A Melodia do Princípio escrita por Ton D


Capítulo 1
Prólogo - O Vigia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/61957/chapter/1

O que é a morte? A recusa do coração em bater, o falecimento dos órgãos decorrente do mau funcionamento de alguma parte do corpo? Ou será o que os filósofos, místicos e religiosos tanto afirmam, o fim da vida mortal e o começo da imortal, seja através da reencarnação, da fé ou dos nossos próprios feitos? Questões como essas não tem uma única resposta e ainda está para nascer o dia em que uma resposta terá maior peso do que outra. A morte é somente a morte, algo inexplicável e que independente do que se afirmem, não podemos fugir, pois para tudo com exceção da morte há uma fuga, seja de um nobre que abusa de seu poder através de impostos nem um pouco módicos ou de uma vida campezina, vivendo de trabalho com uma esposa feia, gorda e desdentada junto com um número absurdo de filhos e filhas, cada um mais iletrado que o seguinte. Mas a morte, ah meu amigo, essa não há como enganar, não importa se você é nobre, um bom católico, um porco judeu ou um relés mendigo mal-cheiroso, a morte nunca se atrasa para encontrar alguém. 

Ele observava aquela pequena cabana afastada na orla da floresta senhorial. Quanto tempo já se passará desde que ele havia descido de seu cavalo e se instalado entre as sombras noturnas que invadiam os vãos entre uma árvore e outra daquela densa floresta, salva exceção da fraca iluminação que conseguia passar por entre os ramos mais altos das copas, formando pequenos feixes de luz? Quanto tempo ele ficara divagando naquele mesmo local sobre como a atmosfera em si transparecia o que iria ocorrer ali, o cheiro acre e forte no ar de sangue e fogo, o lamento da ventania noturna que mais lembrava gritos de terror e morte? Ah, talvez já houvessem passado horas desde que Christian despertará para aquela fatídica noite ou talvez minutos, ele não sabia. O tempo ás vezes tende a mudar terrivelmente sua velocidade quando se vive mais do que se pode contar nos dedos. Mas uma coisa erá certa em tudo isso, a morte não se atrasava para sua viagens, e infelizmente aquela casa estava no itinerário do dia.

Christian conhecia a morte muito bem, uma antiga e sinistra amiga. Podemos até afirmar que ele a conhecia como a uma amante se vocês acharem melhor, afinal, não fora ela quem há muito tempo viéra na forma de uma doença jamais vista por nenhum curandeiro, bruxo ou sangrador do século IIIX e lhe ameaçará levar de vez a vida? Mas não, um homem como Christian, filho de nobres, na flor de sua masculinidade aos 30 anos, morrer em uma cama agonizando com dores profundas no coração? Não, isso jamais. Fora assim, com esse pensamento e ideal que ele abdicou para sempre de seus dias, sua humanidade e quem sabe até de sua alma. No auge de seu desespero Christian fez o que nenhuma pessoa de fé faria naqueles tempos remotos, procurou a salvação e a danação eterna nas mãos daqueles a quem sua família servia há séculos como carniçais, servos mortais que em troca de seus serviços recebem dinheiro, poder e alguma influência de seus senhores. Christian se tornou um vampiro, uma criatura nefasta de intenções diabólicas e que “vivem” para trazer o inferno, o medo, a destruição e a miséria aqueles que acreditam em nosso bom Senhor Deus, aleluia.

Mas Christian era tudo, menos o típico vampiro imaginado pelo povo ignorante. Era dotado de um senso de justiça e bondade inquestionável que já surpreendera até o mais santo padre da época. O bom e nobre Christian, sempre ajudando aqueles que necessitavam de ajuda, sem se importar com o que as suas ações lhe renderiam na sociedade dos nobres, afinal, aonde já se vira um nobre que deixa de cobrar impostos e que pagava á seus servos pelo trabalho? Talvez essa tenha sido uma das causas que fizeram com que os Antigos (pois era assim que Christian se referia aos vampiros de idade avançada) o aceitassem em sua seleta roda, pois como vampiro, Christian era impossibilitado de aparecer à luz do dia e ajudar seus servos e aquelas pobres almas mortais publicamente, pois como explicar alguém que nunca envelhece ou fica doente para camponeses que acreditavam que uma noite de lua cheia traz má sorte para quem se aventure a sair de casa (o que é mais do correto afirmar, fica aqui a dica)? Mas mesmo assim, Christian continuava ajudando-os das sombras, comandando carniçais e influenciando nobres. É, Christian era tudo menos nefasto. Então como explicar o que se passava naquele momento, ele esperava a eminente morte de uma família inocente que fora pega na rede de intrigas daqueles que temem o dia e nada fazia para lhes alertar ou ajudar.

Ele chegara à orla da floresta que margeava os muros do pequeno feudo por volta das 20 horas. Demorara no mínimo uma hora para chegar e outra para revisar cautelosamente o plano a fim de evitar erros. O feudo não tinha nada de diferente dos outros, era composto por um modesto castelo que anteriormente fora uma torre ao norte da única entrada, guardada pois dois grandes, gordos e burros guardas. Deus os abençoe por sua total inocência ao achar que aqueles homens seriam capazes de se muito, avisar outros guardas de uma possível invasão. Mais ao sul ficavam as casas que formavam uma pequena e imunda vila. Um pouco além da vila, ao leste, ficava uma igrejinha aonde todos os dias aquelas pobres e cansadas almas se reuniam para buscar a salvação através de rezas e da compra de indulgências, afinal, existe modo mais certo de garantir o paraíso do que com dinheiro e trabalho quase escravo? Chegara a tempo de ver a pobre família que não sabia o quanto estava sendo usada em suas últimas tarefas após o toque de recolher na pequena casa que parecia uma intrusa entre o castelo e a floresta senhorial. Vira o pai, Edward Halford, um homem de aparência bruta, braços fortes, dono de um andar exclusivo dos coxos, careca e de um olhar feroz, porém cansado, chegar com a pequena caixa de madeira em sua casa. A caixa, gabava-se ele para a mulher Joane, continha um artefato ao qual lhe fora conferida a tarefa de guardar com a própria vida pelo próprio senhor do feudo, prova irrefutável da confiança de que o seu senhor ainda lhe tinha mesmo após tantos anos após ele sofrer o acidente que lhe tornará coxo. Pobre e tolo camponês, mal sabia do terrível destino que aquela caixa lhe conferia, uma marca que só chamaria a morte e o desespero ao invés da fama que ele tanto almejava.

A parte que mais revoltara Christian não era a lembrança da tola esperança de Edward, e sim a lembrança da pequena filha do antigo cavaleiro. Após se vangloriar para a esposa, ele se dirigiu para o terreno que ficava atrás da casa onde ficava os porcos e as galinhas, na certa a procura de sua filha, afinal, quantas mais pessoas ouvissem sua história, mais seu ego e sua perna melhorariam. A garota de nome Catherine estava sentada em um pequeno banco com um livro em seu colo, coisa rara na época se tratando de camponeses, e um saco de grãos aos seus pés. Não aparentava ter mais do que 12 anos. Cabelos loiros, longos e maltratados devido à vida miserável que levava. A pele era de uma brancura e maciez quase angelical e os olhos, de um verde terrivelmente belo. Em suas mãos, segurava uma tosca flauta de madeira esculpida por uma faca um tanto quanto cega ou por um escultor muito inexperiente pela aparência que tinha. De olhos fechados, a garota não reparou no pai que lhe entrava no campo de visão. Enquanto o pai se aproximava, ela levou a flauta aos lábios delicados e começou a soprar. Christian desde pequeno tocava alaúde e tivera sempre uma paixão fulminante pela música. Passara grande parte de sua não-vida dividido entre afazeres dados por seu mentor Alexander e viagens como trovador por toda a Europa. Fora difícil se concentrar na cena que se seguiu, pois a garota tocava como se anunciasse a entrada das nobres e boas almas no paraíso. Somando isso a luz do luar e a beleza infantil e inocente (que não perdurariam mais do que dois anos antes de amadurecer) de Catherine, tinha-se a fórmula para o ápice da beleza e da arte. Christian mal pode aproveitar o jubilo que a cena lhe proporcionava, pois para seu espanto, a garota foi subitamente arremessada sobre o saco de milho por um forte soco dado por seu pai. O homem gritava em sua histeria que aquele comportamento era impróprio para uma mulher honrada e que cuidava de sua casa, que ela desonrava o nome de seus ancestrais ao se dedicar a coisas fúteis como a leitura e aquele “soprar graveto” ao invés de ajudar a mãe que tanto sofrera durante o parto para coloca-lá no mundo. Aquilo fora demais para Christian. “Lembrando-se” de que esquecera algo em sua mochila atrelada à cela do cavalo, deu as costas para a casa e se embrenhou na floresta enquanto ouvia os gritos da menina misturados com o barulho de socos batendo em pele macia e inocente. Suas mãos estavam fechadas com tamanha força e ódio que se ele fosse capaz de se mostrar, concerteza faria um dueto com a pequena garota.

E lá estava ele, horas após essa cena, observando a fraca luz que saia de uma das janelas da humilde casa, pensando que caso alguma coisa saísse errada como ele pressentia que sairia, ele deveria salvar aquela pobre garota custe o que custasse, afinal, um talento como o dela ser desperdiçado tinha peso igual á quebrar um dos 10 sagrados mandamentos. Foi enquanto pensava sobre o brilhante futuro que aquela criança poderia ter com o estímulo e a proteção correta que ele ouviu:

- Desculpa pelo atrraso Christian, mas encontramos algumas pequenas problemas peludas na estrada. Mas vejo que você estar entrretida em seus pensamentos, pois com uma audição igual a sua jamais imaginei pegar você de surprresa.

Reconhecendo a voz, Christian se virou para olhar aquele que já lhe ajudara tantas vezes. Era um homem loiro, olhos azuis, de aparência modesta. O recém chegado não aparentava ter mais do que 40 anos, cabelos longos, tez branca, ombros largos e barbado.

- Provavelmente alguns peões deixados para trás durante a viagem. Tiveram muitas baixas? – perguntou Christian com ar de dúvida.

- Você parrecer não conhecer meus homens Christian. Saber muito bem que não serrão alguns pequenas lobas que farrão com que tenhamos baixas – responde Gustav com seu forte sotaque acentuado pelo tom de graça em sua voz, enquanto indicava as sombras até então imóveis ás suas costas.

Ao leve movimento da mão de Gustav, vultos começaram a emergir por detrás de árvores e da penumbra que era a floresta àquela hora. Pelos olhos de Christian, chegavam a 30, um número suficientemente grande para enfrentar uma tropa média de lobisomens se tratando dos homens de Gustav.

- Você ficar vigiando a isca a noite toda. Estar tudo de acordo com a plano de nossas senhorres? – perguntou Gustav com cautela.

- Sim, não precisamos nos preocupar por hora com o plano. Até o momento aqueles velhos tem mostrado que são realmente bons em prever as coisas. Só espero que Rendall esteja entre os lobos. Existem muitas vidas inocentes envolvidas nesta missão, não podemos retornar apenas com cabeças de alguns cachorros. – respondeu Christian com um mesclar de preocupação e determinação.

- Aha, vocês britânicas ser engraçadas Christian. Como se Gabriel fosse confiar uma tarrefa importante somente as lobas.  – debochou Gustav.

- Shhiii!!! – sussurrou Christian enquanto aguçava seus ouvidos.

Ao sinal de Christian, os homens que até então haviam permanecido silenciosos se colocaram em alerta e Gustav que vinha se mostrando despreocupado, aparentava estar ansioso e um pouco nervoso.

- Eles estão aqui, preparem-se e lembrem-se, nosso objetivo é capturar o mago que deve liderar a tropa. Não se contenham se dão valor a suas não-vidas. – sussurrou Christian enquanto encarava aqueles homens que ele mal conhecia, mas que hoje eram como parte de sua família.

No final, as coisas sempre terminam assim. Pessoas que não se conhecem e que raramente cooperariam se unem por um bem maior, manter-se vivos. No caso de Christian, Gustav e seus homens, eram criaturas que se uniram para preservarem suas não-vidas durante uma missão, mas que as dariam de bom grado em troca do sucesso da tarefa. Não passam de soldados que só querem poder acordar em mais uma noite, olhar a lua e quem sabe beber o sangue de alguma meretriz em uma taverna qualquer se tiverem um pouco de sorte. Muitos deles não poderão testar essa sorte na noite seguinte e nem em nenhuma outra, e eles sentem isso no terrível uivo que parecia estar vindo da entrada do feudo. Alguns se tornarão heróis por seu sacrifício nesta noite, outros, por terem sobrevivido a mais uma noite na Europa vampírica do século XI, cheia de conflitos e intrigas que perduram até os dias atuais. Mas todos eles sabem que para cada um deles que cair, dois cairão nas linhas inimigas pelas mãos de seus companheiros que levarão desta luta as vontades do que se tornarem cinzas. Porém, dentre eles, somente Christian sabe a grande escolha que ele tem de fazer e as terríveis consequências que ela traz, pois essa escolha pode mudar tudo. E enquanto todos avançam com suas armas em mãos para os seus destinos, Christian diz para si mesmo:

- Não importa o que ocorra, a garota tem de sobreviver.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, peço desculpas logo de começo mas amo flashbacks e coisas como passado e presente, isso ocorre quando a pessoa tem como referencia séries do Stephen King, Lost, Saw e afins, então uso e abuso deles 'x'. Achei que ficou meio cru, mas tento melhorar nos futuros capítulos pois acho chato reescrever histórias, sei lá, mata a linha de pensamento inicial @~@. Resumo direto do Prólogo: "Então ele olhou, pensou e lembrou até chegarem pessoas. Ao longe, todos escutaram um terrível uivo que só poderia estar anunciando o inicio de uma terrível batalha... Luta? Não, o fim mesmo." Té mais.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Melodia do Princípio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.