45% escrita por SobPoesia


Capítulo 9
Rins




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Tudo ao meu redor finalmente começara a ficar bem.

Pela primeira incrível vez em cinco anos a minha doença estava tão estabilizada que o uso de Hazel não era necessário e meu quadro não era considerado fatal. Sim, era estranho respirar e viver sem meu respirador, mas era o melhor para mim. Era diferente, e costumes como o de segurar a sua haste todas as vezes que tinha de andar não haviam sumido, acabava sempre por agarrar o ar ou ajeitar fios imaginários em meu rosto.

Infelizmente, isso não era tudo.

Meus pulmões ainda estavam aos trancos. Falhando constantemente, mas sem nunca me permitir sufocar como antigamente. O ar sumia por completo, esvaziando meu peito, em um sopro, porém, assim que faziam falta, eu inflava com força, como alguém que acaba de sair de um afogamento e respira puxando tudo que pode de uma vez. Não era um jeito de viver, mas era o mais próximo que chegaria do normal, sobreviver com pulmões que não sabem muito bem como se respira.

Então, haviam mais coisas boas para se comemorar.

45% e eu tínhamos algo sério. Desde o dia do telhado ela resolveu assumir todos seus sentimentos reprimidos por mim, dizia que havia sido difícil – e ainda era –, lutar contra e a favor dessa sua parte homossexual, mesmo que nunca tivesse o feito antes. Segundo suas palavras, o desejo era tão intenso que nem ao menos ela conseguia dizer a si mesma que estava fazendo algo que iria contra sua natureza, mas aceitar-se por completo ainda era impossível, o jeito fora viver aquele romance da melhor forma possível. Passamos então por alguns estágios clichês de relacionamento dos quais eu irei resumir, já que não sinto a menor necessidade de perder meu tempo contando sobre toda a enrolação que se seguiu.

Primeiro, fui só uma chamada noturna no desespero de algum calor, mas isso mudou tão rapidamente quanto começou. Não se bastaram duas semanas para que eu ficasse furiosa e dissesse em sua cara de forma alta o quanto não seria aquilo. Se fosse para estar em um relacionamento, não seria velado. E por mais absurdo que isso pareça, ela resolveu que assumir era melhor que me perder.

Podíamos finalmente andar de mãos dadas pelos corredores da nossa casa e nos beijar na cafeteria, a sensação era inimaginavelmente esplêndida. A paixão que se crescia me fazia feliz como nunca antes e não queria um fim para a nossa história.

E sim, ainda há boas notícias por vir.

Evans e a garota do câncer ósseo, Julieta, também eram algo sério. Estranha e maravilhosamente, meu querido amigo loiro havia decidido que finalmente era hora de se entregar para um amor. Mesmo que eu soubesse que no fundo, a sua mudança se dava ao fato de que dessa vez, ele tinha uma chance de viver.

Queria muito que fossemos todos felizes, mesmo que por minutos antes da certa fatalidade das coisas, e, por semanas nós fomos. Antes de tudo entrar em colapso novamente.

Prometo que esse colapso começa com a melhor noticia que eu poderia entregar para vocês, então preparem seus corações, porque a parte difícil de engolir finalmente começou.

Estava por fazer um mês com Bruni. Finalmente iria a pedir para oficializar a nossa confusão, iria a pedir em namoro, em um romântico jantar no necrotério.

Estava a frente do meu espelho, abotoando a minha blusa social enquanto Evans estava deitado a sua cama lendo algum livro absurdamente grande e vermelho. Pouco antes de 20 horas, o horário oficial do nosso encontro algo realmente incrível aconteceu, um milagre e não dessas que crê.

Esse pequeno chiado começou baixo e cresceu forte, agudo em nossos ouvidos, um alarme disparado que eu soube imediatamente o que significava. Virei para trás, juntei as minhas sobrancelhas e sorri.

—Que merdas é isso? Parece que o alarme de incêndio quebrou ou algo do tipo. Não vai parar nunca? – o loiro continuou com a sua face colada no livro, queria sacudi-lo.

—São seus rins. - ri da sua confusão.

Evans levantou a cabeça do livro devagar, então olhou para mim, achou alguma resposta que procurava em meus olhos e deu um pulo. Se sentou na cama com uma rapidez e agilidade que não sabia que ele tinha. Seus olhos então correram para o apito, grudado na cintura de sua calça. Imediatamente ele correu para meu abraço, as lágrimas escorriam do seu rosto, mas quis me manter forte. O loiro parecia uma criança que tinha acabado de descobrir que vai ganhar seu primeiro cachorro de estimação. A nossa enfermeira correu para o quarto e sorriu ao ver aquela bizarra cena.

—Vamos nos preparar? – ela nos interrompeu.

—Vou buscar os outros, não deixe que ele entre em cirurgia sem antes de dar adeus. – corri até a porta, dei um tapinha nas costas da enfermeira e fui.

Desajeitada e meio perdida em êxtase, assim que saí pela porta e fui realizar uma curva para ir ao quarto de Julieta, caí no chão.

Eu não podia cair, tinha de evitar ao máximo que meu dreno se mexesse, mas, com certeza, não foi naquilo que pensei naquele momento.

Levantei-me e fui para o elevador, fugindo dos olhos estranhos dos meus colegas de casa que tinham acabado de ver um tombo feio e não me ajudaram. Minha mente estava tomada por ligações extremas neurais, podia sentir o sangue pulsar e pulsar. Nunca havia corrido tanto sem ter um colapso, nunca, nada, tinha sido tão importante.

Saí correndo do elevador, mesmo que a porta não tivesse se aberto por completo. 45% notou a minha animação e se levantou, ainda longe, nas cadeiras confortáveis de espera. A droga dos meus pulmões falharam, então apoiei minhas mãos em meus joelhos e puxei o ar.

—Rins?! – Bruni gritou.

—A merda dos rins! – gritei em resposta, caindo no chão.

E dessa vez, não era pela falta de ar. Meu choro foi intenso, estava em prantos e felicidade ao mesmo tempo. Em um vestido amarelo e rodado, ela correu até mim, me levantou e me abraçou. Chorei tudo que pude em seus braços.

Seguimos até a ala infantil, onde Julieta estava com seu irmão mais novo.

Subimos todos os quatro em uma das salas de espera do quarto andar. Esperando para nos despedir e, com sorte, vê-lo de novo. Evans tremia, a cirurgia o dava pavor.

Assim que a enfermeira chegou, dissemos nossas últimas palavras. Houve um momento romântico entre o casal, que disseram pela primeira vez que se amavam, em uníssono.

Bruni o abraçou, em lágrimas, então sorriu e bagunçou seu cabelo. Não diria nada?

Já eu... Nunca fui boa com despedidas.

—Vai voltar? – suspirei.

—Acho que não tenho como saber disso agora.

—Você, vai voltar? – juntei as sobrancelhas e ele sorriu – Eu te amo e não estou pronta para te ver ir.

—Não achei que existia isso em você. – ele segurou minha mão.

—O que?

—Sentimentos, Violet. – seu sorriso sarcástico me prendeu.

Rimos, pelo que poderia ser a nossa última vez juntos. Queria me segurar mais, mas não conseguiria, não por muito tempo.

—É sério, seu idiota... O que vou fazer? – podia sentir as lágrimas se acumularem em meus olhos.

—Usar várias drogas grátis de hospital. – ele sorriu – Violet, você pode ser a pior pessoa que eu conheço, mas ainda é meu anjo. Anjos sempre vão primeiro e ficam no céu cuidando da gente, sabia? Então se tiver uma luz, eu não vou atrás dela, não sonhei com a aparição e nunca te abandonaria. Mas... Se acontecer, eu sei que você vai sobreviver.

A sua mão soltou a minha.

Vocês conhecem aquela sensação de quando seus pais te prendem por muito tempo e então finalmente te deixam fazer alguma coisa? Como a primeira vez que você foi dormir na casa da sua amiga e teve aquele olhar estranho, em que alguém pedia desesperadamente que você não ficasse ali e alguém apenas dizia: “vai ficar tudo bem” com os olhos. Eu sempre fui a que não queria ficar e com certeza, não queria que ele fosse.

—Não estou pronta para te perder. – segurei sua mão novamente, com rapidez e força.

—Uma vadia egoísta até em meu leito de morte? Como você consegue dormir a noite? – as suas palavras de deboche foram ditos enquanto a sua maca era empurrada até a sala de cirurgia.

Seu sorriso se dissipou. Pronto. Era aquilo.

Sua namorada foi a primeira a ir embora, acho que não conseguiria ficar ali e eu entendi. Cada um lida com a possível morte da pessoa mais incrível do planeta de alguma forma.

Sentei-me ao lado das últimas portas nas quais ainda éramos permitidos. Abracei as minhas pernas e senti as lágrimas escorrerem.

—Não vai embora? – podia ver apenas as pernas nuas de Bruni em minha frente.

—Desculpe pelo encontro mas... Ohana significa nunca abandonar, nunca ir embora, nunca desistir ou esquecer. – sorri.

—Acho que você adicionou algumas partes a essa citação. – ela se agachou a minha frente.

—Não vejo esse filme há anos... No momento eu só vejo a sua calcinha para ser mais precisa.

45% sorriu e se sentou ao meu lado.

—Vermelha... Íamos transar hoje? – a observei.

—Péssima hora para rins novos. – ela apoiou seu pequeno corpo entre as minhas pernas e deitou sua cabeça em meu peito, então suspirou.

Podia conversar sobre o tanto de assuntos possíveis, mas a única coisa que realmente estava na minha cabeça era como Evans estava errado. Eu não viveria. O loiro havia mudado a minha vida em todos os sentidos, em um bom sentido. Ele era meu melhor amigo, meu escudeiro e sobreviver em um mundo sem seus dentes tortos era um grave erro que eu não queria ser obrigada a cometer.


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