Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 1
Tic


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Acácia,

Você tem um nome muito bonito e, espero eu, que um coração também.

No ultimo ano eu tenho tido como companhia um peixe beta chamado Romeu, imagino que você não se importe com isso, ou comigo, mas a falta de sociabilidade, de respostas, discordância e humanidade de Romeu tem corrompido lentamente a minha sanidade e eu não quero ser uma maluca.

Eu espero, querida desconhecida, que você já tenha recebido alguma carta em sua vida, porque seria muito desagradável receber a primeira de alguém com quem nunca cruzou e por quem nunca sentiu nada. Espero também que, agora que sabe com certeza que não nos conhecemos, que não amasse essa carta e aposente-a, porque eu realmente preciso da sua ajuda.

Me chamo Maitê e há mais de cinco anos estou detida no presídio municipal, sou daqui mesmo e talvez tenhamos nos cruzado algum dia sem fazer ideia de que nos contataríamos, isso é, se é que você não parou de ler.

Aqui dentro todas as paredes são geladas e cinza, tem grades na porta do meu quarto e eu moro com uma mulher velha e gorda que nunca diz bom dia. Os policiais são malvados e nos olham com o canto do olho, aliás, todos aqui sempre olham com o canto olho e este é o melhor lugar pra se sentir odiada. E não tem pêssegos.

Eu preciso de pêssegos, a frase soa estranha, ninguém precisa de pêssegos, mas eu os quero muito e não tenho como consegui-los. Talvez isso te desanime, sim, eu quero pêssegos e só por isso abri uma lista telefônica quando tive direito à minha ligação semanal. Desde que cheguei, toda semana, me sento em frente ao telefone por trinta minutos e fico encarando as teclas, não tenho ninguém, sou a garota mais sozinha do mundo.

Na quinta-feira da semana passada eu estava folheando a lista telefônica, durante trinta minutos, então encontrei você Acácia, encontrei seu nome, sobrenome, endereço, mas fiquei com medo de ligar, ligar seria mais fácil, eu sei. Não sou boa com telefones, não lembro de como é minha voz e qualquer som saído da minha garganta me assustaria, não lembro como é conversar com pessoas, se você fosse um peixe eu te mandaria mensagens telepáticas, como com Romeu.

Não, não pense que eu sou uma maluca, uma abusada, uma estranha (talvez estranha você tenha o direito de me considerar). Eu estou, realmente desesperada. Cansada. Cansada de viver no frio, dormir no duro, me cobrir com o fino, comer o sem gosto, respirar o poluído e ser vista como uma aberração.

Estou cansada da culpa que eu não sinto, da distância dos meus pais, do desaparecimento de todos os meus amigos, de estar longe do meu cachorro, de não ter um namorado, de não fazer as unhas e não arrumar o cabelo, estou cansada de escrever à lápis porque pensam que eu poderia matar alguém se tivesse uma caneta.

E estou cansada de viver, de esperar o perdão do estado, de esperar que vejam que eu estou me comportando bem, dizendo “obrigada-com-licença-me-desculpe-por-favor”, estou lavando as mãos antes de comer e escovando os dentes sempre que eu como-durmo-antes-de-dormir, ninguém vê que eu pego uma carne a menos pra que alguém fique feliz comendo uma a mais, ninguém me vê sorrindo pra pensarem que o dia está sendo bom. Ninguém me vê limpando o aquário, dando ração, cuidando da temperatura do meu amigo ribeiro.

Talvez você também não veja, mas eu sou uma pessoa boa e eu posso cessar tudo isso com quatro ou cinco pêssegos, eu tenho dinheiro aqui, tenho uma lata com moedas e eu prometo te pagar por eles e pelo ônibus.

E por último, sabendo que eu sou Maitê, quem é você, Acácia?

Uma desconhecida.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.