Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

OBS1:
Esse capítulo apresenta a protagonista da história e suas amigas Anita e Helena. Todos as variações dos nomes delas que vão aparecer na história são apenas apelidos carinhosos entre amigas. Então Ally, Allyris e Alix são a mesma pessoa.Assim como Helena, Helenz e Helenris também são uma só pessoa. Anita e Anitz também são uma só pessoa, ok?
OBS2:
Há uma expressão que as personagens constantemente usam:"saicow". Essa é uma forma escrita de como a palavra em inglês "psycho" soa em português. "Psycho" significa pessoa louca. Portanto "saicow" significa exatamente a mesma coisa."Saiqueza" é uma variação de "saicow" e significa loucura.



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... Cinco meses antes


PDV da Ally

Sempre fui uma garota inquieta.Tenho uma paixão incondicional por viagens, na verdade não é bem uma paixão. É mais uma filosofia de vida. Me formei em letras porque idiomas são outra paixão na minha vida, e trabalhando com traduções, tenho liberdade suficiente para administrar meu tempo da forma que me for mais conveniente, especialmente quando preciso parar as atividades para enveredar em uma nova viagem.


Dessa vez o destino escolhido foi Londres, terra da Rainha, de Shakespeare, do Led Zeppelin e dele - balanço a cabeça em desaprovação - não, não atravessei o oceano só para visitar a terra da minha paixão platônica dos cinemas. É até meio ridículo, uma garota de 21 anos com paixonite por celebridades. Mas Roger Peterson não parece uma celebridade - tirando o fato dele ser lindo de doer,charmoso como só uma super-estrela de Hollywood pode ser - ele parece um cara normal, que não é afetado pelo glamour que envolve todo esse mundo artístico.... e ele é tão inteligente, gentil e..de repente meu devaneio foi interrompido pela voz de pato rouco de Anita, umas das minhas amigas loucas que toparam essa viagem maluca comigo - juntas formamos o Eurotrio Feliz.


– Ok amiguinharis, já decidi com a Helenaris que hoje, pra variar um pouco, não vamos comer no McDonalds - que você acha de comermos no Burguer King?? É até mais baratoris! - Ela falou com aquele sorriso irressistível de garota-propaganda de pasta de dente, como se fosse a opção mais inteligente do mundo.


Fazer o quê, às vezes a gente tem que fazer algumas concessões, eu já estava meio de saco cheio das futilidades das minhas companheiras e às vezes simplesmente fechava os olhos desejando que elas sumissem. Mas apesar dessas 'saiquezas' como ela costuma dizer, devo admitir que Anita e Helena são ultra-divertidas, sair com elas é garantia de risadas 100% do tempo.


– Tudo bem Anitz, mas vocês têm que me prometer que depois vamos dar um pulinho na Barnes & Noble, quero ver se garimpo alguma coisa boa e antiga antes de irmos embora, afinal hoje é nosso último dia.


–Êeee, tá vendo Helenaris, eu disse que era só falar com jeitinhoris que ela topava - Anita pisca para Helena orgulhosa por sua conquista.


–É sério Alix, se você quiser comer em outro lugar, tudo bem, você já aguentou fast food muito tempo por nossa causa - você sabe que pra gente só importa o preço, desde que a gente consiga economizar mais umas librazinhas pra comprar mais umas preciosidades naquela feirinha de Camden! Helena diz caindo na gargalhada.


– Certo gente, eu não me importo. Precisamos correr e comer logo para aproveitar o tempo bom - quase um milagre em Londres em pleno outono - acho que foi um presentinho de despedida da cidade para nós!


A comida inglesa é uma porcaria, a menos que você esteja disposto a gastar todas suas preciosas libras para comer em restaurantes de comisa francesa, japonesa, brasileira, todos caríssimos - não há aquela opção de comida boa e barata, lógico que os 'china' não contam!


Já estava com um aperto no coração por ter que deixar a terra dos lordes, da liberdade... me identifiquei com essa cidade de tal maneira, que apesar da chuva insistente que caiu na maior parte dos dias e é quase um cartão postal da cidade, eu já sentia saudade do friozinho, das pessoas excêntricas nas ruas, de ir para os pubs e tomar cerveja em jarras e o melhor de tudo: poder ir aos espetáculos de teatro e musicais mais tradicionais em qualquer fim-de-semana que me desse vontade.


Comemos nossa 'solução para baratear viagens' - leia-se 'kids' meal' - guardando o brinquedinho para dar de presente aos primos pequenos de volta em Fortaleza, e seguimos em direção à estação de metrô da King's Cross, nos despedindo do centro de Londres. Tentei gravar em minha memória o máximo que pude dos cheiros e prédios e jardins da cidade, seria bom recordar posteriormente quando estivesse de volta ao Brasil. O magnífico sistema de metrô londrino garantiria que atravessássemos a cidade a tempo para que eu pudesse finalmente pesquisar meus livros favoritos na Barnes & Noble.


O passeio pela feirinha de Camden foi muito divertido. Descobrimos barraquinhas com os objetos mais inusitados, como uma que vendia gaiolas decoradas para passarinhos. Eram verdadeiras obras de arte...poderiam até ser usadas como peças decorativas. Também tinha uma banquinha com chocolates ingleses, incrível, não consegui achar um sequer sem recheio de caramelo. Prefiro o 'Serenata de Amor' da Garoto.


Senti um cheirinho de ervas e fui seguindo o aroma até que me deparei com um quiosque em que a especialidade era o típico chá inglês. Chamei a Helena imediatamente, pois sabia que ela adorava eras coisas naturebas.


–Helens, vem cá, achei um verdadeiro tesouro para você gastar suas últimas libras! - Brinquei acenando para minha amiga que provava freneticamente diversos modelos de gorrinhos, cada um mais colorido e esquisito que o outro.


– Calma Alix, vou provar só mais uns três... - Ela fez beicinho e virou para olhar para mim, quando percebeu onde eu estava. Largou tudo e correu para meu lado e iniciou um processo demorado de cheira-experimenta que logo me fez arrepender de ter dado a idéia. 'Ai meu Deus, não vamos sair daqui nunca...', pensei comigo.


O restante da tarde passou sem que percebêssemos em meio a tantas coisas interessantes para ver, experimentar, tocar, cheirar...Tiramos fotos engraçadíssimas usando roupas de roqueiros punk - típico das pessoas de Camden Town - até levamos algumas cantadas que não entendemos direito, esse pessoal fala um inglês tão cheio de gírias que mais parece um dialeto.


Anita e Helena não me pouparam de vários micos, quando elas resolviam bancar as turistas matutas e escandalosas, ninguém segurava. Ouço ao longe alguém gritando meu nome e quando viro atordoada dou de cara com uma Anita enlouquecida do outro lado da feirinha, a uns 15 metros de distância acenando com as duas mãos e dizendo:


– Allyris adivinha o que eu encontreiiiii...você vai amar, tenho certezaris!! - Ela estava tão satisfeita dando uns saltinhos de felicidade, que não quis cortar o barato dela. Caminhei rapidamente em sua direção para fazer com que ela parasse de gritar.


– Gente, pelo amor...quando vocês estiverem pagando esses micos, se alguém perguntar de onde vocês são, digam que são italianas! - Eu não queria queimar mais ainda o filme dos brasileiros no exterior. O mínimo que precisávamos era ser conhecidos como os'turistas escandalosos e mal educados'.


–Ah relaxa amiguinharis, olha só quem está aqui, seu amor! - Ela estendeu para mim um blister desses de entrada de cinema em tamanho real de ninguém menos que minha paixão platônica - Roger Peterson. Fiquei sem fôlego e com a visão embaçada pelo que pareceu um minuto, mais do susto por causa do tamanho do boneco, parecia muito real.


– Calma sua saicow, é só um boneco de papelão! - Então me dei conta que era apenas uma fotografia, sorri um sorriso amarelo embaraçada e ficamos fazendo brincadeiras sobre levar o boneco conosco durante as horas restantes de nossa viagem. Por onde passávamos as pessoas sempre ficavam nos observando. Parece que não é comum por aqui as pessoas fazerem gracinhas em público como fazíamos.


Ai...bateu a nostalgia de novo. Temos mesmo que ir embora? Incentivei as meninas a fazer suas compras finais, estava ficando animada por que agora seria minha vez de ficar horas intermináveis escolhendo coisas. Não via hora de chegar na livraria! A noitinha foi caindo, no outono o dia já começava a acabar mais cedo, especialmente na Inglaterra que fica bem ao norte.


Eram quatro e meia da tarde e caminhávamos pelas ruas de Camden Town tirando fotos dos transeuntes estranhos - sem que eles percebessem, claro - e tomamos o metrô da linha preta em direção a South Wimbledon, em seguida fizemos a conexão em King's Cross, pegamos a linha azul escuro em direção a Hatton Cross e finalmente descemos em Piccadilly Circus, a estação mais próxima da Barnes & Noble.


Combinei com as meninas que se elas quisessem ficar passeando nas redondezas, de repente fazer um lanche enquanto eu me deleitava em meio aos meus autores favoritos e tentava escolher entre os milhares de títulos, apenas alguns para levar para casa.


– Está bem Alix, mas vê se não perde a noção da hora, quando chegarmos no alberguinho ainda temos que arrumar nossas malas e dormir cedo, pois nosso vôo é no Heathrow e vamos ter que percorrer um longo caminho de trem e ônibus até chegar lá. - Hesitou Helena tentando nos situar no tempo.


– Tudo bem, vou ficar de olho no relógio. Pontualidade britânica! Hehe..


Assim os 2/3 do Eurotrio Feliz seguiram rua abaixo procurando alguma distração, enquanto eu adentrei na livraria, como uma criança no parque de diversões. Com os olhos arregalados admirando o esplendor da decoração antiga, o cheiro de madeira e papel velho, fui caminhando entre as alas, dividas por gêneros e período.


De repente comecei a sentir calor e tirei o casaco, não sei qual o problema desses europeus, nem está tão frio lá fora, eles colocam o aquecimento nos ambientes internos numa temperatura tão alta que dá náusea. Amarrei meu casaco azul claro na cintura e segui procurando os títulos que constavam na lista que trouxe anotava no meu pequeno diário de viagem.


Jane Austen, T.S. Elliot, as irmãs Brönte, Hemingway, Dostoyevsky, algumas biografias sobre os astros do Rock britânico e um livro do escritor francês Françoise Sagon... Meu olhos percorriam as prateleiras ansiosos, em uma excitação incontrolável. Essa é uma sensação típica que toma conta de mim sempre que estou em meio a livros.


Dá uma vontade de sentar lá no chão, esquecer do mundo e me perder no mundo imaginário criado pelos autores, sentir as emoções como se eu fizesse parte das histórias... e foi ali, examinando os títulos na prateleira dos clássicos britânicos que encontrei o que procurava: uma versão atualizada para o inglês contemporâneo das obrar de William Shakespeare.


Era um exemplar volumoso com capa dura e letrinhas douradas, com as obras dispostas na ordem cronológica em que foram publicadas. Fiquei lá em pé com a cabeça baixa folheando o livro, algumas mechas douradas dos meus cabelos caindo sobre o papel fazendo um barulhinho engraçado cada vez que eu mudava de página. Parei no Soneto 116. Era um dos meus favoritos, descrevia o amor exatamente da forma como eu o via: puro, leve, fresco e permanente.


"De almas sinceras a união sincera

Nada há que impeça: amor não é amor

Se quando encontra obstáculos se altera

Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,

Que encara a tempestade com bravura;

É astro que norteia a vela errante

Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora

Seu alfanje não poupe a mocidade;

Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma, para a eternidade.

Se isto é falso, e que é falso alguém provou,

Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou"

Minha expressão devia estar muito engraçada sorrindo feito boba lendo aquele poema, fiquei imaginando se algum dia vou conhecer alguém nesse mundo que compartilhe um amor como esses comigo. É uma experiência que acho que todo mundo deveria viver pelo menos uma vez ao longo da vida.


Eu queria um amor como esse, pacífico, calmo, que não despertasse sensações extremas, devastadoras como acontece com a paixão. Paixões definitivamente não são para mim. Não saber o que vai acontecer no dia seguinte, o que esperar da pessoa de quem eu gosto é uma situação que me deixa desconfortável. Prefiro ser como um lago tranquilo, constante do que como um rio caudaloso que muda seu leito em curvas inesperadas e dimuniu seu volume de acordo com as estações.


De repente, em um impacto o livro que eu segurava estava voando pelo interior da Barnes & Noble, e eu girando em meu eixo desnorteada sem entender o que estava acontecendo. Fui acordada abruptamente de meu doce devaneio para enfim dar de cara com a coisa mais inusitada que poderia me acontecer.


De pé, na minha frente se materializava uma figura alta, de ombros largos usando uma camisa branca com gola 'V' e um moletom azul escuro com o capuz cobrindo a cabeça, algumas mechas do cabelo loiro acobreado desciam pela sua testa um pouco encharcadas - percebi que a chuva de Londres não nos abandonaria em nosso último dia - e os olhos em um tom azul-esverdeado que combinariam perfeito com a cor do meu lago, que eu havia construido nos meus devaneios minutos antes.


Balancei a cabeça como se isso fosse me trazer de volta à realidade e compreender o que acabara de acontecer, e me dei conta de quem era a pessoa que quase me atropelara e subitamente sacudiu meu mundo.

Oh- meu - Deus, era ele. Eu tinha certeza, conhecia aquele nariz reto, aquela boquinha perfeita. Estava diante do homem dos meus sonhos e simplesmente não sabia o que fazer ou o que dizer. Meus pensamentos não estavam conseguindo fazer sentido naquele momento, eu nunca fui fã de ninguém a ponto de ensaiar o que dizer caso encontrasse com meu ídolo por acaso na rua.


Na verdade, eu preferia não encontrar, me sentiria ridícula se falasse qualquer coisa, me sentiria ridícula se não falasse também. Mas meu maior medo era descobrir que aquele ídolo que eu tanto admirava não era exatamente como eu havia sonhado, então preferia ficar com minha imaginação do que ter um encontro como este que acabara de acontecer, nessas circunstâncias estranhas.


Era tudo que eu não queria. Ótimo. Essas coisas só acontecem comigo: ser atropelada por Roger Peterson dentro de uma livraria em Londres no meu último dia de viagem. Perfeito.


– Oh, hum... - Seu olhar era um misto de constrangimento e urgência. Ele olhava ansiosamente em direção à porta de entrada da loja e sem dizer mais nada e sem que eu tivesse tempo de falar alguma coisa, seguiu apressado e enfiou-se na primeira porta que viu e trancou-se lá sem falar com ninguém.


Indignação foi tomando conta de mim, senti um calor subindo pelo meu rosto e já sabia o que viria depois: enxaqueca. Quem esse cretino pensa que é para quase me assassinar (tudo bem, estou sendo dramática)... quem ele pensa que é para esbarrar em uma pessoa e nem ao menos pedir desculpas? Que grosseria!


A montanha-russa de sentimentos que tomava conta de mim estava pulsando nas minhas artérias aumentando ainda mais a enxaqueca. Primeiro o susto do impacto, depois a surpresa ao descobrir que a pessoa que esbarrou em mim era meu ídolo-amor-platônico, a esperança de poder falar alguma coisa com ele, a frustração por não ter conseguido dizer nada, e por fim, a decepção com a indelicadeza dele. Essa foi a pior.


Fiquei circulando pela loja incapaz de me concentrar em mais nada, não podia sair porque prometi esperar pelas minhas amigas lá dentro, mesmo assim não poderia sair por causa da chuva. Eu não tinha levado meu guarda-chuva, já que o clima tinho cooperado bastante ao longo do dia. Eu deveria simplesmente ignorar o acontecido e seguir minha vida normalmente, afinal poderia ter acontecido com qualquer um. Mas eu me recusava a deixar pra lá. Tinha essa ridícula sensação de que ele tinha obrigação de se desculpar comigo, pois eu era uma fã, merecia tratamente especial. Que coisa mais boba de se pensar, mas naquele momento eu regredi, parecia uma garotinha de 10 anos de idade. Eu só queria um pouco da atenção de Roger Peterson.


Me plantei ao pé da porta por onde ele tinha passado com um livro de fotografias sobre a história do Rock n' Roll nas mãos, assim ocuparia meu tempo até que ele resolvesse sair da tal sala secreta e as meninas chegassem. As fotografias antigas dos Stones novinhos, David Gilmour, Robert Plant, Sid Vicious e outros astros da música britânica me mantiveram distraída por uns dez minutos, quando a voz estridente inconfundível de Anita ressoou dentro da loja.


Me levantei e caminhei até elas, e pude observar que tinham um pacote do Subway e um copo de coca-cola nas mãos, com certeza trouxeram para mim, para ganharmos tempo na volta para o albergue mais tarde.


– Quelhiiiiida pensamos que você tinha morrido sufocada no calor dessa loja. Que cara é essa de funeral? O que aconteceuris? - Só Anita para me fazer rir nesse momento de raiva e dor-de-cabeça. Deus, preciso de um remédio urgente. Eu sorri balançando a cabeça de um lado para outro.


Minhas amigas me salvando de mim mesma, como sempre.


– Toma amiguinha, trouxemos seu jantaris, assim não precisamos mais parar na lanchonete antes de voltar pro alberguinho. Afee que sufocamento! - Anita estendeu o pacote e a coca-cola para mim enquanto se abanava e tirava cachecol, casaco, gorro, tudo que a estava incomodando.


Helena, como sempre a mais quieta, a observava sorrindo e segurava umas sacolas com compras e dois guarda-chuvas.


– Comprei para você Alix. Como tivemos que comprar novamente, peguei um para você também. O que foi que aconteceu? Porque você está com essa cara de dor-de-barriga? - Suas sobrancêlhas se juntaram formando uma expressão de interrogação e preocupação em seu rosto harmônico.


Eu não sabia se contava o ocorrido para elas ou não. Ainda estava chateada, se começasse a falar sobre o assunto, certamente elevaria minha dor-de-cabeça para os níveis mais críticos. Preferi enrolar um pouquinho até que meus ânimos se acalmassem. Pelo menos agora tinha minhas amigas para me distrair.


– Errr, tô bem, só com uma enxaqueca braba. Estava esperando vocês, como já achei o que queria, fiquei folheando uns livros legais com fotografias. E então, como foi o passeio? - Passei a bola para elas, eu sabia que não perderiam a oportunidade de contar nos mínimos detalhes as trapalhadas que passaram por aí, se virando com o inglês meia-boca que falavam.


Helena foi a primeira que se animou e começou o relato:


– Cara, essa sua amiga é muito saicow. Sorte sua que não veio com a gente, senão ia pagar os maiores 'king kongs' da sua vida! Como foi mesmo que você falou com o moço do Subway, Anita? "I want esse, but sem - e gesticulava negativamente com os braços - sem ônhons" Hahahaha desde quando cebola é 'ônhons' Anita? - E caiu na gargalhada seguida pela gargalhada fanha de Anita.


– Muito bem, ainda bem que vocês me pouparam dessa... - suspirei entre os dentes, me apoiando sobre o balcão do caixa enquanto passava meu cartão de crédito para a vendedora. De repente ouvi um click na porta e meus olhos se dirigiram imediatamente para a porta por onde Roger Peterson tinha passado quase meia hora atrás.


Eu já estava achando que aquela era uma saída de emergência e que ele tinha ido embora para sempre. Senti o coração saltar até a garganta quando o vi saindo de seu esconderijo, com a feição mais tranquila, mas ainda assim aparentando uma certa preocupação... ou seria constrangimento?


Ai meu Deus, ele está vindo na nossa direção! Agora meu coração parecia que estava pronto para correr os 100 metros rasos nas Olimpíadas. Não tive tempo de contar para as meninas, que os anjos permitam que elas não façam o escândalo que imagino que farão. Os sentimentos que despertaram minha enxaqueca voltaram com tudo quando ele se aproximou nervoso, com uma expressão mortificada.


Dessa vez antes que ele fugisse novamente, disparei meu discurso revoltado com toda a indignação que eu consegui reunir.


– Olha só moço, só porque você é famoso e.. lindo e... maravilhoso...err, isso não lhe dá o direito de pisar nas pessoas. - as palavras saíam como um avalanche, impossível de controlar o que eu dizia naquele momento - Nem toda fã é desesperada e escandalosa e quer se jogar em cima de você, sabia? Eu só queria dizer que... que... nem lembro mais o que eu queria dizer, mas seja lá o que fosse, não podia ser nada muito importante nem nada que você fosse digno de ouvir. - Putz, peguei pesado, mas não conseguia me controlar, parecia que eu estava em catarse, colocando tudo pra fora, me liberando desses sentimentos negativos que ficaram me consumindo nesses trinta minutos intermináveis - Um pouco de humildade não mata ninguém, você ainda tem muito o que aprender. E você acabou de perder uma das poucas fãs que lhe admiravam por quem você é, e não pela sua beleza.


A boca vermelhinha dele formava um perfeito 'O' enquanto ele assistia imóvel ao meu monólogo espetacular no meio da livraria mais conhecida da Inglaterra. Cadê minhas amigas que não me seguram numa hora dessas? Tudo bem, eu não avisei que surtaria inesperadamente na frente delas e do meu ex-ídolo-amor-platônico.


Elas provavelmente estavam tão chocadas quanto o próprio Roger Peterson, talvez até mais porque não sabiam do incidente que havia acontecido conosco. Mais uma vez, Roger reagiu de uma forma confusa e inesperada. Ele piscou umas duas vezes aqueles longos cílios escuros, e arregalou meus dois lagos azuis-esverdeados e murmurou


– Sinto muito, eu...eu... sinto muito mesmo. É que, err...tinha umas pessoas me seguindo na rua e fiquei apavorado, não gosto de multidões e.... bem, sinto muito.


Em um impulso, ele pegou um cartão de visitas do montinho que estava repousando sobre o balcão do caixa, escreveu qualquer coisa no cartão e estendeu-o para mim, sem mais explicações. Baixou a cabeça, colocou o capuz do moletom de volta e saiu da livraria penetrando na nuvem espessa de chuva até alcançar o carro que o aguardava do outro lado da rua.


Nós três ficamos lá paradas por uns bons minutos nos entreolhando como que em estado de torpor, até que Helena quebrou o silêncio nos despertando de nossa perplexidade.


– Pára tudo. Esse cara com quem você acabou de dar o maior piti não é o seu amor Roger Peterson? O que deu em você Alix? O que ele fez pra te deixar tão alterada? - A expressão dela era a de quem está tentando decifrar a esfinge.


Fiquei ali olhando pro nada, sem compreender direito minhas próprias emoções. A verdade é que nem eu sabia porque tinha reagido daquela forma tão infantil. Não queria bancar a ridícula, mas acabei fazendo o maior papelão justo na frente de quem eu jamais queria que acontecesse.


E agora estava aqui com cara de paisagem, arruinei o último dia da minha viagem dos sonhos, que deveria ter somente as melhores recordações. Agora sempre que lembrar da Inglaterra, a primeira imagem que vai vir à minha cabeça será a expressão mortificada do Roger assistindo meu espetáculo.


–Eu não sei - respondi siceramente à minha amiga. Não havia mais o que falar. - Baixou a louca em mim, não sei. Depois eu explico para vocês o que aconteceu. -Mas amiguinharis - Anita interrompe indagando como se fosse uma investigadora


– Porquê ele colocou um endereço nesse cartãoris que deu pra você? - Ela questionou analisando minunciosamente o cartão, que agora estava em suas mãos.


Silêncio.


– Endereço?? Eu e Helena exclamamos em uníssono.


– Deixa eu dar uma olhada nesse cartão, por favor Anitz. - Peguei o cartão das mãos de Anita, as pontas dos dedos ainda dormentes, o sangue finalmente estava voltando a circular no meu corpo depois do meu coração quase ter parado com a aparição inusitada de Roger Peterson. - Por que será que ele escreveu isso? De onde deve ser esse endereço? - Me perguntei em voz alta.


– Ainda temos um tempinho antes de ficar tarde para voltar ao alberguinho, você quer tentar descobrir? Podemos achar um internet café aqui nas redondezas e pesquisar. - Helena sempre era a mais coerente, tinha a cabeça no lugar e me passava uma sensação de segurança muito boa.


– Não sei Helens, não sei se quero ir atrás disso. Certamente não tem o menor sentido, ele estava nervoso, só queria se livrar da garota que gritava enlouquecidamente com ele (eu).


– Mas Alix, nós já estamos aqui, se não tentarmos procurar esse endereço agora, você nunca mais vai ter oportunidade de encontrar com ele novamente! - Helena insistiu, torcendo os cantos da boca como se estivesse falando algo muito óbvio.


Anita impaciente interrompeu nosso raciocínio querendo participar da conversa:


– Gente, será que esse endereço é da casa do Roger? Ai meu Deus amiguinharis, nós temos que ir lá pra comprovar! - E começou a dar saltinhos animados fazendo cara de 'por favor'.


– Hoje vocês estão mais 'saicow' do que nunca! Não acho que seja uma boa idéia. E tenho mil motivos para pensar assim. Primeiro porque não fazemos idéia de onde esse endereço seja. Segundo, é lógico que ele não escreveria o endereço da residência dele para uma pessoa desconhecida. Terceiro e principal: a última pessoa que ele deve querer ver nessa vida sou eu né!


Então as duas, em uma última tentativa de me convencer a iniciar uma busca sem sentido por um endereço que eu tinha quase certeza que ia darem lugar nenhum, perguntaram mais uma vez:


– Você tem certeza que não quer mesmo tentar Ally? Não haverá outra oportunidade - Questionou Helena vencida.


– É amiguinharis, o que você decidir a gente topa. Somos suas amigas, estamos aqui na alegria e na 'saiqueza', nas horas boas e nas horas difíceis dessa viagem. Afinal, quase nos tornamos um 'casalris' de três! - Anita puxa minha mão e passa o braço sobre meu ombro, nos encaminhando em diração à porta da livraria, que a essa altura, já estava quase na hora de fechar.


– Vamos embora pro alberguinho. Está decidido. - Respondi firmemente mesmo sem ter certeza se isso era mesmo o que eu queria de verdade. No fundo meu deu um aperto no coração, um medo de me arrepender de não ter tomado a decisão certa.


Mas estava cansada de todo esse stress , só queria voltar para o albergue e descansar meus pés e minha cabeça. Tentar me distrair de todo esse turbilhão de sentimentos enquanto eu preparava minhas coisas para finalmente ir embora pro Brasil. Seria uma noite difícil. Muito cansaço, mas a cabeça a mil. Como eu conseguiria dormir?



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Notas finais do capítulo

E então pessoal, o que acharam do primeiro capítulo? Por favor sejam sinceros, mas coerentes! Essa é minha primeira fic, ainda estou me familiarizando com esse mundo fantástico. De coração espero que gostem, estou criando essa história com muito carinho, espero que se apaixonem por ela tanto quando eu. :)Roger irá sumir um pouco no próximo capítulo, mas não se desesperem, ele não ficará muito tempo ausente!
Fiquem ligados, tentarei atualizar uma vez por semana.ok?
Mil beijos e até o próximo cap!