Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 4
Tac


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Maitê,

Mudei de colégio.

Agora mesmo no meio do ano. Minha mãe descobriu que eu não ia há meses para as aulas. Ela gritou e eu chorei, não aguento gritos, não os compreendo, tremo-tremo. Ela gritou e foi embora, fiquei chorando.

Não pude me explicar, gritar também. Dizer que ninguém me ama, que não tenho amigos, que eu estou só e ninguém se importa. Que estou sozinha, perdida no mundo e dentro de mim. Me deixaram muda, jogada no canto e decidiram.

Decidiram que eu ia mudar de colégio, que ia estudar onde tivesse um programa de inclusão para mudos-não-surdos.

O novo colégio é longe do lago.

É horrível, os professores são bonecos sorridentes e os alunos me olham sem parar. Mas tem uma garota, Maitê.

Ela disse que eu era mais-que-bonita-linda-linda-de-morrer , e acariciou os meus cabelos. Às vezes fico junto dela e ela discursa o seu monólogo. O seu nome é Rô. Pode ser Rosana, Roberta,..., mas só a chamam de Rô. Rô é do terceiro ano e quer fazer filosofia e se mudar pra Amsterdam. Eu sou do 1º, e fico sozinha na minha sala.

Rô também é linda, é decidida e tem os dentes amarelados mais instigantes do mundo todo. Rô tem um cabelo bagunçado que eu quero arrumar-lavar-pentear-alisar-tocar-cheirar pelo resto da minha vida. Rô é alta, magra, com cintura e seios. As pernas dela são terríveis, me enlouquecem e ela percebe. Ela sabe e usa saia, Rô é provocante. Adoro o jeito que a saia fica nela, nas pernas dela. As pernas são longas, mastigadas, finas, tão brancas, tão tão. Rô é intensa até nas pernas, Maitê. Ela vicia, as pernas. São redondas e os joelhos são lindos. As pernas de Rô causaria inveja na Vênus de Milo. As pernas, Maitê.

No recreio é bom, ela me protege e diz que eu sou linda. Ninguém nunca me disse isso.

Hoje nos abraçamos. Quero abraçá-la mais vezes. Acho que somos amigas, Maitê.

Tenho duas amigas agora. Não estou tão só.

Fiz um desenho um desenho seu. E você é louca nele, também. Você está rezando e lendo Marx. Na minha fantasia você lê o tempo todo. Maitê, na vida real, você lê?

Sonhei com você e com a Rô. Vocês se beijavam. Fiquei com raiva. De você e da Rô. Fiquei com ciúmes. Maitê.

Aqui também tem um relógio, talvez porque o tempo está em todo lugar. Me sinto perseguida, Tê, o relógio fica na minha casa, é de pêndulo e me deixa esquizofrênica: escuto o relógio mesmo sem estar perto dele, tic-tac-tic-tac-tic-tac. Se pudesse, gritaria. Gritaria para fazer parar o barulho. Tic-tac-tic-tac. Me sinto sufocada, também. Como se houvesse um sussurro da morte: tic-tac-tic-tac, chérie. A morte sempre fala francês. À noite, acordo, e tento gritar a cada hora. Ele tiquetaqueia mais forte, ele é de pêndulo e marca a hora assim. Tento gritar e não sai nada, enquanto a morte, o relógio, sussurram: eles explodem o meu silêncio, Maitê.

Não vou te incomodar com isso, não vou te perturbar, não vou te lembrar do tic-tac. Então, sobre todo esse carinho, que quase choro ao receber, respondo, desabrochando uma ternura que desconhecia:

Estou gostando de estar te conhecendo. E eu amo o fato de você ser um redemoinho assim, amo porque você é louca e estou tentando sugar um pouco da sua loucura. Quero ser intensa, maluca, rodopiante. E amo que você me diga palavras bonitas. Você foi a primeira a me dizer coisas bonitas. Quero um dia começar a amar você. E que você me dê esse seu carinho, que sinto de longe e que está aquecendo a minha alma.

E ah, Maitê, quando eu começar a te amar, pode ter certeza, eu vou te amar pra sempre, tão loucamente que vai chegar a doer em mim e em você.

A sua garota tola,

Acácia.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler