A Heroína Imperial [HIATUS] escrita por Amaya


Capítulo 2
Capítulo 01: São apenas pensamentos conturbados e sussurros perturbadores


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Este capítulo ficou pequeno D: mas vou tentar escrever outro maior da próxima vez.
Escrevi este capítulo ouvindo "Heart Of Gold", da Birdy.
Tenham uma ótima leitura! E aproveitem bastante!



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A Heroína Imperial – Capítulo 01
São apenas pensamentos conturbados e sussurros
perturbadores

O alarme do toque de recolher já havia soado, estamos todos caminhando para os nossos quartos depois do jantar, como de costume. Estamos cansados, principalmente meu pai. Ele teve um dia de trabalho complicado para ele. Estamos em guerra. Há bastante tempo, para ser sincera. Todas as produções estão paralisando, incluindo a indústria têxtil onde meu pai trabalha como operador. Os trabalhadores estão entrando em greve, paralisando todo o sistema de produção. Estão abdicando de suas obrigações para dedicarem-se às suas famílias, protegê-las ou se voluntariarem para lutar na guerra.

Como há poucos trabalhadores remanescentes, a rotina de trabalho foi dobrada. Há bastante voluntários ou pessoas obrigadas a entrarem na guerra pelo Governo, contudo, não podemos parar. O Governo não vai suprir as nossas necessidades se meu pai abandonar o emprego para cuidar de sua própria vida. E da nossa também. Estaríamos à beira do abismo.

Mais do que já estamos.

Estou terminando a escola, mas recentemente minha irmã e eu temos ficado em casa. Graças ao último bombardeio, tudo o que restou de minha escola foram apenas escombros.

Então, estou por aqui.

Eu sigo para meu quarto, depois de um delicioso jantar com batatas assadas, arroz marinado e hortelã, e me deito. O quarto é pequeno, com uma pequena janela que emana uma luz fraca e prateada emitida pela lua grande e redonda. Um cômodo relativamente pequeno para duas camas, uma penteadeira e duas adolescentes literalmente acabadas.

Olho para o meu lado direito, à procura de minha irmã por entre as cobertas de sua cama, do outro lado do quarto.

– Hey, Lara? Acorda, ainda não está na hora de dormir. – Eu sussurro para ela, chamando sua atenção. Ela move-se um pouco, depois se vira para mim e me lança um olhar cansado e divertido. Há um sorriso bobo em seus lábios.

Ela tem o mesmo sorriso da mamãe. Na verdade, elas são extremamente parecidas, mas apenas na personalidade. Na aparência, é quase impossível acreditar que são mãe e filha se alguém não o disser. Enquanto mamãe e eu temos os cabelos avermelhados e olhos verdes, Larissa tem os cabelos negros e olhos ainda mais escuros, como os do papai. Entretanto, isso é a única coisa em que mamãe e eu somos semelhantes. Na verdade, somos extremamente diferentes. Minha mãe é mais altiva, mais bonita, mais corajosa e gentil. Eu não sou assim.

Minha mãe diz que acabei puxando mais para o meu pai. Até mesmo nas coisas mais bobas e insignificantes como o mesmo sorriso, o mesmo jeito de andar, o mesmo jeito de mastigar a comida – às vezes esquecemos de alternar as passadas de uma bochecha para a outra e quando o fazemos, sempre seguimos o mesmo padrão: mastigamos três vezes do lado esquerdo, cinco do lado direito –. Além disso, somos assustadoramente calmos em situações de perigo, o que me ajudou a não morrer nos últimos dezessete anos de minha vida.

– Sim, Ann – responde ela para mim. Eu sorrio. Eu sei o que ela quer, afinal é para isso que a chamei. É um costume. Afasto um pouco , abrindo espaço na cama para que ela deite ao meu lado. Ela sai lentamente de suas cobertas, tremendo um pouco por causa do chão gelado e do clima frio. Ela passa as mãos sobre os braços cruzados, a fim de esquentar o seu corpo pequeno. Aconchega-se ao meu lado e eu começo a fazer carinho em seus cabelos longos. Ela olha para mim. Sei o que esse olhar significa. Um olhar desejoso, cansado, melancólico e, ao mesmo tempo, travesso. Então começo a abrir a boca para fazer soar cada nota de nossa canção. Havia composto esta canção para ela no porão há alguns anos, quando éramos menores e quando ela tinha mais medo. Ela estava chorando, perto de mamãe e então cheguei mais próximo a ela, a fim de acalmá-la. Improvisei uma canção para que ela dormisse.

A canção é composta de somente oito notas. As três notas iniciais repetem-se três vezes e as outras cinco somente uma. Na verdade, ela é um tanto sombria, isso talvez por causa do medo que pairava sobre nós naquela noite. Todos nós desfrutávamos da mesma sensação: terror. Acho que isso pode ter influenciado um pouco. Apesar desta contraditória, a canção funcionou como um calmante para ela e em poucos segundos, adormeceu. Mas como sou uma péssima musicista, acabei não inventando uma letra para a canção. Por isso, ela é apenas uma melodia criada numa hora curiosa, num momento infernal para uma menina de sete anos.

Mas isso foi há seis anos. E todas as noites, ela aconchega-se na minha cama, e olha para mim com aquele mesmo olhar entristecido e cansado, aquele olhar que desejava que eu cantasse.

E eu cantava. E eu canto. Toda noite, sem falta. E foi assim durante esses seis anos.

– Precisamos inventar uma letra para essa música, Ann. – Ela diz. É o que ela diz toda noite. Foi o que ela sempre disse antes de dormir.

– É sim. Quando eu for uma musicista melhor e não esquecer de inventar uma letra. Até lá, ficaremos sem – digo. É o que eu sempre digo. Foi o que eu sempre disse durante seis escuros anos. Como na esperança de que nosso medo se dissipasse, o dia em que estaríamos livres da guerra, em que viveríamos em paz, enfim. Essa música, talvez, seja a música que cantarei no dia em que tudo acabar.

E ela, como nos últimos anos, adormece na minha cama, abraçada a mim. O único lugar onde eu sei que ela está verdadeiramente segura.

Acordo com o cheiro do café da manhã. Ovos. Pão. Laranja fresca. Desço as escadas correndo, pois estou morta de fome. Creio que seja em torno de 08:30 da manhã, pela posição do sol, que vejo da janela do corredor, ocupando triunfante o seu lugar no firmamento.

Dele eu tenho muita inveja. E raiva. Ele observa tudo de lá de cima, tal como um narrador cômico de uma trágica história numa peça teatral. Um omisso, já que jamais pede ajuda por nós, sendo assim, auxiliando aqueles que ameaçam nossas vidas. Jamais nos ajuda, apesar de nossa situação desagradável. Penso, às vezes, que ele poderia apenas estar cumprido seu papel como astro-rei, como estrela: iluminar. Penso que talvez ele não fosse culpado por isso. Mas por outro lado, vejo-o como um inútil. Por que a sua luz, se ele vai embora pela noite? Por que não sumir para sempre? Por que não abandonar-nos? Se o sofrimento é tão evidente em nossos olhos, por que não nos ajudar e destruir a Terra duma vez só, acabando com toda a angústia?

Tão fútil. Tão inútil. Tão cruel.

É apenas um narrador de uma história trágica da vida de pessoas marcadas pela dor, opressão e sofrimento.

Ele é um traidor. Ou talvez apenas eu que seja uma pobre coitada e louca, que gosta de filosofar e culpar os outros pelas desgraças da humanidade.

Interrompendo minhas próprias filosofias sempre em fora de hora, ouço a voz de meu pai, chamando-me para o café. É um hábito estranho, porque meu pai sempre me reconhece, sem me ver, apenas escutando os meus passos.

– Papai! Bom dia!– exclamo. Entro na cozinha, e assim que o vejo, sentado no seu lugar à mesa de madeira, corro e atiro-me em seus braços, dando- lhe um beijo no rosto. Ele gargalha com o beijo longo e demorado que dou.

– O que faz aqui? Não deveria estar trabalhando? – pergunto, curiosa. E o observo enquanto, de repente, seus olhos perdem o brilho e o sorriso desaparece. Ele suspira e começa a acariciar meu rosto com o polegar direito. Eu odeio quando ele faz isso. Ele está prestes a me contar uma tragédia, disso eu sei. É apenas uma tentativa falha de tentar me acalmar. Um sinal de que nada está bem.

– Annie, querida... – Ele trava, balançando a cabeça para os lados.Eu vi seus olhos brilhar devido às lágrimas que ameaçam jorrar cair de seus olhos. Eu até mesmo sinto a dor e o desespero do que ele tem para contar, antes mesmo que ele o faça. Depois ele prossegue. – Acho que devemos contar quando a família toda estiver aqui. – Ele funga. Minha mãe olha para meu pai. Ela tem uma atmosfera sombria ao seu redor. Melancólica. Posso ver em seus olhos. Eu quero saber o motivo disso. Eu quero saber por que você parece tão triste, mamãe. O que te machuca? O que te faz ficar tão triste? O que há com papai? É o que pergunto a mim mesma.

Todas as minhas perguntas ecoam e fragmentam-se em milhares e milhares de ruídos silenciosos, como os daquele maldito rádio. Me fazem ficar tonta, atordoada, confusa. Eu quero que me respondam! Mas nada há para escutar além de ruídos silenciosos. Ruídos, que são a dúvida, a incerteza, o medo.

Doces sussurros incógnitos e silenciosos.

– Vou chamar Larissa. – Minha mãe quebrou o olhar que estabeleci sobre meu pai, fazendo com que nós dois olhemos para ela.

Ela sai da cozinha e encaminha-se às escadas.

Deixando-me sozinha com meu pai.

E os ruídos silenciosos que ecoam em minha cabeça.

Quando as duas retornam, sentam-se à mesa e assim como eu, Larissa estranha ver meu pai ali, mas não pergunta nada a respeito, apesar da curiosidade clara e evidente em seus grandes olhos castanhos.

Começamos a comer, em silêncio. Até que eu, não aguentando mais toda aquela ansiedade dentro de mim, pergunto o que estava acontecendo ali, batendo as mãos na mesa, fazendo os copos com o suco de laranja tremerem, os pratos plásticos balançarem, os talheres tilintarem. Respirei fundo e olhei para o meu pai, que me encarava assustado com a minha reação.

– Não esconda nada de mim, Adam Lewis. – Eu digo. Ele sabe, ele odeia quando eu o chamo pelo nome. Ele sabe que eu estou chateada. Fito-o, observo sua respiração calma, seus dedos que fazem uma batida ritmada na mesa de madeira envernizada. Um, dois, três, quatro dedos que se intercalam numa batida, num choque contra a mesa, produzindo o som. É um tique dele.

Está nervoso. Eu o conheço bem o suficiente para saber disso.

Ele tem uma tragédia para contar.

O Sol aqui parece ficar cada vez mais quente, como se estivesse curioso para saber o que irá acontecer, seu brilho entrando pela janela da cozinha, queimando minha pele, como se quisesse que eu olhe para ele. Mas eu estou ocupada! Não vê isso? Não tenho tempo. Não tenho tempo para olhar o Sol. Eu não quero saber a sua versão da história, não quero vê-lo se defender de meus pensamentos e acusações. Eu deixo que ele me queime.

Porque tudo o que eu quero nesse instante é saber a verdade.

Ele abaixa a cabeça e morde o lábio inferior. Uma lágrima rola de seus olhos e choca-se contra o chão. Respira fundo.

Olha para minha mãe. Ela está assustada.

Olha para minha irmã. Ela está assustada.

Olha para mim. Estou morrendo.

– Eu... – Engole em seco. – Eu fui despedido – diz, não aguentando mais segurar as lágrimas, deixando-as cair. Elas rolam e estilhaçam-se no chão.

Como o meu coração.

– A fábrica faliu. Eles não podem mais pagar os empregados. A guerra está acabando com todas as economias. Tudo está sendo direcionado ao exército. Os impostos, a produção. Tudo está sendo passado para o Governo e não houve remuneração. Eles não podiam mais nos pagar. Eles levaram tudo. Tudo, tudo, tudo. Mas não sei como, estava indo tudo tão bem. Como a fábrica foi falir? Tínhamos bastante dinheiro, éramos empregados dedicados, nunca faltamos com nossas obrigações. Estava tudo indo tão bem – choraminga. Ele está desesperado. Olho ao redor, minha mãe está com a cabeça enterrada nas mãos chorando desesperadamente e de uma maneira assustadoramente silenciosa. Ouço apenas as fungadas de seu nariz, procurando ar. Larissa enxuga suas lágrimas. Seu rosto está vermelho e suas mãos tremem.

E eu estou tão abismada com essa notícia que nem percebo que de meus olhos saem rios caudalosos e furiosos.

Tudo o que eu queria era que tudo terminasse bem. A guerra iria acabar, iríamos parar de nos esconder no porão, iríamos parar de sermos tão submissos, iríamos parar de chorar, de ter medo. Teríamos uma vida normal e feliz. Mas não. Eles tinham de nos levar tudo. Tudo o que tínhamos.

Todas as nossas esperanças, sonhos e desejos foram quebrados pela realidade. Enfiaram punhais em nossos corações, liquidando com todo o desejo que guardamos no mais íntimo de nosso peito. Todos os planos feitos foram rasgados como papel velho, foram levados como poeira ao vento.

E como se não bastasse liquidar com todos os meus desejos, eles vão liquidar com a minha família. Porque para o sustento da família de um homem desempregado, em meus dias, só há uma solução. E mais do que qualquer coisa nesse mundo, ela é a pior de todas as opções.

Meu pai iria lutar.

Mais um motivo para que eu odeie meu Governo, que leva embora as pessoas que amo, as leva para a guerra e as mata.

Mais um motivo para que eu odeie meu mundo.

Mais um motivo para que eu odeie essa guerra.

Mais um motivo para que eu odeie os seres humanos.

Eles querem matar minha família.

Querem matar meus sonhos.

Querem quebrar meu coração.

Querem me fazer chorar.

Querem me fazer ter medo.

Eles querem me matar.


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Notas finais do capítulo

Quaisquer erros presentes aqui neste capítulo, por favor, me avisem para que eu possa corrigir!

*[ATUALIZAÇÃO]: Historia atualizada em 29/07/15*

Espero que tenham gostado do capítulo e obrigada por ler!