Primavera Mentirosa escrita por fosforosmalone


Capítulo 5
Sem Pistas




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HOSPITAL GERAL DE NEW LONDON

Sage levou Helena ao hospital após o ocorrido em New Sharon. Ela fez um raio x, alem de ter o ferimento na cabeça examinado. Felizmente, o medico disse que não seriam necessários pontos. Depois dos exames, por insistência de Sage, ela tomou um lanche reforçado, e deitou em um dos leitos, até que o raio x ficasse pronto.

Sage esta no sofá, observando a chuva rolar pelo vidro da janela. Neste momento, uma voz sonolenta faz-se ouvir.

HELENA

– Que horas são? Quanto tempo eu dormi?

SAGE

– São sete e meia. E pelos meus cálculos, você dormiu três horas.

Ela começa a se levantar, quando um médico entra no quarto, com um exame em mãos.

MÉDICO

Ola. Seu exame esta pronto. E fico feliz em dizer que esta tudo bem com você. Não há nenhum tipo de fratura no seu crânio.

HELENA

– Ótimo! Então estou liberada, certo? (Diz indo até o sofá, e pegando seu sobretudo)

QUARTO DE ISADORA

Isadora acorda com o apito de seu microondas. Ela abre os olhos, e vê Bruce tirando uma caneca do aparelho. A jovem nota que continua a chover, pelo som das gotas em sua janela.

Isadora lembra-se de ter ficado chorando abraçada em Bruce pelo que lhe pareceu uma eternidade. O rapaz não lhe disse nada, nem tentou acalmá-la, só ficou abraçando-a enquanto ela derramava suas lagrimas. Então ela o soltou, e sentou-se em sua cama, pedindo desculpas pelo descontrole. Ele nada disse. Apenas foi a cozinha, e voltou trazendo um copo d’água.

Bruce sugeriu que ela dormisse um pouco, e pediu para ficar ali, sentado na poltrona. Ela hesitou em permitir. Isadora odiava ser vista tão fragilizada. Mas por outro lado, não queria ficar sozinha, e Bruce havia se mostrado respeitoso com sua tristeza. Então disse que estava tudo bem. Quase sem perceber, Isa adormeceu em sua cama, ainda usando a roupa da festa.

Agora, Isadora senta-se na cama, no exato momento em que Bruce vira-se em sua direção.

BRUCE

– Bom dia. Espero que goste de achocolatado. É um dos meus poucos talentos culinários.

Bruce entrega a caneca a Isadora, enquanto senta-se na poltrona. Ela diz com um sorriso.

ISADORA

– Não dá pra chamar achocolatado de talento culinário, mas obrigado assim mesmo.

Isa toma um gole do achocolatado, e pega o controle da TV, ligando o aparelho. Uma repórter surge na frente de um lugar familiar para os dois jovens, o prédio dos cursos de comunicação.

REPORTER

– Já é o segundo homicídio em New Sharon esta semana. A vítima foi novamente uma estudante. O nome dela era Kelly Wilson, e cursava Cinema. A jovem foi encontrada morta em seu quarto em uma das alas de dormitório por uma colega ainda não identificada.

Isadora dá um suspiro de alívio.

REPORTER

– Rumores dizem que o assassino deixou uma assinatura no local do crime se identificando como Jack. Pra quem não sabe, houve uma serie de assassinatos nesta universidade dez anos atrás. O serial killer foi batizado pela imprensa como Jack Calcanhar De Mola, em referencia a lenda urbana inglesa. Sua identidade nunca foi descoberta. A reitoria ainda não se manifestou a respeito, mas já marcou uma coletiva de imprensa hoje ao meio dia, que deve contar com a presença do Chefe De Policia de New London.

Imagens da universidade começam a aparecer na TV, seguida de declarações de estudantes dizendo o quanto estão chocados. Isadora troca de canal. Um desenho passa na TV. Os dois jovens ficam em silencio por alguns instantes, até que o rapaz quebra o silencio.

BRUCE

– Eu não quero te fazer sentir pior, mas você sabe que aqueles jornalistas não vão demorar pra descobrir quem é a colega não identificada.

ISADORA

– Eu sei (Diz desanimada).

Isadora termina de tomar o achocolatado em sua caneca. Ela se levanta, e leva a xícara até a pia. Ao voltar, ela se dirige um pouco encabulada ao jovem.

ISADORA

– Bruce, você foi ótimo. Obrigado por ficar aqui comigo até eu me sentir melhor. Mas agora eu queria tomar um banho e trocar de roupa. Alem disso, como você disse, os jornalistas não vão demorar pra chegar até mim, então quero ligar pros meus pais e contar o que aconteceu antes que eles saibam de outra forma. Será que você podia...?

Bruce a olha em silencio por alguns segundos, como se processasse o que Isadora falou., e então responde com um sorriso compreensivo.

BRUCE

– Claro, Isa. Vou te deixar um pouco sozinha agora. Qualquer coisa me liga, ok?

Isadora abre a porta para o rapaz, que lhe dá um beijo no rosto antes de sair.

BRUCE

– Fica bem, tá?

ISADORA

– Vou ficar.

Ele começa a ir embora.

ISADORA

– Bruce.

BRUCE

– Sim? (Diz ele virando-se pra olhar pra ela)

ISADORA

– Seu achocolatado é o melhor que eu já tomei (Diz com um sorriso)

Ele se limita a dar uma piscadela, antes de desaparecer na curva do corredor.

SALA DE REUNIÕES DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO

Helena e Frank estão na sala de reuniões do conselho universitário, localizada no ultimo andar do prédio da biblioteca. A chuva parou, dando lugar ao sol. Porem, o clima na sala não condiz com o de um dia ensolarado. Ferguson, e Chambers estão sentados diante de uma longa mesa. Na ponta da mesa, esta o Reitor Winkless. Todos eles aparentam estar muito cansados.

Mas Helena não pode culpá-los. Ela mesma sente-se exausta. Após sair do hospital, a agente voltou para o hotel para tomar um banho , e trocar de roupa. Em seguida, ela entrou em contato com seus superiores, para oficializar o pedido de consultoria de Sage. Eles aceitaram mais facilmente do que ela previu. A morte de Kelly , e o prestigio que Sage tinha na agencia, convenceu rapidamente o FBI de que seria bom ter o Caçador De Assassinos na investigação.

Mal havia terminado a ligação para Hartford, quando Ferguson ligou, avisando que o reitor pediu uma reunião. Helena ainda não havia escrito um relatório sobre a noite anterior, o que facilitaria a reunião. Mesmo assim, ligou para Sage, avisando para ele se preparar.

E ali estão eles, no momento em que o Reitor dá inicio a reunião.

REITOR

– Sabem por que estão aqui. Mais uma de minhas estudantes foi morta. Antes de começarmos, quero que saibam que tive uma reunião há pouco com o conselho universitário, e decidimos estabelecer um toque de recolher na universidade.

HELENA

– Esta é uma boa idéia, Sr. Reitor.

O homem percebe o tom sarcástico no tom de voz da moça, mas continua em tom solene.

REITOR

– Mas enquanto eu tomo providencias para proteger a universidade, gostaria de saber dos senhores as circunstancias do assassinato de Kelly Wilson, e se vocês já têm alguma pista.

Helena olha para o homem careca, e por um instante, sente uma raiva fervente do Reitor. A agente tem vontade de gritar para o homem que se ele a tivesse escutado, talvez a garota estivesse viva. Entretanto, ela engole seus sentimentos, e assume uma postura profissional.

HELENA

– Sr. Chambers, as câmeras de segurança captaram alguma coisa?

CHAMBERS

– Não. O prédio de dormitórios onde Kelly vivia foi o primeiro de New Sharon. É uma construção antiga, sem circuito interno de câmeras. Há uma câmera de segurança próxima a entrada, mas a névoa permite apenas que se vejam vultos difusos. Separei as fitas caso a Senhorita ou a Policia quiserem conferir, mas como eu disse, não será de grande ajuda.

HELENA

– Muito Obrigado, Sr. Chambers. Chefe Ferguson, a perícia encontrou alguma coisa na porta?

FERGUSON

– Sim. E você estava certa. Há indícios que o assassino arrombou a porta, o que descarta a possibilidade da vitima tê-lo convidado a entrar. Os peritos encontraram pequenos arranhões na fechadura e na lingüeta da porta, muito comum em arrombamentos furtivos. Aliás, em um padrão semelhante ao que encontramos na porta do apartamento do Sr. Sage.

HELENA

– E a arma utilizada? Semelhanças com Tina Becker?

FERGUSON

– Os cortes indicam a mesma lamina usada no ataque á Tina Becker. Provavelmente uma faca de caça. Ainda não há sinais do assassino na cena do crime, mas continuamos procurando.

HELENA

– Quanto a mim, eu persegui um suspeito que provavelmente é o nosso assassino. Mas não consegui identificá-lo. Estava escuro, e o nevoeiro não ajudou. Só posso dizer que ele tem uma estatura mediana, e estava usando uma espécie de capote, o que não ajuda em nada. Seus homens revistaram o lugar onde eu perdi o suspeito, Sr. Chambers?

CHAMBERS

– Sim senhorita. Aquele prédio deveria ser o futuro centro clinico da universidade, mas... Nunca foi terminado (Diz olhando constrangido para o reitor)

SAGE

– E vocês encontraram alguma coisa?

CHAMBERS

– No prédio, não. Mas meus homens encontraram algo próximo de lá. Demos sorte, pois foi poucos minutos antes da chuva . Encontramos vestígios do que parecia ser tecido queimado. Poderia muito bem ser um capote, mas é difícil dizer, pois não sobrou quase nada.

SAGE

– E quanto a Tony Stevenson, Chefe Ferguson. O que conseguiu com ele?

FERGUSON

– Acho que ele esta limpo. Stevenson disse que foi entrevistar o reitor no pub universitário, onde ficou até altas horas da noite. Isso foi confirmado pelo Reitor, certo?

O Reitor assente com a cabeça.

FERGUSON

– Depois, ele foi ao Hall do prédio do jornalismo, ver os murais de sua velha turma. Quando voltava ao estacionamento, escutou tiros vindos do tal prédio em construção. O resto da historia, a Agente Belli sabe contar melhor do que eu.

Sage ainda parece desconfiado.

SAGE

– As câmeras de segurança podem corroborar a historia do Sr. Stevenson, Sr. Chambers?

CHAMBERS

– Eu já disse. Durante a Primavera Vermelha, as câmeras de segurança quase imprestáveis.

O reitor manifesta-se, com uma expressão indignada.

REITOR

– Conheço Tony há anos. Ele não é assassino. Alem do mais, pelo que a Agente Belli contou, o assassino tentou matá-la, e pouco tempo depois, Tony a salvou. Percebem o que eu digo?

Helena reflete sobre as palavras do Reitor. Realmente, se Tony fosse o assassino, não fazia sentido ele te-la salvado. Afinal, Jack tentou matá-la ao atirar entulho sobre ela. Se Tony a quisesse morta, tudo o que precisava fazer, era assisti-la cair.

FERGUSON

– Acho que devemos voltar a Kelly Wilson. O que sabemos sobre a vitima?

CHAMBERS

– Estudava cinema aqui há três anos. Ia se formar no ano que vem. Aluna regular. A família é de East Lyme, uma cidade perto daqui. Os professores não têm queixa dela. Tambem não tem nenhum dado sobre alguma desordem no campus relacionada a ela.

SAGE

– Tinha algo em comum com Tina Becker?

CHAMBERS

–Aparentemente não . Mas achei interessante frisar que ambas tinham cabelos loiros.

Helena fala com reprovação na voz.

HELENA

– Sabe, Sr. Chambers, acho que nãos sabemos nada sobre a vitima. Gostaria de uma lista de todos os colegas dela. Chefe Ferguson, quero seus homens falando com as pessoas que freqüentam os lugares que Kelly Wilson freqüentava. Quero saber tudo sobre ela. Qualquer informação é válida

FERGUSON

– Meus homens vão trabalhar nisso.

Sage pigarreia, pedindo atenção.

SAGE

– Acho que estamos fugindo de um ponto importante aqui. A assinatura. Acho que todos concordam que estamos lidando com Jack Calcanhar De Mola.

CHAMBERS

– Mas qual Jack? O original que voltou pra continuar o serviço, ou um imitador?

HELENA

– Por enquanto não descarto possibilidade. Mas é provável que o assassino seja um homem.

FERGUSON

– Claro que sim. Só um homem seria capaz de estripar alguém daquele jeito (Diz o Chefe de policia como quem constata uma coisa obvia)

SAGE

– Engano seu, Já vi mulheres capazes de coisas tão terríveis quanto aquilo. Continue Helena.

Helena olha agradecida para Sage, e prossegue sua linha de pensamento.

HELENA

– Embora não tenha havido violência sexual, tanto Tina Becker quanto Kelly Wilson tiveram as roupas rasgadas antes de serem estripadas. O assassino não precisava fazer isso, mas fez mesmo assim. Acho que Jack admira o corpo de suas vitimas antes de estripá-las. E o fato de ele ter assumido o nome de Jack só reforça minha crença de que o assassino é um homem.

SAGE

– Concordo com Helena. Mas a prioridade ainda é a seleção das vitimas. O que Tina Becker e Kelly Wilson tinham em comum? E o que as duas têm em comum com as vitimas originais ?

REITOR

– Ambas eram loiras. Pra mim já parece uma ligação (Diz o reitor arrogantemente).

Sage olha para o reitor com paciência, como se ouvisse uma criança dizer uma bobagem.

SAGE

– Gale Cerman, a primeira vitima de 2001 era morena. Ann Bray era loira. Só as duas ultimas vitimas tinham a mesma cor de cabelo. Ambas ruivas. Mas isso foi coincidência, assim como é coincidência Tina e Kelly serem loiras. O método de seleção dele não tem a ver com a cor dos cabelos. Um copycat saberia disso tão bem quanto eu, já que estudou aquele que esta copiando. E se for o original, bem, continua seguindo o mesmo padrão.

Ferguson olha para Sage, parecendo impressionado com o pequeno discurso.

FERGUSON

– É um ponto a se levar em conta, Sr. Sage. Mas tem uma coisa que me intriga. Apesar de estes crimes recentes serem horríveis, alguns dos assassinatos de 2001 foram muito mais brutais. Eu me lembro, pois estudava aqui na época. A cabeça de Ann Bray nunca foi encontrada. E quanto a Adelie Parkins? Encontraram a coitada morta no banco da frente do carro dela. E no banco de trás. E tambem no porta malas.

A morena sente o corpo tremer quando Ferguson menciona o estado em que o corpo de Adelie foi achado. Ela já sabia, mas ouvir da boca de outra pessoa era doloroso. Entretanto, a agente repete mentalmente que deve ignorar isso agora. Ficar emotiva só vai atrapalhar o seu trabalho. Helena volta a se concentrar na reunião, quando Sage toma a palavra.

SAGE

– Verdade. Mas lembre-se que tudo indica que ele foi interrompido no assassinato de Kelly Wilson pela Agente Belli. E ainda sim, foi ousado ao atacar a vitima no próprio quarto, e não na rua. Tenham a certeza que quando ele atacar de novo, será com muito mais violência.

PATIO PRINCIPAL DO CAMPUS

Um palanque foi montado no pátio principal do campus, em frente a três mastros onde tremulam as bandeiras dos Estados Unidos, da universidade, e do estado de Connecticut, todas a meio mastro. Na tribuna do palanque, estão o Reitor Winkler e o Chefe De Segurança da universidade, acompanhado de mais três seguranças. Vários jornalistas estão diante do palanque, entre eles, Tony Stevenson. Mais atrás, alunos e funcionários observam O Reitor se aproximar do microfone e começar a falar.

REITOR

– Estamos todos de luto pelo brutal assassinato de nossa aluna. New Sharon esta dando todo o apoio a Policia para que o responsável por este ato hediondo seja levado à justiça. Até esta crise passar, ficara estabelecido um toque de recolher no campus. Quem for pego andando fora de seu dormitório sem autorização após o toque de recolher, será automaticamente suspenso, e convidado a se retirar do campus até o fim de sua suspensão. Caso não se trate de um aluno ou funcionário, esta pessoa será acusada formalmente de invasão de propriedade privada.

Os jornalistas tentam chamar a atenção do reitor, que desliga o microfone. Ele aponta para uma repórter de TV, a mesma que mais cedo dera o boletim assistido por Bruce e Isadora.

REPORTER

– O senhor assume então que há um Serial Killer a solta no campus?

REITOR

– Não temos certeza de nada. estamos considerando todas as possibilidades para garantir a segurança de nossos alunos (Diz desconversando).

TONY

– Alem do toque de recolher, existe outra providencia que a universidade esteja tomando?

Chambers responde a pergunta no lugar do reitor.

CHAMBERS

– Aumentamos o numero de pessoal durante o período da noite para elevar o grau de vigilância. Outras medidas serão anunciadas em breve.

Enquanto o Reitor e Chambers respondem as perguntas dos jornalistas, Nick os observa de longe, encostado em um pilar da área coberta. O rapaz parece cansado e abatido. Ele ouve um barulho de plástico rasgado, e ao virar a cabeça, vê Bruce com um pacote de biscoitos na mão.

BRUCE

– Por onde você andou, cara? Não te vejo desde ontem! Eu tava preocupado!

NICK

Não to a fim de papo (Diz agressivamente)

Bruce o olha compreensivamente.

BRUCE

– Eu sinto muito pela Kelly, Nick. De verdade.

NICK

– Quem ouve você falando até acredita que você se importa (Diz com raiva)

BRUCE

– Claro que eu me importo! Ela era minha colega. Era minha amiga! (Diz Bruce ofendido).

NICK

– Você sabia que ia acontecer, não sabia? Todo aquele seu papinho sobre a festa atrair o assassino. Eu acho isso bem estranho (Ele aproxima-se ameaçadoramente)

BRUCE

Como é que é?

NICK

– Você me ouviu muito bem! Você disse que alguém podia morrer. E então, alguém morre! A minha Kelly morre! Como você podia saber?

BRUCE

– Não transfere pra mim a raiva que você esta sentindo de si mesmo (Diz ele com frieza)

Os olhos de Nick brilham de ódio, e em um movimento rápido, ele agarra Bruce pela gola, e o pressiona com violência contra o pilar.

NICK

– Cala a boca! Cala essa boca!

Um segurança se aproxima, atraído pela confusão.

SEGURANÇA

– Ei! O que esta havendo?

Nick imediatamente solta Bruce. Os dois olham nervosos para o desconfiado segurança.

BRUCE

– Nada demais. O meu amigo aqui tava um pouco nervoso, mas já se acalmou. A gente se vê por ai, Nick (Diz Bruce dando as costas ao colega, e indo embora).

Enquanto Isso, O Reitor e o Chambers finalizavam a coletiva de imprensa. Tony anotou todas as declarações, chegando à conclusão que já tinha um bom ponto de partida para a sua matéria. Ao guardar seu bloco de notas no bolso, o repórter sente alguém colocar a mão em seu ombro. Ao se virar, ele vê a bela morena que o reteve na universidade na noite anterior.

HELENA

– Ola Sr. Stevenson. Nós podemos conversar?

TONY

– Agente Belli... Sim, claro. (Diz surpreso).

Os dois começam a se afastar do grupo de repórteres, que já começa a se dispersar.

TONY

– Eu já respondi as perguntas do Ferguson, mas se tiver mais alguma coisa que eu possa...

HELENA

– Isso não é uma conversa oficial, Tony. Pode relaxar.

Tony parece aliviado.

TONY

– Achei que ia ficar mais três horas preso em uma sala. Nem consegui voltar pra casa ainda. Minha mulher esta uma arara comigo.

HELENA

– É casado, Tony? (Diz surpresa)

TONY

– Não só sou casado, como tenho um filho.

HELENA

– E por que não esta usando aliança?

TONY

– Não somos casados oficialmente. Achamos desnecessário. Mas o que posso fazer por você?

HELENA

– Em primeiro lugar, queria agradecer por... Me ajudar naquelas ruínas (Diz um pouco sem jeito).

TONY

– Tudo bem. Você teria feito o mesmo.

HELENA

– Eu li o seu depoimento. Não viu mesmo nada ontem a noite que possa nos ajudar?

TONY

– Infelizmente não. Tudo que ouvi foram os tiros, e não vi ninguém alem de você.

HELENA

– É uma pena. Bem, eu preciso ir. Obrigado pela atenção, Tony.

Helena começa a se afastas, mas Tony vai atrás da moça.

TONY

– Espere! Que tal um almoço? Não se preocupe. É em Off. Quero lhe entregar algumas anotações que eu fiz quando estava escrevendo o artigo sobre Tina Becker.

HELENA

– Acho que posso ler este material no jornal, não posso?

TONY

– Não publico tudo no jornal.

HELENA

– Não é o que repórteres devem fazer?(Pergunta com desconfiança)

TONY

– O bom jornalista só escreve o que é preciso para se transmitir a noticia. Nem mais, nem menos. Certas informações são inúteis para o público, mas talvez sejam uteis para a polícia.

HELENA

– Muito bem. Tenho que almoçar mesmo.

Próximo dali, Bruce observa o palanque começar a ser desmontado, enquanto pega mais um biscoito do pacote. O jovem está absorto em pensamentos, quando ouve seu nome.

SAGE

– Bruce Graham?

Bruce olha espantado para o homem grisalho ao seu lado, que o observa atentamente.

BRUCE

– Como sabe o meu nome?

SAGE

– Sou um bom fisionomista, Bruce. Estou ajudando a policia e o FBI. Eles querem entrevistar todos os colegas de Kelly Wilson, por isso vi a ficha da sua turma. Sua foto estava lá. Estava ouvindo as declarações quando vi você, e o reconheci na hora (diz Sage jovialmente).

Nenhum dos dois percebe Isadora se aproximar. Ela chama pelo amigo.

ISADORA

– Bruce?

Ambos olham para a garota. Sage parece reconhecê-la, e dirige-se com delicadeza a ela.

SAGE

– Você é Isadora Thompson, correto? Eu lamento pela sua amiga. Lamento ainda mais que tenha passado pelo que passou ontem à noite.

Isadora imediatamente lembra-se do aviso de Bruce, e pergunta na defensiva.

ISADORA

– O senhor é jornalista?

SAGE

– Não, longe disso. Meu nome é Frank Sage, ao seu dispor.

Isa leva dois segundos para assimilar o nome e lembrar onde o havia ouvido antes.

ISADORA

– Eu sei quem você é. Você é do FBI. Investigou Jack Calcanhar de mola em 2001, não foi?

SAGE

– Sim. Mas não sou do FBI. Só estou prestando consultoria. Fico impressionado que uma jovem como você se lembre de um velho como eu (Diz ele olhando-a penetrantemente)

Isadora parece encabulada com o comentário.

ISADORA

– Com o que tem acontecido ultimamente, andei pesquisando sobre aqueles assassinatos. O nome do senhor aparecia bastante. Mas não sabia que conhecia o Bruce.

SAGE

– Nos encontramos por acaso ontem à noite, mas não nos conhecíamos antes disso. Pelo menos eu não o conhecia. Me reconheceu ontem à noite, certo rapaz?

BRUCE

– Bem, levei um tempo, mas reconheci sim (responde ele um pouco nervoso).

ISADORA

– Quando exatamente você o encontrou, Bruce? (Pergunta confusa)

BRUCE

– Foi ontem na festa.

ISADORA

– A que horas foi isso?

SAGE

– Em torno da uma e meia da manhã (Diz Frank automaticamente).

Isadora olha com estranheza para Bruce, o que é percebido por Sage.

BRUCE

– O senhor queria falar comigo agora?

SAGE

– Talvez eu fale com os dois mais tarde. Todos os colegas de Kelly Wilson vão ser interrogados. Ainda mais que se trata de uma turma pequena.

BRUCE

– Então o que quer comigo agora?

SAGE

– Eu só ia pedir um biscoito (Diz Sage com um sorriso simpático)

ALGUNS MINUTOS DEPOIS

Assim que Sage foi embora, Bruce convidou Isadora para um refrigerante. Enquanto se encaminhavam para uma pequena lancheria localizada no pátio principal, o rapaz perguntou a ela como seus pais haviam reagido ao envolvimento dela na descoberta do corpo de Kelly. A jovem responde de maneira distante que seus pais ficaram preocupados, e até sugeriram que ela fosse passar alguns dias em casa, mas ela recusou. Os dois pegam os seus refrigerantes na lancheria. Bruce sente-se incomodado0 pela forma fria com que esta sendo tratado.

BRUCE

– O que é que foi Isa? O Sage te disse alguma coisa que te incomodou?

ISADORA

– Por que não me contou na festa que havia encontrado Sage, Bruce? (Pergunta sem rodeios)

BRUCE

– Sei lá! Eu devo ter esquecido.

ISADORA

– Você nunca ia esquecer uma coisa assim! (Diz rispidamente)

BRUCE

– Ok! Eu não esqueci. Só não queria falar contigo sobre isso aquela hora na festa.

ISADORA

– Por quê?

A pergunta parece desorientar o rapaz.

BRUCE

– Por que... Sei lá por que! Eu ia te contar depois, mas então o Nick armou aquela confusão, e depois... Bem, você sabe (diz o rapaz com cautela).

ISADORA

– Você não respondeu a minha pergunta.

BRUCE

– Vamos sentar pra conversar melhor (Diz apontando para uma das mesas)

Eles se dirigem a mesa. Bruce senta-se olhando atentamente para a amiga.

BRUCE

– Por que essas perguntas todas, Isa?

ISADORA

– Eu só quero uma resposta decente, Bruce!

BRUCE

– Eu já te contei. Eu não tenho outra resposta melhor pra de dar! Não to vendo o porquê desta insistência. A não ser... A não ser que você esteja desconfiando de mim.

A garota choca-se com a possibilidade levantada por Bruce.

ISADORA

–Não! Como eu ia pensar uma coisa dessas? Eu só achei estranho você não ter me contado nada sobre o Sage (Diz quase se justificando).

BRUCE

É mesmo? (Diz com um olhar frio)

Enquanto Bruce a olha em silencio, a garota reflete sobre o que ele disse. Estaria ela mesmo desconfiando de Bruce? Não. Bruce podia ser um pouco estranho, mas ela não podia pensar que ele fosse um assassino. Podia?

BRUCE

– Você não leu o livro de Tony Stevenson, leu? Tem uma passagem bem interessante em que ele fala sobre os efeitos que os crimes da Primavera Vermelha tiveram sobre os alunos de New Sharon. Segundo Stevenson, todos desconfiavam de todos. O livro diz que gerar pânico e paranóia podia ser parte do objetivo do assassino. Se for verdade, parece que a historia esta mesmo se repetindo, não é?

A garota tenta responder, com certa vergonha.

ISADORA

– Eu não quis dizer...

Bruce a interrompe, falando com magoa.

BRUCE

– Quis sim. Se acha que eu sou capaz de uma coisa assim, então é melhor ficar longe de mim. Pra sua própria segurança (O rapaz se levanta, e dando as costas, começa a ir embora).

ISADORA

– Bruce, espera!

Bruce não escuta, e vai embora sem olhar pra trás. Isadora cobre o rosto com as mãos.

ISADORA

– Droga! (Diz cansada)

RESTAURANTE UNIVERSITARIO

Enquanto dirigia-se ao restaurante universitário, Helena observou os estudantes e funcionários que passavam por ela. As pessoas já não agiam como no dia em que a agente chegou a New Sharon. Todos andavam em grupos muito mais reduzidos e silenciosos, e poucos se cumprimentavam quando cruzavam nos corredores. O medo podia ser sentido no ar.

Helena entra no restaurante universitário, e vê Tony sentado sozinho. Ele acena para ela, sendo retribuído. A jovem agente pega um prato e uma bandeja, e serve-se dos pratos do dia, dirigindo-se para a mesa de Tony em seguida.

TONY

– Que bom que você veio.

HELENA

– Como eu disse, tinha que almoçar. E então Tony, o que tem pra mim?

TONY

– Direta como sempre (Diz sorrindo e entregando a ela algumas anotações amarradas por um elástico)

HELENA

– O que tem aqui exatamente? (Diz olhando as notas com fingido pouco interesse)

TONY

– Talvez nada. Não cheguei a cruzar essas informações com as anotações que fiz sobre Kelly Wilson. Pode não ser nada, mas talvez você encontre algo importante tambem.

HELENA

– Posso fazer uma pergunta, Tony? (Diz olhando atenta para o repórter)

TONY

– Claro.

HELENA

– Por que esta me dando todas estas informações? Primeiro o dossiê que usou pra escrever o livro, e agora essas notas. Por que esta fazendo isso?

Tony coça a cabeça, como se estivesse um pouco encabulado.

TONY

– Você ia me achar doido.

HELENA

– Arrisque.

Tony respirou fundo. Tomou um gole de refrigerante, e começou a falar.

TONY

– Quando o segundo assassinato aconteceu em 2001, o medo era quase palpável nessa universidade. A policia e o FBI não tinham nenhuma pista da identidade do Jack. Pra piorar, as pessoas olhavam para a pessoa do lado como se ela fosse puxar uma faca a qualquer hora. Eu até desconfiava do meu colega de quarto, e acho que ele tambem desconfiava de mim.

HELENA

– Não sei se isso é completamente negativo.

TONY

– Como assim?

HELENA

– Olhe em volta, Tony. Esta vendo algum assassino?

O jornalista olha em volta, e vê apenas alunos, funcionários, e alguns repórteres almoçando.

TONY

– Acho que não (diz confuso).

HELENA

– Exatamente. A maioria dos assassinos é como qualquer um na maior parte do tempo. Assassinos ficam na fila do caixa com você, e se sentam ao seu lado no ônibus.

TONY

– Já vi que você é a favor da política do medo (Fala ele impressionado)

HELENA

– Não sou não. Mas no atual caso, prefiro ver os estudantes paranóicos, e não mortos. Mas desviamos do assunto. Ainda não me disse por que tanto esforço em me ajudar.

TONY

– Bom, eu sou um repórter. Meu trabalho é buscar a verdade, pelo menos em teoria. Sempre me perguntei quem seria a pessoa capaz de incutir tanto medo e desconfiança nas pessoas. Fiquei obcecado em saber quem era o homem por trás de Jack Calcanhar De Mola. Durante os crimes dele, lia todos os jornais e noticias que saiam a respeito, procurando algum indicio da identidade do filho da mãe. Mas então, os crimes pararam.

HELENA

– E você resolveu escrever um livro sobre o assunto (Diz prestando atenção no repórter)

TONY

– Sim. Tentei encontrar a resposta olhando de todos os ângulos. Modéstia a parte, sou um excelente pesquisador. Tentei saber tudo o que havia pra se saber sobre Jack Calcanhar De Mola, mas não consegui descobrir quem o maldito era. Mas agora ele voltou. Ele, ou alguém com o mesmo talento pra provocar medo e morte. Quero saber quem é essa pessoa. Eu preciso saber (Diz com determinação)

HELENA

–Todos nós precisamos (Diz ela sombriamente).

TONY

– Ficou claro pra você por que não me importo de eu ser seus olhos e ouvidos?

Helena olha para o jornalista com atenção. Aquele homem fora atormentado por uma simples pergunta durante anos: quem é Jack Calcanhar De Mola? Havia certa obsessão ali, sem duvida. Mas ela poderia tirar proveito disso.

HELENA

– Ajuda nunca é demais, não é? (Diz sorrindo)

QUARTO DE BRUCE E NICK

O sol começa a se por na janela. Bruce esta sentado em frente à mesa, escrevendo em seu notebook. A televisão mostra a coletiva de imprensa que aconteceu naquela tarde. O rapaz não presta atenção. Ele não precisa, já que estava lá. Ouve-se o som da chave sendo introduzida na porta. Nick entra no recinto, e passa reto por Bruce, como se o colega fosse invisível.

Por cima da tela do computador, Bruce espia o amigo pegar uma garrafa de vodka barata na geladeira, para em seguida servir a bebida em um copo. Bruce respira fundo, fecha o notebook, e levanta-se de sua cadeira.

BRUCE

– Nick, eu quero falar com você. Na paz, sem briga. Queria me desculpar pelo que eu disse hoje cedo (Diz em tom amistoso).

Nick bebe um gole de vodka, e olha com olhos cansados para o colega.

NICK

– Tudo bem, cara. Eu tambem tenho que te pedir desculpas. Não devia ter jogado tudo em cima de você daquele jeito.

BRUCE

– Esquece isso. Foi uma reação natural. Eu só dei o azar de estar por perto.

Nick foi até a mesa, e sentou-se em uma das cadeiras, bebendo mais um gole de vodka em seguida. O rapaz começa a desabafar, com melancolia na voz.

NICK

– Ela morreu me odiando. A Kelly morreu me odiando.

BRUCE

– Não pensa nisso agora, cara.

Nick olha triste para o amigo.

NICK

– Como é que eu não vou pensar? Eu pisei na bola com ela. Mas eu te garanto uma coisa. Quem fez isso com ela vai pagar caro!

Nesse instante, ouve-se uma batida na porta. Bruce levanta-se, e espia pelo olho mágico. Ele vê dois homens parados diante de sua porta, reconhecendo um dos homens como sendo Milton Chambers. O rapaz vira-se para Nick com a surpresa estampada no rosto.

BRUCE

– É o chefe da segurança.

NICK

– O que ele tá fazendo aqui? (Pergunta espanto)

Cautelosamente, Bruce abre a porta. Chambers esta acompanhado de Tom Ferguson. O chefe de policia fita o rapaz com indiferença.

FERGUSON

– Nick Olsen?

Antes que Bruce possa responder, Chambers intervém.

CHAMBERS

–Esse é o colega de quarto. Aquele é Olsen (Diz apontando para Nick no fundo do quarto).

NICK

– O que vocês querem comigo? (Diz nervoso)

Ferguson entra no quarto sem esperar convite, e anda em direção a Nick.

FERGUSON

– Queremos que você nos acompanhe até a central de policia. Queremos fazer algumas perguntas sobre Kelly Wilson... E Tina Becker.

BRUCE

– Pensei que os interrogatórios seriam realizados amanhã. E aqui mesmo em New Sharon.

FERGUSON

– E vão. Mas seu colega tem algumas coisas a mais pra explicar.

BRUCE

– Como o que? (Pergunta em tom de desafio)

Ferguson olha de um jovem para o outro. Nick esta empalidecendo.

FEERGUSON

– Como a briga que ele teve com Kelly horas antes de ela ser morta.

BRUCE

– Briga de ex.

Ferguson ignora Bruce e olha para Nick.

FERGUSON

– Você não era ex de Tina Becker, certo? Mesmo assim a assediou. E alguns dias depois, alguém a estripou.

Bruce olha para o policial como se ele tivesse contado uma piada sem graça. Depois olha para o colega, esperando que ele desminta a afirmação de Ferguson sobre seu envolvimento com Tina Becker. Mas tudo o que Nick faz é olhar suplicante para o amigo.


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Notas finais do capítulo

A reporter se refere a lenda urbana inglesa de Jack Calcanhar De Mola. Segundo a lenda, um homem capaz de dar saltos enormes atacava mulheres e policiais na Londrês do século 18. Acredita-se que esta tenha sido uma das primeiras lendas urbanas da historia, já que não existe fato concreto que prove que Jack Calcanhar De Mola realmente existiu.
Espero que tenham gostado do capitulo. Em breve,o capitulo 6.