Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 3
Tic


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Cara Acácia,

Confesso que parte de mim esperava que ignorasse essa carta. Me espanta ver alguém tão disposta a uma interação com uma desconhecida, e me espanta também que ainda haja bondade gratuita assim no mundo.

Confesso também que chorei um pouco quando sua carta chegou, e quando me entregaram o edredom depois de revistarem-no. Obrigada por me proporcionar lágrimas felizes, eu não sentia isso desde o ultimo casamento em que fui, e “isso” quer dizer esperança.

Acácia, caso você seja mesmo, muito ingênua, talvez eu devesse te aconselhar a não falar com estranhos. Apesar de eu ser, sim, deste grupo.

Sinto muito pela sua falta de comunicação, não faço ideia de como é ser muda, mas eu sou surda de um ouvido desde que levei um soco, aqui mesmo na prisão. Gostaria de ser surda dos dois pra não ouvir o relógio infernal da minha maldita colega, ele tiquetaqueia a noite inteira e quando todos dormem é a única coisa que eu ouço.

Mas pensando bem não quero levar outro soco.

Eu mandei a primeira carta com interesse em pêssegos e, por isso, pedi pra que não pensasse que eu sou maluca, mas se quer se dispor a uma amizade eu preciso confessar: Eu sou louca de pedra.

Completamente louca e não louca legal, sou louca do tipo perigosa que não mede as consequências e, se eu não estivesse aqui, poderia afirmar que a vida de quem não se importa é muito mais feliz. E seria um conselho se você não se importasse em passar alguns anos enjaulada por passar dos limites.

Amigos contam coisas, mas ainda não quero falar sobre isso e correr o risco de te perder de vez. Há muitos anos não tenho nada que se pareça com amizade.

Eu já disse quem eu sou e que minha família é um peixe, acho que ele se daria bem com sua ovelha, se ela não chutasse o aquário e Romeu morresse, é claro.

Eu sinto muito também por ser sozinha, apesar de achar que isso te torna uma pessoa boa. Se quiser me contar como são seus dias, eu posso contar como foram os meus e bem, meus dias normalmente são iguais, exceto quanto tem médico, claro.

Tem dois médicos e tem um que eu gosto e um que eu odeio, o que eu gosto me trata como uma garotinha de dez anos, e ele me dá balas. O que eu odeio costuma manter as mãos por tempo demais em mim. Mas claro, eu sou a criminosa e não tenho direito de reclamar.

E eu tenho um medo doentio de aranhas, por isso os dias ficam um pouco divertidos quando elas aparecem, divertidos pras outras internas que ficam fazendo piadas de mim, uma vez uma jogou uma aranha viva em minha direção, mas a aranha mordeu a mão dela antes de ser arremessada, por isso ela errou e a aranha caiu perto da minha colega de sela, aquela que não dá bom dia.

Ela também não costuma rir de mim e ela mata as aranhas quando as vê. Acho que, apesar dela ser brava com a vida, ela vai com a minha cara. De certa forma.

E como hoje não teve nem médico e nem aranhas, não tenho novidades pra contar.

Ah sim, a detenta que jogou a aranha em mim morreu, era uma aranha marrom.

(P.S.: Vou continuar cuidando do Romeu, continue amiga da sua ovelha (você pode revidar alguns chutes, sabia? (não com maldade claro)))

(P.S.S: Melhor não revidar nada, foi revidando que acabei aqui dentro.)

Muito obrigada por me responder e por cuidar de mim, mesmo não me conhecendo. O mundo precisa de mais Acácias. Vou dedicar meu resto de carinho à você, até meu final, apesar de achar que ele não demorará muito.

Beijos,

Maitê.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.