Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 2
Tac


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Minha, já querida, Maitê,

Obrigada, nem todos acham o meu nome bonito. Foi escolhido pelo meu avô e significa ingênua, coisa que sou mesmo.

Confesso que você não é a primeira a me mandar cartas, o meu dentista costuma me felicitar nas festas de final de ano com cartões meio-bonitos e cheios de aparelhos dentários. E como a minha relação com o dentista e com o aparelho dentário são puramente comerciais, fico extremamente contente e aprecio muito que você tenha me mandado uma carta.

Já ouso dizer que tenho um grande carinho por você e sua história e seu peixe Romeu. Também sinto muito que esteja na prisão e que sua companheira não lhe dê bom-dia, talvez seja isso que falta para os seus dias começarem a melhorar.

Maitê, foi bom você não me ligar pois sou muda e não poderia te responder, acho que você poderia tentar a telepatia comigo, talvez funcione e me faça feliz (espere que não fique muito desapontada por eu não poder te proporcionar o timbre humano).

Antes ainda de responder a sua pergunta sobre quem sou eu, digo que não consegui os pêssegos na feira da cidade nem no hiper-mercado, os pequenos agricultores me sinalizaram que eles começarão e a ser colhidos e comercializados a partir da semana que vem. Sem falta, eu compro os pêssegos e os levo aí, na próxima sexta, sequer precisa me pagar coisa alguma (estou animada por ter a possibilidade de ter uma amiga).

Finalmente, dedicar-me-ei a sua pergunta:

Eu sou Acácia, sou muda e estou competindo com você pelo posto de ‘garota mais sozinha do mundo’.

Isso é o que todos sabem. Eles não sabem que eu já beijei um garoto de camisa vermelha e fugi antes que ele tocasse no meu corpo com seus dedos imundos e grandes. Que eu odeio morar nessa casa com meu irmão pequeno falante e meus pais (que não aprenderam libras e não me fizeram aprender, e por isso sou isolada até dos mudos).

Tenho uma ovelha chamada Joana e nós mantemos uma relação próxima, ela com seus coices e eu com os meus silêncios. Roubo flores no final da tarde da vizinha loira e não frequento mais a escola (às escondidas dos meus pais e de Joana, de manhã eu fujo para o lago e só volto para almoçar).

Não como carne e não como verdura, minha alimentação é constituída de arroz, batatas, chocolate e pipoca (que é, indubitavelmente, a minha comida favorita). Tenho mini-ataques cardíacos diariamente, principalmente quando estou em corredores, e isso é segredo, porque não quero preocupar ninguém, então peço para que mantenha o segredo secreto (mas para quem você poderia contar?).

Acho que tenho 15 anos (não comemoram aniversários na minha família e nunca decorei a data, inclusive, pode ser hoje). Sou boa em matemática e gosto de filmes (se quiser, posso te mandar um, ainda que duvide que tenha uma tv).

Não há muita coisa a dizer sobre mim, Maitê.

Sou simples mas fico aconchegada por conhecer você, complexa.

Espero manter contatos e acabar, parcialmente, com a sua solidão.

Com amor, Acácia.

(P.S.: Mando junto com a carta um edredom quentinho para você não dormir mais no frio)

(P.P.S.: Peço desculpas pelos pêssegos)

(P.P.P.S.: Cuide do Romeu, eu estou vendo)


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.