Minha mãe me ajudou a descer do carro, apoiei em seus ombros para subir os degraus na entrada de casa. Enquanto ela abria a porta principal, tive tempo para sentir o cheiro vindo das flores, não só de nosso jardim, mas como de toda vizinhança. Mesmo o calor de Jales estando insuportável como sempre, as raras brisas da época de primavera, associadas à fragrância das flores, trás uma sensação muito agradável.

Logo que entramos, minha mãe me levou ao quarto de hóspedes, que fica na parte térrea da casa, colocou-me semideitada na cama e voltou ao carro para buscar minhas novas ajudantes, muletas.

O médico disse que eu sofri uma lesão leve, nada grave, mas não poderei fazer esforços por algum tempo. Por isso terei de ficar no quarto de hóspedes, ao invés de ir para meu quarto, que fica no primeiro andar. Segundo o doutor, provavelmente não precisarei mais usar as muletas após algumas semanas, o que significa que em breve retornarei aos "meus aposentos".

Mesmo morrendo de vontade de ir para meu quarto, devo reconhecer que o quarto de hóspedes não é tão ruim assim. É um cômodo razoável, revestido com papéis de parede rosado, o teto, forrado como toda a casa, conta com um pequeno pendente de metal prateado, aramado em forma de circulo. Não possui muitos móveis, apenas uma cama de casal, uma cômoda na parede em frente a ela, com uma televisão em cima, ao lado da cama há uma poltrona de madeira branca com estofado bege e um criado mudo com um vaso de flor, sem flor.

— Julieta, querida! Sua amiga Laura esta aqui na sala... Ela veio trazer seus deveres de casa. Devo receber os cadernos para você ou prefere vê-la pessoalmente? - pergunta minha mãe colocando o rosto na porta entreaberta do quarto.

— Que amiga mãe? - pergunto surpresa com a visita.

Uma garota de pele branca como leite, fios de ouro, lisos e compridos, alta, um metro e oitenta de altura, magérrima, tal como uma modelo, entra pela porta do quarto. Realmente Laura era um modelo de perfeição, estava usando roupas da última moda, que particularmente eram horríveis, mas não fazia diferença, se ela estivesse vestindo flanelas ainda estaria linda.

— Oi, Julie. Desculpe eu aparecer assim sem avisar, mas é que eu fiquei preocupada quando soube do acidente... E alguém tinha de trazer as tarefas para você – ela dá um sorriso. — Como está se sentindo? – me pergunta enquanto coloca alguns cadernos e livros sobre a cômoda.

— Me sinto bem. Minha mãe que fica fazendo esse alarde todo. Obrigada pela visita. - disse fazendo grande esforço para demonstrar um aspecto saudável.

— Acha, espero que se recupere logo. – o smartphone dela toca, ela olha o identificador e sem atender devolve na bolsa – Bem, é a minha mãe, ela vai apresentar uma peça hoje no Teatro Municipal, então acho que é melhor eu ir. – ela me dá um abraço se despedindo e diz baixinho, com uma voz um pouco tímida. - Você esta fazendo uma grande falta lá no colégio.

Apenas retribui o abraço e a observei sair pela porta. Não consigo acreditar que alguém como Laura, insiste em andar comigo... E o pior, simplesmente parece que ela ignora todas as minhas tentativas de afastá-la para longe de mim. Será que ao menos ela sente medo do que posso fazer a ela? Será que ela não entende o quanto faz mal a mim?