.:: Narrado por Sakurai Sho ::.

   Por mais que eu gritasse seu nome ela fingia não escutar, continuava andando e descendo as escadas. Eu queria uma explicação do porque de sua resposta, por isso, não mais a chamei em voz alta e a segui. Seus passos estavam nos levando para uma sala vazia, com espelhos, imaginei ser a sala onde ensaiavam coreografias. Parou no centro da sala e esperou que me pronunciasse:

   - E então? Vai contar agora? – não obtive resposta, ela permaneceu calada.

   Mas que garota problemática! Diz que não sem explicar, sai vagando por aí e, de repente, para? Que coisa! Isso me irrita, essas pessoas que não sabem o que querem da vida, que pensam somente em si mesmas!

   - Sabe por que moramos aqui? Nessa mansão? – começou, de repente, a falar.

   - Não

   - Por que meus pais estavam cheios de mim. Viviam dizendo que eu não tinha mais jeito, que era muito rebelde... – estranhei aquela acusação. “Rebelde”? Como ela poderia ser rebelde se era tão quieta, a respostas para o meu pensamento veio logo a seguir: - era o que eu tentava explicar para eles, que eu não tinha nada de rebelde, que era quieta e se ia mal e voltava todos os dias machucada para casa a culpa era de qualquer um... MENOS minha.

   Parou por uns instantes e continuou:

   - Eu sofria bullying... Eu tentava, EU QUIS dizer para as pessoas ao meu redor, mas ninguém me ouvia! Eu era nada mais que alguém sem importância. Até mesmo para os meus pais. Foi então que eles compraram essa mansão para mim, com a desculpa de não me fazer mudar tanto de lar, apenas viveria sozinha. Nessa época eu estava começando o colegial, mas ainda sofria.

   “Foi então que eu conheci a Mitsuki, ela foi minha primeira amiga. Ela estava no penúltimo ano do fundamental. A gente se encontrava no intervalo, se alguém mexesse conosco, era ela que me protegia e dizia para eu fugir. Eu me sentia envergonhada: Mi-chan era menor que eu, mas tinha mais coragem. Nessa mesma época, entrou uma nova garota na minha classe, a Hana, irmã de Mi-chan, que logo ficou com má fama de delinqüente, o que nem era verdade, ela se juntou conosco e nunca mais fomos alvo de chacota.”

   Yuka falava isso como se fosse algo normal, não demonstrava tristeza, choque, medo, ou qualquer outra coisa parecida. Nem mesmo seus olhos estavam marejados. Muitos anos convivendo com isso, talvez?

   - Depois delas, vieram Hikari e Sakuya que já se conheciam e eram amigas – prosseguiu Yuka – Daí as convidei para morar aqui. Era um local tão vazio que chegava a me dar calafrios, mas tudo mudou quando elas vieram. A casa nunca mais esteve quieta. Sempre conversávamos, ouviam-se vozes: Estava cheio de vida. Por isso eu estava feliz, mas... – soluçou, estava a beira do choro, mas se esforçava para não fazê-lo – se essa turnê acontecer, não serão só nós cinco, vocês vão tirá-las de mim! E vou ser esquecida novamente! ISSO EU NÃO QUERO!

   Num primeiro instante pensei que isso fosse egoísmo demais. Se ela estava pensando que ia ser assim, as cinco juntas para sempre, estava muito enganada, as coisas podem mudar, o mundo está em constante movimento. Entretanto, notei uma pontada de razão, se elas eram as únicas que se preocupavam com ela, como ela viveria em um mundo com medo de sofrer de novo tudo pelo que passou sem ter braços para quem voltar para cuidá-la e tranquilizá-la?

   Solidão... Era o que aquela frágil menina a minha frente representava e transparecia. Egoísmo... Era o que ela tinha de sobra, mas advindo de um medo. Era igual a mim. Eu vivi estudando e estudando, pensando em ser aquilo que meus pais queriam, mas sempre sozinho. Entrei para o mundo artístico e conheci Ohno, Nino, Jun e Aiba, não me senti mais sozinho e não queria a separação da banda. Entretanto, também descobri que é possível ser feliz e viver sem eles, porque o que nos ligava não era a amizade, era algo maior...

   - Me diga... O que a música representa para você? – de início, Yuka ficou confusa com a pergunta, sentei-me ao seu lado e esperei que me dissesse.

   - Foi com ela que comecei a libertar tudo o que eu guardava dentro do meu coração, a me abrir sobre meus sentimentos. E assim, escrever músicas também soltava tudo o que eu havia lacrado para nunca mais me lembrar. Então... – pausou pensativa – a música representa a liberdade e a segurança. O momento em que posso ser eu mesma e o que me liga às meninas.

   - Viu só, é a música que te liga às suas amigas, mais até que a amizade que vocês sentem uma pela outra. Com a música ao lado de vocês, nunca estarão separadas e sim sempre juntas. 

   Esse algo maior era a música. Com ela nos sentíamos mais fortes e unidos. Era o elo mais forte que tínhamos. Era isso que eu não queria perder.

   - Não tem com o que se preocupar, vocês nunca serão separadas por alguém de fora, a não ser que roubem suas vozes, não é? – Yuka se levantou, fiz o mesmo.

   - Hahá... Você tem razão! Se continuarmos a cantar, nada poderá nos afetar! – Instintivamente me abraçou – Muito obrigada. Se não fosse por você eu estaria chorando mais ainda...

   - E aí? – retribui o abraço – Pronta pra voltar e dizer a todos que está de acordo?

   Nesse instante ela me soltou e se dirigia para a porta, mas virou-se para mim e cantarolou:

Tameiki hitotsu tsuitakara
Porque eu deixei um suspiro
Kata ga sukoshi karukunatta
Meus ombros, senti um pouco mais leve
Furimukanaiyo to tsuyogatta
"Não olhe para trás", disse para mim mesmo severo

   A partir desse trecho cantei com ela. Como eu havia pensado, nossas vozes tinham tudo a ver. Só esperava que ela cantasse a parte falada.

Jibun sae itoshii
Mesmo eu aprendi a amar
Mou sukoshi ato sukoshi
Um pouco mais, um pouco mais
Kirei ni kimi wo wasurete
Eu posso esquecer totalmente você
Atarashii boku ni umare kawareru hazuna no ni
Um novo eu nascer, mudando dentro para fora, tornando um ser transformado

   Essa foi sua resposta, simples, me dizendo que havia mudado com o que eu havia dito e que iria esquecer o passado. Essa música muito cantada por mim. Uma das minhas primeiras músicas solo. Como podia me esquecer: “Can’t Let You Go”.

   Virou-se e saiu em direção à escada. Tudo o que fiz foi segui-la.