Allen abriu os olhos confuso; parte alguma de seu corpo parecia doer, mas se lembrava claramente de ter levado uma surra colossal de um bando de níveis quatro, numa luta pra lá de desleal. Se eram os potentes remédios daquele tempo o inibindo da dor ou se ele tinha morrido e estava agora entre os mortos ainda não sabia, mas pelo menos ele estava em algum lugar, o que por si só era melhor que nada.

Um tempo vagando por ali e ele se deu conta de que conhecia aquele lugar: as construções em estilo mediterrâneo, todas sem um padrão comum e brotando para todas as direções não deixava muitas dúvidas de que se encontrava no interior da Arca. No entanto o lugar em geral se parecia com uma cidade fantasma e não com uma zona de guerra – mas praticamente todos os prédios estavam reduzidos às ruínas, como se um terremoto muito forte ou uma catástrofe similar trouxesse tudo abaixo num cenário desolador.

-Lenalee! Kanda! – gritou ele, sem obter resposta; passado o momento inicial de pânico, se lembrou de que foi viajar sem nenhum deles.

-Haruhi! Sempais! Kaoru, Hikaru! – berrou ele, sem real esperança de alguém respondesse. Continuou sozinho.

-Alguém. – murmurou tristonho, então decidiu seguir em frente.

Olhou para o céu – estava completamente escuro ali, apesar de a Arca não seguir o mundo exterior; dentro dela estava sempre claro, independente do horário ou região pela qual ele entrasse nela. Mas dessa vez o exorcista se sentia como se um teto de piche estivesse sobre sua cabeça. Não era de longe a melhor sensação do mundo.

Em meio aos escombros encontrou um lago, uma superfície lisa e provavelmente cristalina, uma vez que exibia uma escuridão similar a do céu. Sem dúvidas não havia nada do gênero ali antes, mas de qualquer forma não era a primeira nem a última vez que seu trabalho o jogava em situações estranhas.

Ao se aproximar, vislumbrou uma Lua entrecortada na superfície do líquido, mas no céu não havia nada; sobressaltado, se recordou de um panorama bem similar ao que via: quando confrontava o Décimo Quarto dentro de seu próprio corpo, sua alma aparecia num lugar como esse. Mas eram sempre os destroços do QG da Ordem de seu tempo, nunca da Arca.

Ficou tenso e em estado de alerta, mas nada surgiu – seu reflexo era apenas si mesmo e não com a sombra do Noah em seu encalço. Passados alguns minutos, resolveu seguir adiante.

Então uma corrente surgiu da água e se prendeu a seu tornozelo esquerdo. Duas. Três. Completamente negras, elas o arrastavam com força para a água; enquanto tentava se soltar, outras três surgiram e agarraram seu braço direito, depois o mesmo com seu tornozelo direito e por fim seu braço esquerdo. Tentava inutilmente jogar o peso do corpo para frente e com isso surgiram mais quatro das fileiras de aros negros, uma se prendendo fortemente ao seu pescoço e outras três em seu tronco.

Ele foi completamente arrastado.

Elas se enroscaram em uma espécie de trono que surgiu no meio do lago e o menino se viu sentado de modo forçado sobre ele. Então um par de mãos surgiu e começou a escalar seu corpo, içando um ser molenga e coberto por um manto escuro.

Quando ficaram cara-a-cara, o capuz da estranha pessoa caiu para trás e revelou alguém muito parecido com Tykki, porém bem mais novo. Ele sorriu de modo provocativo e agitou a corrente mais próxima.

-Olá Allen. – disse ele, e sua voz parecia mais madura do que sua aparência.

-Posso presumir que você é o Décimo Quarto? – cuspiu ele em resposta.

-Ora, ora, pra quê tanta formalidade? – gracejou o outro – Me chame de Neah.

-O que você quer? – perguntou o menino agitado.

-Allen. – disse ele sério, com um brilho estranho nos olhos – Eu só vim pra avisar que agora é a minha vez de brilhar nesse palco, meu caro pierrô branco.