Tenho coração de plástico e olhos de vidro. Tenho pele de porcelana e um rubor de tinta. Não tenho língua, não tenho dentes, jazem meus lábios fechados pela eternidade em um doce sorriso.

Sou perfeita. Sou o cúmulo da artificialidade.

Sou uma boneca, muda expectadora das tramas do destino.

Não passo de um singelo brinquedo à mercê daquele que me possui.

Sou irreal, sou apenas um passatempo, uma diversão passageira cujo dono em breve verá-se enjoado de tão antiquada brincadeira e passará à seus artífices motorizados e sua tecnologia falante. Serei, então, abandonada à um canto qualquer, renegada à posição de inútil, e passarei o resto de meus dias lembrando-me do tempo em que fui amada.

Vê? Já não tenho pele de porcelana. Já não sou perfeita - sou profana, sou maldita, sou imunda e asquerosa, grotesca criatura de aparência inumana que em breve não terá forma senão a que assombra pesadelos infantis.

E este rubor? Oh não, já não é tinta - deve ser deste fogo que me arde, que me consome, que transforma meu corpo em cinzas e livra este mundo cruel de mais um lixo inútil.

Ai de mim, já não tenho mais olhos de vidro para derramar lágrimas de mentira pelas crianças deste mundo monstruoso, que nunca aprenderam a sonhar.

E você? O que é?