Acordei logo após o sol nascer. Meus olhos ardiam muito, e meu corpo queimava como nunca.

Eu sabia que ia morrer. A doença já estava tirando todas as minhas forças, e até mesmo pensar já me cansava.

Minha família... Não podia deixá-los... O que fariam sem mim, sua única filha, sua única herdeira? Não, isso não podia acabar assim.

A cada segundo vinham flashes de memória em minha mente. Lembrava de minhas brincadeiras com os vizinhos, de Abigail me dando broncas por me atrasar para o banho, os jantares com meus pais e suas demonstrações de afeto. Adorava quando meus pais me abraçavam. Adorava quando me davam atenção. Mas aí eu cresci. E já não precisava mais disso. Na verdade, no fundo, sempre precisei, e nesse momento precisava mais do que nunca.

Todo dia brincava com os Keat. Ria de todas as piadas de Samuel, mesmo as sem graça alguma. Com Anne, gostava de brincar de boneca. Mas as minhas bonecas eram sempre mais bonitas e elegantes que as dela.

Mesmo assim eu tinha inveja. Ela tinha um irmão muito legal e seus pais sempre estiveram com ela. Anne tinha sorte, muita sorte, mesmo sem ter coisas tão boas quanto as minhas.

Eu gostava muito de Samuel, mas não podia corresponder com a mesma intensidade que ele gostava de mim. A palavra gostar não é uma das melhores para descrever o que ele sentia por mim. Amar se encaixa melhor. Ele me amava, mas por ele eu sentia apenas amizade, nada mais. Assim mesmo, fazia ele achar que eu o amava. Não sei bem o porquê, vinha de dentro de mim... Acho que era apenas porque assim ele fazia todas as minhas vontades.

Os Keat ainda não vieram me visitar desde que fiquei doente. Acho que estão com medo de mim... Quero dizer, não medo de mim, medo da doença.

O médico vai vir da vila ainda essa semana. Ele prometeu.

Espero que venha mesmo... Não sei quanto tempo vou agüentar... Pode ser apenas algumas horas ou mais de uma semana.

Mas no fundo, ainda tenho esperança. Mesmo que em uma quantidade muito pequena, ainda tenho.

Ouvi passos.

O médico havia chegado.