45% escrita por SobPoesia


Capítulo 17
Lágrimas




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O sinal soou, não havia como esconder meu rosto inchado da noite acordada em lágrimas. Eu não queria levantar, mas não da forma usual de sono. Era como se aquela cama de hospital fosse o lugar mais seguro do mundo e naquele momento, tudo que precisava era de um pouco de segurança.

—Violet? – ouvi a voz de Evans, ainda sonolenta.

Meu corpo estava virado para a janela, o que não era comum. Todos os dias, assim que o sinal soava, automaticamente me virava para o sorriso do loiro, que sempre estava acordado. Mas não naquele dia, porque eu simplesmente não conseguia o observar nos olhos.

Limpei meu rosto novamente, mesmo que ele já não estivesse molhado. Virei-me devagar.

—Sim. – falei baixo, abafada pela máscara que cobria parte do meu rosto.

—Nunca mais me assuste desse jeito. – ele sorriu e se levantou.

Segui seu corpo nas luzes amareladas de manhã e das cortinas até o interruptor, então todo o quarto estava iluminado. Sentei-me na cama, acabada. Um cansaço nunca antes sentido por mim tomou meu corpo.

Abracei minhas próprias pernas, funguei.

Evans demorou algum tempo em seu armário antes de se virar para trás e me olhar nos olhos. Sua face relaxada se transformou a me ver encolhida no canto de minha cama. Suas sobrancelhas se ligaram e ele apertou seus lábios juntos.

—Você está bem, Violet? – o loiro correu até a minha cama.

Suspirei.

Não. Mas não era o meu usual mal, não era o mau humor, a tristeza decorrente da morte certa. Aquela sensação de já ter deixado meu corpo, não era normal. E, mesmo assim, sabia que precisava a esconder de todos e seguir o plano.

—Eu estou bem, acho que peguei uma gripe ou algo do tipo. – menti.

Conectei-me a Hazel e desliguei minha máquina de dormir.

—Você andou chorando... – ele segurou a minha mão.

—Minha cabeça doí, que tal não fazermos isso logo de manhã? – sorri, um sorriso irreal, falso não queria fazer aquilo.

—Você está estranha, o que no seu caso é absurdo. – ele continuou me pressionando.

Minha cabeça explodia, meus membros doíam, meu peito estava sendo aberto por um buraco dilacerante que não existia, meus olhos ardiam, além de tudo isso, ele era a última pessoa que eu queria ver naquele momento.

—Você está com peso na consciência... Estou bem, só me sinto meio gripada. Vou tomar um banho antes de ir para a escola. – levantei-me e tentei manter meu tom usual, mas tudo que eu falava soava como se as lágrimas ainda corriam do meu rosto em uma cachoeira interminável.

Joguei em cima da cama uma calça jeans larga, surrada e escura, então uma regata cinza e uma blusa xadrez vermelha.

—A sua resposta para doença é virar algum tipo de sapatão do poder? – Evans retornou ao seu guarda-roupa.

Por alguns momentos eu realmente achei que toda aquela história de gripe tinha sido apenas aceita, sem pestanejar. Peguei minhas roupas, uma lingerie limpa e meu telefone, então entrei no banheiro.

A primeira coisa que fiz foi checar me celular, principalmente por mensagens de Abby. Era estranho, mas aquela garota que mal conhecia sabia lidar comigo e me fazia sentir insanamente bem com toda aquela situação difícil e era exatamente o que precisava para me levantar. Ela havia me mandado um bom dia com uma dessas carinhas insatisfeitas que simplesmente melhoravam meu humor.

Enquanto me trocava, conversamos um pouco e, com as portas fechadas, eu sabia que lá fora estava acontecendo algum tipo de silêncio constrangedor, já que ela estava lá fora Bruni e Evans.

Amarrei a minha blusa xadrez na cintura, dobrei a barra da minha calça e saí descalça, sem o menor temor de dentro do banheiro. Agora não tinha mais nada a esconder, minhas olheiras e nariz inchado já tinham ido embora, só meu escudo erguido e o plano continuavam.

—Isso é para competir comigo? – a voz rouca de Abby me animou, mas não me parou de ir até o armário e pegar meus tênis.

—Sim, você tem arrasado com o meu território por tempo demais. – respondi, sem me virar para toda aquela situação.

Peguei meus tênis e finalmente me virei para a cena do quarto. 45% e Abby estavam sentadas lado a lado em minha cama, enquanto o loiro estava estranhamente sozinho em sua cama agarrado com seu celular.

—Impossível, as garotas me amam. – ela abriu um sorriso de canto de boca, apoiada sobre uma mão e inclinada em minha cama, ela fazia daquele momento constrangedor seu reino.

—Exatamente, por isso mesmo você estava fugindo de uma delas ontem, escondida atrás de uma cama, no escuro, em um quarto desconhecido. – sentei-me ao lado de Evans para calçar meus tênis.

—Táticas de sedução, eu consegui te levar para o escuro, não foi? – então ela jogou uma meia em meu rosto, uma da qual eu não tinha ideia de como ela tinha descoberto enterrada no meio das minhas cobertas.

—O monstro mostra as suas garras novamente. – joguei a meia de volta e terminei de calçar meus tênis.

—Eu não sabia que você usava meias de gatinho para dormir, são até bonitinhas. – ela se deitou em minha cama e mexeu em minha meia, procurando algo constrangedor para usar contra mim.

—O pijama dela veio junto, essa noite ela dormiu infestada por gatinhos rosa. – o loiro se pronunciou pela primeira vez naquela estranha manhã.

—Violet, você deveria ser tão meiga quanto as suas roupinhas de dormir. – Bruni sorriu.

—Agora vou ter que matar todos os três, vocês sabem demais. – levantei-me – Porque vocês duas estão na minha cama?

—Você tem cheiro de lavanda. – Abby e 45% responderam em um uníssono.

—E mulher. – mas Abby não pode parar.

—Achei que as duas se odiassem. – Evans suspirou.

—Isso vai ser interessante. – sorri.

Seguimos para o café da manhã, junto com todo mundo. Não sabia exatamente o porquê, mas Abby passou todo o tempo que pode grudada comigo, desde pegar em minhas mãos a abraços constantes. E eu até queria que aquilo parasse, mas fazer ciúmes em Bruni era a coisa mais satisfatória da minha depressão e continuaria o fazendo até que ela perdesse a cabeça.

Outro fenômeno estranho começou a ocorrer e eu estava apenas o observando, de longe, esperando que explodisse e envolvia o único núcleo masculino e olhos estranhos do nosso grupo. Evans e 45% estavam estrelando o mais novo drama adolescente do hospital e eram os únicos que não notavam o quão descarados eram. Em algum ponto, uma das nossas amigas de mesa me perguntou se os dois tinham transado.

Era bem simples, enquanto eu e a Abby trocávamos carícias estranhas e extremamente desconfortáveis para mim, os dois queriam, e conseguiam, ficar a metros de distância um do outro, o que fazia impossível, para mim, estar no meio daquilo e seguir o plano.

Queria gritar espernear e dizer que antes do beijo, tinha dois amigos incríveis, mas agora, estava sendo uma filha de pais separados com a lésbica do cabelo curto me levando para o lado negro da força.

Finalmente, no jantar, depois do meu cigarro e de algumas crises de choro em todos os banheiros do hospital, achei que estava pronta para encarar toda aquela estranheza e finalizar mais um dia de torturas. Mas, obviamente, não foi o caso.

Estava no meu quarto, lavando meu rosto e pensando seriamente em pedir para meu médico alguns antidepressivos, mas ao sair do mesmo, fui abordada por Bruni, deitada em minha cama.

—Você definitivamente tem alguns problemas com limites. – comecei, antes que ela notasse que eu estava mal, então segui até a escrivaninha para pegar meus cigarros.

—Eu preciso conversar com você.

—E se eu não quiser conversar? – me virei, acreditando fielmente que meu rosto não estava inchado, marcado ou mostrando a minha crise.

—Violet, você está... Diferente. – ela se sentou na cama, mas seus olhos me contavam que ela estava inquieta, possivelmente projetando seus próprios problemas em mim.

—Você também, mas não estou aqui para julgar. – não sabia ao certo se aquilo era fugir do plano, mas era a arma que eu tinha para que ela não chegasse perto demais da minha bomba prestes a explodir.

—O tópico aqui não sou eu.

—Não concordei com tópico nenhum.

Seus olhos flamejaram.

—Sente-se! – ela esbravejou e pela semelhança da sua postura com a da minha mãe, inconscientemente, acabei a obedecendo sem pestanejar – Sua bochecha, seus olhos, seu nariz, sua boca. Ou você passou a noite e o dia chorando ou está prestes a morrer. – ela segurou minhas duas mãos e falou em um tom calmo.

—Porque você e Evans não podem ficar juntos?

Essa foi uma daquelas frases que você se arrepende de dizer no segundo que diz. Fechei os olhos: “siga a merda do plano, Violet”.

Minhas pernas tremeram. Meu coração palpitante não conseguia conter as palavras que iriam pular da minha boca em segundos.

—Eu não quero falar disso. – ela me soltou instantaneamente.

—Eu não quero falar de mim. – suspirei.

—Qual é o problema?

—Você. Eu te amo e isso está me matando mais rápido do que os meus pulmões vem tentando fazer todo esse tempo.

—Violet, você nunca me disse que me ama. – seus olhos se encheram de lágrimas e aquela foi a última facada que ela poderia dar nos pedaços partidos do meu coração.

—Eu disse ontem, 45%.

—Disse? Eu não sei onde estava com a cabeça... Eu... Ela segurou minhas mãos com força, em uma súplica que não a deixasse.

—Infelizmente, sei exatamente onde você estava com a cabeça.

Esse deveria ser um daqueles momentos nos filmes do qual uma música triste começa a tocar, porque eu soltei as suas mãos e com lágrimas escorrendo do meu rosto, saí, a deixando sozinha com todas as minhas coisas, as nossas lembranças, a sua consciência e fui cometer o pior erro que já cometi na minha pequena existência mundana.


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