Sonhos de Melli Moore escrita por Suh


Capítulo 6
Perdão


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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            Não é fácil viver sem pais.

            Sei que já te contei que cresci cercada de amor, de pessoas cuidadosas... mas meus pais fizeram falta. Eu sempre disfarcei, sempre me mostrei forte e feliz.

            Quando perguntava quem era o meu pai, tia Soph sempre desconversava. Ela dizia que ele foi um ex namorado da minha mãe, que não mora nesta cidade.

            Perguntei pela pensão. Ela riu.

            - Nós não precisamos disso, Mel.

           

            Mas eu queria saber. E por alguma razão, quando perguntei a minha mãe, acordei do meu lindo e precioso sonho. Cedo demais, admito.

            O que foi bom e ruim. Bom porque podia ver o Inu novamente. Ruim porque fiquei sem respostas.

            Me arrumei e desci.

            Naquela manhã, tia Soph estranhou eu estar acordada tão cedo. Me beijou a testa e preparou um café da manhã divertido. Um navio de Waffles, num mar de cobertura de chocolate. Sorri.

            - Thanks.

            - De nada, lindinha. Por que acordou tão cedo?

            - Eu não sei. E você?

            - Sempre acordo cedo... – Ela ficou repentinamente séria e abaixou a cabeça para tomar o seu café. Houve silêncio por alguns minutos.

            - Tia... quem é meu pai?

            - Novamente essa conversa, Mel?

            - Ninguém nunca me respond...

            - Você não precisa conhecê-lo, Melli!

                        Ela falou meu nome. Isso não foi bom, mas não desisti.

            - Por que não posso conhecê-lo?

            - Não temos mais nenhum contato com ele.

            - Ao menos me diga o seu nome.

            - Melli Moore, não insista neste assunto!!

                        Tia Soph estava com raiva? Por que ela não se colocava no meu lugar? Tive de viver com o peso da morte da minha mãe em minhas costas. Ela morreu por mim!! Pelo amor que ela sentia por mim! E ninguém, um pai, para me consolar por 16 anos!

            Senti meus olhos úmidos, me levantei e gritei:

            - Não me diga o que fazer! Você não é a minha mãe!!!

            Vi o rosto de tia Soph mudar de raiva para dor profunda. Mas não parei, estava cega pela confusão. Peguei minha mochila e saí de casa, batendo a porta atrás de mim.

            Eu normalmente não sou assim. Raras vezes briguei com tia Soph e raríssimas vezes a vi alterada daquela forma. Percebi que ela não gostava de se lembrar da minha mãe, aquilo a fazia sofrer, eu sabia.

            Mas eu também sofria. Eu também sentia raiva. “Eu queria ter pais... eu queria... queria...”

            - Melli?

            - I-inu...? – Não gagueje agora, Melli Moore!

            - Tá tudo bem?

            Por que ele estava aqui tão cedo? Será...? Não, não é possível que ele estivesse me esperando.

            - Ah, eu... – Enxuguei uma única lágrima que teimou audaciosa em cair. – T-tá... tá tudo bem.

                        Ele se aproximou de onde eu estava – parada antes da ponte – e sentou no banco próximo. Tocou no lado vazio do banco. Olhou para mim com a cara de “você não vem?”.

           

            Eu corei. Fui até ele e me sentei ao seu lado.

                        Olha só, eu acho que sei em quem confiar, sabe? Não é que tia Soph e Mac não me disseram para não falar com estranhos. Mas assim como aconteceu com você, eu vi seus olhos convidativos. Normalmente eu pensaria que ele poderia ser um estuprador desalmado, que estava me atraindo para uma tortura, seguida de morte cruel... mas ele era o Inu, o rapaz que me fez sentir como nunca havia me sentido antes.

            - Acho que hoje não teremos problema com escola.

            - É... acho que acordamos cedo demais, não vamos nos atrasar...

            - Ahn? Não é isso, Melli!

            - Não?

            Ele riu. Alto. Não foi só uma risadinha. Eu me senti embaraçada, mas me deliciei com aquela gargalhada maravilhosa.

            - Hoje é feriado!

            - Uh... acho que eu devia saber disso...

                        E então, me juntei a ele rindo da minha própria estupidez!

            - Ah é... e o que você faz aqui num feriado?

            - Bem... eu disse “até amanhã” e você concordou, então...

                        Me lembrei de estarmos indo rápido demais. Corei de novo.

            - Minha tia vai ficar preocupada...

            - Por que?

            - É que discutimos antes de eu sair de casa... quer dizer, eu não sabia que era feriado e saí achando que ia para o colégio. Ela vai achar que fugi de casa.

            - Isso é um problema...

            - É... é sim. – Por que? Por que eu era tão diferente do lado dele? Tão... normal...?

            - Você mora com a sua tia?

            Assenti.

            Silêncio.

            - Ahn... – Falamos ao mesmo tempo.

            - Você primeiro... – ele disse.

            - Ah, er... – por que eu corava? Por que gaguejava? – Quantos anos você tem?

            - Vou fazer 15...

            - Ahn?? Só 14?? – Ele parecia mais velho do que eu.

            - É... às vezes se espantam, dizem que tenho cara de 17 – ele sorriu – e você?

            - Tenho 16...

            - Ah... uau...! Você é bem...

            - Pequena? Eu sei... Então, o que você ia dizer?

            - Ah, claro! Eu ia dizer que... bem, não que eu não queira ficar aqui com você – ok, isso mexeu comigo – mas, não seria melhor você ir para casa? Sua tia... deve estar preocupada...

            - Oh, é mesmo! Droga... eu... eu vou indo então... – Falei me levantando.

            - Melli... quando voltar aqui, espero não ver uma lágrima no seu rosto.

                        Corei violentamente.

            - Ah, eu, er... bem, eu acho que... a Sylvia não gostaria de s-saber que...

            - Ahn? Quem é Sylvia?

            - A mãe dos seus gêmeos. – Eu soltei, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

            “Droga.”

            Ele riu por um bom tempo. Eu havia mostrado quem eu era, a drogada.

            “Estava demorando, Melli... você tinha de ser anormal! Como é que o Joe te agüenta mesmo?”

            - E-eu vou indo...

            - Espera Melli... – ele disse, tentando segurar o riso. – Eu não sou pai de gêmeos, ok? Eu nem tenho namorada!

            - E o Boris? – “AAAH não! Diz que eu não fiz isso!”

            - Que Boris?

            - Deixa para lá! – Sorri amarelo.

           

            - Eu não tenho namorada, não tenho gêmeos e nem conheço este tal de Boris! Você deve estar me confundindo com alguém!

            - Me desculpe... – Impossível confundi-lo!

            - Não, não te desculpo!

                        “Ahn? Droga, droga, droga!”

            - Só se você prometer que nos veremos amanhã também... nesta mesma hora.

            - Ah... – Alívio. – Claro.

                        Sorri.

            Enquanto caminhava de volta para casa, percebi algo que me fez sentir um friozinho na barriga, algo que me alegrou. Ele realmente estava lá por minha causa.

            - Tia Soph! – Gritei ao chegar em casa.

            - Mel?

                        Ela estava sentada no sofá com o rosto enterrado nas mãos. Quando levantou a cabeça para falar comigo, vi que seu rosto estava inchado. Ela havia chorado.

            - S-sinto muito, tia Soph...

            - Meu Deus, Mel! – Ela se levantou e correu em minha direção me abraçando. – Onde você estava? Não faça isso comigo, por favor!

            - Desculpa... eu... eu não lembrei que hoje era feriado...

                        Ela olhou para mim e sorriu.

            - Boba... você foi até a escola? – ela riu.

            - Não cheguei até lá... encontrei um amigo no caminho...

            - M&M’s... eu sei que não sou sua mãe... eu nunca chegaria aos pés do que ela foi e nem quero tomar o seu lugar na sua vida – ela acariciava meu rosto com o polegar e me olhava com uma profunda ternura – Mas, não fale mais aquilo, ok? É muito doloroso...

            - Desculpa de novo, tia... é que... eu estava confusa e com raiva e...

            - Tudo bem, Mel... se sente. Eu vou falar o que sei sobre seu pai.

                        Na hora que ela disse isso, meu rosto pareceu um ponto de interrogação! Eu nem acreditei que ela finalmente me contaria sobre o meu pai!

            A verdade é que não foi exatamente o que eu esperava...


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Notas finais do capítulo

Na manhã em que Melli disse "Você não é minha mãe" para Sophia, senti como se ela estivesse dizendo aquilo para mim. Se eu pudesse, choraria, assim como Sophia o fez. Sentei ao seu lado e tentei consolá-la. Meu Deus, depois de 16 anos eu já deveria estar acostumada com a ideia de que os vivos não podem me ouvir...

Você nunca se acostuma com a morte quando está entre os vivos.