Estou totalmente sem fé, assim é como me sinto. Eu estou fria e estou envergonhada. A ilusão nunca mudou para algo real, sou bem esperta e posso ver que o céu perfeito está rasgado. Você está um pouco atrasado; eu já estou ferida. — Natalie Imbruglia, Torn

— Está animada para hoje? — Lily perguntou a Kaya. Depois de dois anos desde que Nico desaparecera, elas estavam muito próximas. Olivia estranhamente entendia a irmã.

— Sinceramente? Não — Kaya resmungou. — Não estou nem um pouquinho afim de ir. Vão ter muitos casais, pessoas se beijando, e eu vou estar lá, sozinha, como sempre.

— Qual é, Kay. Não vai ser tão ruim assim — Lily disse, se sentando ao pé da cama da irmã.

— Diz isso porque você tem Matt — Kaya ergueu uma sobrancelha.

— Não esse ano — Lily riu. — Bem, eu já passei 2 anos comemorando o 4 de julho com Matt. Esse ano ficarei com você.

— Ai, meus deuses! — Kaya se sentou na cama, agora animada. — É sério? Vai trocar a companhia do seu namorado meloso pra ficar comigo?

Lily riu. Kaya sempre ficava um pouco sozinha no 4 de julho. As vezes ficava na beira do mar com algumas outras amigas solteiras, chutando água em casais que estivessem se beijando e empurrando umas as outras até caírem, acabando por ficarem encharcadas, e Lily achava engraçado.

— Claro! Por que não?

Kaya sorriu e abraçou Lily, que ficou um pouco surpresa, mas correspondeu.

— Você é a melhor irmã do mundo! — Kaya berrou, animada, levantando da cama e correndo para o guarda-roupa.

*****

— Sinto muito — Lily despejou mais alguns milhares de beijos nos lábios de Matt. — Por favor, amor, tente entender.

— Tudo o que eu entendo é que você está me abandonando — Matt fez um bico. Eles estavam sentados na praia, um pouco afastados de todos os outros, e Olivia tentava deixá-lo menos ranzinza quanto a ideia de eles não passarem aquele 4 de julho juntos.

— Não seja dramático — Lily revirou os olhos. — Ficamos juntos todos os dias, Matthew. São só alguns minutos, e você sabe como Kaya é sensível, principalmente nesta data. E no dia dos namorados, e…

— Tudo bem, tudo bem — Matt suspirou. — Só desta vez. Mas vou sentir sua falta.

— Pare com isso, Matt — Lily riu. — Estamos parecendo aqueles casais melosos de filmes românticos. Daqui a pouco vamos estar “ah, não, desliga você primeiro”.

Lily fez uma voz fina e enjoativa, e eles romperam em gargalhadas. Costumavam brincar que estavam sendo melosos demais, e falavam coisas que casais melosos geralmente falam.

— Certo, pombinhos — Kaya apareceu por trás dos dois, e Matt fez careta. — Vou roubar Lily de você, Matt. Faltam dez minutos para a queima de fogos começar.

— Tudo bem — Lily riu, se levantando e batendo a areia de seus shorts jeans.

— Vamos logo — Kaya puxou Lily pelo braço, que só teve tempo de acenar para o namorado.

— O que exatamente vamos fazer? — Lily perguntou, enquanto Kaya a puxava entre os campistas que estavam na praia, esperando a queima de fogos começar. Era muita gente, e Lily teve que passar espremida entre tantas pessoas, pedindo desculpas a cada momento por ter pisado no pé de alguém.

Kaya não respondeu. Elas continuaram andando, até acabarem na beira da água.

— O que fazemos agora? — Lily perguntou, confusa.

— Esperamos — Kaya olhou para o céu, como se esperasse que algo acontecesse de repente. — Que horas são?

Lily deu de ombros, mostrando que não sabia dizer as horas. Havia deixado seu iPod no chalé, caso acabasse se molhando.

— Faltam pouco mais de 5 minutos — uma voz soou atrás das duas, que olharam assustadas.

— Obrigada, Nash — Kaya sorriu para o filho de Atena. Ele era alto, seus cabelos eram loiros escuros, quase castanhos, e seus olhos eram azuis como o mar.

— Hã, Lily... — Nash chamou, sem graça. — Será que eu posso roubar Kaya de você alguns minutos? Quero dizer, se ela quiser, claro...

Lily olhou para Kaya, que parecia tão surpresa quanto ela. Kaya sorriu, e balançou a cabeça disfarçadamente para Olivia, indicando que ela deixasse.

— Bem, quem sou eu para dizer não, certo? — Lily sorriu torto. — Então, se me dão licença, vou procurar meu namorado.

Kaya sorriu e moveu os lábios silenciosamente, dizendo "obrigada". Lily piscou para ela, e entrou novamente no meio da multidão. Agora teria que achar Matt, e tinha poucos minutos antes que os fogos começassem.

Lily passava com dificuldade entre as pessoas, pedindo licença e se espremendo cada vez mais. Olhava para todos os lados a fim de achar Matt. Caminhou um pouco, até que as pessoas começaram a gritar algo como uma contagem regressiva. E então os fogos começaram. Milhares de explosões coloridas iluminavam o céu, e Lily sequer parou para admirá-las. Ao invés disso, passou por casais se beijando, se perguntando onde Matt estaria.

Então o avistou.

Matthew parecia discutir com alguém. Lily franziu o cenho, sem entender. Estreitou os olhos e reconheceu Jade, a filha de Deméter por quem Matt fora apaixonado antes de eles namorarem. Ela não entendia o que eles estavam falando, estava longe e o barulho dos fogos era alto. Percebeu que a garota estava com lágrimas nos olhos. Eles pareciam estar gritando, ambos nervosos, gesticulando freneticamente com as mãos.

Jade disse algo que calou Matthew. Ele fez uma expressão dolorosa, como se tivesse acabado de levar um soco no estômago. Um momento se passou enquanto os dois apenas se encaravam. Jade balançou a cabeça negativamente, parecendo decepcionada.

Olivia queria ir até lá para saber o que estava acontecendo, mas algo a dizia para esperar. Quando Jade respirou fundo e se virou para sair dali, Matthew saiu do seu transe. Segurou o pulso da garota e a puxou de volta, segurando seu rosto e a beijando.

O coração de Lily parou no mesmo instante, e suas pernas vacilaram. Ela não sabia o que pensar, muito menos o que sentir. Sentia uma raiva alucinante crescer em seu peito, acompanhada pelas lágrimas.

Olivia não sabia o que fazer; ir até eles e arrumar uma briga, ou se sair dali. Pensou que se fosse até eles, Matthew iria atrás dela e tentaria convencê-la de que aquilo era apenas um mal entendido, e essa era a ultima coisa que ela queria; ouvir as desculpas esfarrapadas de Matthew.

Então, segurando as lágrimas o máximo que podia, Olivia passou correndo e esbarrando por vários campistas em direção a saída da praia. Ela atravessou o acampamento, desnorteada, sem saber para onde ir. Ela poderia ir para seu chalé, mas logo todos estariam de volta, e ela não queria que ninguém a visse chorar. Pensou em ir para a floresta, mas sabia que Matt a encontraria lá quando sentisse a sua falta.

Lily apenas correu. Passou pelo pinheiro de Thalia, e assim que saiu das fronteiras mágicas do Acampamento Meio-Sangue foi atingida por uma tempestade insana. Perdeu o equilíbrio momentaneamente devido a mudança repentina de ambiente, mas conseguiu se manter em pé. Então continuou correndo, enquanto suas lágrimas eram misturadas as gotas de chuva. Ela não sabia para onde estava indo, e sentia seus dentes baterem enquanto ela tremia de frio sob a chuva gelada.

Lily tropeçava a cada passo, lutando para não cair. Ela não enxergava nada, como se estivesse correndo de olhos fechados. Ela estava começando a ficar exausta de lutar contra a chuva forte, que caía pesadamente sobre ela, como se insistisse para que ela desistisse, deitasse ali mesmo e esperasse até que tudo se acalmasse; tudo, não só a tempestade, mas também a turbulência em seus sentimentos.

Os pés de Olivia pareciam pesados como chumbo, e ela estava começando a desistir. Tropeçou mais uma vez, e dessa vez teria caído se algo; ou alguém não a tivesse segurado.

Lily se encolheu enquanto sentia braços fortes e reconfortantes a apertando. Aos poucos, ela reconheceu vagamente o perfume familiar. Ergueu os olhos lentamente, e seu coração parou quando o viu.

Nico estava lá, mas Lily não sabia dizer se aquilo era ou não um sonho. Havia sonhado com ele tantas vezes que já não sabia distinguir realidade de fantasia. Ela o apertou, sentindo-o em seus braços, enquanto seu coração disparava cada vez mais. Nico a olhava cautelosamente, enquanto acariciava seu rosto. Ele murmurou alguma coisa, e logo em seguida a abraçou mais forte. Lily estava com a cabeça enterrada em seu peito, e as lágrimas escorriam incessantemente.

— Vai ficar tudo bem — Nico beijou sua testa. — Eu estou aqui agora.

Isso era tudo o que eu mais queria, Lily pensou. Talvez os deuses tivessem ouvido suas preces, ou aquilo tivesse sido apenas um acaso do destino.

— Vamos voltar para o acampamento — Nico disse, puxando Olivia em direção a Colina Meio-Sangue.

— Não! — Olivia o segurou, e olhou em seus olhos, quase implorando. — Eu não quero voltar para lá.

— Mas... — Nico parou de falar e encarou Olivia, pensativo. — Tudo bem.

Então ele o abraçou novamente, e Olivia fechou os olhos, encolhida em seus braços.

De repente, a chuva cessou. Olivia pode respirar fundo, se sentindo ainda mais gelada. Ela abriu os olhos lentamente, e esperou até que sua visão se acostumasse a falta de claridade. Nico a soltou devagar e se afastou, deixando Olivia sozinha e tremendo em completa escuridão, desejando que ele estivesse a abraçando novamente.

Nico ligou um interruptor na parede, e Lily demorou para perceber que eles estavam em uma sala de apartamento. Era um lugar bonito e aconchegante, embora não fosse muito arrumado.

— Onde nós estamos? — Ela perguntou, olhando em volta enquanto abraçava o próprio corpo na tentativa de se aquecer.

— Meu apartamento — Nico disse despreocupadamente, caminhando até uma das portas do lugar. Lily não viu outra alternativa senão segui-lo.

— Como viemos parar aqui? — Ela o encarou enquanto ele cambaleava em direção ao guarda-roupa do quarto em que haviam entrado.

— Viajem nas sombras — ele pegou uma toalha branca e limpa, entregando-a a Olivia. — Truque dos filhos de Hades — ele fechou o guarda-roupa e cambaleou em direção a Olivia, mas, antes que chegasse até ela, tropeçou e caiu. Lily correu para socorrê-lo, e ajudou-o a levantar.

— Você está bem? — Ela perguntou, examinando o rosto do garoto.

— Só estou um pouco bêbado — ele riu de si mesmo. Apenas agora Lily percebeu como sua voz estava soando arrastada.

— Nico — Lily ergueu uma sobrancelha para o garoto, que a encarava com o olhar pesado.

— O que é? Eu estava me sentindo sozinho e resolvi beber — Nico riu novamente, e Lily percebeu que ela estava realmente bebado.

— Você não devia...

— Não aja como se você se importasse — Nico a cortou, sua voz soando fria e a atingindo como se a tempestade tivesse recomeçado de repente. Lily ficou imediatamente sem resposta. — Desculpe — ele murmurou ao perceber a expressão azeda que ela fizera. — Vai acabar ficando resfriada. Melhor tomar um banho quente.

— Eu não tenho roupas para usar depois — ela indagou.

— Eu te empresto — Lily ergueu uma sobrancelha. — Eu tenho algumas peças femininas aqui.

— O que? Ficou louco se está achando que vou usar roupas das garotas que você trás para cá.

— Não são "as garotas". É a garota — Nico se sentou ao pé da cama, encarando o chão. — Minha namo… — Nico engoliu em seco antes de terminar a frase.

— Sua namo… rada? — Lily perguntou, completando a frase de Nico, um pouco surpresa. Ela não conseguia imaginar Nico namorando alguém de verdade.

— Ela terminou comigo. Hoje, para ser mais específico — Nico coçou os olhos, parecendo exausto. — Por isso eu estava bebendo.

— O que você fez para ela terminar com você? — Olivia perguntou, sem antes pensar duas vezes. — Traição?

— Não, Olivia — Nico se irritou, olhando para ela indignado. — Quantas vezes vou ter que te dizer que eu não sou assim? Não mais — ele respirou fundo, desviando olhar para a janela, que dava vista para um céu estrelado sobre uma cidade linda e iluminada. — Ela era uma mortal. Isso não iria dar certo mesmo — ele murmurou, distraído.

— Sinto muito — Olivia se sentiu mal por ele. Ela se xingou mentalmente por ser tão idiota a ponto de ter dito aquilo. — Tudo bem. Onde fica o banheiro?