Saint Seiya - Ankheus: O Guardião dos Mares escrita por Katrinnae Aesgarius


Capítulo 4
O Filho dos Mares




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As ferramentas estavam bem empoeiradas. Há meses não entrava naquela oficina, e tudo estava exatamente como ele havia deixado quando terminou aquela última encomenda. "Este será meu último trabalho", havia dito Shiloh.

Suiya tinha em mãos o martelinho de ouro, deixando-a momentaneamente emotiva enquanto seus olhos ganhavam o lugar. O som daquele instrumento trabalhando ganhou as noites naquelas últimas semanas. Por mais que ela e seu pai tentassem tirá-lo dali, era em vão. No fim, o orgulho de ver sua obra concluída foi a maior felicidade daquele enfermo lemuriano.

— Estava sem coragem de abrir aqui. — disse seu pai na porta, olhando o lugar com um semblante triste. — Primeiro porque ele gostava de se esconder aqui, depois fez desse lugar seu santuário. Quando estava triste, era para cá que ele fugia... e trabalhava arduamente, criando maravilhas...!

— Ainda sinto a presença dele aqui. — comentou Suiya recolhendo as ferramentas, sentando-se num banquinho próximo. — Sinto como se ele fosse atravessar aquela porta com uma pilha de quinquilharias e dizendo que faria algo grandioso...!  — dizia abrindo os braços como se quisesse denotar algo volumoso, logo rindo daquilo e acompanhada pelo velho homem. — O mais incrível era que ele conseguia. Shiloh sempre era capaz de surpreender...!

— Vocês dois sempre me surpreenderam. — disse seu pai estendendo a mão e a puxando para se levantar. — Sempre me orgulharam, não como artesãos somente, mas como filhos. — e a beijou na testa, voltando olhar aquela oficina. — Mas, é tempo de seguir em frente. Tudo isso que ele fez, será guardado e lembrado. Vejamos o que podemos fazer com todos esses bibelôs dele...

Suiya assentiu, desvencilhando do pai quando ouviu um movimento de fora. Era o jovem assistente de Oclis, ofegante, parando junto a porta e querendo falar, mas faltava-lhe ar.

— Carel? — surpreendeu-se Suiya, alternando do pai para o rapaz. — Aconteceu alguma coisa?

— Suiya... P-Precisa ver isso...! — conseguiu falar, apontando para trás, como se indicasse o porto. — Lá... na praia... no Ninho... Precisa... ver...

Havia um rastro de destruição. Alguns dos 'ovos' estavam destruídos e criando um caminho entre eles, enquanto havia outros foram parcialmente danificados. Oclis, o dono do porto, gritava chamando quem quer que fosse de 'vândalo', deixando Suiya surpresa por aquela reação.

— Ele dizia que eram ovos de dragão. — dizia o seu assistente, Carel, sussurrando para Suiya, um tanto temeroso. — Ele dizia que chocariam um dia. Foi ele quem encontrou o lugar assim e chamou a guarda. Ele vem todas as manhãs aqui esperando encontrar um filhote de dragão...

Suiya sabia da história, e Oclis era apenas um dos muitos que acreditava na lenda de que dragões teriam deixado aqueles 'ovos' ali, voltados exatamente para onde nascia o sol e que ele chocaria quando o ciclo se completasse — embora ninguém soubesse contar quando aquele fantasioso ciclo se completaria.

De repente, ouviram um grito e perceberam um tentáculo, fazendo alguns correrem. Um guarda fincou sua lança prendendo-o ao chão. Oclis já apontava as lulas como responsáveis de roubar os 'ovos'  e pela destruição daquele santuário.

— Agora ele achou um culpado... — suspirou Carel olhando seu chefe. — Ele era quem cuidava daqui e não deixava ninguém vir a esse lugar. Só o Sr. Ankeus...

Suiya piscou aturdida e isso a fez olhar em volta. Não havia qualquer sinal dele, de fato. Tamanha aquela agitação seria impossível ele estar dormindo, sendo ele quem melhor poderia falar daquele tentáculo por ser um navegador experiente. Lulas gigantes há muito não eram vistas em Lemúria, o que era normal todos se mostrarem assustados.

— Falando nele... Onde ele está? — questionou Suiya, vendo somente o rapaz dar os ombros.

— Não o vi hoje ainda. Eu estava trabalhando no barco dele quando vi Sr. Oclis gritar e corri pra cá.

A jovem sentiu um aperto no peito naquele momento. Ela o havia deixado pouco antes do amanhecer. Temia que o que aconteceu ali, pudesse ter algum envolvimento dele. E algo dizia que sim.


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Os seus olhos buscavam observar tudo, mas jamais seria o bastante. A cada momento tinha impressão de ver algo novo em qualquer ponto que pudesse enxergar. As águas cristalinas caindo do prédio à sua frente até uma piscina alguns andares abaixo e esse criando outra queda d'água a cada andar até um grande lago prateado refletindo tudo à sua volta. Perguntava-se se, por acaso, não haveriam peixes nadando naqueles grandes espelhos d’água.

Algumas fachadas dos prédios tinham belíssimas esculturas, desde ninfas marinhas a criaturas mitológicas, como aquela onde estava em que parecia estar na curvatura da barbatana de um Dragão Marinho. A cabeça tinha sua boca aberta despejando a mesma água cristalina, fria e incomum ao paladar. Próximo dali havia ainda uma escadaria em caracol, levando para um pavimento acima onde seria seu quarto.

O local onde estava foi dado como seus aposento particular, onde poderia descansar, mas não conseguiu dormir. Embora se distraísse com a beleza daquele Santuário, a sua mente trabalhava em outras informações, buscando assimilar o que lhe foi dito. Queria ele ter conseguido dormir e acordar em seu barco, ainda com Suiya em seus braços e que tudo aquilo foi um sonho movido pelo vinho somado ao cansaço da viagem. Porém, nem mesmo isso conseguiu.

"O último de meus filhos", ele disse e Ankeus engoliu a seco olhando para o céu. Estivera diante de ninguém menos que do próprio Imperador dos Sete Mares, de Poseidon. O quão absurdo aquilo lhe soava naquele momento?

As suas pernas cederam naquele no instante em que o viu, caindo ajoelhando diante daquela presença tão imponente que descia as escadas acompanhado de seu tridente e um brilhante fio. A sua Escama era bem diferente daqueles que estavam a reverenciá-lo ali, digno de um deus.

Enquanto de todos eram em um tom dourado mais escurecido, o de Poseidon era somente nos adornos da ombreira, nas braçadeiras e joelheiras que lembravam barbatanas e nos pés escamados. Fechava num gorjal e numa placa peitoral próxima a uma concha na altura do abdômen e sobre um grande tridente frente à cintura e descendo até às pernas.

O dourado contrastava um azulado próximo ao prateado bem escuro conforme o banho de luz. Era todo em placas, protegendo todo o corpo, às costas havia grandes barbatanas. Entretanto, a indumentária era apenas um detalhe.

A imagem daquele homem à sua frente era diferente de tudo que sempre ouviu. Não fosse aquele momento, jamais acreditaria que aquele que se apresentava diante dele seria Poseidon. A sua aparência estava longe de ser o de um velho homem como tantos anciões assim descreviam em seus poemas e crônicas. O que via ali era um homem no ápice de seu vigor juvenil, aparentando não mais que 25 anos — embora seus olhos denotassem muito além disso.

A pele alva e os cabelos claros, um louro como ouro caindo sobre sua indumentária levemente ondulados e descendo pelas costas. Os olhos azuis eram intensos, tanto quanto sua Escama. Tinha uma beleza  bastante atraente, mas também uma expressão dura e imponente e um semblante carregado. Ankeus estava num estado hipnótico até que a voz forte e imponente ressoasse, despertando daquele encanto.

— Finalmente está de volta. O último de meus filhos... — disse Poseidon com seus olhos fixos diante do homem ajoelhado diante dele. — Ankeus, o Dragão Marinho!

— D-Dragão... Marinho...? — repetiu Ankeus de maneira estúpida, fazendo-o piscar incrédulo pelo que havia escutado da boca do próprio Imperador dos Mares. — S-Seu... filho...?

Poseidon apenas sorriu de canto e deixando seu tridente em pé sobre o piso. Não havia qualquer apoio, apenas ficando ali, estático com a mera vontade da divindade.

— Sim, meu filho. Um dos muitos, é claro. — dizia enquanto gesticulava para que ele se levantasse. Todos os outros permaneciam agachados, com as cabeças baixas, mas os olhares voltados para os dois. — De quem mais herdaria tamanho conhecimento nos oceanos? — completou orgulhoso.

Ankeus ouviu aquilo, sentindo-se ainda perdido. Nem mesmo percebeu quando baixou seus olhos e olhando para suas mãos, buscando as respostas que sempre procurou. Sua facilidade em navegar, a despeito do mar ou do céu. Sua perícia em encontrar as melhores fontes de alimentos na água. A sensação de liberdade quando mergulhado nas águas salgadas dos oceanos. A capacidade de passar por longos períodos submerso, mais que qualquer pessoa comum conseguiria...

O seu dom de metamorfose.

Como um estalo, o marinheiro se deu conta de que muito daquilo não era um mero acaso. "Sou filho... de um deus...?!!", perguntava-se de maneira afirmativa, os olhos arregalados.

"Ankeus, o rei dos mares... ou seria um quase deus?", ouviu de alguém numa ocasião. Isso porquê, certa vez, todos estavam a comemorar na Argo após vencer uma difícil batalha, enchendo a cara de vinho até todos caírem. As exceções eram Pollux, ao contrário de seu gêmeo Castor, um dos poucos Heróis humanos naquela embarcação, Orfeu, sempre junto de sua harpa, e o próprio Ankeus, o timoneiro. Nenhum desses três conseguia ficar bêbado com tanta facilidade, havendo apenas um incidente sobre isso, envolvendo uma bebida da qual descobrira ser vinho consagrado.

"Então eu... sou mesmo um semideus!", reafirmou, apertando os punhos e se voltando para Poseidon que percebia que o mesmo compreendia o que estava sendo dito ali.

— Por que eu? — questionou Ankeus finalmente despertando para aquela realidade. — Por que agora? Por que fui trazido para cá?

Eram muitas perguntas, fazendo com que Hippos se levantasse para conter aquilo que considerava um ultraje questionar um deus, mas o próprio Poseidon fez sinal de que estava bem. Seus olhos mantinham-se sobre Ankeus que o encarava, não querendo desafiá-lo, mas ainda perdido meio a tantas informações.

— São muitas perguntas. A primeira já tem a resposta. É um dos meus muitos filhos, e é bem verdade que deveria estar aqui a mais tempo, desde quando voltou do Mundo Celestial... — comentou Poseidon, percebendo o semblante de Ankeus arquear por aquilo. — Mas, infelizmente, outras questões tomaram minha atenção no momento, acabando por ser negligente, sendo reparado no momento exato.

— E por quê estou aqui? — voltou a questionar, percebendo apenas o ensaio de um sorriso de Poseidon.

— Para assumir o lugar a que lhe pertence. — respondeu com naturalidade, mexendo os dedos como se algo o incomodasse. — Saberá em breve, mas até lá... — e seu sorriso ganhou um ar sombrio. — Esteja preparado.

"Preparado? Para o quê deveria estar preparado?", perguntava-se Ankeus debruçado no parapeito com um olhar perdido junto à queda d'água do prédio em frente. Conhecera o próprio Poseidon, uma imagem surreal de tudo que ouviu, descobrindo ser seu pai. Aquilo tudo parecia um sonho, fruto de uma grande ressaca. Quando levado para aquele lugar, ficou a pensar em cada momento específico de sua vida até ali, principalmente de sua 'transformação'. Lembrou-se de como ficou assustado, e como agora tudo fazia sentido.

— Não é muito fácil assimilar tudo isso... — disse alguém às suas costas, despertando Ankeus de seu devaneio e fazendo-o se virar. Via ninguém menos que Chrysaor.

Ele foi apresentado pouco antes de encerrar aquela reunião juntamente com todos os outros Marinas. Era um homem com uma pele bem morena, queimado de sol, contrastando com seus cabelos escuros com alguns fios esbranquiçados, mas repicado nos lados e ganhando comprimento nas costas. Tinha um rosto alongado e queixo quadrado e olhos estreitos, quase sempre fechados, mas muito analítico. Por alguma razão Ankeus sentia-se sendo estudado por ele.

— Sinto se eu o assustei, mas esse Mundo Marinho realmente encanta a todos aqueles que a conhecem. — comentou Chrysaor ainda parado no centro do ambiente.

— Sim, Atlantis é realmente uma belo lugar. — comentou Ankeus olhando a cidade às suas costas, por cima dos ombros. — As quedas d'água, os jardins suspensos... lembram Lemúria.

— Lemúria... — e franziu o cenho como se buscasse alguma lembrança. — A terra procedente de Mu. Imagino que eles tenham guardado muitas referências, de que seus descendentes buscaram retratar ao extinto continente, mas... Não creio que sejam capazes de recriar o que fizeram em Atlantis.

Ankeus havia de concordar. A minuciosidade de Atlantis era muito expressiva nos mínimos detalhes. Apenas o palácio, no centro de Lemúria, conseguia alguma proximidade, mas ainda longe daquela perfeição. Sempre ouvira falar do quanto os Muvianos eram metódicos, algo do qual os lemurianos herdaram de seu antigo povo, mas a paisagem que aquele lugar ofereceria era excepcional.

— Existem Muvianos aqui em Atlantis? — questionou Ankeus lançando um olhar para Chrysaor, e esse meneando negativamente.

— Não. Eles apenas ajudaram a construir as cidades, sendo seu último trabalho a Cidade de Gelo de Blue Graad. — comentou livremente, olhando o ambiente, a comida intocada assim como o vinho. — Poderei apresentar a cidade se assim quiser. Aliás, é altamente recomendável que todos o conheçam e ajudem em sua preparação...

— Que todos me conheçam...? — indagou Ankeus olhando de lado, virando-se para fitar Chrysaor. — Isso tem a ver com o fato de ter sido trazido para cá? Aliás... O quê exatamente estou fazendo aqui?

— Você foi recrutado, Ankeus. — Chrysaor sorri de canto, mantendo os olhos fixos sobre o homem à sua frente. — Nosso pai, Poseidon, foi ao encontro de cada um de seus filhos... sejam estes diretos, como nós dois e Kraken, ou indiretos, suas criações como Hippos e as outras. Não se sinta um privilegiado.

— Não estou me sentindo um privilegiado. — respondeu com alguma careta e entre dentes. — E esse recrutamento envolve matar seus escolhidos? — e arqueou o semblante em sinal de escárnio.

— Soube que Scylla foi um tanto... rude. — e mantinha o sorriso. — Acaso o encontro de vocês aconteceu antes do amanhecer, não é mesmo? — e Ankeus o olhou intrigado. — Vejo que a resposta é sim, o que responde já a minha pergunta sobre ter visto sua verdadeira aparência. — e viu Ankeus apenas cruzou os braços. — Não foi muito inteligente... Como Atlantis parece sempre dia, não é possível ver sua verdadeira forma, mas no Sekai, a noite revela sua real imagem até o nascer do sol.

— Eu percebi isso, pouco antes de Hippos aparecer na praia.  — disse Ankeus um tanto contrariado por sua falta de tato quase matá-lo. — Falou de... criações?

— Sim, eu disse. — e Chrysaor caminhando pelo quarto, seguindo até à mesa sem qualquer cerimônia. — Kraken e Hippos não são humanos como você ou eu. — e parou para pensar no que disse franzindo o cenho. — Embora não sei se poderia me categorizar humano, mas enfim! — e encheu uma taça com vinho e oferecendo, mas declinado por Ankeus. — Lymnades, Scylla e Siren são ninfas, e recomendaria cuidado. Muitos são os que se enganam com elas. Todos eles escondem sua real forma, diferente de você que pode escolher quando se transformar.

Ankeus nada respondeu sobre aquilo. A sua transformação era algo do qual nem mesmo ele tivera chance de conversar com Suiya. Não que aquilo o assustasse ainda, mas desconhecia qual seria a reação da lemuriana sobre. Agora teria uma excelente explicação, mas soaria igualmente surreal dizer ser filho de um deus como Poseidon.

— Venha comigo. — disse Chrysaor dando às costas, deixando a taça já vazia.

— Onde vamos? — questionou Ankeus despertando do devaneio repentino.

— Como disse, precisa conhecer Atlantis, mas não será dessa sacada.

Ankeus pensou declinar o convite, mas não tinha muito — na verdade, nada! — a ser feito naquele quarto. Não tinha fome, mesmo apreciando um bom vinho não tinha qualquer vontade de beber. Acompanhou Chrysaor junto de outros Marinas de menor patente que prestaram reverência a ambos. Aquilo ainda o intrigava, principalmente quando o chamavam de 'Senhor'.

Seguiram para as bigas dispostas frente ao prédio, cada qual com dois cavalos brancos, pouco maior e mais fortes que o que conhecia. Eram belos e majestosos, com adereços dourados em suas rédeas enquanto de soldados eram apenas em couro.

Os carros eram mais ricos, em branco e desenhos rebuscados que lembravam ondas e conchas, também em dourado. Embora passasse mais tempo no mar, não encontrava dificuldades em manobrar uma biga, conseguindo manter bem o controle. Era acompanhado mais atrás por soldados. Chrysaor seguia ao seu lado numa biga semelhante, mas com um tridente frente ao seu carro destacando seu título como General Marina.

O passeio conseguiu despertar ainda mais admiração do mareante pela lendária cidade. Conhecer os detalhes e tocá-los como quando chegaram na fonte de uma praça para beber um pouco de água era simplesmente maravilhoso. Chrysaor explicou que os dois golfinhos que jorravam água foi uma homenagem de Poseidon de quando os enviou para resgatar Afrodite e seu filho de Tífon, e que aquelas águas atendia 'desejos'. Foi então que ele percebeu algumas moedas de cobre, algumas douradas, no fundo e criando um piso luminoso na fonte.

Continuando o passeio, o Marina contava a história de Atlantis, do trabalho dos Muvianos na decoração, arquitetura de muitos prédios e isso ajudou quebrar o silêncio de Ankeus. Ele comparava as fachadas da cidade aquífera de Lemúria e de como as quedas d'água tão corriqueiras em Atlantis despontava apenas os prédios públicos da capital lemuriana.

— O que são aqueles pilares de onde  Sr. Poseidon surgiu? — questionou Ankeus se voltando para Chrysaor.

— Cada um daqueles pilares representa os Sete Pilares Oceânicos — Atlântico Norte e Sul, Pacífico Norte e Sul, Ártico, Antártico... e o Índico, do qual sou guardião e governante da colônia aqui em Atlantis. — disse Chrysaor orgulhoso após a explicação didática.

— Sete Pilares... dos sete mares...! — comentou Ankeus admirado.

— Cada um deles é guardado por um General Marina, filhos do Sr. Poseidon. Cuidam de suas respectivas colônias, auxiliado por dois Tenentes e esses coordenando seus comandantes de tropas. — explicava enquanto estava a guiar os carros por uma estrada, que parecia pavimentada com pequenas conchas e corais.

Ankeus se mostrava muito interessado perguntando quem era quem dentro do Exército Marina. Sempre ouvira falar deles, vendo alguns poucos em Lemúria, cidade esta devota a Poseidon. Foi assim que descobriu que Ligeia era uma Comandante Marina pertencente à tropa de Siren. As Nereidas foram as responsáveis por cuidar de seus ferimentos de sua batalha com Scylla na praia lemuriana, não deixando um único vestígio de escoriação — até mesmo alguns ferimentos antigos foram apagados. Eram servas exclusivas de Amphitrite, a esposa de Poseidon e deusa dos Mares. Pouco era sabido acerca dela por Ankeus, apenas que era uma ninfa.

Lymnades era uma agente que mais agia externamente. Hippos ajudava coordenar a tropa em campo, sendo o único, com algumas exceções, a ordenar as Nereidas como ajudá-lo. "O Sr. Poseidon odiaria ver seu filho com 'medalhas' de batalhas passadas...", comentou Chrysaor num dado momento.

Scylla foi descrita como uma General destemida e muito vingativa, e Ankeus pareceu ter entendido o recado, sorrindo de canto. Kraken era o mais recluso, de poucas palavras, mas considerado o mais forte num campo de batalha.

— Interessante... — comentou Ankeus assimilando aquelas informações. — E quanto a você? Como se descreveria em meio esse cenário? — indagou arqueando o semblante.

Chrysaor respondeu inicialmente com um mesmo sorriso, sem fitá-lo diretamente. Puxou as rédeas dos cavalos fazendo parar sua biga e descendo frente um paço. Sinalizou para os soldados que assumiram e removendo o carro do espaço. O mesmo fez Ankeus descendo do veículo como se atendesse um convite silencioso do General Marina.

O paço era circular, muito parecido com aquele em que estivera no dia anterior quando conheceu seu pai, exceto que havia espécie de arquibancada em dois níveis nas proximidades, mas que se encontrava vazio. A única presença ali era dos soldados que os acompanhava e pareciam posicionar-se estrategicamente de modo a não permitir qualquer aproximação de estranhos. Chrysaor tomou o centro do paço com um sorriso largo no rosto.

— Espero que possa dizê-la por mim. — respondeu ele com largo sorriso no rosto enquanto encarava Ankeus.

Assistiu Chrysaor remover seu himation azul, um tanto diferente daquele usado pelo timoneiro. Era bordado em dourado nas pontas, mas não com um caimento livre para o lado, mas preso à cintura e mais do tecido com grande caimento às costas como se fizesse uma cauda. Exibiu um torso nu e um físico bem trabalhado. Em cada antebraço havia bracelete, assim como nos pulsos sendo estes em diversas argolas. Trajava uma calça branca larga pouco acima dos tornozelos, com detalhes em azul e amarelo. Removeu as sandálias, exibindo alguns anéis nos dedos dos pés.

— Como bem ouvi, treinou nos Campos Celestiais, o que é um privilégio. Sendo assim... — faz sinal para um Marina e este entregando uma ranseur para Ankeus, sendo esta  com três pontas, com as laterais menores lembrando barbatanas afiadas. — Adoraria testar suas habilidades, caso não se importe.

Ankeus assentiu, compreendendo agora o motivo de sua saída junto a ele. Removeu também suas vestimentas, ficando apenas com o quiton que não o ajudaria muito naquele momento para mover-se por ser longo. Sem cerimônia, rasgou metade dele de modo a deixar suas pernas mais livres, deixando também seu torso nu. Apanhou a arma oferecida pelo Marina, fazendo um movimento circular com ela em mãos e braços cruzados esticados para frente. Elevou ao alto e depois para o lado até parar às suas costas, sorrindo para Chrysaor.

— Que assim seja! — respondeu Ankeus tão seguro e orgulhoso como seu 'irmão'.

Chrysaor era um homem de postura altiva, e quando com aquela lança em mãos tornava-se ainda mais imponente, o bastante para Ankeus sentir-se levemente intimidado. O Marina não se movia, esperando uma iniciativa dele que assim o fez,  caminhando e avançando contra seu oponente que desviou com maestria de seu golpe digno de um iniciante.

O movimento de seu meio-irmão com a sua lança foi rápida girando no ar e pronto para deferir um golpe, mas acertando o vácuo quando viu o recém-chegado igualmente ágil e esquivar-se.

O movimento de ambos não cessou nesse ataque. O navegador tentou mais uma investida, bloqueada pelo dente central da lança de Chrysaor prendendo-se ao de Ankeus e empurrando para baixo que conseguiu desvencilhar. Porém, antes de fazer um ataque, sentiu algo quente atingir-lhe o braço e fazendo-o saltar para trás. Havia sangue escorrendo num fio de corte.

"Quando foi que ele fez isso?", pensou o ex-argonauta, voltando-se para o Marina, com o corpo de lado, olhando-o enquanto mantinha sua lança em punho.

Foi a vez dele agora tomar a iniciativa, baixando a lança e empurrando contra Ankeus que se esquivou, mas logo viu uma nova investida, seguida de outra e mais outra em questão de segundos. Porém, nem mesmo parecia ver Chrysaor sair de onde estava. A distância dos dois era segura e sua lança não tinha um cabo tão grande para alcançá-lo ali.

Tentou cruzar com sua lança girando-a de modo a ganhar um segundo para saltar sobre o golpe incessante, e conseguiu. Contudo, viu apenas ele cortar um círculo à sua volta e uma brilhante luz do fio da ponta central foi vista de seu tridente. Quando caiu, Ankeus sentiu a mesma linha do braço agora em seu peito.

"Como isso é possível? A lança dele nem mesmo encostou em meu corpo e ainda assim conseguiu me ferir por duas vezes?", perguntava-se ele aturdido. Voltou-se para o meio-irmão, vendo o brilho dourado no fio de sua lâmina e buscando entender o que exatamente estava acontecendo.

— Você é rápido, pode esquivar-se dos meus golpes, mas não do fio da minha lança. — disse Chrysaor ainda de costas para um Ankeus perplexo de como ele estava a fazer isso. — Porém, não estou vendo grandes coisas para quem treinou no Mundo Celestial. Será que brincar de pesca o fez perder a prática? — debochou enquanto se voltava para ele. — Ou o seu mestre por lá era um inútil?

Ankeus não gostou em nada daquelas palavras, embora mal tivesse alterado suas feições. Não falava com ninguém a respeito de seu treinamento no Mundo Celestial, muito menos daquele que o treinou. Ele era rígido com os seus aprendizes, mas nunca os desmereceu, de modo que logo ganhou a sua admiração. Além disso, o seu mestre era alguém que prezava muito pelo respeito, e não poupava meios em fazer as pessoas compreenderem isso.

— Parece que você não faz a mínima ideia de quem foi o meu mestre no Mundo Celestial. Do contrário, jamais diria algo assim. — Ele respondeu àquela provocação, novamente ficando em guarda. — Peça desculpas pela ofensa ou eu mesmo me encarregarei disso.

— Então me mostre aquilo que aprendeu e não seja uma vergonha para ele, Ankeus! — respondeu Chrysaor movendo sua lança e jogando-a para trás com seu braço direito, enquanto que com a esquerda o chamava novamente para o embate.

O mareante olhou atentamente para seu oponente, tinha que se livrar daquela lança, isso era certeza. Sua atenção foi da arma do Marina ao próprio, imaginando o que seu antigo mestre faria para abrir aquela guarda. “Vamos, Ankeus, pense… o que o mestre faria?”.

— Garoto, preste mais atenção onde está mirando. — A voz grave do homem de longos cabelos ondulados resoou. — De nada adianta ter força, mas não ter foco.

Ele era alto, e o marinheiro ainda era apenas uma criança, o que o fazia parecer um gigante. Tinha olhos vermelhos e fendidos, sempre atentos, que nunca deixavam escapar as suas falhas. Estavam ali toda manhã e entraria a tarde se fosse preciso até que atentasse sobre o que deveria fazer.

Estava confiante demais em suas habilidades, mas pouco parecia analisar todo um quadro para alcançar um objetivo que deveria ser tão simples se fosse um bom observador.

O pequeno estava cansado, ofegante. Tinha escoriações pelos braços e pernas, sujeira no rosto pelas inúmeras vezes jogado ao chão. Estava sozinho naquela manhã enquanto os outros dois ganharam aquela parte do dia — se é que ser incumbido de caçar e preparar o almoço poderia ser chamado assim. Em todo o caso, apenas acabariam ali se conseguisse, ao mínimo, desarmá-lo.

— Não disse que seria fácil? Estou esperando sua garantia sem que precise se matar para isso, desde que não se jogue pra cima do inimigo. — comentou o homem arqueando o semblante e colocando-se em posição de luta. — O que está vendo, Ankeus?

— O senhor, mestre. — respondeu o jovenzinho com petulância.

Nem bem acabou de falar aquilo e sentiu um golpe atingi-lo na boca do estômago. O golpe foi mais rápido que ele completar o raciocínio. ‘Comeu areia’, como o próprio colega de treino sempre dizia quando caia de cara no chão, cuspindo terra e sangue. Quando levantou a cabeça, viu seu mestre de pé diante dele com um semblante bem sério fuzilando-o com os olhos.

— Estou sendo muito paciente, diferente de seu inimigo que já o teria feito em pedaços! — disse enquanto pisava sobre ele, empurrando-o de volta para o chão. — Está mais preocupado em responder de maneira ácida e irritar seu oponente que verdadeiramente derrotá-lo. Quer pesar em suas prioridades? — e o virou, empurrando-o com os pés para se levantar. — Levante-se e me desarme, garoto. Ficaremos o dia todo aqui se preciso, sem água e sem comida até que consiga me desarmar!

— Posso fazer isso quando eu quiser. — Falou o menino, se levantando injuriado.

— O que está te impedindo?

— Eu não quero! — Resmungou o mais jovem. — Por que os outros saem para caçar e eu tenho que ficar aqui, treinando isso? Ou melhor, APANHANDO!

— Porque… sim? — Respondeu o mestre, cingindo os olhos. — E vai ficar aqui, treinando comigo até eu ficar satisfeito com o seu desempenho.

O garoto mantinha o olhar sobre seu mestre, sabia que ele viria com tudo naquela nova investida e isso exigiria mais dele naquele momento já esgotado de suas energias. “Eu não aguento mais! Se não fizer algo agora... mas como…?!”, perguntava-se sem a clareza de uma resposta.

Exatamente como imaginou, o seu mestre investiu com tudo em movimento ainda mais rápidos e sem qualquer hesitação e ainda mais rápido que antes.

“AVANCE!”, gritava seu mestre para que ele não apenas ficasse a esquivar-se dos golpes, com muita agilidade inclusive, mas que não recuasse no processo. Essa era a dificuldade maior de Ankeus, que nas tentativas anteriores acabava por ser golpeado e voltando ao zero. “Eu preciso avançar, mas como farei… É ISSO!”, pensou ele vendo a chance. Seria aquilo que seu mestre pedia atenção e foco?

Um passo foi dado à frente e o mais velho percebeu que estava a progredir. Isso acabava por fazê-lo investir mais pesado contra o garoto que estava a avançar enquanto esquivava dos golpes. Os seus olhos estavam mais focados, suas pupilas estavam dilatadas, diferente de outras vezes, mas não apenas isso. Havia um brilho diferente naquele olhar, mas que desapareceu no instante seguinte quando o garoto saltou usando o próprio bastão de seu mestre para impulsioná-lo.

Tudo aconteceu rápido, e o homem foi impedido de seus golpes quando sentiu um puxão às suas costas obrigando-o a se virar na tentativa de puxar de volta seu bastão. Surpreendeu-se com o que viu e sua arma sendo quebrado ao meio.

A mão do garoto ganhara aparência escamada escura e segurava o bastão quando esse foi esmagado. Os seus olhos reluziam e sua respiração era ofegante. Ele mesmo não tinha se dado conta até perceber a expressão de seu mestre e as mãos dele nuas, o bastão quebrado ao meio no chão.

— Nada mal… — Comentou o homem, olhando para as duas metades de madeira em suas mãos, e delas para a mão escamada do garoto. — Nada mal mesmo. Quero ver esse entusiasmo mais tarde, depois da refeição. — Disse passando uma mão nos cabelos de seu aprendiz.

Ankeus comemorou a princípio, quando se deu conta do que o seu mestre havia dito.

— Mas… peraí!!! O senhor disse que…!!! — Reclamou.

— Eu disse que o treino só acabaria quando EU estivesse satisfeito. — Comentou o homem, com um sorriso maldoso. — Depois da refeição, vou querer ver o seu desempenho... junto com os grifos.

— O que foi, Ankeus? Está pensando em se entregar? — desafiou Chrysaor, despertando de seu devaneio.

— Por que não paramos de falar e vamos direto para o que nos interessa, Chrysaor? — respondeu Ankeus colocando-se em posição, fazendo o mesmo movimento que ele com sua lança.

Chrysaor abriu um sorriso e investiu novamente contra Ankeus. Diferente de antes, ele não estava apenas a esquivar-se, mas a avançar contra ele. Os golpes se tornavam mais intensos, e o Marina parecia não conseguir atingi-lo como antes ou o seu meio-irmão estava a ignorar todo e qualquer dano contra seu corpo.

A lança nas mãos de Ankeus giravam para bloquear os golpes mais diretos, mas não sem nunca mover-se com extrema agilidade de modo a permitir que avançasse de encontro ao seu oponente.

Assim como naquele momento, seus olhos dilataram-se e reluziam intensamente, assim como do próprio Chrysaor que se tornaram inteiramente esbranquiçados. Foi nesse instante que o Marina impregnou seu cosmo na ponta da lança e investiu com mais força, e Ankeus sorriu de canto porque estava esperando exatamente aquele momento.

Num milionésimo de segundos, fincou sua lança no chão e ganhou impulso para o alto e saltando frente ao Marina. Este então percebeu o plano de Ankeus e virou-se cortando o ar em meia-lua contra ele, mas caiu no vazio.

Quando fez o movimento de volta, o que viu foi a imagem de uma grande serpente marinha, com os olhos reluzentes recaindo sobre ele com sua bocarra aberta. "Isso... é um Dragão marinho?", pensou Chrysaor surpreso com o que via.  O golpe havia sido anulado e ele somente percebeu a criatura avançar contra ele.


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Suiya levantou-se num susto. Demorou perceber onde estava, até ver-se deitada na cama onde se amou com Ankeus quando ele chegou em Lemúria, mas que não o via há semanas desde o incidente na praia.

Aproveitara aquela noite para ver se o encontrava no porto, mas não havia qualquer sinal dele. Mesmo o Sr. Oclis mostrava-se preocupado com seu desaparecimento repentino e nenhuma taverna sabia dele. "Ankeus, onde você está...!", pensou ela aflita, o coração ainda acelerado por despertar daquela maneira.

Subiu ao convés, a noite limpa e estrelada como naquela em que conversaram antes de deixá-lo. Olhava para as águas temerosa de que encontrasse seu corpo, mas era tolice. Ele era um navegador habilidoso e orgulhava-se de ser um exímio nadador — minimamente exigido para um timoneiro. Levou a mão ao rosto e olhou em direção da praia dos Ninhos Rochosos, arriscando-se de seguir até ela mais uma vez esperando encontrar qualquer sinal dele.

Tal como antes, nada havia ali, senão aquela terrível sensação de antes de que se algo o aconteceu foi naquela praia. As marcas de uma batalha ainda eram visíveis e o tentáculo levado era mais que suspeito. Olhou novamente em direção das águas e foi como se sentisse algo emanar dela. Não eram o brilho azulado dos fitoplâncton que chamava sua atenção, mas um reflexo branco vindo da água sem que nenhuma luz se projetasse naquele ponto.

Ela entrou na água, molhando-se até pouco abaixo da coxa e próxima o bastante daquilo. Os olhos de Suiya brilharam, tal como suas mãos naquele momento. Ela sentia, fraco, mas sentia uma energia vinda dali, e sorriu.

"Ele está vivo!", pensou ela olhando para a imensidão do mar banhado pela lua.


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