45% escrita por SobPoesia


Capítulo 18
Transamos




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Grossas lágrimas saiam dos meus olhos e rolavam rosto abaixo em uma quantidade exorbitante e impossível de ser controlada. Minha visão estava embaçada, mas sabia que precisava sair dali o mais rápido possível.

Corri até o elevador, ainda meio bamba e perdida. Evans, que estava passando por ali, me gritou e correu até mim, mas as portas se fecharam antes que ele desencadeasse outra reação horrível.

Segurei-me em pé até chegar ao telhado, no qual me joguei sobre meus joelhos, caindo no chão, segurando meu rosto com as mãos sobre a cabeça em um patético movimento. Estava em uma posição fetal, ridícula, esperando que a dor, eventualmente, fosse embora.

Mãos delicadas tocaram meus cabelos calmamente, em um estranho carinho reconfortante. Levantei minha cabeça com cuidado, apenas para ver Abby me observando com olhos preocupados.

—O que aconteceu, Violet? – ela me levantou com cuidado e nos sentamos uma na frente da outra.

—Eu quero morrer há tanto tempo... Mas perdi as minhas razões para continuar aqui e agora essa dor... Ela não quer parar. – abaixei meu rosto e o segurei com as mãos, me escondendo.

—Você está em um hospital com pessoas lutando para sobreviver e quer morrer? Consegue ouvir a ironia em tudo isso? – ela levantou minha cabeça segurando meu queixo, então secou minhas lágrimas, molhando ambas de suas mãos.

Estava com um sorriso nervoso no rosto e olhos carinhosos, uma feição que nunca tinha visto nela.

—Posso te confessar uma coisa?

—Pode.

Enchi meus pulmões. Queria dizer isso há tanto tempo para quem quer que fosse, mas ninguém parecia ser o suficiente. Agora, estava patética, não ligava em me abrir mais e arrancar logo tudo aquilo de dentro de mim.

—Estar aqui é mais para a minha segurança do que pela minha doença. – limpei meu rosto, ainda pouco molhado, e abaixei a minha cabeça, ainda em vergonha.

Não queria olhar em seus olhos naquele momento.

Abby tinha a tampa para o buraco dilacerante de meu peito. Com ela, a dor ainda estava ali, mas em uma escala muito menor e longe da realidade. Podia ver as coisas claramente, podia fazer coisas novas ao seu lado. Queria entrar em seu abraço, amenizar ainda mais a minha dor.

—Segurança? O que tem de tão ruim lá fora que você precisa ficar trancada dentro dessas portas? – ela segurou minhas mãos e as trouxe junto de si.

—Eu posso apenas dizer que meu pai é um homem muito ruim? – finalmente consegui a olhar nos olhos.

—Ele não está aqui agora, Violet, você pode viver em paz.

—Eu tento, Abby, de verdade, mas aqui é como lá fora, só há dor e sofrimento.

—Nem sempre a morte é dor e sofrimento. – ela sorriu.

Fui para seu abraço, quente e acolhedor, e ela me segurou durante algum tempo. Saí de seus braços e a olhei fundo nos olhos, então, sorri, envergonhada. Abby sorriu de volta e sussurrou:

—Você fica muito mais bonita sorrindo.

Com sutileza, a sua mão foi parar novamente em meu queixo, levantando a minha cabeça, então caminhou até a minha nuca. Nossos lábios se tocaram, primeiro, lentamente, com certa timidez e risco de que aquilo não fosse ser correspondido, mas, após algum tempo, era um beijo intenso e quente.

Esse foi o meu grande erro da minha curta existência, me apaixonar, não só por alguém que estava prestes a morrer, mas por alguém que não era a garota que eu amava.

Suas mãos tocaram em minha cintura, então, contra a parede, nas minhas cicatrizes do peito. Ela não julgou, apenas sentiu, beijou e transformou toda aquela pele que eu julgava feia em prazer.

Não se bastou muito tempo para que nos olhássemos e rissemos, nos vestindo e indo para o jantar.

Sentamos isoladas novamente, dessa vez conversando sobre a comida e evitando o fato de que tínhamos acabado de transar. Suas mãos tocaram as minhas, as vezes, e eu, honestamente, não queria que aquele momento acabasse.

Não a amava, mas ela me fazia sentir bem, diferentemente de como Evans e 45% me faziam sentir naquele momento.

Eventualmente, tinha de ir para meu quarto, mas só de pensar que iria olhar nos olhos do loiro e mentir, um frio me subiu a espinha. Aquilo era loucura. Como ele estava conseguindo mentir e não se definhar com a culpa se as minhas poucas me matavam?

Queria gritar, colocar tudo isso para fora, mas escolhi me sufocar com as mentiras e palavras não ditas, além da dor de saber que fui traída por quem mais confiava.

Fumei um pouco no telhado, um lugar que tinham um significado diferente para mim agora. As lágrimas não escorreram mais. Estava pronta para descer e enfrentar todos os meus medos, seguindo a merda do plano.

Entrei em meu quarto. Evans estava deitado em sua cama com uma foto na mão, seus olhos estavam cheios. As cortinas fechadas, a pouca iluminação, tudo parecia que a qualquer segundo ele iria pular da janela.

—Isso é deprimente. – acendi a luz ao entrar.

—Porque faria isso? – o loiro se virou de lado em sua cama, escondendo o rosto.

—Porque isso é deprimente e eu não vou permitir que continue. – sentei-me ao seu lado em sua cama, retirando suas mãos do rosto.

—Mas ela está morta. – ele me entregou a foto que segurava.

—Sim, ela está morta. As pessoas morrem, Evans, diariamente. Não doí para elas, doí para os vivos. Ela não está sentindo nada, isso não doí nela. Você realmente vai perder o resto da sua curta vida em luto por alguém que nem ao mínimo vai ficar sabendo disso? Por alguém que não vai sentir nada disso?

Segurei a foto, era uma de todos nós comendo em algum jantar em uma mesa de meses atrás. Metade daquelas pessoas já não estava entre nós. Julieta sorria de uma forma maravilhosa, o loiro tinha toda a razão do mundo em amá-la daquela forma.

—Eu me tornei uma pessoa horrível. – ele se sentou.

O que eu deveria falar? Era a verdade! A perda dela fez com que ele automaticamente me traísse e mentisse a respeito. Mas ainda sim, não concordava plenamente com essa ideia.

Estava machucada e magoada, não tinha como mentir a respeito, mas aquele ainda era Evans. O garoto que cuidava de mim, que segurava as minhas mãos quando precisava, que me dava banho, o meu melhor amigo. Não conseguia odiá-lo, queria, mas não conseguia.

Segurei as suas mãos e olhei em seus olhos.

—Você não é uma pessoa horrível, não te amaria se você fosse assim.

—Fiz algo horrível com você e agora não consigo mais pensar, raciocinar. A morte de Julieta, as coisas que fiz, nem ao menos sei por onde começar. – ele abaixou seu rosto, não conseguia olhar em meus olhos.

Suspirei. O que eu deveria fazer agora?

—Loiro, sei que fez algo ruim, ainda estou aqui e não vou embora.

—O que você sabe? – sua cabeça se levantou.

—Vi vocês dois se beijando no corredor. Foi assim que conheci Abby. – senti aquilo voltar em meu rosto.

Meus olhos se encheram de água, um nó se alojou em minha garganta.

—Aconteceu mais coisa. – ele apertou seus lábios juntos, fechou os olhos – Nós... Transamos. O que você viu foi a despedida.

Evans foi para trás, se encolhendo, esperando que eu o batesse ou algo do tipo. Também pensei que essa seria a minha reação.

Suspirei, fechei os olhos.

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Levantei-me, respirando profundamente, segurando meus cabelos.

—Violet, por favor, diga alguma coisa.

Estava em pé, de costas para ele, então virei-me, seu rosto estava coberto de lágrimas. Tentava me controlar, queria quebrar todo o quarto, colocar o prédio abaixo, mas vê-lo daquela forma me fez explodir de outra maneira, me fez pegar tudo que tinha naquele buraco, o meu nó na garganta e gritar para fora.

—Como você pode? – gritei, segurava meus cabelos com força – Eu não tenho ideia de como você conseguiu fazer todas essas coisas e não pensar em mim, em não lembrar da pessoa que mais te ama e confia em você! – meu ar estava acabando rapidamente – Evans!

Respirei fundo, fazendo um barulho.

Pulmões, não é a hora de estarem falhando.

Queria ter algum discurso para falar naquelemomento, mas não tinha. Tinha, na verdade, perdido todo o senso e todas as palavras.

—Me perdoe. - o loiro se inclinou para frente.

—Eu queria nunca mais olhar na sua cara, mas, infelizmente, ainda temos de morar juntos. Éramos irmãos, Evans, e agora fomos resumidos a isso, pessoas que traem umas as outras por absolutamente nada. O que te levou a isso? Uma garota? Ou eu sou apenas uma garota? Eu te amei tanto... E você fez a pior coisa que poderia comigo.

Assim que acabei de falar, sentei-me, no chão, jogada, sem reação.

Não havia nada o que dizer se não ser sincera, e, mesmo que aquelas palavras fossem rudes, eram verdadeiras.

—Eu não vou conseguir sem você. – ele se jogou no chão ao meu lado, em seus joelhos, procurando meus olhos.

—Sinceramente, isso já não é mais meu problema.


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