluçar, coloquei meu cabelo para trás das orelhas e levantei a cabeça.

Falar daquilo me dava um nó na garganta.

—Assim que a Vivi ganhou peitos, todos os interesses do chefe de papai se voltaram para mim. Ele chegou a me dar uma bicicleta! Ela sentiu ciúmes e se afastou de mim, e eu não achei que tinha algo de errado com tudo isso. E, porque eu ia achar? Ganhava bicicletas e roupas e comida! – suspirei – Um dia desses, Vivi queria ir para a praia, mas eu não me sentia muito bem e resolvi ficar em casa, com o chefe.

Senti aquele baque novamente, o que havia me feito cair. O cheiro do porão, o cheiro dele... Era tudo vivido demais.

—Ele queria me mostrar alguma coisa no porão, segurou as minhas mãos com força e descemos as escadas de madeira, então, toda a gentileza e carinho se transformaram tão rapidamente quanto podiam. Ele arrancou as minhas roupas e me jogou no chão frio, no chão batido de terra. E eu tento esquecer isso todos os dias da minha vida. – parei.

Iria chorar novamente, senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas segurei e engoli a seco.

Bruni beijou a minha testa.

—Eu sinto muito... – ela disse baixinho.

—Essa, - pausei – ainda não é a pior parte. – minha voz falhou, porque o que se seguia mostrava como tudo de ruim que eu tinha de viver era interligado aquela tarde – Meu pai é uma pessoa horrível.

Os olhos dela se arregalaram novamente.

—Em uma das primeiras vezes que isso aconteceu, meu pai descobriu. Não me lembro se foi o sangue que saia de mim todas as vezes ou meus gritos que ele achava tão excitantes... Mas meu pai sabia. Como um pai, você acha que ele ia acabar com isso, me defender, mas não. Meu pai deixou acontecer.

Os olhos dela se ascenderam em uma fúria que reluziu tanto que seus óculos não conseguiam ofuscar.

—Chegou um dia que eu simplesmente me cansei. Cansei de esperar que meu papai me defendesse, que a minha mamãe fizesse alguma coisa ou que a minha irmã entendesse o que estava acontecendo. Ninguém iria fazer nada por mim, eu tinha de fazer algo sozinha. Quando ele tentou fazer aquilo, quando ele pegou meu braço como sempre pegava eu mordi seu ombro com tanta força que quebrei um dos meus dentes.

Minha mandíbula doeu.

—Ele gritou e o sangue correu todo pelo quarto. E eu não tenho uma memória mais feliz da minha infância. Logo em seguida ele demitiu meu pai... Talvez ele não era bom o suficiente como funcionário e tudo que segurava seu emprego era como eu era jovem e apertadinha. Meu pai me bateu tanto que quando eu cheguei no hospital disse que fui atropelada e nem por um segundo me desacreditaram. Eu lembro da minha irmã gritar ao fundo dizendo que ele ia me matar, lembro dele quebrar a cadeira nas minhas costas...

Parei, minhas mãos seguravam meus cabelos com força. As abaixei com cuidado.

45% me abraçou, rapidamente, com força. Carregou meu corpo destruído pelas memórias até o quarto de hotel. Ela me deitou na cama e se deitou ao meu lado.

E tudo estava bem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!