45% escrita por SobPoesia


Capítulo 10
Egoísmo




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Fiquei acordada, sentada à porta da sala de cirurgia por horas. Em algum ponto, 45% foi embora, mas continuei ali, esperando para que apenas no meio da madrugada ele saísse da sala.

—Evans vai passar a noite na observação e se tudo der certo, amanhã ele volta para o quarto. Vou arrumar as coisas dele aqui e ir ligar a sua máquina em minutos. – a nossa enfermeira saiu da sala, depois da maca, então se agachou a minha frente e pegou nas minhas duas mãos.

—Correu tudo bem? – sorri.

—Sim, Violet. Ao que tudo indica ele vai ficar bem, ainda mais com alguém como você cuidando dele assim. Agora desça e descanse.

Ainda relutante segui seu conselho. Eram quase cinco horas da manhã e eu precisava dormir.

Peguei o elevador e caminhei como um zumbi até meu quarto. Consegui tirar apenas um dos meus mocassins de forma consciente antes de cair em sono profundo e só notar que estava dormindo quando acordei pelo despertador.

Todo o prédio era inundado com uma sensação horrível quando o sinal tocava quase uma hora antes do horário de se ir para a escola. Sentei-me em minha cama. Minha máquina me impediu de ir muito longe. O loiro ainda não estava em meu quarto.

Retirei todos os meu colar, minhas pulseiras, meu blazer e abri um ou dois botões da camisa social, tentei tirar as meias, mas desisti. Deixei que meu corpo caísse na cama, não queria acordar e notar que meu melhor amigo não estava ao meu lado.

Fiquei deitada, sem conseguir dormir, concentrada no barulho da minha máquina e no ar que passava pela minha máscara. Era tudo demais para mim.

Em algum momento Bruni entrou sorrateiramente em meu quarto. Ela trouxe uma bandeja de comida e carinhos, se sentando na ponta da minha cama e sorrindo.

—Ele vai sair dessa. – sua voz me acalmou.

—E se ele acordar e estiver sozinho? Ou demorar demais para acordar? – sentei-me sonolenta na cama, retirei minha máscara e balbuciei aquelas palavras, minhas mãos tremeram.

—Evans não é um filhote indefeso, ele vai dar conta de lutar e voltar para nós. – seu sorriso me trazia paz, mas eu ainda tinha tensão correndo em minhas veias.

O sinal soou novamente, ela tinha de ir para a escola e o fez, com um olhar pesado e um beijo de despedida. Fiquei no quarto, desliguei a minha máquina, esperaria até não poder mais. Comi e peguei meu computador, mas nem isso tiraria a minha mente do loiro em sua cama azul de hospital e um quarto frio solitário.

Resolvi tomar um banho para clarear a minha cabeça. Passei um bom tempo com minha nuca embaixo da água corrente, porém estava preocupada demais para relaxar e deixar que tudo fosse embora pelo ralo, meu corpo inteiro doía, estava cansada.

Sequei meu cabelo com calma, não tinha nada a fazer, então troquei de roupa e saí do banheiro.

Tive de segurar minha boca fechada, entrando em êxtase. Lá estava ele, coberto em suas próprias cobertas cheias de pelúcia e verdes.

Evans estava branco, uma cor distinta do seu amarelado natural, tonalidade provinda da sua doença. Era uma face saudável, mas estranhamente pálida. Havia fios entrando em seu braço esquerdo, com soro e provavelmente algum outro remédio. Havia, também, um monitor cardíaco, daqueles que se coloca no dedo, apitando seus fracos batimentos em uma tela preta e verde e ainda um tubo passando pelo seu nariz, um respirador como o meu. Queria abraçá-lo, mas ele ainda estava desacordado.

—Ele não está melhorando sozinho em seu quarto... Achei melhor que ele ficasse ao seu lado, pra lembrar pelo que ele está lutando. – a nossa enfermeira estava na porta.

—Tem algo que eu não possa fazer?

—Desligar qualquer coisa. Mais tarde eu venho te ensinar a trocar os curativos dele, e não vou avisar ninguém que está matando aula aqui. Qualquer coisa me chame. – ela sorriu e se retirou.

Um peso enorme saiu dos meus ombros. Estava completamente aliviada. Suspirei.

Caminhei devagar até seu corpo desacordado, então sentei-me ao final de sua cama e segurei seu pé que estava frio. Seu peito subia e descia ritmicamente a medida que seus pulmões se enchiam de ar. Tinha uma calmaria em sua face, como se estivesse dormindo sereno. Tive a estranha vontade de olhar seus ferimentos, de cuidar deles, mas não queria interferir em seu corpo debilitado.

—Você disse que ia acordar, sabia? Me prometeu. E agora a enfermeira disse que você está estagnado. Você não pode fazer isso, não comigo, não com 45%, não com Julieta. Você ainda tem tanto para provar e está aí, a beira do abismo. – me joguei para trás, caindo em sua cama.

O loiro continuou parado, dormindo, quieto.

—Eu te amo e não vou ficar sem você, então trate de acordar. – segurei sua mão, tocando em seus frios dedos.

O que aconteceu a seguir não foi colocado por efeito literário ou poético. A sincronia clichê e dramática dessa ação é verídica.

No instante em que recostei minha mão na sua houve um forte batimento marcado no monitor por um apito forte. Então aquela contagem acelerou. O meu rosto se encheu em um sorriso e o dele ganhou bochechas rosadas.

A enfermeira correu para o quarto, observou o monitor e sorriu.

—Não sei o que está fazendo, mas continue, porque ele está melhorando.

—Ouviu isso, loiro? Você vai dar seu jeito de sair dessa. – apertei a sua mão.

A enfermeira saiu do quarto, então puxei uma cadeira para o lado de sua cama e me sentei. Peguei uma de suas mãos e acariciei seu cabelo. Tudo tinha de melhorar.

—Não vou sair do seu lado, eu prometo. – suspirei.

Seu peito se encheu e aquilo para mim bastava.

Evans estava lutando. A cirurgia era grave e ele, com certeza, estava enfrentando dificuldades, mas não ia desistir, eu o conhecia, sua vida era melhor vivida.

A aula já estava para acabar e meu carinho foi interrompido com o sinal. Infelizmente aquele dia que estava separado para receber apenas boas notícias foi inundado com uma mudança drástica.

Todos os alunos começaram a chegar e a entrar em seus devidos quartos. Sabia que 45% viria me ver, me passar qualquer que fosse a matéria do dia e ficar ao meu lado o resto da tarde, como sempre fazíamos, mas e claramente não estava esperando que isso acontecesse.

Bruni chegou com a cara fechada, andando devagar, cabisbaixa, então silenciosa ela se recostou na porta. Seus tristes olhos defeituosos pararam em Evans e ela sorriu, por segundos, antes de se virar para mim.

—Vem comigo. – sua voz estava baixa e eu não sabia ao certo o que pensar.

—O que aconteceu que precisamos sair daqui? – empurrei a cadeira para trás e segurei meu cigarro que estava no criado-mudo.

—É sério. – ela juntou suas sobrancelhas.

—Eu também estou falando sério, não vou deixar Evans aqui, me diga o que está acontecendo.

45% caminhou até o meu lado, com os olhos raivosos ela sussurrou irritada.

—Evans está aqui!

—Ele está desacordado. – entrei no mesmo tom de voz que ela automaticamente.

—Tem toda aquela teoria de que pacientes ainda podem ouvir e eu não sei mais o que desacordados, vamos logo para fora.

Ri, aquela era uma situação absurda. Bruni cerrou os olhos, estava cada vez mais irritada, principalmente comigo achando tudo aquilo hilariante.

Peguei meu maço e a segui calada até o telhado. 45% se sentou no chão ao lado da porta e eu no parapeito ao seu lado.

—Evans tem alguma previsão de volta? – seus olhos me fitaram sérios e eu não sabia muito bem o que aquilo significava.

—Nenhum dos médicos disse nada, mas a Internet me disse amanhã à noite. – acendi um cigarro, seus olhos e seu tom estavam colocando pressão em mim.

—Julieta sonhou com a aparição... Ela tem um dia. A sua despedida está marcada para hoje antes do jantar.

Um chiado ecoou em minha cabeça instantaneamente, como uma voz tão angelical podia trazer notícias tão terríveis?

Não era justo.

Evans havia se entregado àquela garota, havia dado seu coração, e agora teria tudo isso despedaçado. Pela primeira vez desde que o conheci, não queria que ele acordasse.

—Não vai falar nada? – Bruni segurou minha mão.

—O que eu tenho para dizer? Honestamente eu nem ligo se a garota vai morrer ou não, a única coisa que me importa no momento é o meu melhor amigo.

— A única coisa? – seu olhar sério tomou uma entonação sarcástica, me penetrando com ódio.

—Sim. – esbravejei.

—Vai dizer isso para mim?

E foi aí que tudo voltou contra mim, em direção ao meu peito, onde mais doía.

—Sua vadia egoísta... – juntei minhas sobrancelhas.

Joguei o cigarro no estacionamento, me levantei e fui embora, em direção ao meu quarto, o único lugar que eu deveria estar naquele momento.


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