Saint Seiya - Ankheus: O Guardião dos Mares escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 3
O Dragão dos Mares




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O som dos fogos anunciava inícios dos festejos em Lemúria, iluminando a noite e despertando Ankeus. Levantou-se para puxar uma cortina improvisada em sua escotilha, respirando fundo. Levou a mão ao rosto, jogando depois o cabelo para trás. No entanto, seus olhos perscrutaram um canto e outro daquela cabine.

Foi chamado atenção com o mover de alguém junto a ele. Observou Suiya ainda adormecida na cama, inabalável, coberta somente por um fino lençol que desenhava as curvas de seu corpo.

Após aquele breve encontro naquela tarde, marcaram de se ver durante a abertura das festas que iniciava sempre com uma corrida de cavalos na principal avenida da cidade. Os fogos anunciariam o fim das voltas quando as carruagens chegassem ao hipódromo, após cumprirem algumas voltas. Seria uma saudação a Poseidon, uma vez que o Imperador dos Mares era fascinado por cavalos. Somente, então, o rei abria aquele mês de festas na cidade.

Ankeus e Suiya aproveitaram exatamente esse momento para se encontrarem no porto, para compartilharem bons momentos a sós no barco, recuperando aqueles longos meses sozinhos um do outro. Amaram-se intensamente até adormecerem extasiados.

Não podia negar o quanto sentia por aquela lemuriana. Ficou a contemplá-la, bela com seus cabelos perfumados espalhados, olhando suas finas tranças, como aquela que a jovem fez em seu cabelo pouco antes de adormecer.

Levantou-se cuidadosamente, alongando o corpo e os braços para o alto antes de vestir um quiton, deixando o tronco nu. Ainda olhava com desconfiança para no barco, o balançar dele com as águas, segurando uma jarra de vinho que quase foi ao chão. Levou a bebida consigo tomando alguns goles enquanto subia até o convés. Olhou as águas, o curso das ondas e depois para o céu quando foi, mais uma vez, iluminado pelos fogos.

Estava uma belíssima noite, digna para velejar tranquilo pelos mares com as estrelas a guiá-lo. Inexplicavelmente o céu ali tinha um diferencial, mais limpo e intenso, tal como a alegria daquele povo tão incomum de outras terras.

Os lemurianos era um povo regado às suas tradições um tanto metódicas, costumes esses que Ankeus tomou para ele inconscientemente — percebendo o quão irritantes era para aqueles de fora.

Era um povo dotado de grande organização, onde tudo era devidamente planejado e sempre deixando um elemento surpresa. Não era de se admirar que sua arquitetura era singular de todas outras culturas da qual o navegante conhecia. A própria cidade era um planejamento invejável onde um mínimo espaço era aproveitado.

A arquitetura eram prédios verticais, todos devidamente arborizados com seus jardins suspensos. Alguns poucos proviam pequenas cascatas aproveitados dos aquedutos que cortavam a cidade levando água a todos. Piscinas eram vistas nos prédios e por toda a cidade provida de muitos lagos e rios. As ruas eram sempre limpas, e mesmo nos dias de festejos mantinham a organização de fluxo de pessoas.

As raras confusões provinham de estrangeiros — o que era bem raro suas presenças — e imediatamente contidos pela guarda e pela própria população.

Um dos costumes mais admiráveis eram os jovens, quando dotados de certa idade, serem adotados por Mestres Artesãos, passando a mais velha lição da arte que tornou os lemurianos únicos e desejados por muitos povos, mas declinados em sua maioria.

Conta-se que somente Atlantis recebeu os cuidados daquele povo, ainda dos Muvianos, antecessores dos lemurianos, e que mesmo Lemúria jamais alcançou tamanha complexidade. Essa história foi de seu conhecimento através de Shiloh, irmão mais velho de Suiya, quando ainda um aprendiz promissor. Ele também contou que a razão dos Muvianos, e depois os próprios lemurianos, declinarem fornecer seus trabalhos eram de serem povos indignos de confiança, e aquele povo prezava demais essa característica.

"Um elo fraco da corrente compromete todas as outras", pensou Ankeus para si mesmo e rindo daquilo, bebericando direto da jarra e brindando a noite. Foram as palavras de Shiloh, repetindo o ditado de seu pai, o velho Siphon.

O navegador sentia-se privilegiado por ser um dos poucos, senão raros, estrangeiros com tantos privilégios em Lemúria por seus 'serviços prestados' com caças e outras mercadorias trazidas de fora sem que comprometesse em nada aquele povo. Cogitava de, futuramente, abdicar tudo e viver ali, unicamente por um alguém.

Lembrar-se daquilo o fez respirar fundo e pesado. Olhou para Serpente Marinha em sua proa e suspirou. Foi um presente de Shiloh para ele. Lembrar-se da última vez que o viu foi dolorido para Ankeus. Estava abatido, mais magro que o comum, mas os olhos sempre sorrindo.

"Prometa que vai cuidar dela, Ankeus...", disse o jovem lemuriano meio às tosses e respiração ofegante. "Ela é uma boa garota. Prometa que cuidará dela em minha ausência. Lembre-se somente que ela é uma lemuriana, e jamais quebre o elo da corrente que os une. Uma vez quebrada, jamais será a mesma...!".

"A noite está realmente linda!", ouviu Ankeus despertando de seu devaneio, sentindo as mãos finas e delicadas sobre seu peito nu, arranhando-o de leve. Sentiu a pele quente da mulher tocar o seu, assim como os lábios que beijava seu dorso e aquilo o arrepiando, fazendo-o rir.

— Hum! Não demoraria voltar... Vim apenas verificar uma coisa...  — comentou ele bebendo mais do vinho, entrelaçando seus dedos com os dela.

— Temíamos que a tempestade de alguns dias atrás nos forçasse a adiar as festividades.  — comentou Suiya olhando para o céu estrelado.

— Se eu contar que a noite estava exatamente assim, e de repente nem vi quando ondas gigantes tentavam virar meu barco? — questionou ele, puxando-a pelas mãos para sua frente. Levantou-a para sentar-lhe no parapeito do barco.

— Eu diria que você desmaiou de tanto beber e acordou com uma onda em sua cara. — e torceu a boca para o lado enquanto guiada por ele e notando sua expressão de surpresa. — Claro, se você realmente ficasse embriagado. Só Shiloh acreditava que você ficava tão bêbado quanto ele.

Ankeus não pôde deixar de rir, sendo acompanhado pela lemuriana. A própria lembrava quando os encontrou nu na praia próximo do porto, chamando pelas nereidas com uma dança bem exótica. Lembrou-se ainda quando foi preciso ajudar Suiya a dar um banho de água fria no irmão para curá-lo de uma bebedeira antes da chegada de seu pai. Por muito pouco, não virou peça da oficina do velho artesão. Entretanto, jamais esqueceria do agradecimento do mesmo quando trouxe curandeiros de Atenas para salvar o amigo já muito doente.

— Para um navegador está muito distraído... — comentou ela, mexendo nos cabelos dele e limpando seu rosto.

— Ahn... Fica difícil não se distrair com alguém assim... — diz a olhando, vendo-a somente com uma túnica dele, mas evidenciando ainda a curva de seus seios.

— Seeeei...! — sorriu ela, levemente corada e olhando para o alto. — Apus está brilhante hoje. — disse ela, e ao perceber o olhar interrogador de seu amante, aponta em direção à estrela, pouco acima deles. — Shiloh me presenteou aquela estrela em meu último aniversário. Disse que sempre que me sentisse sozinha, poderia vê-la que ele me guiaria através dela.

Ankeus lançou um olhar ao céu, vendo tal estrela. Ao voltar-se para a jovem, percebeu o brilho em seus olhos, ela ainda fragilmente emocionada e limpando seu rosto. Imediatamente se desculpou por aquilo, sendo abraçada por seu amante. Ele a recebeu sem hesitação, mexendo em seus cabelos, beijando-a no rosto, buscando acalmá-la.

— Não se desculpe, tudo bem? Sei bem a relação que vocês dois tinham e longe de mim censurá-la num momento como esse. — disse ele buscando seus olhos. — Mas, isso é algo que me deixa curioso. Shiloh sempre conheceu bem as estrelas, motivo esse que o convidei a navegar comigo uma vez...

— Verdade...! — sorriu Suiya limpando as lágrimas. — Ele me contou que tinham combinado algo assim, e tinha ficado tão animado! — e olhou novamente para a estrela. — Disse apenas que tomaria apenas mais um trabalho. 'Será meu último trabalho!', ele disse, e partiria para viajar pelo mundo com você e disse que me arrastaria junto. — riram os dois, mas logo ela mordiscava os lábios. — Aquela Escama foi realmente seu último trabalho.

Ankeus franziu o cenho com a menção de 'Escama'. Nem mesmo percebeu quando perguntou sobre aquilo.

— Sim, uma Escama. As indumentárias dos Marinas. — ela estranhou a reação dele. — Por quê?

— N-Não, não é nada. — respondeu Ankeus tomando as mãos dela. — Curioso. Há muito não ouço falar deles. Por isso o estranhamento.

— Bom, às vezes estão por aqui em Lemúria. Geralmente Tenentes Marinas, como o que entregou a ordem ao meu pai e meu irmão se responsabilizando pelo trabalho. — ela deu os ombros. — Eu apenas acompanhei de longe. Mesmo doente ele quis fazer tudo sozinho. Não deixava meu  pai e eu ajudarmos em nada!

— Conhecendo bem Shiloh, independente de seu estado, tenho certeza que fez um trabalho excelente! — sorriu Ankeus e roubando um beijo da lemuriana à sua frente, sendo igualmente correspondido.

— A Escama foi entregue por meu pai... — comentou ela com coração apertado. — ... e nenhum agradecimento ou pesar. Pegaram o trabalho e partiram sem uma única palavra. — e olhou para o mar. Soltou um longo suspiro e olhou para a jarra que estava nas mãos dele, roubando-o e tomando um longo gole.

— Opa! Cuidado aí! Não quero virar ornamento na oficina de seu pai! — disse tomando a jarra dela, sendo ele a tomar um gole. — Não quero... como ele disse... meu rabo pregado na parede!

— Rabão! — disse ela, rindo em seguida. — O meu pai disse que tomaria o 'Rabão' de um navegador por conta da Serpente Marinha em seu barco que meu irmão fez.

— O seu pai me chama de Rabão? — indagou ele com estranheza, mas rindo em seguida com a confirmação dela. — E o que essa lemuriana me chama...? — dizia ele colocando os dois dedos sobre os dois sinais  em sua testa, típico daquele povo.

— Muitos nomes. Agora, chamo de... 'meu mestre dos mares'...! — sussurrou, sendo tomada nos braços novamente por ele.

Enquanto descia de volta, ouviu algo bater no casco do barco, fazendo-o voltar por alguns instantes, mas desistiu quando Suiya perguntou o que era e ele nada disse, senão levando-a volta à cabine de seu barco, onde se amariam mais uma vez até antes do amanhecer.

Não faltava muito para amanhecer, mas Suiya deixou o Ankeus em seu barco e voltando para casa antes do fim dos festejos. Não queria entrar em conflito com seu pai. Por mais que ambos desconfiassem que o velho artesão sabia do envolvimento dos dois, queria evitar qualquer problema para a jovem. Acompanhou-a somente até a entrada do porto e a deixou ir.

Retornou ao barco cismado com o barulho ouvido durante a noite, mas nada tinha encontrado. Havia somente um trabalho iniciado por Oclis, sendo possível material deixado pelo velho — o que era muito improvável. Mergulhou nas águas e buscou algo mais ao fundo, encontrando apenas os corais cobrindo os danos mais profundos no casco, mas nada havia além disso.

Quando de volta ao barco, fez mais uma busca, encontrando apenas alguns barris caídos, provável causa do barulho. Após arrumar tudo, prendendo-os com uma corda, optou por andar pela praia próxima dali, movida pelas memórias de Suiya algumas horas antes.

As praias de Lemúria tinham uma particularidade. Era sua areia rosada, pigmentada pelos restos de corais que foram triturados e levados em pedaços minúsculos pelas ondas, entrando em contraste com as pedras brancas redondas e lisas. Algumas destas eram planas, tomadas pelo Ankeus e arremessada na água, vendo-a deslizar metros e metros à frente até perder força e afundar. Caminhava com os pés nus na orla, vendo as águas brilhantes como se fosses 'estrelas marítimas' pelos incontáveis pontos brilhantes pelos fitoplâncton.

"Ainda guardo comigo a imagem de vocês dois dançando na praia com jarra de vinho em mãos, completamente nus e chamando pelas nereidas... VENHAM MINHAS NINFAS DOS MARES!", lembrou Suiya, fazendo Ankeus rir, acabando por se ver naquela areia, correndo com Shiloh. Era realmente nostálgico.

Trazia ainda em mãos a jarra de vinho, bebendo o último gole e brindando ao velho amigo antes de lançá-la ao mar, já ganhando as cores do amanhecer.

Cruzou os braços frente ao peito quando pressentiu algo, igualmente quando despertou no barco meio aos fogos e deixando Suiya a subir para o convés. Virou em direção daquela sensação estranha e encontrando uma jovem debruçada nas pedras observando-o com um sorriso enigmático.

Ela tinha os cabelos longos ondulados rosados como as areias daquela praia e fios mais escuros em mesmo tom caindo frente ao corpo. Os seus olhos eram amendoados e num róseo penetrante.

— Não vi que tinha mais alguém aqui... — comentou ele olhando-a com desconfiança. — Não são muitos que vem à essa praia.

— Não? — perguntou ela arqueando o semblante, mas mantendo a posição de um braço apoiando a cabeça e o outro deitado sobre a pedra. — Curioso. É uma praia muito bonita, com uma bela paisagem...

— Lendas. — comentou Ankeus, ainda a observando. — Os lemurianos não vem aqui por conta das histórias que contam. Eles são um tanto... supersticiosos.

— Entendo... — e seus olhos estudavam Ankeus por um todo, e aquilo parecia agradá-la. — E você não tem medo de andar por um lugar assim... tão perigoso... e sozinho?

 Ankeus sorriu com aquela pergunta, percebendo a malícia naquela voz aveludada.

— Não, não tenho porquê sentir medo. Não sou tão supersticioso assim. Agora... — se voltou para ela, caminhando para mais perto, sentindo as ondas baterem em seus pés. — O que uma mulher faz aqui, sozinha nessa praia... 'perigosa'? Certamente, não é daqui.

A mulher estava debruçada sobre algumas das 'pedras-bolas' gigantes que ficavam próximo da orla, lapidadas pelas ondas do mar. Algumas eram até rachadas como se fossem ovos chocados. Por conta de seu formato eram exatamente como ovos e ali era chamado de 'Ninho Rochoso'.

Eram dezenas delas agrupadas, outras pouco mais afastadas. Havia muitos fragmentos de algumas já rachadas, tornando perigosos por muitas estarem pontiagudas. Ankeus tomava o devido cuidado, uma vez que estava descalço.

— Oh! É tão evidente assim? — indagou ela descendo o braços e curvando-se pouco mais para frente, deixando as curvas dos seios mais expostas  entre as mechas de seu cabelo. — Será pela ausência de meus sinais...? — e levantou um pouco somente a franja.

— Não... Não por isso. — comentou ele tornando seu semblante mais sério.

Num rápido movimento segurou o que parecia uma serpente marinha, sendo esta maior e com presas bem afiadas. Outra viria dar o bote, mas conseguiu esquivar-se após golpeá-la com os pés chutando-a para o lado, abrindo espaço para saltar para longe.

A mulher apenas observava de modo blasé. As duas serpentes o circundavam nas águas, observando o navegador que caiu sobre uma das pedras, alerta contra nova investida. Ele as viu ainda submersas, suas sombras, mas não eram as únicas.

— Quem é ou o que é você? — indagava, alternando seu olhar daquelas criaturas para a mulher.

— Por que não se aproxima para que possamos conversar? — chamava-o com a ponta dos dedos. — Prometo quer elas não lhe farão mal.

— Não me subestime... — sorriu Ankeus em escárnio. — Não sou esses pobre marinheiros que se encanta tão facilmente.

— Claro que não. É Ankeus, timoneiro da lendária Argo que cruzou os mares, chamado de 'Mestre dos Mares'. — disse ela mantendo a calma em sua voz e sem desviar o olhar, percebendo a surpresa de Ankeus. — Longe de mim subestimá-lo.

Uma ligeira distração, e Ankeus percebeu algo prender em seus pés e puxá-lo para o alto. Era um tentáculo que muito lembrava de um polvo. Ele tentou içar o corpo, mas uma das serpentes envolveu seu braço e outra colocou-se bem frente ao seu rosto de modo a intimidá-lo.

Agora era a vez da mulher levantar-se das pedras e mostrar um corpo que fez Ankeus arregalar os olhos. De sua cintura seguia escamas e uma dúzia de tentáculos que a ajudavam a se mover sobre as pedras sem qualquer dificuldade. Alguns destes mesmo tentáculos surgiam extensões das serpentes que o prendia, havendo outras delas às suas costas como se esperasse suas ordens.

— Que nojo! — disse com a voz nauseante, tomando a mulher com surpresa que virou a cabeça para melhor ouvi-lo. — Não é de se admirar que se esconda atrás de pedras e rochedos... — dizia ainda de ponta cabeça, tentando se soltar. — Mas aviso que não é assim que vai conseguir um homem, sabia?

Os olhos da mulher se arregalaram, tornando-se duas orbes negra. As serpentes que estavam às suas costas, abriram ainda mais suas bocas com grandes presas como que assustados com a mulher, encolhendo-se pouco mais atrás dela. Até mesmo a serpente envolto de seu braço se voltou para a mulher que tinha suas feições drasticamente alteradas, tonando a sua pele mais grossa e mais saliência de sua pele para o alto da cabeça.

— Ops! Acho que falei demais... — comentou Ankeus observando aquela transformação.

Aproveitou que aquela serpente distraiu-se e a segurou com sua outra mão, próximo o bastante de sua cabeça para evitar um bote. O marinheiro percebeu que o braço da estranha mulher mudou, e que seus dedos se alongaram, tomando a forma de punhais afiados. Viu as serpentes avançarem contra ele, segundo o comando dela, e conseguiu, em um engodo, fazer com que uma das feras atingisse aquela que o segurava.

Sua tática fez com que o animal o soltasse, enquanto outro tentou atacá-lo, sem sucesso. Em uma nova investida, Ankeus moveu-se de tal modo que a criatura terminou por morder os tentáculos que ainda o seguravam, fazendo-o ir ao chão.

— VOU FAZÊ-LO ENGOLIR SUAS PALAVRAS, MARINHEIRO! — grunhiu ela. Elevou seus tentáculos que usava de pés para golpeá-lo ainda no chão.

Ankeus percebeu a sombra e jogou o corpo de um lado para o outro fugindo dos golpes que abria uma vala na areia. Quando viu duas pronta para golpeá-lo. Precisou agir rápido, deixando as garras de sua mão crescerem para então rasgá-las quando desceram sobre ele, lavando seu corpo em sangue enegrecido, fazendo-o praguejar mentalmente. Aquilo foi o suficiente para fazê-la recuar, oferecendo a oportunidade perfeita para ele se levantar.

Ele limpava o rosto sujo com o sangue quando percebeu a praia ser tomada por uma neblina. Não mais via a água ou mesmo o mar ou as pedras ou mesmo seus pés. Estava totalmente às cegas. "Isso não é bom...", pensou ele redobrando seus sentidos e apenas observando a silhueta dela mover-se. Ouviu rosnados, mas não avistava qualquer cão ou lobo nas proximidades.

"Isso pode ser uma ilusão dessa névoa. Ela está tentando me confundir", pensava ele, tentando manter seu foco. "O que está acontecendo comigo...? Sinto meu corpo... pesado...!", pensava, olhando para o corpo sujo de sangue.

— Huhuhu! Não será assim tão Ágil... — dizia ela, com sua voz ainda alterada. — Agora darei um jeito nessa sua língua!

Ankeus recuou um passo, tentando remover o máximo daquele sangue que mais parecia uma gosma quando sentiu algo aproximar-se, conseguindo desviar daquele tentáculo.

Era uma distração para que aquela maldita serpente envolvesse em seu corpo e o pressionasse fazendo-o vomitar sangue. Prendia seus braços junto ao corpo e trazendo para junto dela. Ele trincava os dentes, deixando o sangue ganhar seu queixo e descer por seu pescoço, olhando aquela mulher com grande raiva.

— Acho que acabei por superestimá-lo no fim das contas. Não é tudo isso que dizem. — comentou ela com um sorriso de canto e tocando seu queixo com a ponta dos dedos. Ele, por sua vez, desenhou um sorriso sarcástico.

— Ao menos não preciso esconder minha monstruosidade atrás de rochedos numa praia deserta. — comentou ele, mesmo sentindo a pressão daquela serpente contra seu corpo.

Aquelas palavras a irritaram ainda mais, e Ankeus ouviu novamente aqueles rosnados e percebendo protuberâncias nascer em sua cintura, com olhos brilhando para ele e uma boca cheia de dentes e baba.  Uma cabeça de cão surgiu de sua cintura, seguida de outro e mais outro, observando-o a espera de uma única ordem.

— Vou deixá-los que devorem sua carne... membro a membro... a ter suplicar por sua morte...! — dizia ela e ordenando os cães a fazerem o trabalho, mas havia algo estranho que fez os cães recuarem, mas ladrarem e rosnar diante do ex-timoneiro.

O seu corpo emanava um poderoso Cosmo, da qual aquela mulher sentia sua serpente debater-se como se fosse queimada, tornando-se cinzas ao longo de seu corpo, e ela sentia uma dor igualmente lancinante por aquilo. Ainda assim ordenou que seus cães o atacassem, mas somente viu uma nuvem de sangue quando o marinheiro os golpeou com suas garras, 'voando' para trás num salto e caindo na areia, abrindo caminho naquele nevoeiro.

Os seus olhos reluziam num vermelho intenso e sua respiração era ofegante. Outras serpentes avançaram contra ele e Ankeus avançou contra elas, rasgando as mesmas.

A sua forma, nesse instante, estava longe de ser de um humano, mas de um monstro que avançava contra aquela mulher que o olhava espantado, vendo suas presas sobre ela. Os seus tentáculos ofereceram força suficiente para saltar, deixando aquele monstro abrir um buraco no chão. Era novamente ele em sua forma humana, mas com seus olhos reluzentes e seu cosmo ainda envolta de seu corpo.

— Interessante...! — disse a mulher abrindo um largo sorriso enquanto retraia os cães de volta ao seu corpo. As suas mãos crescerem exponencialmente. Avançou novamente contra Ankeus na tentativa de apanhá-lo e vendo-o esquivar-se para o lado num salto. — Tolo...!

O ex-argo sentiu apenas um violento golpe atingir seu corpo e ser lançado contra as pedras, abrindo um caminho entre elas. Nem bem se levantou quando sentiu novamente os tentáculos comprimirem seu corpo.

— Acabou, dragãozinho...! — dizia a mulher arregalando os olhos quando sentiu uma rajada contra seu tentáculo e lançar Ankeus de volta ao chão.

— JÁ CHEGA, SCYLLA! — gritou alguém no nevoeiro, sobre uma das pedras, próximo de onde o timoneiro havia caído, ainda desnorteado. — As ordens foram bem claras para que fosse levado vivo! — e a figura viu a mulher hesitar. — Deseja despertar sua fúria, Scylla? Lembre-se a quem deve sua lealdade!

Por fim, ela cedeu. O nevoeiro que tomava a praia desaparecia, auxiliado pelos primeiros raios de sol que chegavam à praia. A imagem de Scylla, a besta que atacava Ankeus, deu lugar a mesma mulher antes debruçada sobre as pedras, mas com pernas humanas.

Vestia uma indumentária em um tom dourado e cobre em placas sobrepostas que lembravam escamas. Em suas braçadeiras, havia garras e às suas costas algo que mais lembrava asas recolhidas. Aproximava a passos graciosos, parando alguns metros do navegador e levando uma a mão à cintura, com um saiote de tecido até altura da coxa.

— Não pretendia matá-lo, se é o que pensa, Hippos. — respondeu ela de maneira cínica.

— Claro que não. — respondeu ele com ceticismo.

Revelou-se um homem imponente com uma indumentária como de Scylla, mas mais fechado no tronco e com um saiote metálico até altura das coxas. As duas placas  pouco acima do peito prendiam a capa que esvoaçava com a brisa que tomava a praia. Ele removeu o elmo, revalando longos cabelos castanhos. Os seus olhos eram mais fechados e pupilas pequenas. Estava para dar às costas após a ordem de levá-lo quando ouviu navegador reclamar.

— Q-Quem são vocês...? — dizia ele se levantando, ofegante, com muitas escoriações e ferimentos pelo corpo, sujo de seu sangue e dos tentáculos de Scylla.

— Ele ainda consegue ficar de pé? — ela arqueou o semblante. — É mais resistente do que imaginei.

— Eu não vou... a lugar nenhum... com vocês... — dizia já emanando seu cosmo, mas sentiu algo bem próximo aos seus pés, como se algo concentra-se ali e envolvendo imediatamente seu corpo. — O que... é isso...? E-Eu... Eu não consigo me mover...!

— Não estou pedindo que nos acompanhe. — disse Hippos com um semblante sério. Cruzou os braços para baixo e os elevou em seguida e abrindo-os fazendo um círculo. — Se não for bem, irá sob a minha ordem!

As águas do mar pareciam reagir à vontade daquele homem, abrindo-se às suas costas. Logo a brisa ganhou uma forte corrente, envolvendo o corpo de Ankeus. Hippos ergueu seu braço e a corrente ganhou ainda mais força até tomar a forma de um redemoinho. A pressão sentida pelo navegador era igualmente quando desviava seu barco meio à tempestade no mar. O seu corpo foi lançado ao alto e depois caindo violentamente na água.

— Leve-o. Não faça nada contra ele, Scylla! — pontuou ele, para o desagrado da mulher.

Hippos ficou apenas a observá-la e depois olhando para em direção de onde seria a cidade e puxando sua capa, desaparecendo no mar.

〰〰〰〰 oOo 〰〰〰〰

O som das gotas ecoavam no ambiente, acabando por despertar Ankeus que apertava os olhos em relutância. A última coisa da qual se lembrava era de ser jogado para o alto e contra o 'chão' d'água. Foi como sentir cada osso de seu corpo se quebrando como vidro. Ainda se sentia dolorido. Bem mais que isso, em sua mente ainda havia serpentes, tentáculos e cães, e tudo isso no corpo de uma mulher.

Era muita informação para pouco tempo. Aquilo não podia ser verdade. Provavelmente era um delírio causado pelo álcool de todos aqueles dias, navegando e bebendo vinho sem parar. Só porque roubou a jarra de vinho que os Gêmeos estavam guardando para o próximo butim.

"Maldito seja... Pollux...! Maldito seja esse seu vinho...!", pensava alto quando puxava os braços para se levantar. Arregalou seus olhos e contraiu a íris naquele mesmo instante.

— M-Mas... O QUÊ...?! — exclamou ele, olhando tudo com perplexidade.

Ankeus se viu dentro de uma câmara, com chão de terra como areias de uma praia. As paredes eram grande blocos rochosos, onde as lacunas eram imensas 'janelas d'água' do oceano. Havia ainda inúmeras algas ornamentando o lugar com grandes conchas e pérolas brilhantes. A porta era aberta, sendo um arco contracurvado e ornamentada com pedras decorativas douradas em ouro envelhecido, datando uma construção secular.

Caminhou desconfiado, esticando o braço e percebendo-o livre de cortes e escoriações de sua luta. Levou a mão ao rosto e ao corpo, buscando ferimentos. Não havia nenhum, somente suas vestes rasgadas e ainda sujas com seu sangue, mas já seco. E mesmo assim, olhou para os pés em busca de correntes que o prendessem ali, mas estava livre, o que deixava-o ainda mais confuso. Na entrada, nenhum guarda ou qualquer alguém a vigiá-lo.

"Mas que lugar é esse?!", ele se perguntava, saindo para um grande corredor de terra e ornamentos ao centro com pedras douradas como adornavam o arco da porta. Ankeus olhava tudo aquilo curioso, caminhando desconfiado. Parou somente quando diante de mais uma daquelas janelas e buscando observar onde estava, e surpreendeu-se com o que viu.

— Sr. Ankeus? — chamou alguém, sendo uma jovem de madeixas douradas, de uma beleza incomum. Lábios volumosos e olhos azulados. Usava uma indumentária num ouro rosado e escamado que desenhava valorizando as curvas de seu corpo. A sobrepele era escamada num prateado no abdômen e nas pernas, e parte dos braços onde havia a braçadeira.  — Sou Ligeia, a Sereia. Por favor, queira me acompanhar.

Ankeus a olhou intrigado, assim como pela janela, mas obedecendo quase que pela doce sonoridade de sua voz. Seguiu-a ainda por aquele corredor, subindo alguns degraus para outra câmara onde aguardou atrás da jovem até que uma espécie de película transparente surgisse, fazendo-os subir e levá-los ao pavimento superior.

A viagem foi ligeiramente rápida, com o nauta subindo num corredor vertical como num túnel d'água. Uma vez na superfície, uma carruagem com hipocampos o aguardava, mas ele parecia mais impressionado com a cidade.

— Atlantis. — respondeu ela como se lesse seus pensamentos. — Estamos em Atlantis, no distrito de Blue Graad.  — e guiou um Ankeus atônito até à carruagem, passeando por corredores e pontes em mármore branco.

Seguiu a viagem calado, contemplando aquele lugar. Atlantis, muito lembrava Lemúria, sendo ainda mais rica e imponente, com um brilho singular. Todos os prédios seguiam um único estilo, os mesmos adornos dourados em suas entradas, cascatas em cada um de seus pavimentos e bustos das divindades dos mares que Ankeus pôde reconhecer ao longo da viagem. 

Despertou quando sentiu a carruagem de hipocampos parar diante de um templo e dele sair seis jovens, gêmeas univitelinas — cabelos platinados  e cacheados presos de lado e corpos esguios vestidos com quitons aperolados entre verde, azul e rosado. Todas o reverenciaram.

— As ninfas o ajudarão com o banho e as vestimentas. Voltarei para apanhá-lo quando estiver pronto, Sr. Ankeus. — disse a mulher curvando-se em respeito.

— Espere! — chamou Ankeus. — O que é tudo isso?

— Deve estar apresentável para a formalidade junto ao Grande Templo. — disse a Sereia, sem mais a dizer e deixando-o por conta das ninfas, levando-o para o interior do templo.

Um banho quente e perfumado havia sido preparado e Ankeus despido pelas ninfas. Ainda foram removido sangue seco do cabelo, ouvido e das unhas, realizando uma higienização completa. Medidas foram tomadas de seu corpo para que vestimentas o cobrissem adequadamente.

Foi vestido por um quiton longo em linho puro, com fios de ouro na barra. Nos ombros, fíbulas de conchas em ouro e pérola. Uma clâmide vinho com uma faixa branca foi vestida por último, deixando um caimento para a esquerda e deixando o braço direito livre, o mesmo adornado com um bracelete de oricalco e ouro, combinado a anéis.

Uma refeição havia sido posta, mas intocada por ele. Havia frutas, lampréias assadas em postas banhado no azeite, camarões e outros frutos do mar, além de um bom vinho que seu perfume estava convidativo. Porém, declinou quando oferecido. A sua mente estava trabalhando demais naquele momento, buscando compreender o que era tudo aquilo.

Caminhou para a varanda do quarto onde estava, observando toda aquela cidade ainda espantado.

"Atlantis foi das últimas construções dos Muvianos, tornando-se uma terra protegida pelos deuses. Por toda a cidade verá colossos e bustos dedicados aos seus governantes do passados, divindades... A sua localização é impossível para qualquer humano senão se for da vontade de seu deus soberano", disse Shiloh contando uma de muitas histórias dos Muvianos, e ele agora estava ali, contemplando aquela beleza.

Ouviu alguém chamá-lo às suas costas e viu a Sereia, que o guiara até ali chamando-o novamente com aquela sua doce e encantadora voz, para acompanhá-lo.

A carruagem que seguiriam agora era maior e mais luxuosa, com dois hipocampos e guardas Marinas a escoltá-los. Ankeus olhava aquilo parado junto à entrada do templo, ainda muito desconfiado por toda aquela formalidade.

— Seguiremos para o Grande Templo, onde todos os aguardam, Sr. Ankeus. — disse ela o fitando e esticando o braço para que ele a acompanhasse na carruagem, uma biga em prata e Ouro, com ornamentos que lembravam as ondas do mar.

— Não até me explicar o que está acontecendo e porquê de tudo isso! — disse em tom incisivo.

— Não sei muito, mas posso falar o que sei. — e o convidou novamente, com sua voz ainda mais doce, fazendo-o ceder e acompanhá-la.

Não havia muito a ser dito, apenas de que ela recebera ordens de cuidá-lo e guiá-lo ao Templo Branco, o maior de todos de Atlantis, localizado onde a Sereia chamou de Santuário Marinho. Conforme a carruagem cruzava ruas fechadas da cidade, distraiu Ankeus de outras perguntas.

A beleza em cada detalhe, além de muitos símbolos antigos numa língua que deveria ser desconhecida para o navegador, eram facilmente interpretadas, acabando por surpreendê-lo. E por mais intrigado que estivesse, sentia-se em casa, como não se sentia nem mesmo na ilha de Parthenia, sua terra-natal.

O último caminho foi aquele que mais chamou sua atenção, cruzando uma ponte onde dois dos quatro Marinas ficaram a cuidar da entrada da ponte. Outros dois ficaram à próximos de um grande portal, onde em sua entrada era ornamentada com um arco redondo simulado por ondas, e ao centro desta estar um grande tridente dourado. Ankeus olhou aquilo ainda mais encantado. "O Templo Branco... é a residência de...", e arregalou os olhos engolindo a seco. A Sereia ao seu lado apenas observava sua reação, em silêncio.

Era uma ágora espaçosa, cercada por imensas colunas brancas, conectadas entre si sobre aquedutos. Nas beiradas, fontes jorravam águas de esculturas em formas de peixes e mulheres graciosas, alimentadas também pelas suaves cortinas de água que caiam dos canais suspensos. Flores aquáticas decoravam o perímetro, em guirlandas e trançados elaborados, espalhados pela arquitetura do local. No chão, dois breves degraus os deixava em um suave desnível circular, que ficava defronte a um corredor, cuja passagem levava a uma escadaria direta para o prédio mais a frente.

Havia grande presença de Marinas. Por suas indumentárias, Ankeus reconheceria suas patentes, separando soldados de Tenentes e Comandantes como a Sereia que, agora, o instruía seguir pelas escadarias do templo onde pararam com a carruagem.

A guarda fez sua reverência ao timoneiro que teve sua passagem aberta pelos Tenentes. Perguntou-se por um momento do porquê eles prestariam tanto respeito a um desconhecido como ele.

Saiu em uma grande sala com teto que lembrava a superfície do mar. Outra escadaria o aguardava, e nela encontrou seis imponentes figuras com suas indumentárias sagradas, reconhecendo Hippos e Scylla, além de outros quatro que tinham seus rostos cobertos por seus elmos. Mantinham-se três de cada lado ao longo da subida.

No plano mais alto sete enormes pilastras guardavam bustos de criaturas lendárias dos mares, sendo ao centro o colosso imponente do Imperador dos Mares empunhando seu tridente e cercado de hipocampos.

Uma forte luz recaiu sobre a figura, fazendo todos os seis Marinas ali presente removessem seus elmos e se ajoelhassem. O próprio Ankeus sentiu uma presença esmagadora, percebendo a aproximação de alguém que o fez curvar-se admirado. Ainda não acreditava naquele que estava diante dele.

— Finalmente está de volta. O último de meus filhos... Ankeus, o Dragão Marinho!


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