Espelho de Gauss escrita por xoxors


Capítulo 2
Reticências, pedidos de desculpas e flores


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, minha vida ficou louca
Capítulo não betado



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22 de dezembro.

Um piscar de olhos e todo o branco e cinza, Campari e Red Label, havia sido substituído por enfeites natalinos em vermelho e verde, crianças batiam na porta do seu novo quarto para cantar jingle Bell, tão alegres, sem saber o que as esperava nos próximos anos de vida.

E cada mínimo detalhe lembrava ele. As luzes, as cores, a alegria.

Ethan só que queria um presente: um Zachy de volta, o Zachy. Mas de que adiantava o natal para Ethan Collins se ele havia sido um menino mau e papai Noel não lhe daria Zachary com uma fita no pescoço e embalado para presente em papel vermelho.

A cor dele era o vermelho, sua cor preferida, sua cor de vida. O vermelho de seu sangue que se espalhava de acordo o coração pulsante e lhe lembrava Zachy a cada batida. Ele o amava como o vermelho. Intenso, expressivo, carmesim.

Zachary Evans mexia consigo mais do que tinha o direito de mexer, fazia seu coração acelerar muito além do limite de velocidade e, ao partir, havia matado todas as borboletas que ainda poderiam fazer revolta dentro de si.

Agora, ele tinha silencio, vermelho, e um punhado de borboletas mortas para a ceia de natal.

E o prato principal era a solidão, que era ainda maior que a saudade. Não estava apenas sozinho de verdade, estava sem ele, e não valia nada ter qualquer outro se ele não estivesse consigo, engatado em seu enlaço apertado, como sabia que deveria ter sido, mas deixou-o folgado o suficiente para permiti-lo escapar.

Zachary Evans era tudo o que não tinha o direito de ser. Ele era as palavras emboloradas que não foram ditas no momento certo, os segredos que nunca poderiam ser revelados, os brinquedos esquecidos e as vidas passadas. E seu passado.

Passado. Que palavra feia. Sete letras que podem destruir todo um presente, ruir o futuro e transformá-lo em cinzas queimadas de um cigarro tragado. Transmutar o coração em um monte de cacos mal quebrados em pedaços disformes e nada organizado. O presente passa a ser uma estante desarrumada com livros de vários gêneros misturados em uma prateleira só.

E Zachy fez tudo isso, porque Zachy havia passado de sua peça imutável para sua peça passada. Mas a culpa não era dele. Não. Era sua.

Os dias eram monocromáticos e tediosos, e Ethan passava a pintar cores psicodélicas com um cérebro translúcido que projetava situações por puro tédio. E a ceia de natal já estava batendo na porta, então ele, a solidão e o cinza (um trio magnífico!) poderiam aproveitar todas as borboletas e o vermelho, porque ele o amava como o vermelho.

Vermelho também era a cor da sua bebida naquela noite, e ele fez questão de olhar para o céu no terceiro gole, e a lua parecia vermelha como em um eclipse, e tudo era tão vermelho que ele queria ver seu sangue verter na calçada e esboçar uma reação.

Ele achou que não estava bêbado o suficiente para o clima natalino, e não havia cantado Jingle Bell nenhuma vez naquele mês, e ele ainda se lembrava de tudo o que havia feito, ele ainda se lembrava do silencio, porque ela fazia questão de gritar em seu ouvido o quão estúpido tinha sido e que nunca poderia retirar aquele empurrão, ou aquele bater suave de portas, e os toques de Zachy Evans, macios como uma pena e delicados como um cisne, só poderiam ser reavidos nas noites frias de melancolia e filmes românticos e vinho, e as memórias serviriam como palco para uma masturbação, então, com a respiração ofegante e lágrimas escorrendo, o branco iria se misturar com o vermelho e, incrivelmente, tudo o que ele veria era cinza, afinal, essa era a cor dos olhos dele.

A voz de Zachy era doce como o som de uma harpa, calma e suave, sempre com os toques de animação tão característicos, e fazia tanta falta que, nos primeiros meses que estavam separados, ele se pegava em frente a um telefone publico e discava o numero dele, apenas para ouvi-lo repetir “Alô. Alô. Alô? Tem alguém aí?!” e desligar, e o toque insistente da linha, parecia o som do seu coração acelerado, e a voz dele era tão bonita que chegava a ser injusto.

Parou com isso quando percebeu o quão ridículo estava sendo, e seu cérebro tentava dissuadi-lo com alguns “Mas que mal há em ser meio ridículo e meio infantil?”, mas parou, porque um dia não foi a voz dele que disse “Alô” e aquilo lhe doeu tanto que largou o telefone lá, fora do gancho mesmo, e correu para os limites seguros de um bar qualquer, e bebeu tanto que quase não conseguiu chegar em casa. E aquela sensação de poder que sentia, de controle da situação e de gente feliz, já não lhe dominava, por isso, no sétimo copo e meio, ele bebia mais por costume do que qualquer coisa, afinal, algo tinha que se manter constante, e a familiaridade era como uma velha amiga e a falta dela lhe descontentava.

Mas no dia do natal, tudo lhe parecia meio estranho, mais para lá de anormal do que para cá de familiar. A festa lhe era familiar, a bebida também, a solidão já era sua companheira e o vermelho lhe acalentava, porém, ainda assim, algo parecia fora do normal.

E lá para o fim da primeira garrafa de alguma coisa alcoólica, sentiu seu celular vibrar. Ele tinha vontade de se estapear por aquele celular, de que adiantava jogar seu celular, com toda a lista de contatos, fora, e manter o chip, se recusando a mudar de número porque tinha esperança dele ligar, e, na verdade, sendo sincero como ele raramente era, a sequencia dos números do celular dele ainda estavam em sua memória, e ele não precisava da sua maldita lista de contatos para lembrar.

E ele deveria estar muito bêbado, muito mais do que tinha imaginado estar, porque aquele era o número dele, o que brilhava na tela, e quando aceitou a chamada e levou o aparelho até a orelha, aquela era a voz dele, ligeiramente embargada, como se estivesse com a língua meio enrolada, talvez com a ponta para o céu da boca, e ele precisasse desembrulhá-la a cada fala. Mas aquela era a voz dele, sem dúvidas.

— Você ainda tem aquela camisa vermelha que eu te dei?

Seu coração falhou uma batida, depois duas, depois dez. E sua respiração estava acelerada, e tudo nele rodava e não era a bebida, porque ele se sentia subitamente sóbrio, e agradeceu por isso, porque não queria estar alterado agora, porque ele queria gravar cada segundo desse momento e, quem sabe, na próxima sexta-feira, no dia primeiro, se masturbar pensando na voz dele e pedir para o jorro de sêmen, se lançando como uma estrela cadente, para que pudesse ouvi-lo de novo.

Uma vez mais, talvez. Ou duas. Ou, talvez, nunca fosse o suficiente.

— Porque você não me liga mais daqueles números estranhos?

Oh, ele sabia.

Graças a Deus não estava bêbado, porque não queria falar com ele com a voz embargada como a dele estava. Como a dele estava... mas Zachy nunca bebia, e ele sabia bem o motivo, e algo tinha que estar terrivelmente, irrefutavelmente errado, para ele ter bebido. Pior, para ele ter bebido ao ponto de ligá-lo.

— Você bebeu Zachy?

— Que importa se bebi uma taça ou duas?

A culpa era dele, mais uma vez. Havia sido expulso da vida do garoto há cinco meses e ainda conseguia ser ruim o bastante para que o fizesse fazer algo que era para, não, nunca, absolutamente jamais, fazer.

— Você não me respondeu, Ethan.

— Eu não joguei. Nunca jogaria nada que você me deu fora.

— Sinto sua falta. Embora eu durma bem melhor agora.

— Aposto que tem mais coisas melhores agora.

— Mas eu quero o pior com você. Isso faz sentido?

Suspirou. Mordeu os lábios para conter o berro frustrado, mas isso não impediu as lágrimas. No que diabos havia transformado seu pequeno?

— Não. Não faz.

Doeu. Porque aquela era a confirmação de que não tinha mais volta, de que nada mais tinha jeito, que Ethan e Zachy iam ser apenas duas pessoas com grandes espaços entre elas, e com um duríssimo ponto final, e não havia traço ou virgula que os juntasse novamente, nem mesmo ponto e vírgula ou ponto continuação.

Era o final. Não uma pausa, não espaço. Mas o final do que já tinha acabado.

— Adeus, Ethan. — ouviu uma fungada, e nada mais.

A linha ficou muda, mas ele respondeu mesmo assim, porque devia isso a ele, devia uma despedida decente, lhe devia um ponto final.

— Adeus, Zachy...

Malditas reticências que não lhe deixavam desistir, talvez nunca deixassem, porque não fosse uma reticências, talvez um ponto e vírgula, talvez um ponto continuação, talvez, só talvez, uma vírgula e um pedido de desculpas e flores.

Talvez.


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