Eu me lembro da primeira vez que eu o vi. Estava vestido com roupas esfarrapadas, sujas de pó e graxa. Seu rosto tinha manchas de graxa onde ele havia secado o suor; seus cabelos, naquela época longos, estavam desgrenhados, sujos, e escondidos debaixo de um gorro de lã preta. Fiquei parada por alguns minutos observando ele, em silêncio, enquanto limpava uma peça com um pedaço de trapo. Estava concentrado, em pé, com os olhos fixos na peça. Lembro-me que sorri naquele dia, estava curiosa com ele. Ele não me viu, acho que não esperava que eu fosse aparecer ali. Até mesmo porque, ele não me conhecia. Talvez tivesse ouvido falar, mas não conhecia. Fiquei encostava em uma prateleira, escondida nas sombras. Não me lembro ao certo quanto tempo estive parada ali, mas acho que foi tempo suficiente. Em certo momento, ele enfim notou minha presença. De início, ficou me fitando com um olhar de confusão, um misto de curiosidade e espanto. Ao que por fim, sorriu de forma suave, meio envergonhado, e proferiu algumas palavras.
– Oi... Eu posso ajudar? Está perdida? – questionou, pousando a peça que limpava sobre uma bancada em sua frente – Você trabalha aqui?
Eu me permiti rir de leve antes de lhe responder.
– Trabalhar? Não. Eu apenas gosto de passear por aqui. – Dei de ombros e um passo em sua direção, saindo das escondidas. Ele me olhou de corpo inteiro dessa vez – Eu me chamo Mayara, sou filha do chefe.
Senti a tensão aumentar, e ele sorriu de lado. Virou-se e voltou a limpar a peça.
– Claro, me perdoe. – ele corou suavemente – Meu nome é Ricardo.
O olhei por alguns momentos, e então dei as costas para ele.

Esse foi o nosso primeiro encontro, nossas primeiras palavras, nosso primeiro momento a sós, com uma tensão palpável. Eu soube, naquele momento, que por algum motivo, nossas vidas estariam ligadas pelo resto de nossas vidas.