Saint Seiya - Ankheus: O Guardião dos Mares escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 2
O Mestre dos Mares




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O mar finalmente havia se acalmado após dias turbulentos em virtude de uma intensa tempestade. As ondas havia se tornado violentas de um momento para o outro, deixando Ankeus sem direção, simplesmente à deriva. Enquanto buscava contornar as ondas, como se estas estivessem a jogar com ele, conseguiu manter-se firme até que um choque o fez bater de cabeça no mastro e fazendo-o desmaiar.

Quanto tempo havia ficado desacordado, não fazia a menor ideia. Estava tudo tão escuro que nem bem sabia se era dia ou noite quando foi engolido meio àquela tempestade. Como alguns diziam, foi puxado para o olho do grande tornado. Agora, os raios de sol queimavam sua face e as jarras vazias de vinho, das poucas resistentes, chocavam contra sua cabeça no vai e vem do barco. Aliás, nem mesmo imaginava que sua embarcação poderia suportar tanto.

Levantou-se desnorteado, praticamente engatinhando até o timão, com alguma dificuldade, que estava a mover-se de um lado a outro. Apoiou-se no mesmo, mas foi direto ao chão batendo de cara no desnível e xingando alto. Não bastava aquela terrível enxaqueca, aquilo agravou ainda mais sua confusão mental. Socou o chão e abriu quase um buraco, fazendo-o xingar novamente por sua tamanha estupidez e pela falta de medição de força de seu punho. "Maldito vinho...!", pensou ele finalmente tomando o timão e buscando orientação.

— Água... água... e água...! — dizia rouco para si mesmo coçando os olhos levemente avermelhados naquele cor de mel quase sempre escondido por baixo das madeixas cor de vinho que desciam até pouco abaixo dos ombros. — Claro que só tem água, seu idiota... Está em mar aberto, sabe-se lá onde... — e riu, sentindo ainda o gosto amargo na boca. — Em mar aberto... Que maravilha, Ankeus. QUE MARAVILHA, SEU FILHO DA... ! — e parou de gritar, levando a mão à cabeça.

Tentava olhar para o céu, limpo e sem nuvens, tão diferente do dia anterior. Não havia uma única ave no céu, o que indicava estar longe demais de terra firme. Ficara a deriva por tempo demais. Mesmo ele que conhecia tão bem àquelas águas não ousava subestimá-la. Ainda assim, girou seu timão irado e o soltou, caminhando pelo barco e encontrando uma jarra de vinho pela metade que cruzava seu caminho. Deu de ombros e tomou um longo gole. Não estava ruim.

Apoiou-se no parapeito da embarcação, curvando o corpo suficiente para frente e observando as águas azuis, num tom bem mais escuro que a de alguns dias antes. "Fundo demais...!", pensava ele, mantendo seus olhos atentos e sua mão tocando as águas, mantendo-a assim, parada. Queria sentir o fluxo das ondas, estudar sua direção. Observou bem as correntes e olhou na direção delas. Sabia para onde ir.

Piscou ao perceber uma grande sombra ganhar o fundo de seu barco. Viu apenas sua cauda. Piscou, balançando a cabeça. Ainda estava confuso demais e já se preparava para subir quando sentiu o barco balançar, quase desequilibrando-o, mas conseguindo se manter.

Olhou novamente aquela sombra se aproximar e a grande barbatana novamente afundar, já indicando Ankeus quem estava a espreitá-lo. Nem bem teve tempo de se levantar e um novo solavanco aconteceu e, desta vez, empurrando para aquelas águas frias.

Ankeus não emergiu de imediato, pois acabou nadando para baixo do barco por estar muito desnorteado. Por muito pouco a primeira investida daquele predador não o abocanhou, mas o fez bater a cabeça no casco do barco quando tentou se esquivar e rasgando sua blusa pela barbatana da criatura.

Deixou seu corpo 'pesar' e afundar mais para não ficar tão limitado, sendo observado de longe pelo enorme tubarão que estava a nadar, sem se afastar demais, mas estudando-o. Ele bem sabia que não seria uma presa fácil e muito menos Ankeus facilitaria. Poderia estar com forte enxaqueca, mas não seria suficiente para se deixar ser pego tão facilmente.

Como um dos timoneiros da lendária Argo, Ankeus mantinha bem a sua mente analítica tomando cuidado com os perigos escondidos no mar, algo da qual ele jamais temeu. Quando na água, era como se tornasse um, jamais se intimidando com as criaturas que ali existiam, muito pelo contrário. Nos momentos mais tranquilos das viagens era um contador de histórias para seus companheiros, e mal sabiam eles que era o próprio Ankeus o grande pivô daquelas proezas.

Se havia algo de fato que era ele  a manter as criaturas marinhas distantes, não sabia, apenas que aquele tubarão em especial não parecia intimidado com o marinheiro. Continuava a espreitá-lo e Ankeus o observava, estudava tão bem seus movimentos quanto ele, conseguindo esquivar-se de suas investidas. Não estava temeroso, mas sabia que um movimento falso seria facilmente rasgado como um trapo velho por aquela fileira de dentes que mais pareciam lâminas. Naquela última investida, nadou ainda mais para o fundo, e com espaço suficiente para seu maior propósito.

A criatura, maior do que outros tubarões que Ankeus já tinha visto, parecia preparar-se para o bote final. O seu nado contra o timoneiro foi ágil, e este nem parecia se mover, apenas esperá-lo com um sorriso vil que ia se desenhando em sua face a cada aproximação ao seu predador.  Os seus olhos brilharam quase como chamas, avançando contra a criatura, numa agilidade ainda maior.

Uma onda atingiu a lateral da embarcação, quase a virá-la se outra, no lado oposto também não se chocasse e a equilibrando naquela turbulência marinha. As águas azuis foram tingidas de um vermelho, surgindo por baixo do barco e se espalhando à sua volta, ilhando-a em contraste com o resto do mar e borbulhando.

De repente, algo parecia emergir e saltar. Era Ankeus cair de pé na popa da embarcação com seu corpo tomado de água e sangue que escorria de sua pele escamada, mas que pouco a pouco desaparecia até voltar a sua textura anterior. Em suas mãos, avermelhadas, trazia uma carcaça que foi simplesmente deixada de lado. Limpou a face dos cabelos cor de vinho, agora ainda mais vermelhos, para trás e alongando os braços.

— Nada como um banho de mar para curar uma ressaca...! — espreguiçou, tomando novamente o leme. Sabia agora, exatamente, que caminho seguir.


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Os passos no salão ecoavam ritmados, quase como uma marcha. Uma jovem seguia na frente, trazendo consigo uma urna decorada em marfim e fios de ouro cuidadosamente segurado como se fosse uma joia.

Ela tinha os cabelos num castanho escuro e penteados para trás, mas com uma mecha repicada para a direita e uma mecha de trança à esquerda em seu rosto alongado. Atrás, o cabelo era preso em sua própria trança e caindo ondulados sobre os ombros e costas, sendo visíveis algumas tranças adornada com fios coloridos e fechando com miçangas entre azul, amarelo e marrom. As suas vestimentas eram uma túnica branca presa nos ombros,  acompanhada de um lenço verde-água como parte do vestido descendo cruzado pelo busto e cintura, e o excesso caindo pela lateral como parte do próprio vestido.

Por muito pouco tropeçou, conseguindo se equilibrar e chamando a atenção daquele que a acompanhava. Estava tentando mostrar-se calma, mesmo sendo aquele o seu primeiro trabalho no ofício da família.

Ao seu lado estava um homem mais velho, de expressão dura e olhar firme que recaiu sobre a jovem após seu leve vacilo, mas não a repreendeu. Ele tinha os cabelos longos e liso num corte reto e preso à altura da nuca por um prendedor metálico prateado, tal como a tonalidade de suas madeixas. A face menos alongada mostrava uma barba raspada, mas deixando uma área circular perfeita próxima aos lábios. Usava uma camisa de manga pouco abaixo dos cotovelos num amarelo desbotado e um manto envolvendo o pescoço e caindo à esquerda do corpo, preso à cintura pela amarra da própria blusa descendo até pouco abaixo dos joelhos. A calça era escura e usava sandálias de amarras. Seu porte era ereto, seguro de si, curvando-se somente quando diante das figuras reais ali presentes.

— Majestade! — disse o mais velho levando a mão direita, sempre enfaixada, sobre o peito e curvando-se em respeito. — Coloco-me em vossa presença para entregar, o que foi encomendado a mim, à jovem princesa Nysa. — e abriu espaço para a jovem ao seu lado que trazia uma urna.

Os dois monarcas abriram concessão para a jovem artesã se aproximar, assim como para a princesa ansiosa que fazia menção de se levantar e sendo permitida. Ela controlava a respiração pela ansiedade, assim como daquela que esticava seu braço para 'entregar' o presente encomendado. No entanto, mais serviu como apoio para que a princesa abrisse, cuidadosamente a caixa ainda nas mãos da outra garota, afastando a seda que envolvia tal objeto e exclamando ao ver do que se tratava.

O velho homem tomou aquilo como agrado. Foi ele quem removeu o objeto em mãos, revelando um belo bracelete dourado com uma pedra vermelha e pedindo permissão para que pudesse colocar no braço da princesa que tremia emocionada. A própria afastou os cabelos loiros, cheios e volumosos, que caiam em grandes ondas. Ao observar o objeto em seu braço, olhou para os pais exibindo-o orgulhosa

— Um trabalho maravilhoso, Sr. Siphon. Não poderia esperar menos de sua pessoa, apesar dos pesares. — comentou o rei, um homem de cabelos e barbas prateadas bem escovados e alinhados, observando a felicidade de sua filha.

— Agradeço pelo lisonjeio, majestade. — disse o velho homem se curvando em agradecimento, mas logo se colocando ereto novamente. — No entanto, os elogios são unicamente para minha filha Suiya... — e abriu espaço para a jovem que fechava a urna e trazendo mais para junto de seu corpo. — Foi ela quem assumiu todo o trabalho para criar o presente de aniversário de Vossa Alteza.

— Vejo que sua filha herdou seu grande talento, Sr. Siphon. — respondeu a rainha com um sorriso sereno. Ela tinha os cabelos igualmente platinados, mas cheios como da filha, mas invés de tranças, eram cachos caindo para frente. — O que achou, Nysa?

— É lindo! — disse olhando o bracelete, movendo o braço como se quisesse ver algo a mais. — E tão leve...! O que é essa pedra vermelha? — indagou a princesa olhando para ourives.

— Berilo, vossa Alteza. — respondeu Suiya prontamente. — Sei que aprecia demais a joia. Tomei a liberdade de adorná-lo no bracelete com liga de ouro e oricalco, permitindo leveza sem interferir nos movimentos. Peço perdão por usar a pedra sem a devida permissão, mas...

O uso de berilo foi a maior surpresa, pois era uma pedra rara encontrada apenas em Lemúria. Como ourives oficial, o pai de Suiya era o guardião daquela joia onde apenas sob a permissão da família real poderia ter parte sua lapidada para uso exclusivo dos governantes, descendentes diretos de Mu, sendo aquela joia a única relíquia remanescente daquele continente perdido.

— Responsabilizo-me por isso, Majestade. — respondeu seu pai de imediato. — Sei que para o uso de berilo é restrito, mas se tratando de uma peça real, abri uma exceção para este caso. Peço perdão por minha ousadia.

— Não há porquê se desculpar, Sr. Siphon. — disse o rei levantando a mão. — Tive conhecimento, mas confio o bastante em sua integridade para haver qualquer dúvida de sua idoneidade.

— Obrigado por vossa confiança, majestade. — curvou-se em agradecimento.

Um sinal foi feito pelo rei e o bracelete foi removido do braço da princesa, apesar de seu pedido de ficar pouco mais com ele. Porém, o mesmo somente seria usado em sua festa de 16 anos, o que aconteceria em algumas semanas.

Uma vez guardados por Siphon, ele já estava para se retirar quando foi pedido a permanecer pelo rei para alguns novos serviços como um ourives do reino. Em contrapartida, Nysa puxou Suiya para seus aposentos, uma vez que também era sua dama de companhia.

Suiya foi arrastada pela princesa de seus aposentos para jardim de sua varanda. Estava eufórica com o presente.

— Obrigado pelo meu presente, Suiya. — dizia a princesa enquanto as duas caminhavam pelo jardim. — Fiquei tão feliz que, por um instante, fui egoísta demais para perguntar como estava. Não desmerecendo o que fez, mas lamento que tenham exigido algo assim a você e seu pai num momento como esse.

A jovem de cabelos castanhos não mantinha a cabeça baixa, e mesmo que tivesse um olhar triste, ainda estava a sorrir para a amiga e agradecendo pela sua condolência naquele momento.

— Não há pelo que se desculpar. — comentou a jovem ourives buscando manter a voz firme, mas levemente embargada. — Ajudou a manter a minha mente e de meu pai ocupada. Se mesmo ele trabalhou arduamente doente, não tinha porquê paramos, pelo contrário. Foi quando realmente precisamos fazer algo pensando nele. — e sorriu com os olhos para a amiga. — Que bom que gostou. Fiquei receosa que não gostasse.

— Achei lindo! Depois de meu aniversário, nunca mais vou tirá-lo, somente para presentear meus filhos, e eles aos seus filhos, e filhos de seus filhos... — dizia e as duas rindo daquilo, mas foi Nysa a ficar triste. — Mas, soube que deixará o palácio.

— Sim. Ficarei a ajudar meu pai na Ordem. Mesmo que ele tenha terminado o seu trabalho, há muitos outros a serem feitos e não quero deixar meu pai sozinho no momento como esse. — comentou Suiya olhando para o espelho d'água da piscina. — Quero atender o último pedido dele.

— Eu compreendo... — comentou a princesa num tom levemente triste. — Apenas me prometa que virá me visitar. — pontuou, recebendo a confirmação da garota afirmando que certamente iria visitá-la sempre que pudesse. Aquilo fez a jovem sorrir de canto. — Assim espero, mesmo sabendo que tenho que dividi-la com certo alguém.

Aquilo fez Suiya corar. Não que fosse algum segredo, mas apenas Nysa tinha real conhecimento dos fatos e aquelas meias palavras foram suficientes para entender de quem ela estava a falar. Pensar nele a fez suspirar. Já havia algum tempo que havia partido, e tanto havia acontecido desde então e sequer sabia quando ele voltaria. Ainda assim, tentou sorrir amenizar aquilo.

— Prometi que cuidaria de você, e não voltarei atrás de minha palavra. — afirmou a jovem ourives.

— Eu sei que não, e por isso estou disposta a abrir uma exceção hoje. — disse a princesa, tomando a artesã de surpresa. Foi quando viu a jovem voltar-se para suas costas e olhar em direção ao horizonte, como que convidando a amiga para vislumbrar a paisagem junto à ela.

Suiya levantou-se lentamente e seguiu até à sacada, apoiando-se no parapeito e olhando em direção sul, para o porto de Lemúria. Ela conhecia bem o mastro e a bandeira que se destacava mais adiante e um sorriso iluminou seu rosto.

— Parece que alguém chegou bem a tempo para as Festividade das Águas. — comentou Nysa, vendo a amiga distraída. — Posso cobri-la por algumas horas. — e a jovem de cabelos castanhos olhou a princesa surpresa por aquilo. — O seu pai está ocupado com os meus, nem dará sua falta.

Suiya sorriu com aquilo, abraçando a amiga. Apenas removeu a saia, deixando a sua blusa ganhar comprimento pouco mais abaixo da coxa e fazer um saiote sobre uma calça escura de modo a ganhar maior mobilidade. Agradeceu mais uma vez a princesa e avançou em direção às escadarias. Não poderia demorar, mas precisava vê-lo mesmo quando poderiam se encontrar nas festividade na cidade. Porém, ao menos precisava ser certo onde se encontrariam.


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"BARCO À VISTA!"

Uma embarcação média se aproximava do porto de Lemúria. Era um modelo único logo reconhecido por Oclis, um velho parrudo e calvo, com ralo cabelo caindo pelos lados e fechando numa grande costeleta. A serpente marinha da proa já indicava quem se aproximava. Porém, o estado em que a embarcação estava o deixou bastante surpreso, e também muito indignado. Adorava barcos, era como seus pequenos filhos, sempre fazendo miniaturas deles para sua coleção, e aquela estava num estado lamentável!

— O que diabos fez com ela, moleque? — questionou indignado quando viu Ankeus apontar, jogando as cordas para que o barco fosse amarrado. — Como consegue navegar com... isso? — e apontava para as ranhuras, os danos no casco. — Estou ouvindo ela chorar!

— Ah! Não é para tanto... — dizia Ankeus descendo a rampa e jogando os cabelos para trás. — Ela é mais forte que imagina. Aguentou bem uma tempestade e...

— Tempestade? — questionou o velho parrudo incrédulo. — Esteve com ela numa tempestade...? O que tem na cabeça, seu... cabeça de camarão?

— Não é minha culpa. — se defendeu Anceu levantando a mão. — Fui pego desprevenido, e ela aguentou muito bem. Caso contrário, estávamos no fundo do mar agora... — e coçou a nuca, dando os ombros. — Não que fosse problema pra mim... — disse para si mesmo num sussurro meio às reclamações do velho, fazendo-o revirar os olhos. — Acha que pode consertar?

— Mas é claro que farei isso. Vai demorar alguns dias. — disse o velho injuriado e observando o casco, de cima abaixo, parando para olhar na água.

— Tudo bem. Preciso de terra após ficar à deriva... — e franziu o cenho ao notar a movimentação no porto. — O que está acontecendo?

— Festividade das Águas! — respondeu um garoto que acabava de amarrar o barco. Era mais novo que Ankeus, de cabelos desgrenhados e roupas bem largas, como que emprestadas do velho Oclis. — Não veio por isso?

Ankeus balançou a cabeça se lembrando. Ainda estava de ressaca, e acabara por se esquecer. Estava realmente voltando para Lemúria quando uma corrente o empurrou para longe da rota e caindo na tempestade. Não fosse seu conhecimento ainda estaria à deriva. Olhou por cima dos ombros, em direção ao mar à sua frente e assentiu.

— Sim, e farei minha oferta mais que merecida. — dizia, ainda observando Oclis olhar intrigado para o casco. — Aliás, o pagamento está no barco. Acho que será suficiente.

O rapaz piscou aturdido, mas respondeu o aceno de Ankeus, vendo-o subir as escadas para ganhar o nível da rua e desaparecer. Nesse ínterim, o garoto subiu ao barco e surpreendeu-se ao encontrar a carcaça que atacara o timoneiro cortado ao meio. Exclamou em alto e bom som chamando a atenção do velho Oclis, ainda intrigado com algo no casco do barco. Subiu na embarcação não pela excitação do rapaz, mas para observar o outro lado do casco. O garoto questionava o que tanto ele via até vê-lo arrancar algo, com certa dificuldade, e ficar observando aquilo.

— Isso é... um coral? — questionou o rapaz olhando para a mão do velho. — Mas, como isso foi parar no barco do Sr. Ankeus?

— Não é comum um barco ter corais assim, principalmente cobrindo um buraco no casco. — comentou Oclis olhando aquilo em mãos. — Esse rapaz tem realmente a proteção Imperador dos Mares... — respondeu o velho olhando para o mar.

Embora a Festividade das Águas fosse o maior evento de Lemúria, as ruas se encontravam pouco movimentada. As incursões naquele período se concentrava nas praias voltadas para Creta, onde muitos faziam seus pedidos ao Imperador dos Mares. Ankeus assistia de longe as inúmeras pedras brancas deixadas na orla e a ânsia de todos delas serem levadas pelas ondas. Aquelas levadas certamente teriam seu pedido atendido, e uma oferta deveria ser entregue ao templo.

O timoneiro da Argo lembrava quando esteve ali, junto a todos, banhando a pedra branca nas águas do mar e pedindo orientação e clareza quando comandaria a lendária nau Argo, e sua pedra fora imediatamente levada pelas ondas. Era um rito que ele cumpria antes mesmo de conhecer Lemúria, ensinada por sua mãe. Aquilo soou um tanto nostálgico.

— A sua oferta deverá ser grandiosa... Não é todo dia que alguém sobrevive a revolta dos mares. — disse alguém às suas costas, e isso o fez sorrir, fechando momentaneamente os olhos.

— Eu já o fiz. — disse se virando, percebendo uma jovem de cabelos castanhos se aproximando, mordiscando os lábios. — Entreguei a minha vida ao Imperador dos Mares.

Ela o olhou por alguns instantes, da cabeça aos pés, avaliando-o como se fosse uma peça valiosa e deu os ombros.

— Parece que Imperador dos Mares tem estado pouco exigente ultimamente. — brincou, controlando-se para não rir até perceber a expressão errada dele.

— Lembrarei disso mais tarde. Bem... mais tarde. — disse sem tirar os olhos dela e conseguindo arrancar seu riso.

— Vi o estado de seu barco, e o Sr. Oclis está bastante indignado. — dizia ela voltando-se para ele quando parou de rir. — Adoraria vê-lo explicar aqueles corais no barco. Até mesmo eu fiquei intrigada como tantos apareceram naquele casco. Tirou aquilo do fundo do mar?

— Ahn...! Digamos que é... complicado... — dizia sorrindo de canto e levando a mão aos cabelos.

Claro que é... — disse ela rindo e meneando negativamente. — Agora sei com quem ele aprendeu essa mania, além das bebedeiras.

Ankeus baixou a cabeça rindo daquilo. Sabia bem de quem ela falava e aquilo o fez ficar mais sério, assim como ela que tinha seus olhos voltados para a praia e o mar alaranjado pelo sol que já caia sobre as águas.

— Soube do que aconteceu. — disse ele após aquele breve silêncio. — Desculpe não estar aqui.

Suiya baixou o olhar, fechando os olhos momentaneamente. Estes se encheram de lágrimas, levando a mão frente aos lábios. Ankeus a abraçou, puxando-a para mais junto dele enquanto perguntava quando havia acontecido. Houve certa hesitação dela, percebendo sua voz embargada ao responder.

— Há cinco luas. — disse ela controlando as lágrimas e seguida de um suspiro. — Shiloh partiu há cinco luas... Tranquilo... Apesar dos pesares.

— Gostaria de ter feito mais por ele. — lamentou Ankeus olhando para a praia. — Talvez se eu...

— Você fez o que foi possível, Ankeus. — disse Suiya se voltando para ele. — As ervas que trouxe amenizaram demais a sua dor. Não o curou, mas ajudou a suportar sua enfermidade o bastante para concluir seu último trabalho. — e ela forçou um sorriso. — Ao menos ele morreu em paz, feliz por cumprir seu último exercício de artesão com louvor.

Ankeus não deixou de sentir aquelas palavras. Shiloh, o irmãos mais velho de Suiya, era um dedicado forjador, responsável até mesmo de desenhar a Serpente na proa de seu barco. Quando havia ingressado na Ordem de Artesãos, ficaram a beber por toda uma noite e dançando nus naquela mesma praia e chamando pelas Nereidas, as ninfas dos mares. Eram grandes amigos e prometera, um dia levar o jovem o lemuriano em sua viagem pelo mundo — promessa essa que jamais pôde cumprir.

Quando soube que ficou doente, Ankeus partiu para a Ilha dos Curandeiros e trouxe inúmeras ervas para ajudar em sua recuperação, mas não foi suficiente. Foi a maior aproximação que Ankeus pudera ter de Siphon, o Mestre dos Artesãos, pai de Suiya. Por mais respeito que tivesse conquistado daquele homem, ainda seria visto como um estrangeiro. Por inúmeras vezes tentou retornar, mas acabava por adiar e sentiu-se péssimo ao saber de sua morte. Seguir para aquela praia era relembrar a última grande 'bebedeira' dos dois e aquilo o fez rir.

— Pela situação do barco, acredito que ficará alguns dias aqui, não é mesmo? — comentou ela, despertando de seus devaneios.

—  Sim, eu vou... Mas não será pela situação do barco. — e sorriu para ela, abraçando-a mais junto a ele e ambos observando a praia. Das mãos de Suiya, uma pequena pedra escorregou de suas mãos e caindo esquecida na areia.


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Notas finais do capítulo

# Lemúria é um continente perdido, tal como Atlântida. Mu é outro continente lendário e seu cataclismo se deu antes mesmo de Lemúria. Segundo pesquisas, alguns 'lemurianos' seriam descendentes de Mu, por isso de remanescentes.

# A pedra 'berilo' é dito como uma joia rara, por isos tomei a liberdade de usá-la como algo remanescente de Mu e restrito à família real.

# E sim, Lemúria é quase uma Veneza, uma cidade sobre água. :)



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