Ocultos escrita por mitsukichan


Capítulo 4
Capítulo 3 - [Des] Encontros


Notas iniciais do capítulo

Revivido via incentivo do meu amigo Irwin... ^^v



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            - Meu tio?

            - Isso.

            - Irmão do meu pai.

            - Exato.

            Com essas palavras, a chama gélida pareceu se extinguir nos olhos azuis de Anastácia. Ela tornou a sentar-se. Maeve, por sua vez, levantou e foi até o lado da afilhada, agachando-se ao lado da mesma, que agora tinha o rosto voltado para o chão.

            - Eu achei que você tinha ficado com ele. – A ruiva falou com cautela.

            - Não. Digo, sim. Eu fiquei, só que... – Ana parecia atordoada, a sensação de topor voltando a tomar seus sentidos. – Desculpe ter me descontrolado... É só que... Não foi essa história que me falaram. Disseram que eu tinha sido abandonada num orfanato e que meu pai... Tio... Sei lá, que ele tinha ficado com pena quando foi fazer uma doação.

            - Oh, Annie.

            - Pensando bem, deve ter sido idéia daquela megera. Ela nunca gostou de mim e agora sei o porquê. Deve ter sido um prêmio e tanto o marido ter pêgo uma órfã para criar.

            - Mas Annie, é isso que ainda não entendo. Ele não era casado quando te deixei com ele. Bem, não de novo. Ele era viúvo.

            - Ah, e tem isso ainda? Nossa... Sinto como se minha vida fosse uma mentira. – Ela deu uma risada amarga.

            - Annie... Anastácia, querida. Sei que deve ser difícil, há tanto o que dizer, o que explicar...

            - Mae? Escuta... Podemos deixar isso... Não sei... Para amanhã, depois... Vai saber... Outro dia? Assim que minha cabeça parar de rodar eu... Eu volto para uma segunda rodada de bungee jump psicológico, ok? – A morena falava esfregando as têmporas.

            - Vai ficar bem? – Perguntou apreensiva.

            - Claro... Eu só estou... Cansada. Foram dias cansativos, horas cansativas. Preciso...

            - De descanso. Espere, que vou apenas chamar Kira e vocês vão para casa, certo? Não quero você sozinha... Ah! E na volta, preciso dizer só mais uma coisa, mas é rápido, prometo.

            Anastácia nada respondeu, apenas ficou parada no meio do escritório, com a mão no rosto, massageando a fronte. Assim que ouviu os passos de Maeve se afastando, ela saiu da sala.

            Tomando a direção oposta, ela foi até a escada de incêndio do prédio. Desceu por ali, como um autômato, parando apenas para batalhar com a parte final da escadaria, que parecia ter emperrado.

            Um breve cálculo mental da distância e, ótimo que não estava sentindo boa parte do seu corpo. Isso facilitou as coisas quando ela optou por se jogar da última plataforma, ignorando a escada emperrada e a gravidade. Que se danassem ambas no momento.

            Com algumas escoriações, pelo jeito bem deselegante com a qual despencara, ela seguiu cambaleando pelo beco escuro por trás do estabelecimento. Alguns mendigos, raros transeuntes a passos apressados e assustados, mas ninguém que reparasse muito nela. E um “viva!” às comodidades anti-sociais das grandes cidades.

            Atingindo a rua principal, ela agasalhou as mãos nos bolsos da calça, amadiçoando a própria mente embaraçada, que a fez esquecer o casaco. De cabeça baixa, ela pouco se importava com outros passantes, mas evitava a todo custo esbarrar ou uma troca de olhar com quem quer que fosse.

            A teoria desse tipo de deslocamento era bem simples. A prática, no entanto, provou-se falha, quando Anastácia se chocou parcialmente com alguém. Ela sentiu o ombro incomodar, como se tivesse sido atingido por uma pequena carga elétrica. Desculpou-se brevemente, massageando o local atingido e iria sair na mesma velocidade se não tivesse ouvido a voz da pessoa.

            - Que merda...? – Soou uma irritadiça, porém baixa, voz feminina.

            Anastácia retesou os músculos. Não era de brigas, mas, por aquele dia, estava farta com todos aqueles acontecimentos importunos. A voz dela saiu cortante, mas sem se voltar para a outra.

            - Olha aqui, eu já pedi desculpas, ok?

            - Era só o que me faltava. Acaso falei alguma coisa, esquentadinha? – Dessa vez a voz soou mais alta.

           Dessa vez Ana se vira, encarando uma jovem de cabelos curtos e levemente ondulados, que se moldavam perfeitamente ao redor dos olhos negros, como os cabelos. A estatura era baixa, dando a chance de Anastácia baixar o rosto com uma nota de desprezo, ao avaliá-la. Os olhos das duas se encontraram, medindo uma a outra e desafiando-se.

            - Só o que faltava? Eu que o diga, nanica... – E o vinco de irritação que se formou no rosto da outra, quase fez Ana sorrir vitoriosa, mas ela continuou a briga. – Vai se fazer de tonta agora? Achou mesmo que eu não fosse ouvir?

            - E, coitada, é louca.

            Nesse momento, algo surpreendente, mesmo considerando seu emprego, aconteceu à morena. Ela podia ouvir claramente a frase seguinte, só que com um detalhe.

            - Sua boca... – Ana balbuciou pasma. –...  Não mexeu. – Ela completou mais baixo.

            A boca da jovem a sua frente não tinha movido um centímetro. Por um momento, Anastácia pensou que talvez tivesse se enganado. Que tivesse brigado com a pessoa errada. Entretanto, quando esta se aproximou, tocando-lhe a testa, a voz que se dirigiu a Ana, dessa vez acompanhada de movimento labial, era a mesma das provocações anteriores.

- Você está bem? – Ela soava mais sarcástica, que preocupada.

Recolhendo o queixo, que tinha despencado, de volta à posição original, ela se desvencilhou da mão em sua fronte e a fitou com irritação.

- Olha aqui, se o que procura é A Tumba, a entrada é pelo outro lado. Agora sai de dentro da minha cabeça e pára de me provocar, engraçadinha.

            Considerando a diferença de compleição física das duas e a postura belicosa, Anastácia imaginou que ela fosse recuar uma vez que obtivesse a informação. Isso, porém, não foi o que ocorreu. A garota continuou encarando ela.

            - Que garota estranha. Possivelmente deveria levá-la a algum médico... Se ao menos eu soubesse onde estou, claro. – Novamente a voz soou apenas na cabeça da chaser, sem nenhuma movimentação por parte da garota, que não fosse a de olhar ao redor como se procurasse se localizar.

            Desistindo daquela confusão, a morena mais alta suspira forte. E cruza os braços, ficando medindo ela de alto a baixo, tentando calcular a que raça ela deve pertencer para estar fazendo isso.

           - E eu quem preciso de médico? – Revirando os olhos, ela responde com ironia. – O que você andou aprontando para não saber onde está, ein? Vou te dar uma dica: se relógios grandes e castelos te lembrarem de algo, talvez você se localize.

           De onde estavam, era possível ver o Big Ben como plano de fundo. E foi ele que Anastácia indicou, quando se referiu a grandes relógios. A jovem de cabelos curtos encarou o monumento com apreensão.

           - Oh, isso é mal. Estou bem longe de casa. – Os pensamentos dela agora acompanhavam o suspiro que ela exalava. – Sem dinheiro, sem documentos, sem celular. Essa garota estranha está lendo meus pensamentos e deve ser por isso que estou com dor de cabeça. Sei que não deveria me perguntar isso, mas... Dá pra piorar?

           Ao ouvir essa última parte, Anastácia a olhou um pouco desconfiada ainda, mas de certa maneira sua aparência era de quem baixava as armas.

           - Você não está fazendo de propósito, então? – Perguntou descruzando os braços. - Ei, espere! Você me chamou de estranha? – Se exalta um pouco, mas depois aparenta concordar a contragosto... Não era como se ela fosse muito normal também, não? – Mas bem, eu nunca li a mente de ninguém... – Fala mais pra si mesma, voltando-se depois para ela. – Será que não é mesmo você quem está me mostrando sem querer?

           - Eu posso me desmaterializar e ir a qualquer lugar.  – Ela falou, completando em pensamento. – O que é malditamente ruim, já que, ultimamente, não posso controlar.

           Anastácia a olhava com curiosidade agora. Ela parecia humana.

           - Sério? Nossa... Parece um dom problemático também. - Ela ri da piada pessoal - É... Ainda continuo ouvindo duas de você...

           - Mas meus pensamentos são só meus. – Ela completou, vocalizando para depois, mais uma vez, completar em seu pensamento. – O Erick pode ouvir quando penso em seu nome, mas isso é completamente diferente. – Dessa vez soou constrangida, principalmente depois de lembrar que Ana poderia ter ouvido.

           Anastácia fica pensativa, colocando a mão no queixo, enquanto ouvia o que “nanica” dizia.

           - Bem, aparentemente não são mais só seus... – Falou distraidamente, mas abriu um sorrisinho sardônico ao ouvir um nome masculino. – E quem é Erick?

           Anastácia riu com a imagem viva que pareceu se projetar para dentro de sua mente. Ela devia estar com raiva do rapaz, pois em sua mente ela tinha as mãos envoltas do pescoço de um moreno, alto, de atraentes olhos cor de âmbar. De alguma maneira, ela sabia que aquela cena não tinha acontecido na realidade. Ao menos não ainda.

           - Oh... Esse é o Erick, suponho... – Ela ri de novo. - Me pergunto se ele vai ficar bem quando você voltar... Mas duvido que você o mate de verdade, pelo que eu ouvi mais atrás...

           Nesse momento, o sorriso de Anastácia esmorece. Ela pára e nota o que tinha falado. “Eu ouvi”. A jovem na sua frente aparentava ser alguém que, dificilmente, mostraria cenas tão detalhadamente constrangedoras, de propósito. O rubor leve em seu rosto não era de frio e isso a denunciava. A hipótese que seguiu a essas constatações fez o sangue da Chaser gelar.

           - Ah não... – Ela começa a andar, de um lado a outro, murmurando. – Não, não,não, não! Só faltava essa agora! Não pode ser!

           Milhares de hipóteses alternativas passam pela mente de Ana, mas ela precisava comprovar. Procurando lembrar-se de tudo que sabia sobre telepatas. Tinha lido alguns livros de Maeve e tinha algum conhecimento, e... Maeve! Lembrar da tutora a fez lembrar-se do que ela tinha dito sobre sua mãe.

           “É tipo assim: eles se transformam na pessoa, pegam algumas imagens mentais e lembranças...”. Com isso ela só tinha mais motivos para realizar o teste.

            - Olha... Preciso de sua ajuda pra um pequeno teste... – Ana vira-se para garota, olhos cheios de determinação. – Imagine uma... Não sei... Uma porta, portão ou cofre... O mais seguro que parecer. O mais impenetrável... Imagine sua mente dentro dele... Sei que parece estranho, mas bem... Nenhuma das duas parece muito "normal”, não?

           A morena de cabelos curtos fitou-a como se estivesse na frente de um ser de outro planeta, mas, mesmo assim, pareceu concordar. Ela fechou os olhos para melhor se focar, enquanto Ana fazia o mesmo.

           Concentrando-se, a morena de olhos claros tenta invadir, dessa vez, propositadamente, a mente da outra. Ela enxerga claramente uma porta pesada e entreaberta, antes de ir de encontro da quina da mesma. Ela abre os olhos surpresa e esfrega as temporas. Sua cabeça que já doía, agora parecia ter ido de encontro a algo tão pesado quanto a mesa de carvalho de Maeve.

           - Ah, mas que merd... - Ela massageava a cabeça por um tempo, depois suspira e olha a garota. – Acho que te devo um pedido de desculpas, Srta. Futura-homicida. Pelo jeito era eu quem estava fazendo isso... Mas não era proposital, garanto. – Ela diz com um tom que ia do cansaço ao amargor, antes de exalar outro suspiro e soltar um muxoxo – Não acredito que tenho mais um dom problemático... Desse jeito vou ganhar um atestado de bizarrice! – Ela completa o desabafo xingando em francês.

           - Tudo bem. – A outra responde sorrindo, completando com pensamento. – Estou acostumada com pessoas estranhas.

           - Ei, eu ouvi isso...  – Ela ralha de mentirinha, depois ri. – Bem... Não é como se fosse mentira, em todo caso... A propósito, sou Anastácia. – Estende a mão, acrescentando: – Achei que deveríamos nos apresentar depois dessa... Hum... Interação acidental.

           - Letícia – Responde aceitando o cumprimento.

           - Então, Letícia... Você está com fome? – Ela perguntou com aparente casualidade, mas lembrando que a tinha visto pensando em comida.  – Essa confusão deu fome e posso te fazer algo como desculpas, já que você não tem para onde ir, por enquanto... – Oferece com um dar de ombros.

           - Vou supor que você viu a mesa farta na qual eu pensava e aceitar o convite, mesmo correndo o risco de sua comida ser horrível. – Ela provocou.

           - Não se preocupe. Se seu paladar for apurado demais para culinária caseira inglesa, podemos pedir uma pizza.

           Ambas riram e se dirigiram ao apartamento da jovem de olhos claros. Terminar, mesmo uma noite daquela, com uma nova amizade não parecia tão ruim.

-x-x-x-

           - Mas eu jurava que a tinha visto confirmar que ficaria aqui. Oh, céus! Onde essa menina foi parar? – A ruiva procurava por todos os lados.

           A ruiva era observada por Kira e Lizzie, enquanto andava de um lado a outro da sala, nervosa e preocupada. O ápice desse estado psicológico foi quando ela começou a procurar até mesmo dentro de gavetas e armários de arquivo.

           - Calma, Mae. Duvido que ela possa caber nesse armário. – Lizzie disse, segurando as mãos da dona do bar e conduzindo-a até uma cadeira.

            - Além disso, nossa casa não é tão longe assim. – Kira completou, despreocupada.

           - Vocês não entendem. Kira, Lizzie, ela está em perigo. Era disso que queria avisá-la, mas ela fugiu antes.

           - Em perigo?! – Kira então se exaltou. – Como assim?

           - E por que não avisou logo, Maeve? – Lizzie perguntou, preocupada. Nunca tinha visto a chefa tão transtornada.

           - A Verus Mundi está atrás dela. – Maeve fala, olhando diretamente para Kira.

           - Verus mundi... – Kira flutua até sentar-se também. – Não acredito... E ela não sabe ainda disso?

           Maeve nega com a cabeça.

           - Eu pretendia dar-lhe um pouco de tempo para pensar em tudo isso antes de jogar outra bomba. Isso porque nem cheguei a contar do pai dela... Ah, céus!

           - Bem, não adianta ficar girando aqui, o mais sensato é ir procurá-la e esperar que ela tenha mesmo ido para casa.

           - Espera! O que é que tá pegando aqui?! Parece perigoso, mas por quê? Quem ou o que é Verus Mundi? – Lizzie olhava de uma para outra com expressão confusa.

           - Não temos tempo! – Maeve se exaltou. – Eu te explico no caminho. – Disse enquanto pegava a bolsa e já ia saindo. – Kira, você pode chegar mais rápido que nós, então vai adiantando a situação a Annie e não a deixe ficar sozinha em momento algum.

           - Entendido! – Disse a fantasma, desaparecendo.

 -x-x-

           Hiroshi MacQuinn olhava a cidade de cima da Tower Brigde. A maioria das pessoas teria problemas em subir até ali, em especial após o horário comercial, mas certos empecilhos eram totalmente irrelevantes para ele. Outros nem tanto.

           - Ora, ora... Veio me visitar novamente, rapaz. – Falou uma mulher, vestida num suntuoso vestido vermelho medieval.

           - Boa noite, milady. Não deveria estar aumentando seu número de aparições em locais diversos e fazendo a alegria de sites de mistério? – Ele perguntou sem olhar diretamente para ela.

           - Acho que eles estão bem servidos, mesmo sem contar com minha ajuda. Com tantos personagens “fictícios” se unindo a humanos, não sei por que eles ainda se espantam, não é mesmo, querido? – A mulher falou em tom dissimulado.

           - Eu me pergunto que desonra causei eu a meus antepassados para ter tantos problemas com representantes do sexo feminino... – Ele responde, revirando os olhos dramaticamente, arrancando um riso dela.

           - Problemas com mulheres, querido? – Parou na frente dele parecendo analisá-lo. – Com certeza não fez esse comentário apenas por conta da minha brincadeirinha. Ah! Vai dizer que finalmente surgiu uma que não fique hipnotizada por esses demoníacos olhos prateados? – A figura fantasmagórica rodopiou ao redor dele, rindo debochada.

           - É o que parece... De certa forma eu já esperava que ela recusasse de qualquer maneira. – Ele ri. – Acho que ficaria decepcionado se ela aceitasse de primeira.

           A mulher pára de rir e o fita silenciosa. De início, divertia-se tentando assombrá-lo e provocá-lo, mas com o tempo, tinha passado a gostar daquela companhia esporádica. Ela tinha notado que ele sempre vinha àquele local quando precisava refletir, afinal tinha sido assim que o conhecera.

           O longo vestido rubro não balançava com o vento, bem como os cabelos. Imóveis, como sua existência tinha sido por séculos até que conhecera o jovem que ria amargamente a sua frente. Ele tinha movimentado, ainda que pouco, sua não-existência naquele mundo. Por isso, sentia que lhe devia o favor de fazer o mesmo por ele, principalmente agora que o via com olhos quase tão mortos quanto os dela.

           - E quem seria ela? - Ela pergunta e ganha a atenção dele, que a olhava curioso. - Para você, digo. - A figura fantasmagórica completa, assentando-se ao lado do rapaz. - Sou boa com segredos, por que não me conta o que, nesse novo alvo, o deixa tão hesitante?

           Ao ouvir aquilo, ele arregalou os olhos por um breve instante. A pergunta o tinha perturbado, apesar disso, ele dificilmente iria demonstrar qualquer reação que o denunciasse àquela astuta dama. Recompondo-se, o rapaz sorriu de forma irônica para ela. Devolvendo-lhe um olhar confiante, que passava por cima da hesitação, ele disse no costumeiro tom sarcástico:

           - Me diga, não acha que está se metendo demais nos meus problemas na Verus Mundi? – Recebendo dela apenas um risinho, ele arqueou uma sobrancelha e continuou. - Achei que para alguém que, a qualquer momento, pode virar um alvo também as preocupações em relação à Verus Mundi deveriam ser outras...

           Para a surpresa dele, ela simplesmente desata a rir. Um riso divertido e gostoso, mas apenas superficialmente. Intimamente havia um toque de desafio e malícia.

           - O que mais eles podem me fazer? Já estou morta, querido. - Ela disse suavemente, erguendo a mão como se fosse acariciar o rosto dele, mas parou antes que o ato se concretizasse.

           - O que mais poderiam fazer, não é? - Ele suspira, ainda com um sorriso, talvez ainda mais irônico que o dela anteriormente. Em seguida, retorna a uma expressão mais séria, enquanto volta o seu olhar para cima. - Nos colocar contra quem nos importamos, impedir os nossos próprios propósitos e bem... Até a liberdade... Até a liberdade pode ser tirada.

           Ele cerrava o punho por um instante, ela notou. Isso lhe doía, mas logo, antes que pudesse manifestar qualquer solidariedade, o rapaz força um sorriso e a fita novamente.

           - Apesar de que não se pode dizer que assombrar um punhado de lugares seja liberdade. Veja pelo lado bom, sempre poderá dizer que assombrou a Verus Mundi. - Ele dá um risinho cínico. - Antes deles te exorcizarem, claro.

           - Olha só ele mostrando as garrinhas... - Ela diz debochada. E pensar que quase sentira simpatia pelo “pobre rapaz”. - Exorcizarem, ein? Duvido que fosse ser tão ruim... Vagar eternamente é um pouco chato, sabia? - Ela fala olhando para o horizonte. - Não que eu vá facilitar para aqueles velhacos, mesmo assim. - Ela completa ainda rindo. - Mas estamos nos afastando da pergunta, rapazinho... Será que foi de propósito?

           - De propósito, hun? - Ele riu novamente e então falou de forma breve e simples, como se evitasse sentir o peso das palavras que dizia. - Bem, eu não tenho nada para esconder sobre isso. Ela se chama Anastácia. É uma mestiça e... Bem, por coincidência, é alguém que eu conheci quando ainda era criança.

           - Então o nome dela é Anastácia! - Ela fala empolgada. - Já entendi tudo! Então é um amor de infância! Que bonitinho... - Ela ri, soando mais sincera. – Por que não desiste desses malvadões e foge com ela então?

           - Tsc! Não me faça rir, até parece que eu iria me ater a coisas fúteis como essas.

           Apesar das palavras ácidas, o coração dele se encontrava dividido. Muita coisa havia mudado em todo aquele tempo, mas nem tudo era diferente para ele. Não queria caçá-la, assim como não podia abrir mão do tesouro que a Verus Mundi tinha tomado de sua família. Seus irmãos ainda precisavam de... Enfim, não era algo que iria abrir tão fácil, mesmo que fosse por ela.

           Tornando a olhar para a fantasma, com um sorriso que pretendia ser confiante e, até certo ponto, cativante, ele deu seguimento a sua réplica.

           - Amor de infância? Você está preocupada demais com a minha vida amorosa. Não seria você que está em um amor pós-vida? – Ele a provocou, mas sua voz tinha uma nota de gentileza.

           - Mas que doce canalha você é. – Ela fala com um meio sorriso, mas logo suspira e seu rosto fica um pouco sombrio. - Não... Dá última vez que me importei com essas coisas fúteis, como você diz, não acabei bem, sabia? – Ela se recompõe e fica de pé. – Homens são um problema, às vezes. E problemas do seu tipo, se sua dama for esperta, ela vai se abster até que você resolva o que tem que resolver.

           - Se abster, é? –Ele sorriu pensativo, lembrando-se do último encontro que teve com Anastácia, enquanto fitava o céu de forma vaga. – Hun, o que eu tenho de fazer, hã...

           Ele se deu alguns minutos para deliberar acerca de suas opções. O silêncio novamente aparecia, mas não parecia incomodar a nenhum deles. Instantes depois, seu olhar se voltou para a cidade abaixo deles e ele pareceu sorrir. Ao levantar os orbes prateados para sua companhia, ele tinha um olhar mais confiante, apesar de falar em seu tom de voz mais habitual.

           -Agora que você disse, tem mesmo algo que eu possa fazer. Não, que eu deva fazer! – Ele ficou de pé. – Acho que já me demorei demais com a minha decisão.

           Ela o estudou por alguns momentos, particularmente atenta àquelas sutis mudanças de expressão dele. Pelo que sabia dele, dificilmente ele sairia da organização. Nunca diria ao rapaz, mas sabia o que estava em jogo. Fantasmas não tinham muito que fazer, fora escutar os murmúrios dos planos astrais.

           -Tsk. Duvido que você tenha entendido o que eu propus de verdade, mas se chegou a alguma conclusão que te faça feliz, vá em frente. – Ela disse com sinceridade. – Agrada-me ajudar, sempre que posso.

           - E quem disse que você ajudou? – Ele perguntou irônico apenas para provocá-la um pouco. – Na verdade, nem havia problema, sabe? Eu estava apenas pensando em algumas coisas enquanto passava por aqui e aconteceu de conversarmos.  De qualquer forma, obrigado. Pela companhia, claro.

           Ela apenas riu, enquanto ele deixava o local. Aquilo era o mais próximo que conseguiria de um agradecimento daquele rapaz altivo e orgulhoso. Intimamente torcia para que ele fosse mais sensato do que ela imaginava e bolasse logo uma saída daquele mundo obscuro, antes que fosse envolvido por completo, como ela mesma fora outrora.

           - Não havia problema? Amar pode ser um problema, jovenzinho tolo... Mas espero que venha a ser uma solução também. Ao menos para você.

           De um ponto alto de Londres, a bela dama observava a cidade. O homem que se dissera enamorado por ela, envolvido em escuridão, fora o responsável por cortar-lhe a cabeça em outros tempos. Melancólica e solitária, ela ficou imóvel, encantando seus fãs de sites de histórias sombrias, enquanto lembrava-se dos tempos em que fora mais do que apenas o fantasma de Ana Bolena.


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Notas finais do capítulo

Editar a corrigir minhas fics tem estado um sufoco pois estou atolada de coisas da facul... Se acharem erros, antes de tudo peço desculpas. Se alguém puder mandar a correção de mansinho e educadamente via pm eu agradeço.
no mais, divirtam-se



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