Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Bem gente, como a personagem Anita tem um vocabulário bem peculiar, algumas pessoas tiveram dificuldade de compreender o que ela dizia. Então para facilitar a leitura, criei esse pequeno vocabulário com os termos que ela usa neste capítulo, ok? Espero que seja útil!

Helenaris - Helena
Allyris - Ally
Banhoris - banho
Amiguinharis - amiguinha
Coraçãoris - coração
Inspetoris - inspetor
Rindoris - rindo, dando risadas
Cara de pauris - cara de pau
Saicow - forma sonora da palavra em inglês 'psycho', que significa 'maluco, louco'
Casacoris - casaco
Esfarrapadaris - esfarrapada
Drogaris - droga
Mundoris - mundo
Desculparis - desculpa
Saiquice - derivado de 'saicow' - significa maluquice
Obrigadaris - obrigada

***
Também selecionei alguns termos mais difíceis que usei no texto, caso alguém não compreenda.

Fatídico - cansativo, enfadonho
Famigerado - que tem fama
"Mind the Gap" - Cuidado com o espaço - aviso sonoro e visual nas estações de metrô de Londres
Morfeu - (ou Morpheus)deus grego dos sonhos
Murmurar- falar baixinho. 'Murmurei' - falei baixinho
Indulgência - tolerância
Liechtenstein - é um pequeno principado que fica entre a Suíça, Alemanha e Áustria. é considerado um dos países mais ricos do mundo.

***
Música do Metallica : "Wherever I may roam" [http://www.youtube.com/watch?v=0Ji7gxWqZJ8]

Como vocês vão perceber, Roger Peterson não aparece neste capítulo, mas não se desesperem, ele volta logo. Mas antes preciso desenlvover parte da história de Ally para que vocês compreendam os acontecimentos futuros.

Beijos e boa leitura!



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PDV da Ally

De braços dados com minhas companheiras de Eurotrio Feliz, empunhando nossos guarda-chuvas, eu caminhava em silêncio tentando colocar minhas idéias em ordem, depois do furacão que passou pela minha vida e me tirou do meu eixo meia hora atrás.

Minha memória estava brincando de passa-e-volta com as cenas patéticas que eu protagonizei dentro daquela livraria e isto estava me deixando desconfortável, pois a cada vez que as cenas se repetiam na minha memória, automaticamente eu revivia todas as emoções daquele momento embaraçoso.

Não consegui evitar ficar me perguntando o que ele pensou de mim e da minha reação exacerbada. Tudo poderia ter sido diferente se eu tivesse controlado meus impulsos e escutado as desculpas que Roger tinha a dizer, seja lá o que fosse. Eu não estaria tendo que lidar com essa frustração, vergonha e descontentamento que estão me assombrando agora.

A chuva começou a cair mais forte e algumas gotinhas geladas agora tocavam meu rosto causando uma sensação gostosa na superfície da minha pele. Adoro sentir a ponta do nariz gelada com o friozinho e os cílios molhados por causa da umidade.

Segurei meus livros preciosos mais próximos do corpo para não encharcar meu recém-adquirido tesouro. As meninas caminhavam apressadamente em direção à boca de metrô do Piccadilly Circus, por onde havíamos chegado algumas horas atrás.

Penetramos no abrigo da estação de metrô escapando da chuva, que agora estava mais forte.

-Nossa, estou muito cansada – hesitou Helena em um tom preguiçoso – Ainda temos muitas coisas para fazer quando chegarmos ao alberguinho. Se vocês não se importarem, quero ser a primeira a usar a internet. Minha mãe dorme cedo, preciso falar com ela antes de viajarmos amanhã.

Era uma sorte esse albergue que escolhemos disponibilizar computadores com internet gratuita aos hóspedes, em momentos de plena exaustão como este, é a coisa mais conveniente que poderia existir. Todas precisávamos nos comunicar com nossas famílias antes de embarcarmos de volta ao Brasil.

Se apoiando na barra de ferro fixa na parede da estação, abaixo do letreiro informativo, enquanto aguardávamos o metrô na plataforma, Anita ponderou:

- Amiguinhas, então enquanto a Helenaris vai pra internet, eu vou tomar meu banhoris. Allyris você deveria arrumar sua mala enquanto eu tomo banho e a Helenaris fica na internet, assim fazemos um rodízio para ganharmos tempo e mais algumas horas de sono. O que acham?

- Tudo bem, como quiserem – respondi mecanicamente, sem conseguir esconder meu real estado de espírito – estou mesmo afim de finalizar esse dia o mais rápido possível. Não vejo a hora de cair nos braços de Morfeu e passar algumas horas inconsciente, sem ter que pensar...

Nesse momento as duas se viraram em minha direção com os olhos arregalados, espantadas com meu desânimo.

- Ok amiguinharis, agora vamos dar um abraço coletivo para você se animar! Vem aqui, vem... – E Anita escancarou os braços em minha direção e de Helena, nos envolvendo em um confortável abraço de urso e como sempre soltando sua contagiante risada fanha.

Aí eu não consegui resistir e caí na risada também.

Ainda bem que com essas amigas eu podia ter a certeza de que esqueceria esse fatídico dia rapidinho.

Então ouvimos o famigerado aviso sonoro, marca registrada das estações de metrô londrinas “Mind the gap” em nossa última noite na terra dos reis e rainhas.

Nosso metrô chegou...

- Alix, eu sei que você ainda está remoendo todo o episódio com o Roger Peterson, mas essa foi só uma pequena parte dessa experiência maravilhosa que a gente viveu, você não pode deixar que esse evento ruim se torne uma coisa maior e arruíne as memórias da viagem dos seus sonhos – Helena pontuou sabiamente enquanto nos acomodávamos dentro do metrô, que a essa hora da noite já estava vago e pudemos pegar três assentos livres, nossos favoritos, onde podíamos ficar umas de frente para as outras.

- Boa colocação, como sempre Helens, você tem toda razão. Não posso deixar uma pequena frustração tomar conta de mim. – Eu respondi hesitando, sem ter certeza de que meus sentimentos reagiriam da mesma forma, afinal, a vida inteira meus sentimentos sempre foram contrários às minhas idéias.

- É isso aí, Allyris! Gostei de ver. Ânimo, estamos indo pra casa! – Exclamou Anita enquanto brincava com umas mechas de seu cabelo cor de ferrugem, ainda úmido da chuva.

***

A noite se passou conforme o planejado e logo eu estava mergulhada em um sono profundo, desses que a gente nem sonha, de tão cansada físico e mentalmente.

Na manhã seguinte o café da manhã foi animado, na parte inferior do albergue, que à noite funcionava como pub. Ainda tinha alguns freqüentadores bêbados adormecidos nos bancos alcochoados do refeitório. Na televisão de plasma fixada na parede passava um videoclip de skatistas ao som de “Wherever I may Roam” do Metallica, meu hino e uma das minhas músicas favoritas.

“... but I’ll take my time anywhere

I’m free to speak my mind anywhere

And I’ll redefine anywhere

Anywhere I roam

Where I lay my head is home…”

“…mas vou passer meu tempo em qualquer lugar

Sou livre para dizer o que eu penso onde estiver

E vou redefinir qualquer lugar

Qualquer lugar por onde eu vague

Onde deito minha cabeça é meu lar...”

De repente fiquei animada e falante enquanto tomávamos nosso café da manhã sem pressa, afinal, conseguimos cumprir o horário que havíamos planejado.

***

 Quando me dei conta, já estávamos na sala de embarque fazendo comentários animados sobre a aventura que foi nosso caminho até chegar ao aeroporto Luton, que fica a cerca de 54km a norte de Londres, a tempo de fazermos o check in e, com sorte, conseguirmos despachar nossas malas enormes e abarrotadas, sem precisar pagar taxas de excesso de bagagem.

- Putz, fiquei sem fôlego...que correria louca! – Suspirei me sentando nas poltronas da sala de embarque

- Também, ninguém esperava ter tantos contratempos em um simples caminho da cidade até o aeroporto

- Eu quase morri do coraçãoris quando perdi meu ticket do metrô... o inspetoris ficou olhando para mim com uma cara de mau...

- Pelo menos ele percebeu pelo seu desespero que você realmente tinha o ticket, só que perdeu. Mas você precisava ver sua cara de pânico tirando tudo de dentro da bolsa enlouquecidamente, esvaziando os bolsos dos casacos e da calça! – Helena comentou rindo e eu complementei:

- Acho que ele estava segurando riso, pra manter a pose de inspetor!

- Vocês ficam rindoris porque não foi com vocês! – Anita protesta entre risos

- Pior foi aquele motorista de ônibus sem noção, que resolveu parar no meio do trajeto para tomar um cafezinho! – Exclamei indignada

- Mas que coisa mais maluca, nunca vi isso na vida, o motorista interromper o trajeto do ônibus – especialmente que conduz passageiros ao aeroporto – para fazer um lanche! – Helena completou

- E a cara de pauris dele respondendo quando a Allyris perguntou por que parou! “Está na hora do meu intervalo para o café”. Aquele cara é muito saicow, não merece confiança...

- Bem, que bom que não vamos mais precisar dele, Anitz...

- É, mas por muito pouco não perdemos nosso vôo. Por sorte a moça do guichê de check in permitiu que despachássemos nossas malas no último minuto. No final das contas, até que os britânicos têm algo em comum com os brasileiros... eles se compadecem dos sufocos que os outros passam - Comentou Helena pensativa.

-É verdade – Anita concordou – quando passamos no aparelho de raio X eles nem questionaram porque a gente estava usando tantos casacoris!

Caímos as três em gargalhadas, lembrando da cena constrangedora de Helena e Anita tirando as cinco camadas de casacos, botas, meias, metais, etc, para passar no aparelho de raio X.

- Nunca vou esquecer a cara im-pres-sio-na-da do policial enquanto vocês faziam aquele strip bizarro! – Comentei mudando de posição na poltrona

- Pior foi a desculpa esfarrapadaris da Helenaris: “It’s cold” (está frio) – em pleno outono usando cinco casacoris? Isso não existe!

- Vocês me matam de orgulho aprontando essas maluquices! – Suspirei sem fôlego, me contraindo de tanto rir das duas.

A essa altura já estávamos rindo tão alto que boa parte das pessoas que aguardavam seus vôos na sala de embarque estava reparando no nosso acesso de riso descontrolado.

Fomos salvas pela chamada para embarque imediato do nosso vôo, quando as pessoas começaram a se organizar para entrar na aeronave e pararam de prestar atenção em nosso comportamento estranho.

A aeronave era minúscula, também não podíamos esperar muita coisa de um vôo comprado a £15,00 pela internet. Na Europa inteira passagens aéreas são muito baratas, mais até do que de ônibus e trem, mas em compensação, não há conforto nenhum nos vôos.

Porém, fui vencida pelo cansaço. Logo que nos acomodamos dentro da minúscula cabine do avião, eu já estava cochilando sobre meu travesseirinho de viagem, tentando recuperar um pouco as energias depois de ter passado por tantos contratempos até chegar ao aeroporto Luton.

Acordei com o aviso de reposicionar as poltronas para pouso da aeronave, não havia me dado conta de que as duas horas e meia de vôo passariam rapidinho. Olhei para minhas amigas sentadas ao meu lado. Elas também estavam acordando com aquela cara de ‘a gente já chegou?’

Tivemos sorte que não precisamos esperar muito para pegar o vôo seguinte, direto para o Brasil. Agora sim teríamos direito a refeições, filmes, cobertores para passar as longas oito horas de viagem.

Nas primeiras três horas conversamos animadamente olhando nossas fotos nas câmeras de cada uma e fazendo comentários hilários sobre as pessoas, roupas, lugares, e sobre nós mesmas. Quando as fotos foram se aproximando das que tiramos na feirinha de Camden Town ontem, Anita comentou:

- Mas que drogaris, naquela confusão toda na livraria, a gente esqueceu de pedir pra tirar foto com o Roger Peterson! Faria o maior sucesso quando a gente contasse para todo mundoris.

Eu e Helena nos entreolhamos, ela pareceu meio nervosa, como se Anita tivesse falado algo proibido. De certa forma ela estava certa, eu na verdade não estava muito afim de relembrar tudo aquilo, sei que não foi o fim do mundo, mas uma coisa que não aprendi ainda foi a perdoar facilmente meus próprios erros.

E ter perdido a oportunidade de falar amigavelmente com Roger Peterson, tirar foto... enfim, fazer o que fãs costumam fazer quando encontram seus ídolos, foi um erro imperdoável em meu modo de ver.

Mas mais uma vez não quis deixar minha amiga desconfortável só porque ela falou a coisa errada na hora errada, como sempre.

- É uma pena mesmo Anitz, eu também queria ter tirado fotos com ele, vocês sabem disso mais do que ninguém – murmurei pensativa, fazendo um leve beicinho. 

- Ôoo amiguinharis, eu não devia ter tocado nesse assunto, você já estava esquecendo, não é verdade? Me desculparis? – Ela fez aquela cara de cachorrinho que caiu da mudança...

- Relaxa Anitz, não precisa ficar se desculpando por cada saiquice que você fala. Eu sei que você não tinha intenção de me chatear. – Hesitei por alguns segundos e continuei, me digirindo agora não só à Anita, mas também à Helena, que me ouvia atentamente – Mas eu queria pedir um favor de amiga a vocês

- O que você quiser! – Anita exclamou imediatamente

- Já imagino até o que você vai pedir, mas vá em frente, pode falar... – Helena completou

- Bem, eu sei que vocês – nós - estamos muito animadas para contar todos os detalhes da viagem pra todo mundo quando a gente chegar em Fortaleza. Mas eu queria que vocês não tocassem no assunto do Roger.

- Como não Allyris?!  - Uma ruga de interrogação se formou entre as sobrancelhas de Anita

- Ah gente, imaginem só se essa história cai na boca do povo, todos virão atrás de mim pedir para que eu conte detalhes. Vou ter que passar pela tortura de lembrar aquele episódio vergonhoso cada vez que for repetir a história para alguém.

- É, não é justo com você... – Helena interveio em minha defesa – ...mas a gente podia contar uma versão simplificada da história, excluindo os detalhes fatídicos...

- Mesmo assim vão me perguntar e eu vou lembrar da confusão inteira. Por favor, gente, é importante pra mim!

Vencidas, as duas se entreolharam e responderam sem muita convicção:

- Claro, não vamos morrer se não contarmos esse detalhe pequeno de nossa viagem

- Obrigadaris, vocês são as duas amigas mais saicows do mundo, mas eu amo vocês mesmo assim! – Encerrei o assunto satisfeita com a compreensão das minhas companheiras

Gradativamente as luzes da cabine começaram a diminuir de intensidade, dando lugar a uma iluminação azulada, que convidava ao descanso. As telinhas de vídeo que ficam nas traseiras das poltronas se acenderam e começou a exibição de trailers para o filme que seria exibido durante o vôo.

Fiquei animada, pois ver filme é uma excelente forma de passar o tempo em vôos longos. As meninas não se interessaram muito, pois o filme não tinha legenda, então cada uma virou para um lado e adormeceu rapidamente.

Para minha surpresa e desespero, quando os créditos iniciais do filme começaram, eu logo reconheci o símbolo da produtora do último filme estrelado pelo Roger, que estaria estreando nos cinemas em algumas semanas. Mas em vôos internacionais costumam passar filmes que ainda não estrearam nas salas de cinema.

“Isso só pode ser brincadeira” Pensei, rindo da ironia da situação “Bem, não posso fugir disso. Além do mais, eu já tinha planos de quando chegasse a Fortaleza ir assistir a pré-estréia de ‘Nada é para sempre’,” filme mais recente do Roger, depois do fim daquela sequência de filmes adolescentes que fez com que ele ficasse tão famoso “E é uma bela forma de vencer mais duas das intermináveis oito horas de vôo até chegar ao Brasil”.

Assim, concedi a mim mesma a indulgência de assistir sem culpa esse filme que esperei por tantos meses. Era uma história sobre dois jovens que se conheceram em momentos muito conturbados de suas vidas, e mesmo sem querer, continuavam se encontrando por acaso. Mas quando eles finalmente percebem o quem sentem um pelo outro e se entregam, a vida dá um jeito de separá-los impiedosamente.

Eu, como fã, não pude evitar ficar orgulhosa de vê-lo desempenhar tão bem um personagem tão complexo depois de ter ficado marcado como o ‘galã juvenil’.

A estratégia funcionou e, logo que o filme acabou eu já estava bocejando e me enrolando em meu cobertor de flanela com estampa da bandeira da Inglaterra. Dormi um sono tão pesado e gostoso que perdi a hora da refeição.

Felizmente, quando acordei faltavam poucos minutos para finalmente aterrissarmos em solo cearense. Viajar é muito bom, mas se eu pudesse usar algum recurso de tele-transporte, toda a experiência ficaria ainda mais interessante e menos estressante. Aeroportos são o lugar mais chato de se estar.

Ao pisarmos em solo cearense fomos recebidas ‘calorosamente’ pelo ‘bafo’ quente, típico de final de primavera em Fortaleza. Essa mudança súbita de ambientes com certeza vai resultar em uma tremenda gripe. E eu já estava sentindo saudade do friozinho de Londres...

Encontramos nossas famílias reunidas esperando por nós. Os pais de Helena e seu namorado Ricardo, os pais de Anita e seu namorado Michel e minha mãe Isis com meu irmão Max e sua namorada Gabi. Bem, meu pai faleceu quando eu tinha cinco anos de idade.

Saímos da área de reclames de bagagem e nos juntamos ao grupo, enquanto eles faziam a maior festa, todos falando ao mesmo tempo, fazendo perguntas, nos beijando e abraçando. Depois dessa breve recepção, concordamos que estávamos bastante cansadas e gostaríamos de ir para casa, afinal, com a diferença de quatro horas do fuso horário, enquanto no Brasil era oito e meia da noite, em Londres já passava da meia-noite. Nossos corpos pediam descanso urgentemente.

Quando chegamos em casa foi aquela folia, distribuí os presentes de minha mãe e do Max, também trouxe umas lembrancinhas para a Gabi. Mostrei todas as coisas interessantes que eu trouxe de lembrança, peças decorativas, meu cobertor coma bandeira da Inglaterra e meus preciosos livros. Conectei a câmera na TV para exibir as fotos e vídeos, e mal o slideshow iniciou, meu telefone tocou.

Minha mãe disse que podiam esperar eu atender para que pudéssemos ver tudo juntos, mas eu assenti com a cabeça, permitindo que eles seguissem sem mim. Eu já conhecia as fotos até de trás para frente.

Quando atendi o telefone, antes mesmo de dizer “alô”, ouvi aquela  voz autoritária que eu bem conhecia, do outro lado da linha.

-Alicia Curtis! Anote logo na sua agenda antes de inventar qualquer outro compromisso: almoço comigo no Nippon Mundi amanhã às onze e meia. Tô afim de comer sushi e conversar. Não aceito não como resposta, e tenho dito!

- Boa noite Daisy, eu também senti saudades de você – Respondi sorrindo

Daisy é minha amiga de infância e quarta integrante do meu grupo de amigas-irmãs. Ela não pôde viajar conosco por causa de alguns compromissos profissionais, mas acho que no fundo o motivo foi o Luciano, seu namorado chato e ciumento, que não achava ‘apropriado’ sua namorada viajar sozinha com as melhores amigas e ficar distante por um mês.

- O Luciano também vai almoçar com a gente? Vai ser aquela conversa social com censuras anti-namorados? – Perguntei diretamente, pois ela sabia que eu não simpatizava muito com seu ‘bem-amado’

- Não, ele não vai, sua ridícula! – Daisy caiu na gargalhada - Confessa que você está morrendo de saudades de mim e me quer só pra você, vai!

- Claro que não, porque eu sentiria saudades de uma criatura altamente saicow e sem noção como você? – Eu realmente estava com saudades de implicar com ela, entre nós não existe tempo ruim.

- Eu também te amo tá? Anita e Helena estarão presentes, vamos fazer nossa velha mesa redonda e debater cada segundo que eu não participei dessa fatídica viagem de vocês. Tchau mesmo!

- Mas não foi fatíd...

Tu tu tu tu tu tu tu

Quando é que a Daisy vai perder essa mania de desligar o telefone sem esperar a gente dizer tchau hein? Nossa, isso me dá nos nervos. Mas é a Daisy, eu já devia estar acostumada.

Parei no meio do meu quarto – só agora percebi o quanto senti falta das minhas coisinhas, da minha cama, meu cheirinho... meu banheiro principalmente! – meu pensamento tomou um rumo que eu não esperava naquele momento. Lembrei do Davi, irmão da Daisy.

Bem, essa é uma história complicada... Davi é amigo de infância do meu irmão, assim como minha amizade com Daisy, eles são inseparáveis. Não lembro ao certo em que momento da minha vida eu comecei a desenvolver um sentimento além de amizade por ele, só lembro que eu ainda era uma garotinha, devia ter uns 12 anos. Desde então, quando Davi percebeu minha afeição por ele de uma forma diferente, mudou completamente o tratamento comigo. Antes era carinhoso, brincalhão, e como  Daisy, não tinha reservas.

Ele começou a se distanciar de mim e me tratar com um desprezo que às vezes beirava a crueldade. Sempre procurava deixar claro que eu seria a última das opções para ele, como se nada que eu fizesse pudesse mudar aquilo.

E eu, não sei exatamente o que me motivou a continuar nutrindo sentimentos por ele, mas com o passar dos anos, cada vez tentava sem sucesso agradá-lo mais, tentava ser tudo que ele esperava em uma garota. Às vezes ele até mostrava algum reconhecimento, mas não por muito tempo. Logo procurava sair com minhas amigas ou fazer qualquer coisa que magoasse meus sentimentos por ele.

Essa relação com o Davi me esgotava emocionalmente, mas ele é o tipo de pessoa que nunca poderia sair da minha vida, já que é melhor amigo do meu irmão e é irmão da minha melhor amiga. Me acostumei de tal forma com a situação, que mesmo tendo tido alguns namorados e paqueras, ele sempre esteve presente dentro de mim, e de algum modo, creio que meus ‘ex’s no fundo percebiam nosso estranho relacionamento.

Me dei conta de que esse mês de viagem, foi também um mês de férias de meus sentimentos doentios por Davi. Que incrível! Estava tão leve...

De repente comecei a sentir tomar conta de mim uma auto-confiança que não tinha há anos, estava pronta para encarar Davi sem temer ser desprezada ou humilhada por ele. Isso seria algo novo para mim. Não vejo a hora de encontrá-lo e mostrar essa grande mudança em minha personalidade. Quem sabe assim ele passaria a me valorizar mais?

Despertei do meu devaneio percebendo que estava parada e sorrindo feito boba no meio do meu quarto. “Preciso voltar logo para a sala antes que minha mãe venha verificar se aconteceu algo comigo”. Eu não costumava falar sobre esses assuntos com minha mãe nem com Max, mas era claro como o sol, para qualquer pessoa que olhasse para mim, que eu era irremediavelmente apaixonada por Davi.

Caminhei cheia de esperanças pelo corredor, com um sorriso contido no canto da boca que minha mãe identificou imediatamente ao me ver.

- Hum,quem foi que ligou para você que lhe deixou tão sorridente hein mocinha?

“Droga! Minha mãe não deixa passar nada! Parece que o passatempo favorito dela é ficar analisando minhas expressões.” - Odeio quando ela me trata como adolescente.

- Era só a Daisy convidando...ou melhor, intimando para um almoço amanhã. Já sabe né, ela vai fazer a Santa Inquisição e não vai se dar por satisfeita até que a gente descreva detalhadamente cada lugar, cada foto, cada pessoa, enfim cada segundo da viagem – Expliquei pegando uma almofadinha e me sentando ao pé do sofá, próximo das pernas de Isis.

- E você não está animada? Vocês não adoram fazer as famosas ‘mesas-redondas’ para discutir a vida de vocês?

- Sim, claro... mas repetir detalhes de viagem é muito cansativo. Ainda bem que a Anita e a Helena também vão, assim vou poupar minhas cordas vocais e deixar que elas sejam as oradoras oficiais do Eurotrio Feliz.

- Eurotrio Feliz? – Minha mãe indagou rindo do nome inusitado

- É, foi um apelido que nos auto-intitulamos, pois nosso combustível de viagem foi basicamente o Mc Lanche Feliz. Era o que comíamos praticamente todos os dias no almoço e jantar

- É por isso que você está com essa cara amarela, que absurdo!

- Ah mãe, relaxa, não quero ver um hambúrguer tão cedo.

Enquanto discutíamos minha dieta balanceada de viagem, o telefone do meu irmão tocou:

- Diz cara. Não, combinei nada não. É, pode ser, vou falar com a Gabi. Tá beleza, pois me liga amanhã confirmando o horário, beleza? Falô, viado!

Era o Davi. Tenho certeza. O Max só falava daquele jeito carinhoso como ele... ai meu Deus, será que ele vem aqui em casa? De repente uma onda de pânico tomou conta de mim e aquela garota segura e cheia de coragem de quinze minutos atrás fugiu de repente, sem deixar recado.

Acho que eu ainda não estava tão preparada para reencontrá-lo afinal de contas. Mas eu estava a salvo, pois tinha certeza de que o almoço amanhã com minhas amigas seria suficiente para ocupar o restante da tarde e a noite também. Esse quarteto quando se reúne é capaz de discutir até os problemas políticos e econômicos do principado de Liechtenstein por horas a fio.

Com sorte, as meninas estarão bastante inspiradas amanhã, e ao final da reunião já será muito tarde da noite para que o Davi esteja visitando minha casa.

Essa idéia me tranqüilizou e então mais relaxada, voltei a prestar atenção na sessão de fotos e vídeos que estava sendo exibida na sala do meu apartamento. Mas não demorou muito e pouco a pouco o cansaço começou a voltar com força total e antes que eu adormecesse no chão da sala, me pus de pé, dei boa noite à minha mãe e Max e me dirigi ao meu pequeno refúgio.

Peguei alguns itens de banho que estavam em minha nécessaire dentro da mala, minha roupa de dormir, e fui tomar um banho frio para aliviar o calor e dormir fresquinha. Se havia uma coisa da qual eu não sentia a menor falta em Fortaleza, era do calor.

Eu poderia viver nessa cidade feliz para sempre se ao menos a temperatura fosse uns 15 graus mais baixa e se rolasse uns 15 shows de bandas grandes a mais por ano. Eu não vivo sem música, e me dói saber que minhas bandas favoritas estão se apresentando em São Paulo e no Rio, a cada fim de semana uma banda diferente, e eu preciso escolher um ou dois por ano para ir. Porque a passagem de avião daqui para o sudeste é cinco vezes o valor dos ingressos, que já não são tão baratos.

Chegar até o banheiro contornando todos os obstáculos espalhados pelo chão foi quase uma maratona, mas enfim tomei minha ducha, fazendo notas mentais do que precisaria fazer no dia seguinte:

“Separar uma roupa legal para o almoço com as meninas, colocar as roupas sujas para lavar, organizar meus novos objetos decorativos nas prateleiras e murais, guardar todos os papéis, tickets, mapas, tudo referente à viagem, em uma caixa e depois decorá-la com temas da Inglaterra”.

A simples lembrança de papéis, mapas, tickets, etc, me trouxe à memória outro papelzinho que eu já tinha até esquecido. Meu deu um calafrio, fechei os olhos e pensei “Esse eu vou guardar lá no fundo da caixa. O que os olhos não vêem, o coração não sente”.

E assim me deitei e, em poucos minutos, estava mergulhando no sono mais profundo.

Espero não perder a hora do almoço amanhã.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam??
Me diverti muito escrevendo esse capítulo, pois muitas das cenas que descrevi aqui aconteceram de verdade, então como dizem "relembrar é reviver", e eu revivi todas as situações cômicas com minhas amigas loucas!

Deixem suas opiniões, para mim é muito importante saber se estão compreendendo as loucuras que descrevo e se estão gostando dos personagens e da história.
Próximo capítulo vai ter bastante emoção.
Aguardem!

Muito obrigada às pessoas que deixaram review. Fiquei muito satisfeita em saber que ao menos algumas pessoas estão lendo minha história.

Confiram também meu blog, www.robenchanted.tumblr.com, onde estou sempre postando curiosidades sobre os detalhes de Coração Satélite e sobre minha paixão: Robert Pattinson!
Beijos e até a próxima,
Alê