Flores artificiais escrita por Café Hoo Lee


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

A história é ambientada em algum lugar do futuro e em qualquer lugar no Brasil.
Este primeiro capítulo também é muito introdutório e peço que não deixem de dizer o que pensam sobre a escrita e o enredo. Críticas são bem-vindas, mas sejam educados or I'll show no mercy! Estou sempre disponível por inbox.
Obrigada mais uma vez :**
Kissus, kissus e um hoo hoo



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Capítulo 1

Fogo. O folheto em preto e branco simplesmente pegou fogo ao lado de minha cama.
Um. Dois. Passos. Estou sozinha e quero continuar assim. Três. Se chegar a cinco alguém entrará. Quatro. Por favor, desvie, morra, suma ou simplesmente não entre aqui. Cinco. Ótimo. A mulher cinza com uniforme de enfermeira branco me lança mais um de seus comentários corrosivos que bate com força na parede invisível de desinteresse que criei.

Não preciso de muito para saber da rotina de visitação ao meu quarto. Antes de vir até aqui ela tomou um café expresso com doses cavalares de leite e açúcar, subiu as escadas infelizmente não rolou e nem morreu, parou no balcão falando alto e rindo com alguma residente e então contou assim como eu os cinco passos até chegar na minha porta. Agora ela entra no lugar com medo do olhar debochado e frio de satã debilitado, quando satã, no caso, é só uma adolescente pálida e faminta. Então ela olha pela janela pensando nas merdas que já fez da vida e em todas as escolhas erradas, pensando no porquê de perder tanto tempo com doentes que sequer perderiam tempo consigo mesmos e não encontrando resposta alguma para tais questionamentos. Depois vem o filho, o seu maldito filho viciado em bons costumes. Lembra-se de como ele jamais faria o absurdo imperdoável que eu fiz e respira fundo, decidindo por fim que sou apenas uma criança mimada querendo chamar atenção. Ela olha com um desgosto exagerado para as minhas cicatrizes e meus novos ferimentos, então vem até mim para trocar os curativos e palestrar sobre minha falta de bom senso.

A atmosfera ainda é a mesma: tudo branco demais, claro demais, arejado demais, com um cheiro de formalina e álcool 70. O sol teve a audácia de mostrar a cara ou a bunda para mim mais uma vez hoje cedo. Ela termina tudo e me dá uma mesinha cheia de dor e sofrimento, de desaforos que em meus melhores dias eu jamais diria a alguém, inclusive tem pudim ou são as tetas da mãe dela que eu rejeito veementemente com as mãos enquanto engulo o mingau. O pudim está roxo.

Ela começa a organizar as coisas.

Por motivo nenhum continuo olhando as cinzas do papel chamuscado com um misto de excitação e desespero, ao passo em que vários pensamentos rápidos correm por toda a extensão de minha mente, sem desacelerar quando tento fisgá-los usando minha pouca sanidade como isca. Como isso aconteceu? Talvez eu finalmente tenha adquirido poderes mágicos, talvez eu finalmente possa dominar o mundo, talvez finalmente algum ser solidário tenha vindo do inferno tentar me matar, talvez o purê verde seja radioativo e os pedaços bolorentos não sejam de brócolis talvez eu finalmente possa sair daqui.

– Como você arrumou fogo? - A senhora me encara, incrédula.

– Não se arruma fogo - Me parece óbvio.

– Você arrumou! O folheto está em cinzas!

Ergo os dois olhos enormes que Deus me deu e a encaro com todo o “Ah, por favor” sarcástico que consigo reunir, torcendo descaradamente os lábios.

Ótimo, culpe a demente sedada pelo incidente com fogo. Ela exige uma resposta eu exijo uma ligação e o direito de ficar calada.

– Eu preciso saber como você arrumou este fogo, responda!

E seu filho, como vai? Já morreu?

– Eu não arrumei. Fogo é caos, é desordem, é intocável, é de conhecimento geral que não se arruma fogo – a encaro por alguns segundos e complemento - O folheto tratou de queimar-se por si só, sem a ajuda de ninguém e com o fogo provavelmente muitíssimo desordenado.

Dou de ombros, arranje um demônio diarista, talvez ele resolva.

Ouço-a bufar, claramente preocupada e irritadiça.

– Mandarei revistarem seu quarto se não for honesta comigo. Não é o que quero fazer, mas se for preciso não hesitarei – complementa, como se adiantasse de algo.

Se fosse preciso, eu mesma não hesitaria. Um isqueiro e era churrasco de hospital para sempre.

Na verdade não, me pareceu interessante num primeiro momento, mas analisando bem isso seria muito doentio.

Muito mesmo.

Não que não seja doente, eu sou doente. Apenas acho que existem doentes e doentes; e o meu problema é comigo mesma, não com os outros, não machucaria pessoas internadas só para me ver livre desse lugar eu quero muito acreditar nisso.

– Irei “chamar reforços”. Fique quieta!

Faço uma careta sinistra para lhe rogar uma praga e ela acelera o passo.

– Não voltarás!

Viro-me de lado, ignorando os resmungos da mulher.

Sinto-me regredir na velocidade de um furacão sobre tudo o que já conquistei desde que a última tentativa falhou. Estou fria, rígida, imune a quase qualquer tipo de dor. Viver é parecido com fazer um test drive eterno numa porra de carro ruim que você não pode devolver então continua dirigindo eu apenas continuo e continuo e continuo queria parar por aqui. É assim que se parece estar morta? Não estou aqui nem sequer há uma semana e já tenho mil rotas de fuga, eficazes ou não. Não é bem a questão de “há quanto tempo estou aqui” e sim uma questão de quanto tempo eu sei que vou ficar. O problema de tentar morrer é que a gente se sente muito vivo, e assim como a heroína, a sensação nos vicia e nos decepciona, como se cada tentativa fosse uma última dose prometida por favor só mais uma essa, é a última, é só mais essa, se funcionar eu juro que paro para sempre.

Injeto a morte nos meu sangue através das sinapses dos meus neurônios vagabundos, partindo de uma imaginação extremamente fértil, e aproveito os efeitos entorpecentes da minha droga recém-criada. Fecho os olhos, relaxo pela primeira vez em um bom tempo.

Até agora ninguém conhecido ou da família veio me visitar e não sei se é permitido eu ficar aqui sozinha, mas devem ter achado uma forma de burlar as regras sobre cuidadores palavras não expressam o quanto estou grata por isso.

Notas clássicas de uma música que não compreendo embalam meu sono desperto. Forte forte con fuoco forte forte con fuoco Uma vez ouvi dizer que Beethoven moía exatos 60 grãos de café antes de compor. Eu sempre gostei da ideia de moer meus próprios grãos e até pouco tempo atrás contava sessenta todos os dias e preparava o líquido negro e extremamente forte resultante da minha pequena homenagem ao ídolo, talvez porque isso me fizesse sentir mais dentro da sinfonia mal harmonizada da minha mente.

Aí está, café. Quando já não me resta nada, quando já não sou mais nada, quando estou completamente esgotada física e mentalmente... talvez já não me reste esperança, mas ainda me resta o café. Gosto de dividir meu humor entre Latte, Macchiato, Americano, Moccha: a mim me faz mais descrita argumentar assim do que dizer que estou simplesmente triste ou meramente feliz. Não, café me traduz bem melhor que palavras.

Atualmente eu sou um café preto, sem açúcar, Americano com um pouco do jeitinho brasileiro.

Abro os olhos e fito o soro pingando gota após gota ao meu lado. Desde criança isso me dá um certo pânico. Tão demorado e opressivo, tão invasivo, tão cruel com minha falta de paciência tirem já esta droga daqui.

Não sei ao certo se estou ficando mais louca (e se estou que isto sirva de aviso aos hospitais que contratam gente assim) ou se realmente acabo de ver passar uma comitiva no mínimo assustadora de homens bastante distorcidos compridos e magricelas de ternos multicoloridos correndo muito rápido pelo corredor... rápido demais. Rápido daquele tipo sobre-humano, eu diria. Rápido mesmo.

Algo como ver cavalheiros de aquarela colorindo e descolorindo um hospital de tela. Se não forem alucinações ou seres das trevas, achei bonito. Se bem que ainda prefiro estar ficando mais louca a ter que lidar com uma realidade alternativa antes dos trinta minutos do segundo tempo anos.

A minha porta se abre e eu me tranco.

Um homem realmente muito bonito entra no meu quarto e me sorri, fechando a porta atrás de si e trancando-a sem fazer ruídos , então senta-se ao lado de minha cama e ergue a mão para afastar meu cabelo do rosto. Pergunto-me por um instante o porquê de eu não estar gritando “Socorro, velha cinza!” com tudo o que posso até perceber que ele possui um crachá do hospital e um ar muito convincente de alguém que desempenha um papel importante e porque eu adoraria que ele fosse na realidade um pervertido querendo se aproveitar desta moça em plenas pós graduações mentais. Experimento me sentar e ele me auxilia com um dos braços, surpreendendo-me com a força.

Nem de longe o homem é parecido com as assustadoras figuras do meio das quais acaba de sair. Usa um terno preto de veludo que, quer por imaginação minha, quer por leis da física, reflete em tons furta-cor quando a luz solar incide sobre ele. O rapaz não é comprido, nem tampouco é magricela, seu porte físico é saudável e os cabelos louro queimado lhe caem bem com os olhos violeta. Aparenta ter por volta dos 20 anos e sua pele extremamente branca me deixa um tanto extasiada. Não entendo o que ele quer aqui, mas é o primeiro funcionário do hospital que não me desagrada no todo.

Tomo um grande susto quando finalmente percebo o quanto é anormal ter inquisidores olhos violetas sobre mim e ele parece tentar me acalmar segurando meus ombros na cama.

– É apenas uma anomalia, Flor.

Ele pronuncia meu nome com um sorriso gentil e então prende os cabelos em um rabo de cavalo alto, deixando de fora sua franja.

Permaneço calada.

Um colar em seu pescoço me deixa bastante intrigada e quase estico a mão para tocá-lo. É um colar longo de prata entrelaçada, chegando até o meio de seu peito e então se tornando na base onde uma pedra negra do tamanho de um punho e cheia de minúsculos pontos de luz está emoldurada por um metal que desconheço. Não combina muito com seu terno, aliás, lhe dá uma aparência ainda mais incomum.

Espero não tê-la assustado muito com minha aproximação e com meus modos...

– Incomuns.

Completo antes mesmo de ter tempo de me mandar calar a boca mentalmente.

– Exato. Eu sou Bam e serei seu tutor a partir de hoje e até o fim de seu tratamento. Você deve ter sido comunicada a respeito de Vaen Byr Kyrim e de como funciona o tratamento que realizamos, correto?

Tutor? Obrigada, Universo. Quando um é homem bonito é também anormal, colorido, loiro e bastante interessado em fritar meu cérebro, para não dizer que também quer me adotar. Ótimo. Universo Infinito, demente zero.

– Flor? ... Flor?

Um toque suave em meus ombro.

– Desculpe.

– Antes de qualquer outra coisa... Gostaria de dizer em nome de Vaen Byr Kyrim que é um alívio que não tenha deixado de viver.

Não não não não não não não não não por favor esse discurso não.

Não respondo, me recuso a responder até que ele me lance um olhar insistente de quem busca uma resposta.

– "As flores de plástico não morrem".

O rapaz sorri, creio que a resposta o satisfez, pois me rende uma resposta á altura: "A dor vai curar essas lástimas". Ele devolve minha citação com outra, jogando as palavras de forma arrastada e enigmática, desnudando de maneira descarada a mensagem de que na frase há mais de mil sentidos ocultos aos quais eu devo desvendar.

Como continuo em silêncio depois disso, ele decide levantar e abrir mais as cortinas, trazendo uma claridade desnecessária para meus olhos.

– Poderia deixar as cortinas fechadas? A claridade me incomoda.

– Brasileiros são mesmo seres intrigantes e fantásticos, mesmo quando fazem o impossível para padecer... resistem.

E o sono toma conta de mim sem que eu possa questionar.


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Notas finais do capítulo

Ufa, acabou. Ok, não é "O Maior Capítulo De Todos Os Tempos", mas acho que consegui passar tudo o que queria para o primeiro capítulo da fic. Agora é a vez de vocês... Gostaram? o.o
Amaram? Odiaram? Repudiaram? Contem-me tudo e não escondam nada, pequenos gafanhotos, suas opiniões são importantes!
Beijo na testa de todo mundo porque não respeito espaço alheio.
Kissus, kissus e um hoo hoo